quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Por que o odor corporal começou a nos enojar ao longo da história?

Por que exatamente é tão importante ter um bom cheiro? Nos últimos séculos, uma confluência de fatores – incluindo a ampla aceitação da teoria dos germes, o aumento da densidade urbana e a ascensão da cultura corporativa – trouxe maior conscientização e desdém pelo odor e por outras características humanas normais.

Antes pertencentes principalmente à classe alta, os perfumes corporais e outros hábitos de higiene se tornaram uma parte quase onipresente da vida no mundo ocidental moderno. Atualmente, o setor de higiene pessoal vale mais de meio trilhão de dólares – e está crescendo.

No entanto, embora o odor corporal excepcionalmente forte ou alterado possa ser um sinal de problemas de saúde, um odor normal também é uma parte natural da biologia humana, de acordo com Johan Lundström, professor de psicologia e especialista em quimiossensibilidade do Karolinska Institutet, da Suécia. Nossos odores podem variar em força e natureza, dependendo de uma série de fatores, incluindo condições ambientais, bactérias que vivem na pele, bem como genética, dieta e saúde, diz ele.

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Então, de onde vieram nossos padrões de odor corporal? Os especialistas traçam a evolução dos rituais de higiene modernos e o que essas práticas dizem sobre nós.

•        A associação do odor corporal à classe social

Os seres humanos têm feito experiências com fragrâncias há milênios: desde as pomadas espessas do antigo Egito até as essências caras do Império Romano.

“O entendimento das pessoas no passado é que o cheiro bom (como perfume, vinagre, incenso, fumaça) afastava os cheiros perigosos (como peste, substâncias podres, gás do pântano)”, explica Kathleen Brown, historiadora de gênero e raça da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Mesmo quando “as pessoas tomavam medidas para se tornarem mais cheirosas”, diz ela, elas ainda “esperavam que os outros humanos cheirassem um pouco da mesma forma”.

No ocidente do século 17, muito mais esforço e atenção eram dedicados à limpeza das roupas do que do corpo, de acordo com Brown. Um francês de classe alta talvez se distinguisse com camisas de linho branco, que eram lavadas e trocadas com frequência. Mas, acrescenta ela, normalmente ele tomava banho com pouca frequência e não julgava um trabalhador de classe baixa por estar sujo e malcheiroso.

“Os aristocratas sujos e imundos eram uma espécie de norma na época”, revela Katherine Ashenburg, autora do livro “The Dirt on Clean: An Unsanitized History”.

A percepção do odor logo mudou. Nos séculos 18 e 19, o banho tornou-se mais comum, forjando na época uma nova associação entre o odor corporal e coisas negativas, como pobreza e doenças. “Quando as pessoas mais instruídas das classes mais altas começaram a se lavar, elas perceberam que as classes trabalhadoras e seus empregados cheiravam mal”, afirma Ashenburg.

O banho e os cuidados com o corpo mais diligentes tornaram-se uma forma de a elite reforçar seu status. “Parece muito estranho para nós agora, mas pensar que os pobres cheiravam mal era um preconceito relativamente novo”, acrescenta.

O surgimento de instituições públicas como escolas, asilos, hospitais e escritórios também contribuiu para uma estética mais higiênica, de acordo com Brown. No século 19, as pessoas desenvolveram uma “maior consciência do cheiro, das preocupações com a saúde, especialmente em espaços lotados”.

Esses temores surgiram, em parte, de crenças generalizadas sobre os perigos dos maus odores. Originalmente, acreditava-se que os odores ruins continham agentes de doenças, de acordo com Virginia Smith, historiadora e autora do livro “Clean: A History of Personal Hygiene and Purity”. A chamada “teoria dos miasmas”, predominante até o final do século 19, sustentava que doenças como a cólera e a peste eram causadas pela inalação de vapores nocivos.

Nas décadas seguintes, a teoria dos germes das doenças acabou substituindo a teoria dos miasmas, embora as preocupações com a limpeza – e as associações negativas com o cheiro – permanecessem. À medida que as populações de imigrantes (principalmente nos Estados Unidos) aumentavam e o encanamento interno se tornava mais acessível, as autoridades de saúde começaram a construir e promover banheiros públicos para o saneamento em massa.

•        A pressão social cria um negócio em expansão

Não mais apenas o domínio da elite, a lavagem do corpo e a desodorização estavam rapidamente se tornando padrões de limpeza e higiene para uma sociedade mais ampla. Brown descreve um desejo crescente entre “aqueles com maior acesso ao saneamento interno nas casas, lavanderia limpa, educação e empregos em escritórios” de se distinguirem da “aparência corporal e dos odores dos trabalhadores [braçais]”.

Na virada do século 20, essas mudanças culturais começaram a se cruzar com os interesses corporativos. Uma estratégia de publicidade criada nos Estados Unidos e chamada “whisper copy”, assustava sutilmente as pessoas para que comprassem produtos que prometiam não apenas mascarar, mas de fato prevenir odores.

Os publicitários “aproveitavam essas ansiedades em relação a cheiro, respeitabilidade, aparência e posição de classe para vender sabão para o corpo, detergente para roupas, poções para matar germes, etc.”, comenta Brown. A empresa britânica de sabonetes Lifebuoy, por exemplo, popularizou o termo “odor corporal”, anunciando seu sabonete como um antídoto.

Odorono (ou Odor! Oh não!, em tradução livre), um dos primeiros fabricantes de antitranspirantes, advertia as mulheres de que elas espantariam os possíveis românticos com um odor indesejado nas axilas – e prometia mantê-las com um cheiro “doce”.

O hálito e os pelos corporais também se tornaram áreas de preocupação. Nos Estados Unidos, saias mais curtas, meias transparentes e roupas esportivas e de lazer folgadas ganharam popularidade, revelando partes do corpo das mulheres que antes ficavam escondidas e gerando interesse na remoção de pelos corporais.

Assim como no caso do odor corporal, a publicidade da década de 1930 tentou “fazer com que as mulheres se sentissem mal com os pelos nas pernas”, afirma Ashenburg.

Da explosão da inovação em lâminas de barbear à demonização do mau hálito pelas marcas de enxaguante bucal, a década de 1950 nos Estados Unidos marcou o que Smith descreve como “um ponto alto da ideologia da higiene”.

A propaganda funcionou, de acordo com Brown. Mães e esposas rapidamente se tornaram instrumentos na codificação de seus próprios “padrões de cuidado difíceis de alcançar para os corpos em suas casas”.

•        Práticas de higiene no mundo atual

A intolerância a pelos e odores corporais é alta nos Estados Unidos e na maioria dos países ocidentais, o que Smith atribui à história do país como jovem, inovador e socialmente competitivo. “Os Estados Unidos inventaram o antitranspirante roll-on, o clareamento dos dentes, a raspagem da língua e a odontologia cosmética”, diz ela.

Desde então, o barbear e o desodorante se tornaram quase universais na Europa e nas Américas, embora as tendências tenham levado mais tempo para se consolidar no exterior, diz Ashenburg. Graças ao marketing inteligente e à ampla exportação de produtos, as rotinas de higiene pessoal são “provavelmente menos distintas culturalmente agora do que jamais foram”, acrescenta. No entanto, os especialistas argumentam que continua a haver alguma variação, principalmente entre as áreas rurais e urbanas.

“Acho que quanto mais metropolitana e corporativa [for uma comunidade], maior será o esforço para nos distanciarmos do que algumas pessoas podem perceber como uma espécie de corpo animalesco e carnudo”, explica Brown. A proliferação da cultura corporativa, com seus padrões estéticos relativamente rígidos, transformou as áreas metropolitanas no que ela chama de “centros de extrema disciplina do corpo”.

Embora a aversão ao odor corporal seja uma resposta natural, Lundström diz que nossa intolerância severa é, em grande parte, um produto do condicionamento social moderno. “Uma das piores coisas que você pode ser na sociedade é malcheiroso”, afirma ele. “Há um enorme estigma em torno disso.”

 

Fonte: National Geographic Brasil

 

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