Ucrânia: A estranhíssima “ofensiva de
Kursk”
O ex-diplomata e
ex-agente secreto britânico Alastair Crooke publicou contundente artigo a
partir da invasão da região de Kursk, na Rússia, por tropas da Ucrânia. no
site Strategic Culture.
Digo “a partir” porque
a análise de Alastair Crooke vai muito além do fato em si, no campo de batalha.
A partir deste, ele se dirige a outro campo de batalha, que alega ser mais
importante do que o primeiro: o das narrativas criadas e impostas ao público
leitor/ espectador, em seus diferentes níveis, por governos e mídias.
Em primeiro lugar,
caracterizemos o analista, pois Alastair Crooke não é um personagem qualquer.
Hoje com 75 anos, Alastair Crooke nasceu na Irlanda. Trabalhou no sistema
financeiro britânico, até entrar no serviço secreto do Reino Unido, MI6, onde
permaneceu durante mais de 30 anos, sob a camuflagem de ser um diplomata. Atuou
na Irlanda do Norte, África do Sul, Colômbia, Paquistão e Oriente Médio. Na
sequência, tornou-se diplomata dentro da União Europeia. Entre suas funções
desempenhou papel relevante conseguindo armas para os jihadistas lutarem contra
os soviéticos no Afeganistão.
No Oriente Médio, como
um dos enviados da União Europeia, atuou a partir da Embaixada Britânica em Tel
Aviv, procurando estabelecer pontes entre grupos islâmicos, como o Hamas e o
Hezbollah, e as forças israelenses, com quem, afirma-se, tinha bom relacionamento.
Depois de condecorado
pelo governo britânico em 2004, com a medalha da Ordem de São Miguel e São
Jorge, estabeleceu-se em Beirute. Fundou e dirige o site Conflicts Forum,
onde defende esforços de aproximação entre o Mundo Islâmico e o Ocidente. Alega
estar sendo censurado em plataformas como o Facebook e outras do Ocidente, sob
acusação de “fazer o jogo” de Vladimir Putin, coisa que nega. Desconheço e não
me cabe aqui discutir as motivações pessoais de sua labiríntica trajetória, de
que citei apenas resumidíssima síntese. Interessa a análise que faz da situação
das duas guerras entre Rússia e Ucrânia, a do campo de batalha propriamente
dito e a do mundo narrativo e de informação.
A principal tese
subjacente no artigo de Alastair Crooke é a de que não foi a Ucrânia que
invadiu Kursk, mas sim a OTAN através da Ucrânia. Esta tese rima com a de que a
guerra da Ucrânia, do ponto de vista Ocidental, é uma “proxy war”, uma
“guerra terceirizada” entre os Estados Unidos e seus aliados, e a Rússia. A
outra tese é a de que o objetivo da invasão foi tanto o de avançar no terreno
russo quanto — ou mais — o de criar um novo glóbulo narrativo que animasse uma
contenda que vinha sendo perdida pelo Ocidente no campo simbólico.
A partir daqui
desenvolvo meu próprio raciocínio, embora lastreado pelas informações mais
amplas do que as minhas que constam no artigo de Alastair Crooke, que podem ser
verificados pela leitura dele.
Desde sempre esta
guerra teve um impulso a partir do governo dos Estados Unidos, da OTAN, de seus
aliados geopolíticos (União Europeia, Reino Unido, Japão, os quatro outros
países do grupo das Cinco Irmãs e mais alguns anexos) e da mídia cooptada ou
conivente) no sentido de criarem uma narrativa pró-Ucrânia.
Devia-se apresentá-la
não só como merecedora da vitória, como Davi contra Golias, mas como a
vencedora, desde o início. Devia-se apresentar a Rússia como de joelhos diante
das sanções econômicas, e Putin como à beira da queda política e pessoal (a
mídia conivente inundou-se de matérias aludindo a doenças dele). A esmagadora
maioria da mídia ocidental comprou e vendeu esta perspectiva, assim como
comprara e vendera, no passado, a falsa tese das armas químicas de Saddam
Hussein no Iraque.
Não funcionou. Apesar
de alguns contratempos iniciais, a invasão consolidou o domínio russo sobre
grandes áreas do Donbass. As sanções econômicas prejudicaram mais os tutelados
europeus pela OTAN do que a própria Rússia. Putin nem fraquejou, nem se abalou,
nem caiu. Ao contrário, a pressão do Ocidente jogou-o nos braços da China, que
o recebeu de bom grado, conseguindo em troca o apoio de um dos dois maiores
arsenais de armas nucleares do planeta.
No campo de batalha a
contraofensiva ucraniana de 2023 fracassou. Apesar do esforço titânico da mídia
mainstream ocidental, propalando supostas vantagens ucranianas, estas se
provavam cada vez mais irreais e inconsistentes. A confiança dos aliados ocidentais
dos Estados Unidos e da OTAN começou a definhar. A pressão sobre a Rússia
provou-se uma contra-bomba de efeito moral: inflação crescente na Europa,
desindustrialização na Alemanha, preços da energia na estratosfera, com o corte
do fornecimento russo, alimentos muito mais caros, fármacos e insumos agrícolas
idem… recessão!
Os ataques de drones
ucranianos contra alvos russos, incluindo Moscou, pareciam picadas de mosquito
num elefante. Incomodavam, mas não furavam a pele do inimigo. Para reanimar o
espírito guerreiro na mídia, nos aliados e na opinião pública belicista, era
necessário um fato novo, inusitado. E ele veio: a surpreendente invasão de
Kursk.
Pelo pouco que se pode
saber numa guerra onde a informação precisa é escassa, nenhum objetivo militar
de maior porte foi alcançado. Forças russas não se deslocaram do Donbass
ucraniano para reforçar a defesa em Kursk. A central nuclear da região, que poderia
ser um objetivo interessante, continua em poder dos russos. A capital regional,
idem. Apesar de pego de surpresa, Vladimir Putin não se abalou nem tremeu. E
promete mais do que a recuperação do território ocupado: promete vingança.
No plano retórico,
porém, a situação é outra. O combalido governo de Kiev demonstrou poder de
iniciativa. Na mídia mainstream, a Rússia e Vladimir Putin ficaram “acuados”.
Criou-se uma onda favorável a reanimar a disposição de aliados já
recalcitrantes em apoiar militar e financeiramente o ralo sem fundo que o
governo de Kiev está cada vez mais parecendo ser.
Vai dar certo?
Depende. Talvez um paralelo histórico nos ajude a decifrar hipotéticas
respostas a esta pergunta. E aqui se ressalta uma outra dimensão do ataque em
Kursk: a simbólica.
Kursk foi o terreno da
batalha decisiva na Frente Leste da Segunda Guerra Mundial. Nela o conflito se
decidiu, mais do que em Stalingrado, mais do que na Normandia.
A batalha durou do
começo de julho ao fim de agosto de1943. Segundo vários especialistas, foi a
maior batalha da história humana. Outros, mais modestos, a definem como uma das
maiores batalhas. Todos, em todo caso, a descrevem como a maior batalha de blindados
que já houve no mundo.
No total foram
utilizados mais de dez mil blindados nela, sendo que metade deles foi
danificada ou destruída. As perdas humanas passaram do milhão, tanto quanto
pode se estimar, pois os dados são imprecisos, sobretudo do lado alemão, que
maquiava seus números. As perdas soviéticas foram gigantescas, mas a vitória
foi esmagadora.
O exército alemão teve
a iniciativa. Kursk era o que militarmente se chama de um “saliente”: um
enclave soviético em meio a um território tomado pelo inimigo. A ofensiva alemã
tinha por objetivo aniquilar este enclave.
Politicamente, o
objetivo de Hitler era parecido com o da OTAN/Kiev: retomar a ofensiva depois
do fracasso de Stalingrado, demonstrar aos aliados que a Wehrmacht ainda era
capaz de tomar a iniciativa, fossem esses aliados o Japão e a Itália, fossem
seus simpatizantes nos territórios anexados, como a Áustria, ou ocupados, como
na Croácia, na Romênia e na… Ucrânia, além de outros.
Nada deu certo. O
enclave resistiu até a chegada de reforços. Os nazistas tiveram que recuar, e a
partir daí, na Frente Leste, a iniciativa foi do Exército Vermelho, até a
tomada de Berlim, quase dois anos depois.
Dois fatores externos
ajudaram os soviéticos. Diante da hesitação de alguns de seus generais, Hitler
decidiu retardar o ataque ao enclave. Também pesou na sua decisão o desejo de
que os novos blindados fabricados na Alemanha, tecnicamente superiores aos antigos
e aos soviéticos, chegassem à frente de batalha. Curiosamente esta
superioridade técnica, que seria uma vantagem para os alemães, revelou-se
contraproducente, assim como na frente da aviação. A mudança inovadora dos
aparelhos dificultava a fabricação de peças de reposição. Enquanto isto, os
soviéticos continuavam produzindo os mesmos tanques T-34 de sempre, com
pequenas modificações, sobretudo na torre do canhão, dando-lhes maior
versatilidade.
A segunda vantagem
veio através dos aliados ocidentais. Ao mesmo tempo em que a Wehrmacht iniciava
o ataque ao enclave soviético, aqueles, depois de baterem os alemães no norte
da África, desembarcavam na Sicília, criando a Frente Sul na Europa. Hitler se
viu forçado a ordenar o deslocamento de tropas da Frente Leste para a península
italiana, enfraquecendo mais ainda o derrotado exército alemão diante do avanço
soviético.
A batalha de Kursk, de
81 anos atrás, lança uma sombra lúgubre sobre a iniciativa de Kiev. O paralelo
é inequívoco, com as forças ucranianas portando, entre outros, armamento
alemão, e com vários de seus militares decorando seus uniformes com penduricalhos
nazistas.
Ao invés de colocar
uma espada no peito de Vladimir Putin, a invasão de Kursk pode ter posto um
espinho no coração de patriotismo russo, o que pode ser fatal para Kiev.
PS – Desnecessário,
mas pertinente lembrar que o autor destas linhas não nutre a menor simpatia por
Vladimir Putin, nem pela invasão da Ucrânia. Mas também não tem o menor
entusiasmo por esta guerra estúpida, muito menos pela OTAN, nem por seu títere
em Kiev a também não pelos neonazis que infestam as forças armadas ucranianas.
Salvo em raríssimas ocasiões, e esta não é uma delas, uma mesa de negociação é
sempre melhor do que um campo de batalha.
¨ Ucrânia parece ter recebido carta branca para operações em
regiões russas, diz Moscou
Aparentemente, a
Ucrânia recebeu carta branca para operações em regiões russas, disse a
representante do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova.
A vice-secretária de
imprensa do Pentágono, Sabrina Singh, disse na quinta-feira (29) que os EUA
permitem que a Ucrânia contra-ataque a Rússia com armas norte-americanas
durante o ataque terrorista à região de Kursk. O coordenador de comunicações
estratégicas do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby,
disse na segunda-feira (26) que os Estados Unidos e a Ucrânia continuarão conversando
sobre o uso permitido de armas fornecidas pelos EUA para atacar território
russo, mas essas discussões permanecerão privadas.
"Conclusões
extremamente sérias decorrem de tudo isso. A Ucrânia recebeu carta branca
completa para operações em regiões russas. Além disso, o governo de Joe Biden
está obviamente se preparando para fazer novas concessões a [Vladimir] Zelensky
e desamarrar suas mãos para usar virtualmente qualquer tipo de arma
norte-americana, incluindo profundamente em território russo", disse
Zakharova.
De acordo com a
representante, o curso de escalada dos EUA está se tornando cada vez mais
provocativo.
No dia 6 de agosto, as
forças ucranianas cruzaram a fronteira para a Rússia e lançaram uma ofensiva na
região de Kursk. Comentando o ataque, o presidente russo Vladimir Putin disse
que a Ucrânia havia realizado outra provocação em larga escala, atirando indiscriminadamente
em alvos civis. Putin afirmou que o inimigo receberia uma resposta adequada nas
regiões de fronteira da Rússia.
O Ministério da Defesa
russo disse na quinta-feira que as tropas ucranianas perderam até 7.450
militares e 74 tanques durante a ofensiva na região de Kursk.
Nesta sexta-feira
(30), o chefe de política externa da União Europeia (UE), Josep Borrell,
afirmou que permitir que a Ucrânia use armas do bloco europeu para atacar o
território da Rússia não significa entrar em guerra com Moscou.
"Acho ridículo
dizer que permitir alvos dentro do território russo significa estar em guerra
contra Moscou. Não estamos em guerra contra Moscou", disse Borrell a
repórteres antes de uma reunião informal dos ministros da Defesa da UE.
Ninguém quer estar em
estado de guerra com a Rússia, mas ataques com o uso de armas europeias no
território da Rússia devem ser permitidos, acrescentou o principal diplomata da
UE, afirmando que o bloco pretende criar um centro de coordenação na Ucrânia para
fornecer assistência militar, mas o envio de instrutores militares ainda não
foi discutido.
"Estamos pensando
em ter um centro de coordenação na Ucrânia, não há acordo para treinar soldados
ucranianos em solo ucraniano com instrutores europeus", afirmou Borrell,
lembrando que os Estados-membros da UE esgotaram seus estoques militares devido
aos suprimentos para a Ucrânia.
¨ Um terço dos ucranianos apoia negociações com a Rússia se apoio
do Ocidente cessar, diz pesquisa
Duas entidades
inquiriram a opinião do público ucraniano, que foi revelado como tendo alguma
vontade de terminar o conflito dadas as condições apropriadas para isso.
Mais de um terço dos
moradores ucranianos acredita que Kiev deve iniciar negociações com a Rússia
para encerrar o conflito se a assistência ocidental for interrompida, de acordo
com uma pesquisa realizada pela Fundação de Iniciativas Democráticas da Ucrânia
e pelo serviço sociológico do Centro Razumkov.
Ucrânia deve agir se a
assistência militar dos países ocidentais diminuir ou parar. Assim, um pouco
mais de um terço (35%) [dos entrevistados] acredita que as autoridades
ucranianas devem iniciar negociações com a Rússia para acabar com a guerra,
23,5% que devem tentar congelar o conflito, mas não fazer quaisquer concessões
à Rússia", diz o resultado da pesquisa publicada no portal da Fundação
Iniciativas Democráticas.
Outros 21% dos
entrevistados acreditam que as autoridades ucranianas devem continuar as ações
militares mesmo que a assistência ocidental seja cortada. Além disso, cerca de
20% dos entrevistados acharam difícil responder.
A pesquisa foi
realizada de 8 a 15 de agosto, usando o método face a face. Um total de 2.017
pessoas com 18 anos ou mais foram entrevistadas, e a margem de erro não excede
2,3%.
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Zelensky pede para Índia sediar próxima cúpula da Ucrânia e recebe silêncio de
Modi
Vladimir Zelensky,
líder ucraniano, sugeriu que o primeiro-ministro indiano Narendra Modi
realizasse uma cúpula sobre a Ucrânia na Índia antes das eleições presidenciais
dos EUA em novembro, informou a Bloomberg nesta sexta-feira (30), citando
fontes.
A proposta teria
ocorrido durante a visita de Modi a Kiev na semana passada. Zelensky quer que a
reunião seja realizada como consequência da conferência sediada pela Suíça em
junho, garantindo assim o apoio do Sul Global, informou a Bloomberg.
No entanto, Modi ainda
não concordou em sediar a cúpula, em parte devido à insatisfação da Índia com o
fato de a Rússia ter sido excluída do processo até agora, de acordo com a
agência de notícias.
Em julho, Zelensky
disse à mídia francesa que queria ver a Rússia participar da próxima cúpula
sobre a Ucrânia, já que a comunidade internacional concordou que sua
participação era importante para alcançar "resultados significativos"
na resolução do conflito.
O vice-ministro das
Relações Exteriores russo, Mikhail Galuzin, disse à Sputnik, comentando a
próxima potencial conferência sobre a Ucrânia, que Moscou não aceita ultimatos
e não participaria de tais eventos.
A Suíça sediou uma
conferência de alto nível sobre a Ucrânia no resort Burgenstock, fora de
Lucerna, de 15 a 16 de junho. A Rússia não recebeu um convite, mas mesmo se
tivesse, não teria comparecido à conferência, disseram autoridades russas.
Fonte: Por Flávio
Aguiar, no A Terra é Redonda/Sputnik Brasil
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