Ramzy Baroud: ‘Guerra contra crianças –
crianças de Gaza não são vacinadas, estão famintas e orfãs’
A guerra israelense
contra Gaza se tornou uma guerra contra as crianças palestinas. Isso foi tão verdadeiro
em 7 de outubro quanto o é hoje.
Em 17 de agosto, o
Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, pediu um cessar-fogo de sete dias
para permitir que as crianças em Gaza fossem vacinadas contra a pólio. “Estou
apelando a todas as partes para fornecerem garantias concretas imediatamente,
garantindo pausas humanitárias para a campanha,” disse ele.
O primeiro caso dessa
devastadora epidemia foi descoberto na cidade de Deir Al-Balah, na faixa
central de Gaza.
“É cientificamente
conhecido que, para cada 200 infecções virais, apenas uma mostrará os sintomas
completos da pólio, enquanto os casos restantes podem apresentar sintomas
leves, como um resfriado ou febre leve,” disse o Ministro da Saúde palestino
Majed Abu Ramadan no mesmo dia.
Isso significa que o
vírus pode ter se espalhado por todas as partes da Faixa de Gaza, onde todo o
sistema de saúde foi em grande parte destruído.
O bebê palestino de
dez meses que foi o primeiro a contrair o poliovírus, como muitos outros, nunca
recebeu uma dose de vacina contra a doença.
Para evitar um
desastre ainda maior em Gaza, devastada pela guerra, a Organização Mundial da
Saúde (OMS), juntamente com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF),
disse que precisa vacinar 640.000 crianças em Gaza em um curto período de
tempo.
A tarefa, no entanto,
é difícil, já que a grande maioria dos gazenses está amontoada em campos de
refugiados inseguros – enormes acampamentos de tendas, na maioria em Gaza
central, sem acesso a água potável ou eletricidade.
Eles estão cercados
por mais de 330.000 toneladas de resíduos, que contaminaram ainda mais a água
já imprópria para consumo, que, segundo especialistas, pode ter sido a causa do
poliovírus.
O desafio de salvar as
crianças de Gaza é complicado pelo fato de que as bombas israelenses continuam
a ser lançadas em todas as partes de Gaza, incluindo as chamadas ‘zonas
seguras’, que foram declaradas por Israel logo após o início da guerra.
O outro problema é que
Gaza, há meses, vive sem eletricidade. Sem um sistema de refrigeração
eficiente, a maioria das vacinas pode se tornar inutilizável.
Mas há mais no
sofrimento das crianças de Gaza do que a falta de vacinação.
A partir de 19 de
agosto, pelo menos 16.480 crianças foram mortas como resultado direto da
guerra, além de milhares que permanecem desaparecidas, presumivelmente mortas.
O número, segundo o Ministro da Saúde palestino em Gaza, inclui 115 bebês.
Muitas crianças
morreram de fome, e “pelo menos 3.500 crianças em Gaza estão enfrentando (o
mesmo destino) em meio à falta de alimentos e desnutrição sob as restrições
israelenses à entrega de alimentos,” disse um porta-voz do ministério.
Além disso, até agora,
mais de 17.000 crianças em Gaza perderam um ou ambos os pais desde o início da
guerra em 7 de outubro.
Uma das principais
razões pelas quais as crianças de Gaza representam a maioria das vítimas da
guerra é que casas, escolas e abrigos para deslocados foram os principais alvos
dos bombardeios implacáveis.
De acordo com uma
declaração dos especialistas da ONU em abril passado, “mais de 80% das escolas
em Gaza (foram) danificadas ou destruídas.”
“Pode ser razoável
perguntar se há um esforço intencional para destruir de forma abrangente o
sistema educacional palestino, uma ação conhecida como ‘escolasticídio’,”
escreveram eles.
A tendência de atacar
escolas continua. Em 18 de agosto, o Ministro da Educação da Palestina, Amjad
Barham, disse que mais de 90% de todas as escolas em Gaza foram destruídas,
informou a agência de notícias oficial palestina, WAFA.
Das 309 escolas, 290
foram destruídas como resultado dos bombardeios israelenses. Isso deixou
630.000 alunos sem acesso à educação.
Embora casas e escolas
possam ser reconstruídas, as vidas preciosas das crianças mortas não podem ser
restauradas.
De acordo com o
Ministério da Educação palestino, a partir de 2 de julho, 8.572 alunos em Gaza
e 100 na Cisjordânia ocupada foram mortos pelas mãos do exército israelense.
14.089 alunos em Gaza e 494 na Cisjordânia também foram feridos.
Estas são as piores
perdas sofridas por crianças palestinas em um período relativamente curto desde
a Nakba, a destruição da pátria palestina em 1948. A tragédia piora a cada dia.
Nenhuma criança, muito
menos uma geração inteira de crianças, deveria suportar tamanho sofrimento,
independentemente da justificativa política ou do contexto.
O direito
internacional e humanitário designou um “respeito e proteção especiais” para as
crianças durante os conflitos armados, segundo as bases de dados de direito
humanitário internacional da Cruz Vermelha. Essas leis podem se aplicar às
crianças palestinas em teoria, mas certamente não na prática.
A traição dessas
crianças pela comunidade internacional manchará a consciência coletiva da
humanidade por décadas.
Efetivamente, esta é
uma guerra contra as crianças palestinas – uma guerra que deve parar antes que
uma geração inteira de crianças palestinas seja completamente apagada.
¨
Por que Israel continua a construir
assentamentos na Cisjordânia?
Cerca de meio milhão
de judeus vivem na Cisjordânia ocupada, em mais
de 130 assentamentos, sem contar Jerusalém Oriental.
Lá também é o lar de
cerca de três milhões de palestinos. As comunidades de palestinos e de judeus
vivem, de maneira geral, separadas umas das outras.
Desde o início
da guerra em Gaza,
conflitos também se intensificaram neste território.
No final de agosto,
Israel lançou a maior operação militar na Cisjordânia em 20 anos. E, neste domingo (8/9), três israelenses foram
mortos em um ataque num posto de controle na fronteira entre a Jordânia e a
Cisjordânia ocupada, segundo autoridades israelenses.
Esses assentamentos controversos são
considerados ilegais pelas Nações Unidas há décadas, uma posição reafirmada por
uma decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ) em julho.
Então, por que Israel
continua a construí-los?
·
O que são os
assentamentos israelenses?
Os assentamentos são
comunidades estabelecidas por Israel em terras tomadas na Guerra dos Seis Dias
de 1967, como a Cisjordânia, Jerusalém Oriental e as Colinas de Golã.
Cisjordânia e
Jerusalém Oriental tinham sido anteriormente ocupadas pela Jordânia desde a
Guerra Árabe-Israelense de 1948-49.
Israel também
estabeleceu assentamentos na Faixa de Gaza, tomada
do Egito na guerra de 1967, mas os desfez quando se retirou do território em
2005. Construiu ainda assentamentos na Península do Sinai, também tomada do Egito em
1967, mas os removeu em 1982 como parte de um acordo de paz com o Cairo.
Os assentamentos estão
espalhados pelo território palestino e são protegidos por tropas israelenses.
Isso os torna inacessíveis à maioria dos palestinos, a menos que eles trabalhem
para empresas israelenses dentro de assentamentos.
Como resultado, as
cidades palestinas são efetivamente isoladas umas das outras, o que dificulta
as conexões de transporte e o desenvolvimento de infraestrutura no território
palestino.
Os assentamentos na
Cisjordânia não devem ser confundidos com postos avançados.
Assentamentos são
considerados ilegais pela lei internacional, mas legais de acordo com a lei
israelense.
Os postos avançados
são ilegais pela lei israelense e construídos sem a autorização do governo de
Israel.
·
Quem governa a
Cisjordânia?
Em 1993 e 1995, Israel
assinou os Acordos de Oslo com os palestinos, o que levou à criação de um
governo interino na Cisjordânia e em Gaza, conhecido como Autoridade Palestina.
Enquanto a Autoridade
Palestina governa em grandes cidades palestinas, Israel detém controle quase
exclusivo de 60% da Cisjordânia (conhecida como Área C), e é responsável pela
aplicação da lei, planejamento e construção.
·
Quão grandes são os
assentamentos?
Os assentamentos
variam bastante em tamanho — alguns têm apenas algumas centenas de pessoas,
enquanto outros abrigam dezenas de milhares de israelenses.
Um relatório recente
do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos apontou que
entre 1º de novembro de 2022 e 31 de outubro de 2023, cerca de 24.300 unidades
habitacionais dentro de assentamentos israelenses existentes na Área C da Cisjordânia
foram avançadas ou aprovadas.
Trata-se do maior
número registrado desde que o monitoramento começou a ser realizado, em 2017. O
número inclui cerca de 9.670 novas unidades habitacionais em Jerusalém
Oriental.
Imagens de satélite
também revelaram como os assentamentos cresceram ao longo dos anos. Em 2004,
por exemplo, o assentamento de Givat Zeev tinha cerca de 10 mil pessoas. Hoje
tem 17 mil. Espalhou-se para oeste, adicionando novas casas, uma sinagoga e um shopping
center.
O maior deles, Modi'in
Illit, tem 73 mil pessoas. Nos últimos 15 anos, sua população triplicou. Os
dados foram coletados pelo Peace Now, um grupo que se opõe aos assentamentos.
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Por que judeus querem viver na Cisjordânia?
Alguns optam por se
mudar para os assentamentos porque os subsídios oferecidos pelo governo
israelense tornam a moradia mais barata, e assim eles têm acesso a um melhor
padrão de vida.
Outros mudam-se para
lá para viver em comunidades estritamente religiosas e acreditam que, conforme
sua interpretação da Bíblia hebraica, Deus deu autoridade para que eles se
estabelecessem por lá.
Um terço das
comunidades de colonos é formada por ultraortodoxos.
Essas comunidades
geralmente têm famílias grandes e costumam ser mais pobres, então o padrão de
vida também acaba sendo um fator relevante.
Mas algumas
comunidades acreditam no assentamento como uma ideologia - ou seja, que eles
têm o direito de viver nessas terras, pois acreditam que se trata de um
território ancestral judeu.
Os colonos na
Cisjordânia estão sob governo civil israelense e têm suas próprias estradas e
conexões de transporte.
Os palestinos no
território, no entanto, estão sob o governo militar israelense e, portanto, têm
que passar por postos de controle militares israelenses.
Muitos colonos estão
armados e já realizaram ataques mortais contra civis palestinos.
Em agosto, os EUA
impuseram sanções ao grupo de colonos israelenses Hashomer Yosh e ao segurança
civil Yitzhak Levi Filant em meio à intensificação da violência de colonos
contra os palestinos.
Os EUA acusaram Filant
de montar bloqueios de estradas e conduzir patrulhas no início deste ano
"para perseguir e atacar palestinos em suas terras e expulsá-los à
força". Também disse que o grupo Hashomer Yosh cercou a aldeia palestina
Khirbet Zanuta, impedindo que seus moradores deslocados retornassem para suas
casas.
"A violência
extremista dos colonos na Cisjordânia causa intenso sofrimento humano,
prejudica a segurança de Israel e prejudica a perspectiva de paz e estabilidade
na região", disse o Departamento de Estado dos EUA em uma declaração.
E afirmou: "É
fundamental que o governo de Israel responsabilize quaisquer indivíduos e
entidades relacionadas pela violência contra civis na Cisjordânia".
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Qual é o apoio político aos assentamentos?
Após a guerra
árabe-israelense de 1967, o político israelense Yigal Allon elaborou um plano
político com o objetivo de maximizar a segurança de Israel e minimizar adições
à minoria árabe de Israel.
O Plano Allon, como
ficou conhecido, foi baseado na doutrina de que a soberania israelense sobre
uma grande parte dos territórios ocupados por Israel era necessária para a
defesa de Israel.
Desde a guerra de
1967, todos os governos israelenses continuaram a expandir a população de
colonos em territórios ocupados.
O atual governo de
Israel tem incentivado fortemente os assentamentos.
A administração mais à
direita e nacionalista que o país já teve até aqui declarou abertamente sua
intenção de dobrar o número de colonos para 1 milhão. E há ativistas colonos de
longa data em cargos importantes no governo.
Em abril, o Channel
12, canal de TV de Israel, relatou que o Ministro das Finanças de Israel,
Bezalel Smotrich, exerce pressão pelo início do processo de legalização de 68
postos avançados ilegais na Cisjordânia.
Alguns já foram
autorizados retrospectivamente.
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O que diz o direito internacional?
A maior parte dos
países membros da ONU e da União Europeia dizem que os assentamentos
israelenses na Cisjordânia violam o direito internacional.
Resoluções da ONU
determinaram que os assentamentos eram ilegais em 1979 e 2016. A Corte
Internacional de Justiça (CIJ) disse em julho que a ocupação de territórios
palestinos por Israel vai contra o direito internacional, em um parecer
histórico.
A CIJ disse que Israel
deveria interromper a atividade de assentamentos na Cisjordânia ocupada e em
Jerusalém Oriental e encerrar a ocupação "ilegal" dessas áreas e da
Faixa de Gaza o mais rápido possível.
Em resposta, o
primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu disse que o tribunal havia
tomado uma "decisão de mentiras".
Embora não seja
juridicamente vinculante, a opinião consultiva do tribunal carrega um peso
político significativo.
Muitos governos também
sustentam que os assentamentos israelenses violam a Quarta Convenção de Genebra
de 1949, que declara o seguinte no Artigo 49: "A potência ocupante não
deportará ou transferirá partes de sua própria população civil para o território
que ocupa".
Israel discorda que
seus assentamentos sejam ilegais.
Em 2012, o governo
israelense publicou o Relatório da Comissão Levy, que rejeitou que a Quarta
Convenção de Genebra se aplique à Cisjordânia.
O relatório argumentou
que a Cisjordânia nunca foi uma parte legítima de nenhum estado árabe.
Ele diz que o direito
legal de assentamento judeu no território conforme reconhecido pelo Mandato da
Liga das Nações de 1922 para a Palestina estava preservado pelo documento de
fundação da ONU.
Fonte: Brasil 247/BBC
News Mundo
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