terça-feira, 10 de setembro de 2024

Ramzy Baroud: ‘Guerra contra crianças – crianças de Gaza não são vacinadas, estão famintas e orfãs’

A guerra israelense contra Gaza se tornou uma guerra contra as crianças palestinas. Isso foi tão verdadeiro em 7 de outubro quanto o é hoje.

Em 17 de agosto, o Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, pediu um cessar-fogo de sete dias para permitir que as crianças em Gaza fossem vacinadas contra a pólio. “Estou apelando a todas as partes para fornecerem garantias concretas imediatamente, garantindo pausas humanitárias para a campanha,” disse ele.

O primeiro caso dessa devastadora epidemia foi descoberto na cidade de Deir Al-Balah, na faixa central de Gaza.

“É cientificamente conhecido que, para cada 200 infecções virais, apenas uma mostrará os sintomas completos da pólio, enquanto os casos restantes podem apresentar sintomas leves, como um resfriado ou febre leve,” disse o Ministro da Saúde palestino Majed Abu Ramadan no mesmo dia.

Isso significa que o vírus pode ter se espalhado por todas as partes da Faixa de Gaza, onde todo o sistema de saúde foi em grande parte destruído.

O bebê palestino de dez meses que foi o primeiro a contrair o poliovírus, como muitos outros, nunca recebeu uma dose de vacina contra a doença.

Para evitar um desastre ainda maior em Gaza, devastada pela guerra, a Organização Mundial da Saúde (OMS), juntamente com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), disse que precisa vacinar 640.000 crianças em Gaza em um curto período de tempo.

A tarefa, no entanto, é difícil, já que a grande maioria dos gazenses está amontoada em campos de refugiados inseguros – enormes acampamentos de tendas, na maioria em Gaza central, sem acesso a água potável ou eletricidade.

Eles estão cercados por mais de 330.000 toneladas de resíduos, que contaminaram ainda mais a água já imprópria para consumo, que, segundo especialistas, pode ter sido a causa do poliovírus.

O desafio de salvar as crianças de Gaza é complicado pelo fato de que as bombas israelenses continuam a ser lançadas em todas as partes de Gaza, incluindo as chamadas ‘zonas seguras’, que foram declaradas por Israel logo após o início da guerra.

O outro problema é que Gaza, há meses, vive sem eletricidade. Sem um sistema de refrigeração eficiente, a maioria das vacinas pode se tornar inutilizável.

Mas há mais no sofrimento das crianças de Gaza do que a falta de vacinação.

A partir de 19 de agosto, pelo menos 16.480 crianças foram mortas como resultado direto da guerra, além de milhares que permanecem desaparecidas, presumivelmente mortas. O número, segundo o Ministro da Saúde palestino em Gaza, inclui 115 bebês.

Muitas crianças morreram de fome, e “pelo menos 3.500 crianças em Gaza estão enfrentando (o mesmo destino) em meio à falta de alimentos e desnutrição sob as restrições israelenses à entrega de alimentos,” disse um porta-voz do ministério.

Além disso, até agora, mais de 17.000 crianças em Gaza perderam um ou ambos os pais desde o início da guerra em 7 de outubro.

Uma das principais razões pelas quais as crianças de Gaza representam a maioria das vítimas da guerra é que casas, escolas e abrigos para deslocados foram os principais alvos dos bombardeios implacáveis.

De acordo com uma declaração dos especialistas da ONU em abril passado, “mais de 80% das escolas em Gaza (foram) danificadas ou destruídas.”

“Pode ser razoável perguntar se há um esforço intencional para destruir de forma abrangente o sistema educacional palestino, uma ação conhecida como ‘escolasticídio’,” escreveram eles.

A tendência de atacar escolas continua. Em 18 de agosto, o Ministro da Educação da Palestina, Amjad Barham, disse que mais de 90% de todas as escolas em Gaza foram destruídas, informou a agência de notícias oficial palestina, WAFA.

Das 309 escolas, 290 foram destruídas como resultado dos bombardeios israelenses. Isso deixou 630.000 alunos sem acesso à educação.

Embora casas e escolas possam ser reconstruídas, as vidas preciosas das crianças mortas não podem ser restauradas.

De acordo com o Ministério da Educação palestino, a partir de 2 de julho, 8.572 alunos em Gaza e 100 na Cisjordânia ocupada foram mortos pelas mãos do exército israelense. 14.089 alunos em Gaza e 494 na Cisjordânia também foram feridos.

Estas são as piores perdas sofridas por crianças palestinas em um período relativamente curto desde a Nakba, a destruição da pátria palestina em 1948. A tragédia piora a cada dia.

Nenhuma criança, muito menos uma geração inteira de crianças, deveria suportar tamanho sofrimento, independentemente da justificativa política ou do contexto.

O direito internacional e humanitário designou um “respeito e proteção especiais” para as crianças durante os conflitos armados, segundo as bases de dados de direito humanitário internacional da Cruz Vermelha. Essas leis podem se aplicar às crianças palestinas em teoria, mas certamente não na prática.

A traição dessas crianças pela comunidade internacional manchará a consciência coletiva da humanidade por décadas.

Efetivamente, esta é uma guerra contra as crianças palestinas – uma guerra que deve parar antes que uma geração inteira de crianças palestinas seja completamente apagada.

 

¨      Por que Israel continua a construir assentamentos na Cisjordânia?

Cerca de meio milhão de judeus vivem na Cisjordânia ocupada, em mais de 130 assentamentos, sem contar Jerusalém Oriental.

Lá também é o lar de cerca de três milhões de palestinos. As comunidades de palestinos e de judeus vivem, de maneira geral, separadas umas das outras.

Desde o início da guerra em Gaza, conflitos também se intensificaram neste território.

No final de agosto, Israel lançou a maior operação militar na Cisjordânia em 20 anos. E, neste domingo (8/9), três israelenses foram mortos em um ataque num posto de controle na fronteira entre a Jordânia e a Cisjordânia ocupada, segundo autoridades israelenses.

Esses assentamentos controversos são considerados ilegais pelas Nações Unidas há décadas, uma posição reafirmada por uma decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ) em julho.

Então, por que Israel continua a construí-los?

·        O que são os assentamentos israelenses?

Os assentamentos são comunidades estabelecidas por Israel em terras tomadas na Guerra dos Seis Dias de 1967, como a Cisjordânia, Jerusalém Oriental e as Colinas de Golã.

Cisjordânia e Jerusalém Oriental tinham sido anteriormente ocupadas pela Jordânia desde a Guerra Árabe-Israelense de 1948-49.

Israel também estabeleceu assentamentos na Faixa de Gaza, tomada do Egito na guerra de 1967, mas os desfez quando se retirou do território em 2005. Construiu ainda assentamentos na Península do Sinai, também tomada do Egito em 1967, mas os removeu em 1982 como parte de um acordo de paz com o Cairo.

Os assentamentos estão espalhados pelo território palestino e são protegidos por tropas israelenses. Isso os torna inacessíveis à maioria dos palestinos, a menos que eles trabalhem para empresas israelenses dentro de assentamentos.

Como resultado, as cidades palestinas são efetivamente isoladas umas das outras, o que dificulta as conexões de transporte e o desenvolvimento de infraestrutura no território palestino.

Os assentamentos na Cisjordânia não devem ser confundidos com postos avançados.

Assentamentos são considerados ilegais pela lei internacional, mas legais de acordo com a lei israelense.

Os postos avançados são ilegais pela lei israelense e construídos sem a autorização do governo de Israel.

·        Quem governa a Cisjordânia?

Em 1993 e 1995, Israel assinou os Acordos de Oslo com os palestinos, o que levou à criação de um governo interino na Cisjordânia e em Gaza, conhecido como Autoridade Palestina.

Enquanto a Autoridade Palestina governa em grandes cidades palestinas, Israel detém controle quase exclusivo de 60% da Cisjordânia (conhecida como Área C), e é responsável pela aplicação da lei, planejamento e construção.

·        Quão grandes são os assentamentos?

Os assentamentos variam bastante em tamanho — alguns têm apenas algumas centenas de pessoas, enquanto outros abrigam dezenas de milhares de israelenses.

Um relatório recente do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos apontou que entre 1º de novembro de 2022 e 31 de outubro de 2023, cerca de 24.300 unidades habitacionais dentro de assentamentos israelenses existentes na Área C da Cisjordânia foram avançadas ou aprovadas.

Trata-se do maior número registrado desde que o monitoramento começou a ser realizado, em 2017. O número inclui cerca de 9.670 novas unidades habitacionais em Jerusalém Oriental.

Imagens de satélite também revelaram como os assentamentos cresceram ao longo dos anos. Em 2004, por exemplo, o assentamento de Givat Zeev tinha cerca de 10 mil pessoas. Hoje tem 17 mil. Espalhou-se para oeste, adicionando novas casas, uma sinagoga e um shopping center.

O maior deles, Modi'in Illit, tem 73 mil pessoas. Nos últimos 15 anos, sua população triplicou. Os dados foram coletados pelo Peace Now, um grupo que se opõe aos assentamentos.

<><> Por que judeus querem viver na Cisjordânia?

Alguns optam por se mudar para os assentamentos porque os subsídios oferecidos pelo governo israelense tornam a moradia mais barata, e assim eles têm acesso a um melhor padrão de vida.

Outros mudam-se para lá para viver em comunidades estritamente religiosas e acreditam que, conforme sua interpretação da Bíblia hebraica, Deus deu autoridade para que eles se estabelecessem por lá.

Um terço das comunidades de colonos é formada por ultraortodoxos.

Essas comunidades geralmente têm famílias grandes e costumam ser mais pobres, então o padrão de vida também acaba sendo um fator relevante.

Mas algumas comunidades acreditam no assentamento como uma ideologia - ou seja, que eles têm o direito de viver nessas terras, pois acreditam que se trata de um território ancestral judeu.

Os colonos na Cisjordânia estão sob governo civil israelense e têm suas próprias estradas e conexões de transporte.

Os palestinos no território, no entanto, estão sob o governo militar israelense e, portanto, têm que passar por postos de controle militares israelenses.

Muitos colonos estão armados e já realizaram ataques mortais contra civis palestinos.

Em agosto, os EUA impuseram sanções ao grupo de colonos israelenses Hashomer Yosh e ao segurança civil Yitzhak Levi Filant em meio à intensificação da violência de colonos contra os palestinos.

Os EUA acusaram Filant de montar bloqueios de estradas e conduzir patrulhas no início deste ano "para perseguir e atacar palestinos em suas terras e expulsá-los à força". Também disse que o grupo Hashomer Yosh cercou a aldeia palestina Khirbet Zanuta, impedindo que seus moradores deslocados retornassem para suas casas.

"A violência extremista dos colonos na Cisjordânia causa intenso sofrimento humano, prejudica a segurança de Israel e prejudica a perspectiva de paz e estabilidade na região", disse o Departamento de Estado dos EUA em uma declaração.

E afirmou: "É fundamental que o governo de Israel responsabilize quaisquer indivíduos e entidades relacionadas pela violência contra civis na Cisjordânia".

<><> Qual é o apoio político aos assentamentos?

Após a guerra árabe-israelense de 1967, o político israelense Yigal Allon elaborou um plano político com o objetivo de maximizar a segurança de Israel e minimizar adições à minoria árabe de Israel.

O Plano Allon, como ficou conhecido, foi baseado na doutrina de que a soberania israelense sobre uma grande parte dos territórios ocupados por Israel era necessária para a defesa de Israel.

Desde a guerra de 1967, todos os governos israelenses continuaram a expandir a população de colonos em territórios ocupados.

O atual governo de Israel tem incentivado fortemente os assentamentos.

A administração mais à direita e nacionalista que o país já teve até aqui declarou abertamente sua intenção de dobrar o número de colonos para 1 milhão. E há ativistas colonos de longa data em cargos importantes no governo.

Em abril, o Channel 12, canal de TV de Israel, relatou que o Ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, exerce pressão pelo início do processo de legalização de 68 postos avançados ilegais na Cisjordânia.

Alguns já foram autorizados retrospectivamente.

<><> O que diz o direito internacional?

A maior parte dos países membros da ONU e da União Europeia dizem que os assentamentos israelenses na Cisjordânia violam o direito internacional.

Resoluções da ONU determinaram que os assentamentos eram ilegais em 1979 e 2016. A Corte Internacional de Justiça (CIJ) disse em julho que a ocupação de territórios palestinos por Israel vai contra o direito internacional, em um parecer histórico.

A CIJ disse que Israel deveria interromper a atividade de assentamentos na Cisjordânia ocupada e em Jerusalém Oriental e encerrar a ocupação "ilegal" dessas áreas e da Faixa de Gaza o mais rápido possível.

Em resposta, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu disse que o tribunal havia tomado uma "decisão de mentiras".

Embora não seja juridicamente vinculante, a opinião consultiva do tribunal carrega um peso político significativo.

Muitos governos também sustentam que os assentamentos israelenses violam a Quarta Convenção de Genebra de 1949, que declara o seguinte no Artigo 49: "A potência ocupante não deportará ou transferirá partes de sua própria população civil para o território que ocupa".

Israel discorda que seus assentamentos sejam ilegais.

Em 2012, o governo israelense publicou o Relatório da Comissão Levy, que rejeitou que a Quarta Convenção de Genebra se aplique à Cisjordânia.

O relatório argumentou que a Cisjordânia nunca foi uma parte legítima de nenhum estado árabe.

Ele diz que o direito legal de assentamento judeu no território conforme reconhecido pelo Mandato da Liga das Nações de 1922 para a Palestina estava preservado pelo documento de fundação da ONU.

 

Fonte: Brasil 247/BBC News Mundo

 

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