segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Para a ‘extinta’ ararinha-azul, retorno bem-sucedido é ofuscado por incertezas

No dia 24 de maio deste ano, Ugo Vercillo acordou com uma notícia incrível: dois filhotes de arara, nascidos na natureza no município de Curaçá, no estado da Bahia, alçaram voo pela primeira vez.

Não eram araras quaisquer; eram ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii), uma das espécies de psitacídeo — família de aves que inclui araras, papagaios e periquitos — mais ameaçadas do mundo, com seus poucos indivíduos remanescentes confinados em cativeiro ao redor do mundo. Ou pelo menos este era o caso, até 2022. Agora, 11 desses pássaros estão voando livres novamente na Caatinga baiana e chocando uma nova geração de araras selvagens; testemunho de um esforço intenso de conservação que alguns consideram — pelo menos no que diz respeito a psitacídeos — o mais bem-sucedido até agora.

Vercillo, diretor técnico da Blue Sky Caatinga, organização de conservação focada na restauração dos ecossistemas do semiárido e envolvida na reintrodução da ararinha-azul, diz que os jovens pássaros que deixaram o ninho em maio não foram os primeiros filhotes selvagens nascidos no programa. A primeira ninhada, uma dupla nascida em 2023, morreu antes de poder voar. Então, quando Vercillo e outros conservacionistas descobriram uma nova ninhada no início deste ano, eles se determinaram a agir.

“Tivemos que fazer uma intervenção”, lembra Vercillo. “Eram três filhotes. A gente retirou um dos filhotes porque ele já estava mais fraquinho, o que é natural porque normalmente [as ararinhas] põem três ovos, e dos três ovos só um sobrevive. Então o menor a gente tirou pra fazer o cuidado dele. Mas os dois que ficaram lá estão fortes e voando. Hoje de manhã eu acordei com a foto dos filhotinhos já em cima de uma catingueira, brincando lá com a mãe e sendo alimentados por ela.”

A história de como a ararinha-azul está abandonando o status de “extinta na natureza” para voar novamente nos céus da Caatinga é deveras turbulenta. E mesmo sua reintrodução bem-sucedida não acalmou a tempestade; na mesma semana em que Vercillo recebeu notícias sobre os filhotes voando, o elo administrativo que mantinha o projeto de reintrodução coeso foi rompido, ameaçando o futuro deste programa promissor.

<><> Uma história turbulenta

Apesar de seu poder como um símbolo nacional de conservação no país mais biodiverso do planeta, ararinhas-azuis selvagens coexistiram muito brevemente com esforços de conservação para salvá-las. Ainda que os povos originais da Caatinga provavelmente já as conhecessem há muito tempo, a espécie só foi descrita pela ciência em 1832, a partir de um espécime coletado em 1819 pelo biólogo alemão Johann Baptist Ritter von Spix. Mas ninguém tinha certeza de onde a espécie ocorria até sua redescoberta no final dos anos 1980 e, àquela altura, apenas três indivíduos conhecidos sobreviviam na natureza, no município baiano de Curaçá.

Em 1990, esse número havia diminuído para um único macho, que encontrou companhia ao lado de uma fêmea de outra espécie de psitacídeo, a maracanã (Primolius maracana). Neste mesmo ano, conservacionistas alertaram que a ararinha-azul estava “efetivamente extinta na natureza”. O último pássaro selvagem morreu em 2000, mas o status de extinção da espécie só foi formalizado em 2019 pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), a autoridade global de conservação da vida selvagem. Aos olhos da ciência contemporânea, ararinhas-azuis sempre estiveram à beira do desaparecimento.

Esforços de conservação estão em vigor desde os anos 1990 para tentar salvar a espécie, mas tiveram sua eficiência limitada pela falta de recursos e de conhecimento básico sobre o comportamento e ecologia das araras. No fim, sua extinção foi impelida pela degradação de habitat, causada principalmente pelas fazendas e pastos que se expandiram pela Caatinga, e pelo tráfico de animais, que ganhou força nas décadas de 1960 e 1970.

No entanto, foram aves criadas em cativeiro que eventualmente fomentaram o renascimento da espécie. O maior plantel de ararinhas-azuis em cativeiro está hoje na Alemanha, na Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP). Em 2020, como parte de um acordo com o governo brasileiro, a ACTP enviou 52 aves de volta ao seu país de origem para o programa de reintrodução. O que se seguiu foi, de acordo com várias fontes, um sucesso surpreendente — mas cujo futuro se tornaria incerto devido a uma série de controvérsias entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a instituição alemã que trabalhava ao seu lado.

<><> ‘A mais bem-sucedida reintrodução de psitacídeo’

Cromwell Purchase é o coordenador científico e de projetos de campo da ACTP, tendo atuado anteriormente como diretor de pesquisa na Al Wabra Wildlife Preservation no Catar. Esta segunda instituição já abrigou, no passado, a maioria das ararinhas-azuis do mundo. Mas segundo Purchase, em 2014, após a morte de seu fundador, “a melhor opção — e de fato a única opção — que garantiu o projeto de soltura [em Curaçá] foi enviar todas as aves para a ACTP na Alemanha.”

O principal parceiro da ACTP no Brasil foi o ICMBio. Em 2019, no mesmo ano em que a espécie foi declarada extinta na natureza pela IUCN, o ICMBio fez um acordo de cooperação técnica com a ACTP para a reintrodução da ararinha-azul. O acordo formalizava as responsabilidades de cada instituição e seria válido por cinco anos, até junho de 2024, tendo que ser renovado após este período. De acordo com suas diretrizes, o ICMBio seria responsável, dentre outras coisas, pelo apoio técnico no monitoramento das aves e pelo apoio burocrático ao projeto de forma geral, enquanto que a ACTP construiria e gerenciaria instalações para criar, treinar e soltar as aves dentro da área de ocorrência histórica da espécie. Em 2020, a ACTP transferiu 52 araras da Alemanha para as instalações em Curaçá; em 2022, décadas após desaparecerem da natureza, 20 ararinhas-azuis foram finalmente soltas na Caatinga.

“O projeto tem sido incrivelmente bem-sucedido, além de qualquer coisa que poderíamos ter sonhado”, diz Purchase. “Tínhamos uma lista de desejos e todos foram atendidos.”

Essa também é a avaliação de Thomas White, biólogo do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA, e coautor, junto com Purchase, Vercillo e outros, de um estudo publicado em janeiro na revista Diversity descrevendo os resultados do primeiro ano de reintrodução. “A reintrodução da ararinha-azul foi a mais cuidadosamente planejada, a mais cuidadosamente executada e a mais bem-sucedida reintrodução de qualquer psitacídeo que já vi em qualquer lugar”, diz White.

E ele já viu algumas. White foi uma das mentes por trás do Projeto de Recuperação do Papagaio-de-Porto-Rico, uma iniciativa que aumentou com sucesso o número de indivíduos selvagens desta espécie (Amazona vittata) de 13 para cerca de 250 (e mais de 450 em cativeiro). Ele também trabalhou na conservação de espécies de psitacídeo nas Bahamas, na República Dominicana, na Nicarágua, no Chile e no Brasil, e foi convidado para ser conselheiro na reintrodução da ararinha-azul em 2012.

Segundo White, este projeto foi especial. Antes de soltar as aves, a equipe as colocou em um cercado de treinamento e soltura para que pudessem desenvolver adequadamente suas habilidades sociais, de voo e de alimentação. Os pesquisadores selecionaram araras para soltura com base em sua genética e idade (de 3 a 7 anos), visando maximizar a diversidade genética e evitar comportamentos mal-adaptativos adquiridos em anos demais passados em cativeiro. E, mesmo depois de toda essa preparação cuidadosa, as araras não foram devolvidas à natureza sozinhas.

“A reintrodução da ararinha-azul é a primeira reintrodução de papagaios que usou o conceito de espécies substitutas, e o que é chamado de conceito de bando de espécies mistas, para maximizar a probabilidade de sucesso”, diz White.

Isso significa que os pesquisadores soltaram o primeiro grupo de 20 ararinhas-azuis junto com maracanãs — a mesma espécie que formou um casal com o último macho selvagem de ararinha nos anos 1990 — para que as aves formassem grupos unificados. Ao contrário de suas primas criadas em cativeiro, as maracanãs foram tiradas da natureza com o propósito específico de ensinar as ararinhas-azuis a se comportarem como papagaios livres. De acordo com Vercillo, observando as aves mais experientes, as ararinhas-azuis aprenderiam como encontrar comida e evitar predadores.

Tudo indica que as ararinhas-azuis foram, de fato, boas aprendizes. No final do primeiro ano de reintrodução, em junho de 2023, a população reintroduzida teve uma taxa de sobrevivência cumulativa — que leva em conta o destino incerto de alguns indivíduos — de 58,3%. Pode não parecer muito, mas com base em outras reintroduções de psitacídeo, os pesquisadores estavam prontos para considerar qualquer coisa acima de 30% um sucesso.

As aves também mostraram boa coesão, com 17 das 20 araras permanecendo juntas como um grupo. Mas, talvez mais importante, as aves soltas formaram pelo menos seis casais, e um deles se reproduziu com sucesso em seu primeiro ano na natureza, um sinal de que o projeto estava no caminho certo. “Tínhamos quase certeza de que teríamos boa sobrevivência, boa coesão de bando e boa interação entre as aves, mas ficamos surpresos por elas começarem a se reproduzir tão cedo”, diz White.

<><> Nuvens escuras no horizonte

Mas o futuro da ararinha-azul ainda está longe de estar garantido. Vercillo liderou um estudo publicado em 2023 na revista Bird Conservation International, apresentando uma análise de viabilidade populacional para a espécie — um modelo matemático usado para avaliar a probabilidade de uma população se extinguir mediante diferentes cenários ao longo de um período de tempo.

“Com o estudo que a gente fez, a gente estima que, para a população ficar estável, e não correr risco de extinção nos próximos cem anos, ela precisaria crescer para cerca de 700 ou 800 animais”, diz Vercillo ao Mongabay.

O plano era simples: continuar reintroduzindo 20 ararinhas-azuis na Caatinga todos os anos pelos próximos 20 anos, para que esse limiar relativamente seguro pudesse eventualmente ser alcançado. O objetivo exigiria cuidado e monitoramento constante das aves, além de investimentos contínuos em suas instalações de reprodução e treinamento. O estudo da Diversity reforça esse ponto, observando que “a importância da suplementação populacional regular e do apoio contínuo a essa nascente população selvagem não pode ser subestimada”.

Foi, portanto, um choque para muitos dos envolvidos no programa de reintrodução quando o ICMBio anunciou, em maio de 2024, que não renovaria o acordo de cooperação com a ACTP. Desde então, um conflito de narrativas emergiu entre as duas instituições, trazendo incertezas sobre o futuro da reintrodução de uma das espécies de psitacídeo mais raras e ameaçadas do planeta.

 

        Conflito institucional coloca em risco reintrodução da quase extinta ararinha-azul

Em 2022, a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), um dos psitacídeos mais ameaçados do mundo, começou a ser reintroduzida na Caatinga. A espécie, que faz do grupo das araras, papagaios e periquitos, desapareceu de seu habitat nativo em 2000, ano em que seu último indivíduo na natureza conhecido morreu.

O projeto de reintrodução, no município de Curaçá, na Bahia, vinha sendo coordenado por duas instituições: a Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP), um criadouro alemão que atualmente abriga a maioria das ararinhas-azuis restantes no planeta; e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia do governo brasileiro responsável pela gestão de áreas protegidas e biodiversidade.

O primeiro ano da reintrodução obteve um sucesso notável, com uma boa parcela das 20 ararinhas-azuis soltas sobrevivendo e permanecendo juntas, e com casais reproduzindo e chocando os primeiros filhotes nascidos na natureza em décadas. No entanto, em maio de 2024, o ICMBio anunciou que não renovaria seu acordo de cooperação técnica com a ACTP, que terminou oficialmente em junho.

A decisão veio como uma surpresa para conservacionistas envolvidos na reintrodução, e colocou em dúvida o futuro do promissor programa.

“Estou realmente perplexo com a decisão das autoridades brasileiras de não renovar o acordo com a ACTP. Não há razão biológica para essa decisão,” diz Thomas White, um dos líderes do Projeto de Recuperação do Papagaio-de-Porto-Rico e consultor do projeto de reintrodução da ararinha-azul desde 2012. “Temos uma reintrodução em seus estágios iniciais críticos, obtendo um sucesso fenomenal e histórico, e mudar completamente a gestão [do programa] neste momento é muito contraintuitivo e contraproducente.”

<><> Comercial ou não?

Como White apontou, não havia razão biológica para o encerramento do acordo. A decisão foi administrativa. Segundo o ICMBio, o fator-chave por trás dela foram “as transações comerciais com ararinhas-azuis realizadas pela ACTP”.

A Mongabay e outros veículos já noticiaram controvérsias envolvendo a ACTP e seu fundador, Martin Guth. A instituição já foi acusada de falta de transparência em suas operações, e de usar métodos questionáveis para adquirir algumas de suas aves, especialmente dois papagaios-imperiais (Amazona imperialis) e dez papagaios-de-pescoço-vermelho (Amazona arausiaca) obtidos da Dominica em 2018.

Neste caso, as “transações comerciais” citadas pelo ICMBio dizem respeito à transferência, em 2023, de 26 ararinhas-azuis e quatro araras-azuis-de-lear (Anodorhynchus leari) — outra espécie endêmica do Brasil listada como ameaçada — para um zoológico privado na Índia, o Greens Zoological Rescue and Rehabilitation Centre (GZRRC).

As ararinhas-azuis são listadas no Apêndice I da Cites, a convenção global sobre o comércio internacional de vida selvagem, o que significa que seu comércio só é permitido em circunstâncias especiais.

Críticos afirmam que a transferência das aves da Alemanha para a Índia não atendeu a esses critérios. Vinte organizações envolvidas com a conservação da vida selvagem, bem-estar animal e esforços anti-tráfico, incluindo o World Parrot Trust, assinaram uma carta condenando o ato (junto com a transferência pela ACTP de outras 50 ararinhas-azuis para instalações na Bélgica, Dinamarca e Eslováquia), assim como o que designaram como uma má implementação das regulamentações de comércio de vida selvagem por parte da União Europeia. Embora autoridades alemãs tenham considerado a transação como não comercial, segundo a carta, o “criadouro alemão aparentemente recebeu quantias significativas de dinheiro pela transferência de aves criadas em cativeiro para pessoas privadas e zoológicos”.

O ICMBio disse à Mongabay que o Brasil é “terminantemente contrário ao comércio dessa espécie, ainda que com justificativas de financiamento de ações conservacionistas. O comércio de ararinhas-azuis é prejudicial à conservação da espécie e favorece interesses particulares em detrimento da proteção do bem público”.

A ACTP nega ter vendido as aves para o zoológico indiano. Em uma declaração emitida antes da reunião da Cites de novembro passado, a organização afirmou que “esta operação não é uma transação comercial e nenhuma ararinha-azul ou qualquer outra ave foi vendida.” A transferência, segundo o documento, foi necessária para expandir o espaço para criar as aves, expandir o projeto para outras partes do mundo e apoiar o programa de reintrodução. “Não houve transferência de propriedade dos animais para qualquer outra organização, e as aves e seus descendentes permanecem sob a propriedade da ACTP”, acrescentou.

O mesmo é reiterado por Cromwell Purchase, coordenador científico e de projetos de campo da ACTP, que supervisiona a reintrodução da ararinha-azul na Caatinga. “Martin está lentamente movendo suas instalações para a Índia,” disse Purchase à Mongabay. “Ele tem um pedaço de terra arrendado — um arrendamento de 99 anos com o Greens. Nesse terreno, o Greens construiu instalações de última geração, ainda melhores que as que ele tem na Alemanha. “A transferência é basicamente da ACTP para a ACTP”, acrescenta.

Cromwell diz que as licenças da Cites sob as quais as aves foram transferidas “são extremamente rigorosas. Nas licenças está escrito que as aves não são para comércio. Elas são especificamente para o programa da ararinha-azul. Então, não é como se a instituição indiana pudesse fazer qualquer coisa com essas aves além de usá-las para o programa”. Ele acrescenta que, enquanto o criadouro alemão abriga espécimes que pertencem legalmente ao governo brasileiro, todas as aves transferidas para a Índia são de propriedade da ACTP. “A ACTP não precisa da permissão do ICMBio para mover suas aves”, diz.

<><> Problemas e política

Purchase acusa o ICMBio de usar a alegação de que a transferência era comercial para atacar a ACTP na reunião da Cites. Ele diz que a autarquia é culpada de atrasar o projeto, falhando em agir em prazos adequados em momentos-chave da reintrodução — atrasando, por exemplo, a transferência de mais ararinhas-azuis da Europa para o Brasil. Ele alega segundas intenções por parte de alguns funcionários do ICMBio, motivadas pelo papel central desempenhado pela ACTP na reintrodução, instituição que até o momento financiou a maior parte do programa. Ele diz que o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave) do ICMBio, em particular, “apenas criou problemas e fez politicagem.”

Ugo Vercillo, diretor da Blue Sky Caatinga, empresa envolvida no programa que está restaurando os ecossistemas onde as aves são liberadas, acrescenta que um total de 120 ararinhas-azuis já deveria ter sido importado até o momento — mais do que o dobro das 52 trazidas da Alemanha até agora — e que 60 já deveriam ter sido soltas.

O ICMBio nega as acusações, dizendo que “não há animosidade da parte do ICMBio em relação a instituições estrangeiras e privadas que participam do projeto.” O que a agência tem, segundo ela, são “ressalvas quanto a certas atitudes da ACTP”.

A agência também nega estar prejudicando o programa de reintrodução, mantendo que sempre o apoiou: “Cumprimos da melhor forma possível, dentro das possibilidades institucionais, o que estava previsto no Acordo de Cooperação Técnica. Jamais dificultamos a entrada de ararinhas-azuis no Brasil”. O ICMBio também diz que recentemente aprovou a transferência de 42 ararinhas-azuis da ACTP para o Brasil. Mas, segundo Purchase, a aprovação veio tarde demais para que a reintrodução fosse realizada este ano.

Dada a atual situação, no entanto, a chegada dessas ararinhas-azuis na Caatinga tornou-se uma questão incerta. Em uma declaração dada ao site de notícias ((o))eco, Martin Guth, da ACTP, disse que “dado o futuro incerto do [projeto de conservação da ararinha-azul], não arriscaremos a vida de mais aves sem um entendimento claro da posição do governo brasileiro sobre sua reintrodução.”

O fim do acordo não impede a ACTP de continuar com a reintrodução, mas torna as coisas mais complicadas. Sob o acordo, o ICMBio era responsável por dar suporte técnico no monitoramento das aves e suporte burocrático ao projeto como um todo, enquanto a ACTP era responsável por construir e gerenciar as instalações para criar, treinar e soltar as aves dentro da área ocupada historicamente pela espécie. Com o ICMBio fora de cena, a ACTP ainda tem outros parceiros brasileiros dispostos a fornecer suporte. A Blue Sky Caatinga foi recentemente encarregada de gerenciar as instalações em Curaçá.

“[Em 10 de junho] foi publicada a portaria transferindo a gestão do centro do ICMBio para a Blue Sky”, disse Vercillo à Mongabay. “Então a Blue Sky vai começar a ter veterinário, contratar uma equipe, tudo isso.”

O ICMBio também não está se afastando da conservação; continuará a gerenciar duas áreas protegidas estabelecidas em 2018 especificamente para proteger futuras populações selvagens de ararinhas-azuis. A autarquia também irá monitorar as aves fora da área onde a ACTP conduz suas operações.

<><> Um futuro incerto

Há cerca de 80 ararinhas-azuis atualmente no Brasil, divididas entre a população reintroduzida na Caatinga, as instalações geridas pela ACTP em Curaçá e o Zoológico de São Paulo. Este último atualmente abriga 27 aves recentemente transferidas de outra instituição a pedido do Cemave, mantidas em um novo centro de conservação construído especialmente para a espécie.

“A gente tem total interesse de participar do programa de reintrodução”, diz Fernanda Vaz Guida, bióloga responsável pelo setor de aves do zoológico. A instituição observou a formação de três casais entre suas ararinhas-azuis, e Guida espera que eles comecem a se reproduzir em breve. O objetivo do zoológico é eventualmente alcançar dez casais reprodutores para continuar aumentando a população de ararinhas-azuis. Ele tem hoje espaço suficiente para abrigar 44 aves.

Mas isso não é suficiente para abastecer o programa de reintrodução — cujos gestores têm como meta reintroduzir 20 aves por ano na natureza — se a ACTP decidir abandonar o projeto, colocando seu plantel de 267 aves, com mais 60 nascidas a cada ano, fora de alcance.

O ICMBio nega ter concordado oficialmente com a meta de liberar 20 aves por ano. Segundo a autarquia, o protocolo era experimental e, mesmo que a ACTP continue a cooperar plenamente com o projeto, diz que tirar tantas aves da população de cativeiro a cada ano poderia comprometer o estoque da espécie.

Mas, de acordo com Vercillo, que liderou um estudo apresentando uma análise de viabilidade populacional para a espécie em 2023, isso é improvável. Segundo ele, utilizar menos de 50% das aves nascidas em cativeiro e menos de 10% da população cativa para o programa de reintrodução a cada ano não deve comprometer o plantel da espécie.

Perguntado sobre seus planos para o futuro da reintrodução da ararinha-azul à luz da não renovação do acordo de cooperação, o ICMBio diz que “buscará a inclusão de todas as ararinhas-azuis existentes sob cuidados humanos (cativeiro) no programa de manejo oficial da espécie, contando com a continuidade do trabalho desenvolvido pela ACTP. Caso a ACTP resolva retirar-se do projeto de reintrodução, o governo brasileiro dará continuidade ao projeto assim que houver segurança para que sejam liberados, na natureza, grupos de tamanhos adequados e de forma contínua, de acordo com o melhor conhecimento existente sobre a espécie”.

Ainda assim, a decisão de desistir do acordo, rompendo uma parceria que, embora conturbada, estava funcionando em benefício da ararinha-azul, deixou muitos preocupados com o futuro da espécie.

“Esperamos que haja mais solturas,” diz Purchase. “Enquanto pudermos seguir o algoritmo e soltar 20 aves por ano, considerando o incrível sucesso das aves liberadas no primeiro ano, podemos assumir grandes chances de uma população sustentável dentro de 20 anos.”

 

Fonte: Mongabay

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