sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Teóloga francesa Marie-Jo Thiel: “Adiar diaconado das mulheres é dizer que elas continuam subalternas”

“Adiar a questão do diaconado das mulheres para as calendas gregas é afirmar que as mulheres permanecem subalternas” e comprometer o alcance da necessária reflexão sobre os ministérios, nomeadamente o dos padres, na segunda sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade, que vai acontecer em outubro, no Vaticano.

Quem dá voz a estas denúncias, exprimindo o sentir de outras católicas e católicos, é a teóloga francesa Marie-Jo Thiel, num artigo publicado na última segunda-feira, 16, pelo diário Le Monde.

A tomada de posição desta professora emérita da Universidade de Estrasburgo, com mais um livro prestes a sair, sobre o celibato dos padres (La grâce et la pesanteur, Desclée De Brouwer, 2024), decorre do facto de o Papa Francisco ter retirado o tema da ordenação ministerial de mulheres da agenda sinodal.

Marie-Jo Thiel começa por lamentar que o Papa tenha utilizado uma entrevista televisiva, para se manifestar contra a possibilidade de as mulheres acederem ao diaconado ordenado, sugerida com mais ou menos força nas diferentes partes do mundo, aquando da auscultação das comunidades católicas nos planos diocesano, nacional e continental. As sessões sinodais, que reúnem membros do clero e leigos e leigas, embora estas em clara minoria, seria, do seu ponto de vista, a instância adequada para o diálogo e o discernimento sobre a matéria.

Porquê retirar o tema da agenda da segunda sessão, remetendo-o para uma comissão que, recorda ela, é já a terceira, sem que se tenham sequer tornado públicos os resultados das anteriores?

Refletindo sobre este aspeto, a teóloga convoca um assunto diferente, mas próximo, que deu grande polémica aquando do Concílio Vaticano II: o processo que conduziu à encíclica Humanae Vitae.

Nessa altura – estava-se na terceira sessão, em 1964 – os padres conciliares iniciaram o debate aberto do assunto do controlo da natalidade, quando, a dada altura do processo, o Papa Paulo VI decide avocar o assunto, entregando-o, depois, a uma comissão internacional e multidisciplinar. Esta, apesar de não ser especialmente aberta, acabou por manifestar-se favorável aos métodos anticoncetivos (o documento da comissão também não foi divulgado, mas as conclusões acabaram por vir a lume). Sabe-se o que viria a ser preconizado pela encíclica papal e a crise que a Humanae Vitae desencadeou.

•        “Um passo significativo e simbólico”

Observando o que se tem passado com as comissões nomeadas por Francisco sobre o lugar das mulheres na Igreja e o diaconado feminino, a teóloga francesa pergunta-se “porque é que o magistério não aprende com a sua experiência”, interrogando-se se criar comissões não será, como ocorre muitas vezes no campo político, uma forma de empatar, quando não de “enterrar as questões”.

Este tipo de procedimentos constitui um fator acrescido, segundo Thiel, para a desfiliação de muitas mulheres da Igreja Católica, especialmente entre as gerações mais jovens, por se aperceberem que, apesar dos discursos dos responsáveis eclesiásticos, elas continuam de facto “subordinadas” e que a sua liderança “é vista pela hierarquia como uma ameaça ao catolicismo”.

Contudo, a teóloga francesa entende que o tema do diaconado feminino não pode ser pensado ou decidido por si só, mas no quadro da reflexão sobre os ministérios, existentes e a criar. É urgente repensá-los e, em primeiro lugar, o do presbítero, sustenta. Isso implica romper com o clericalismo; considerar as propostas paulinas sobre os carismas; e mudar a disciplina do celibato opcional. Neste quadro, lança a interrogação talvez mais relevante: uma vez que todos os aspetos dos ministérios estão interligados, “ao retirar total ou parcialmente a questão dos ministérios femininos dos debates sinodais, não estaremos a privar a Igreja no seu conjunto de uma reflexão global sobre a sua conformidade com o Evangelho?”

“A igualdade de tratamento entre homens e mulheres não levará ao fim definitivo do clericalismo, nem aumentará o número de vocações ao sacerdócio e à vida religiosa”, admite Thiel. “Mas seria um passo significativo e simbólico em direção a uma Igreja mais inclusiva e participativa, implementando a sinodalidade”.

 

Fonte: 7Margens

 

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