Para a ‘extinta’ ararinha-azul, retorno
bem-sucedido é ofuscado por incertezas
No dia 24 de maio
deste ano, Ugo Vercillo acordou com uma notícia incrível: dois filhotes de
arara, nascidos na natureza no município de Curaçá, no estado da Bahia, alçaram
voo pela primeira vez.
Não eram araras
quaisquer; eram ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii), uma das espécies de
psitacídeo — família de aves que inclui araras, papagaios e periquitos — mais
ameaçadas do mundo, com seus poucos indivíduos remanescentes confinados em
cativeiro ao redor do mundo. Ou pelo menos este era o caso, até 2022. Agora, 11
desses pássaros estão voando livres novamente na Caatinga baiana e chocando uma
nova geração de araras selvagens; testemunho de um esforço intenso de
conservação que alguns consideram — pelo menos no que diz respeito a
psitacídeos — o mais bem-sucedido até agora.
Vercillo, diretor
técnico da Blue Sky Caatinga, organização de conservação focada na restauração
dos ecossistemas do semiárido e envolvida na reintrodução da ararinha-azul, diz
que os jovens pássaros que deixaram o ninho em maio não foram os primeiros filhotes
selvagens nascidos no programa. A primeira ninhada, uma dupla nascida em 2023,
morreu antes de poder voar. Então, quando Vercillo e outros conservacionistas
descobriram uma nova ninhada no início deste ano, eles se determinaram a agir.
“Tivemos que fazer uma
intervenção”, lembra Vercillo. “Eram três filhotes. A gente retirou um dos
filhotes porque ele já estava mais fraquinho, o que é natural porque
normalmente [as ararinhas] põem três ovos, e dos três ovos só um sobrevive.
Então o menor a gente tirou pra fazer o cuidado dele. Mas os dois que ficaram
lá estão fortes e voando. Hoje de manhã eu acordei com a foto dos filhotinhos
já em cima de uma catingueira, brincando lá com a mãe e sendo alimentados por
ela.”
A história de como a
ararinha-azul está abandonando o status de “extinta na natureza” para voar
novamente nos céus da Caatinga é deveras turbulenta. E mesmo sua reintrodução
bem-sucedida não acalmou a tempestade; na mesma semana em que Vercillo recebeu
notícias sobre os filhotes voando, o elo administrativo que mantinha o projeto
de reintrodução coeso foi rompido, ameaçando o futuro deste programa promissor.
<><> Uma
história turbulenta
Apesar de seu poder
como um símbolo nacional de conservação no país mais biodiverso do planeta,
ararinhas-azuis selvagens coexistiram muito brevemente com esforços de
conservação para salvá-las. Ainda que os povos originais da Caatinga
provavelmente já as conhecessem há muito tempo, a espécie só foi descrita pela
ciência em 1832, a partir de um espécime coletado em 1819 pelo biólogo alemão
Johann Baptist Ritter von Spix. Mas ninguém tinha certeza de onde a espécie
ocorria até sua redescoberta no final dos anos 1980 e, àquela altura, apenas
três indivíduos conhecidos sobreviviam na natureza, no município baiano de
Curaçá.
Em 1990, esse número
havia diminuído para um único macho, que encontrou companhia ao lado de uma
fêmea de outra espécie de psitacídeo, a maracanã (Primolius maracana). Neste
mesmo ano, conservacionistas alertaram que a ararinha-azul estava “efetivamente
extinta na natureza”. O último pássaro selvagem morreu em 2000, mas o status de
extinção da espécie só foi formalizado em 2019 pela União Internacional para a
Conservação da Natureza (IUCN), a autoridade global de conservação da vida
selvagem. Aos olhos da ciência contemporânea, ararinhas-azuis sempre estiveram
à beira do desaparecimento.
Esforços de
conservação estão em vigor desde os anos 1990 para tentar salvar a espécie, mas
tiveram sua eficiência limitada pela falta de recursos e de conhecimento básico
sobre o comportamento e ecologia das araras. No fim, sua extinção foi impelida
pela degradação de habitat, causada principalmente pelas fazendas e pastos que
se expandiram pela Caatinga, e pelo tráfico de animais, que ganhou força nas
décadas de 1960 e 1970.
No entanto, foram aves
criadas em cativeiro que eventualmente fomentaram o renascimento da espécie. O
maior plantel de ararinhas-azuis em cativeiro está hoje na Alemanha, na
Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP). Em 2020, como
parte de um acordo com o governo brasileiro, a ACTP enviou 52 aves de volta ao
seu país de origem para o programa de reintrodução. O que se seguiu foi, de
acordo com várias fontes, um sucesso surpreendente — mas cujo futuro se
tornaria incerto devido a uma série de controvérsias entre o Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a instituição alemã que
trabalhava ao seu lado.
<><> ‘A
mais bem-sucedida reintrodução de psitacídeo’
Cromwell Purchase é o
coordenador científico e de projetos de campo da ACTP, tendo atuado
anteriormente como diretor de pesquisa na Al Wabra Wildlife Preservation no
Catar. Esta segunda instituição já abrigou, no passado, a maioria das
ararinhas-azuis do mundo. Mas segundo Purchase, em 2014, após a morte de seu
fundador, “a melhor opção — e de fato a única opção — que garantiu o projeto de
soltura [em Curaçá] foi enviar todas as aves para a ACTP na Alemanha.”
O principal parceiro
da ACTP no Brasil foi o ICMBio. Em 2019, no mesmo ano em que a espécie foi
declarada extinta na natureza pela IUCN, o ICMBio fez um acordo de cooperação
técnica com a ACTP para a reintrodução da ararinha-azul. O acordo formalizava
as responsabilidades de cada instituição e seria válido por cinco anos, até
junho de 2024, tendo que ser renovado após este período. De acordo com suas
diretrizes, o ICMBio seria responsável, dentre outras coisas, pelo apoio
técnico no monitoramento das aves e pelo apoio burocrático ao projeto de forma
geral, enquanto que a ACTP construiria e gerenciaria instalações para criar,
treinar e soltar as aves dentro da área de ocorrência histórica da espécie. Em
2020, a ACTP transferiu 52 araras da Alemanha para as instalações em Curaçá; em
2022, décadas após desaparecerem da natureza, 20 ararinhas-azuis foram
finalmente soltas na Caatinga.
“O projeto tem sido
incrivelmente bem-sucedido, além de qualquer coisa que poderíamos ter sonhado”,
diz Purchase. “Tínhamos uma lista de desejos e todos foram atendidos.”
Essa também é a
avaliação de Thomas White, biólogo do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA,
e coautor, junto com Purchase, Vercillo e outros, de um estudo publicado em
janeiro na revista Diversity descrevendo os resultados do primeiro ano de
reintrodução. “A reintrodução da ararinha-azul foi a mais cuidadosamente
planejada, a mais cuidadosamente executada e a mais bem-sucedida reintrodução
de qualquer psitacídeo que já vi em qualquer lugar”, diz White.
E ele já viu algumas.
White foi uma das mentes por trás do Projeto de Recuperação do
Papagaio-de-Porto-Rico, uma iniciativa que aumentou com sucesso o número de
indivíduos selvagens desta espécie (Amazona vittata) de 13 para cerca de 250 (e
mais de 450 em cativeiro). Ele também trabalhou na conservação de espécies de
psitacídeo nas Bahamas, na República Dominicana, na Nicarágua, no Chile e no
Brasil, e foi convidado para ser conselheiro na reintrodução da ararinha-azul
em 2012.
Segundo White, este
projeto foi especial. Antes de soltar as aves, a equipe as colocou em um
cercado de treinamento e soltura para que pudessem desenvolver adequadamente
suas habilidades sociais, de voo e de alimentação. Os pesquisadores
selecionaram araras para soltura com base em sua genética e idade (de 3 a 7
anos), visando maximizar a diversidade genética e evitar comportamentos
mal-adaptativos adquiridos em anos demais passados em cativeiro. E, mesmo
depois de toda essa preparação cuidadosa, as araras não foram devolvidas à
natureza sozinhas.
“A reintrodução da
ararinha-azul é a primeira reintrodução de papagaios que usou o conceito de
espécies substitutas, e o que é chamado de conceito de bando de espécies
mistas, para maximizar a probabilidade de sucesso”, diz White.
Isso significa que os
pesquisadores soltaram o primeiro grupo de 20 ararinhas-azuis junto com
maracanãs — a mesma espécie que formou um casal com o último macho selvagem de
ararinha nos anos 1990 — para que as aves formassem grupos unificados. Ao
contrário de suas primas criadas em cativeiro, as maracanãs foram tiradas da
natureza com o propósito específico de ensinar as ararinhas-azuis a se
comportarem como papagaios livres. De acordo com Vercillo, observando as aves
mais experientes, as ararinhas-azuis aprenderiam como encontrar comida e evitar
predadores.
Tudo indica que as
ararinhas-azuis foram, de fato, boas aprendizes. No final do primeiro ano de
reintrodução, em junho de 2023, a população reintroduzida teve uma taxa de
sobrevivência cumulativa — que leva em conta o destino incerto de alguns
indivíduos — de 58,3%. Pode não parecer muito, mas com base em outras
reintroduções de psitacídeo, os pesquisadores estavam prontos para considerar
qualquer coisa acima de 30% um sucesso.
As aves também
mostraram boa coesão, com 17 das 20 araras permanecendo juntas como um grupo.
Mas, talvez mais importante, as aves soltas formaram pelo menos seis casais, e
um deles se reproduziu com sucesso em seu primeiro ano na natureza, um sinal de
que o projeto estava no caminho certo. “Tínhamos quase certeza de que teríamos
boa sobrevivência, boa coesão de bando e boa interação entre as aves, mas
ficamos surpresos por elas começarem a se reproduzir tão cedo”, diz White.
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Nuvens escuras no horizonte
Mas o futuro da
ararinha-azul ainda está longe de estar garantido. Vercillo liderou um estudo
publicado em 2023 na revista Bird Conservation International, apresentando uma
análise de viabilidade populacional para a espécie — um modelo matemático usado
para avaliar a probabilidade de uma população se extinguir mediante diferentes
cenários ao longo de um período de tempo.
“Com o estudo que a
gente fez, a gente estima que, para a população ficar estável, e não correr
risco de extinção nos próximos cem anos, ela precisaria crescer para cerca de
700 ou 800 animais”, diz Vercillo ao Mongabay.
O plano era simples:
continuar reintroduzindo 20 ararinhas-azuis na Caatinga todos os anos pelos
próximos 20 anos, para que esse limiar relativamente seguro pudesse
eventualmente ser alcançado. O objetivo exigiria cuidado e monitoramento
constante das aves, além de investimentos contínuos em suas instalações de
reprodução e treinamento. O estudo da Diversity reforça esse ponto, observando
que “a importância da suplementação populacional regular e do apoio contínuo a
essa nascente população selvagem não pode ser subestimada”.
Foi, portanto, um
choque para muitos dos envolvidos no programa de reintrodução quando o ICMBio
anunciou, em maio de 2024, que não renovaria o acordo de cooperação com a ACTP.
Desde então, um conflito de narrativas emergiu entre as duas instituições, trazendo
incertezas sobre o futuro da reintrodução de uma das espécies de psitacídeo
mais raras e ameaçadas do planeta.
• Conflito institucional coloca em risco
reintrodução da quase extinta ararinha-azul
Em 2022, a
ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), um dos psitacídeos mais ameaçados do mundo,
começou a ser reintroduzida na Caatinga. A espécie, que faz do grupo das
araras, papagaios e periquitos, desapareceu de seu habitat nativo em 2000, ano
em que seu último indivíduo na natureza conhecido morreu.
O projeto de
reintrodução, no município de Curaçá, na Bahia, vinha sendo coordenado por duas
instituições: a Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP),
um criadouro alemão que atualmente abriga a maioria das ararinhas-azuis
restantes no planeta; e o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio), autarquia do governo brasileiro responsável pela
gestão de áreas protegidas e biodiversidade.
O primeiro ano da
reintrodução obteve um sucesso notável, com uma boa parcela das 20
ararinhas-azuis soltas sobrevivendo e permanecendo juntas, e com casais
reproduzindo e chocando os primeiros filhotes nascidos na natureza em décadas.
No entanto, em maio de 2024, o ICMBio anunciou que não renovaria seu acordo de
cooperação técnica com a ACTP, que terminou oficialmente em junho.
A decisão veio como
uma surpresa para conservacionistas envolvidos na reintrodução, e colocou em
dúvida o futuro do promissor programa.
“Estou realmente
perplexo com a decisão das autoridades brasileiras de não renovar o acordo com
a ACTP. Não há razão biológica para essa decisão,” diz Thomas White, um dos
líderes do Projeto de Recuperação do Papagaio-de-Porto-Rico e consultor do
projeto de reintrodução da ararinha-azul desde 2012. “Temos uma reintrodução em
seus estágios iniciais críticos, obtendo um sucesso fenomenal e histórico, e
mudar completamente a gestão [do programa] neste momento é muito
contraintuitivo e contraproducente.”
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Comercial ou não?
Como White apontou,
não havia razão biológica para o encerramento do acordo. A decisão foi
administrativa. Segundo o ICMBio, o fator-chave por trás dela foram “as
transações comerciais com ararinhas-azuis realizadas pela ACTP”.
A Mongabay e outros
veículos já noticiaram controvérsias envolvendo a ACTP e seu fundador, Martin
Guth. A instituição já foi acusada de falta de transparência em suas operações,
e de usar métodos questionáveis para adquirir algumas de suas aves, especialmente
dois papagaios-imperiais (Amazona imperialis) e dez
papagaios-de-pescoço-vermelho (Amazona arausiaca) obtidos da Dominica em 2018.
Neste caso, as
“transações comerciais” citadas pelo ICMBio dizem respeito à transferência, em
2023, de 26 ararinhas-azuis e quatro araras-azuis-de-lear (Anodorhynchus leari)
— outra espécie endêmica do Brasil listada como ameaçada — para um zoológico
privado na Índia, o Greens Zoological Rescue and Rehabilitation Centre (GZRRC).
As ararinhas-azuis são
listadas no Apêndice I da Cites, a convenção global sobre o comércio
internacional de vida selvagem, o que significa que seu comércio só é permitido
em circunstâncias especiais.
Críticos afirmam que a
transferência das aves da Alemanha para a Índia não atendeu a esses critérios.
Vinte organizações envolvidas com a conservação da vida selvagem, bem-estar
animal e esforços anti-tráfico, incluindo o World Parrot Trust, assinaram uma
carta condenando o ato (junto com a transferência pela ACTP de outras 50
ararinhas-azuis para instalações na Bélgica, Dinamarca e Eslováquia), assim
como o que designaram como uma má implementação das regulamentações de comércio
de vida selvagem por parte da União Europeia. Embora autoridades alemãs tenham
considerado a transação como não comercial, segundo a carta, o “criadouro
alemão aparentemente recebeu quantias significativas de dinheiro pela
transferência de aves criadas em cativeiro para pessoas privadas e zoológicos”.
O ICMBio disse à
Mongabay que o Brasil é “terminantemente contrário ao comércio dessa espécie,
ainda que com justificativas de financiamento de ações conservacionistas. O
comércio de ararinhas-azuis é prejudicial à conservação da espécie e favorece
interesses particulares em detrimento da proteção do bem público”.
A ACTP nega ter
vendido as aves para o zoológico indiano. Em uma declaração emitida antes da
reunião da Cites de novembro passado, a organização afirmou que “esta operação
não é uma transação comercial e nenhuma ararinha-azul ou qualquer outra ave foi
vendida.” A transferência, segundo o documento, foi necessária para expandir o
espaço para criar as aves, expandir o projeto para outras partes do mundo e
apoiar o programa de reintrodução. “Não houve transferência de propriedade dos
animais para qualquer outra organização, e as aves e seus descendentes
permanecem sob a propriedade da ACTP”, acrescentou.
O mesmo é reiterado
por Cromwell Purchase, coordenador científico e de projetos de campo da ACTP,
que supervisiona a reintrodução da ararinha-azul na Caatinga. “Martin está
lentamente movendo suas instalações para a Índia,” disse Purchase à Mongabay.
“Ele tem um pedaço de terra arrendado — um arrendamento de 99 anos com o
Greens. Nesse terreno, o Greens construiu instalações de última geração, ainda
melhores que as que ele tem na Alemanha. “A transferência é basicamente da ACTP
para a ACTP”, acrescenta.
Cromwell diz que as
licenças da Cites sob as quais as aves foram transferidas “são extremamente
rigorosas. Nas licenças está escrito que as aves não são para comércio. Elas
são especificamente para o programa da ararinha-azul. Então, não é como se a
instituição indiana pudesse fazer qualquer coisa com essas aves além de usá-las
para o programa”. Ele acrescenta que, enquanto o criadouro alemão abriga
espécimes que pertencem legalmente ao governo brasileiro, todas as aves
transferidas para a Índia são de propriedade da ACTP. “A ACTP não precisa da
permissão do ICMBio para mover suas aves”, diz.
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Problemas e política
Purchase acusa o
ICMBio de usar a alegação de que a transferência era comercial para atacar a
ACTP na reunião da Cites. Ele diz que a autarquia é culpada de atrasar o
projeto, falhando em agir em prazos adequados em momentos-chave da reintrodução
— atrasando, por exemplo, a transferência de mais ararinhas-azuis da Europa
para o Brasil. Ele alega segundas intenções por parte de alguns funcionários do
ICMBio, motivadas pelo papel central desempenhado pela ACTP na reintrodução,
instituição que até o momento financiou a maior parte do programa. Ele diz que
o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave) do
ICMBio, em particular, “apenas criou problemas e fez politicagem.”
Ugo Vercillo, diretor
da Blue Sky Caatinga, empresa envolvida no programa que está restaurando os
ecossistemas onde as aves são liberadas, acrescenta que um total de 120
ararinhas-azuis já deveria ter sido importado até o momento — mais do que o
dobro das 52 trazidas da Alemanha até agora — e que 60 já deveriam ter sido
soltas.
O ICMBio nega as
acusações, dizendo que “não há animosidade da parte do ICMBio em relação a
instituições estrangeiras e privadas que participam do projeto.” O que a
agência tem, segundo ela, são “ressalvas quanto a certas atitudes da ACTP”.
A agência também nega
estar prejudicando o programa de reintrodução, mantendo que sempre o apoiou:
“Cumprimos da melhor forma possível, dentro das possibilidades institucionais,
o que estava previsto no Acordo de Cooperação Técnica. Jamais dificultamos a
entrada de ararinhas-azuis no Brasil”. O ICMBio também diz que recentemente
aprovou a transferência de 42 ararinhas-azuis da ACTP para o Brasil. Mas,
segundo Purchase, a aprovação veio tarde demais para que a reintrodução fosse
realizada este ano.
Dada a atual situação,
no entanto, a chegada dessas ararinhas-azuis na Caatinga tornou-se uma questão
incerta. Em uma declaração dada ao site de notícias ((o))eco, Martin Guth, da
ACTP, disse que “dado o futuro incerto do [projeto de conservação da ararinha-azul],
não arriscaremos a vida de mais aves sem um entendimento claro da posição do
governo brasileiro sobre sua reintrodução.”
O fim do acordo não
impede a ACTP de continuar com a reintrodução, mas torna as coisas mais
complicadas. Sob o acordo, o ICMBio era responsável por dar suporte técnico no
monitoramento das aves e suporte burocrático ao projeto como um todo, enquanto
a ACTP era responsável por construir e gerenciar as instalações para criar,
treinar e soltar as aves dentro da área ocupada historicamente pela espécie.
Com o ICMBio fora de cena, a ACTP ainda tem outros parceiros brasileiros
dispostos a fornecer suporte. A Blue Sky Caatinga foi recentemente encarregada
de gerenciar as instalações em Curaçá.
“[Em 10 de junho] foi
publicada a portaria transferindo a gestão do centro do ICMBio para a Blue
Sky”, disse Vercillo à Mongabay. “Então a Blue Sky vai começar a ter
veterinário, contratar uma equipe, tudo isso.”
O ICMBio também não
está se afastando da conservação; continuará a gerenciar duas áreas protegidas
estabelecidas em 2018 especificamente para proteger futuras populações
selvagens de ararinhas-azuis. A autarquia também irá monitorar as aves fora da
área onde a ACTP conduz suas operações.
<><> Um
futuro incerto
Há cerca de 80
ararinhas-azuis atualmente no Brasil, divididas entre a população reintroduzida
na Caatinga, as instalações geridas pela ACTP em Curaçá e o Zoológico de São
Paulo. Este último atualmente abriga 27 aves recentemente transferidas de outra
instituição a pedido do Cemave, mantidas em um novo centro de conservação
construído especialmente para a espécie.
“A gente tem total
interesse de participar do programa de reintrodução”, diz Fernanda Vaz Guida,
bióloga responsável pelo setor de aves do zoológico. A instituição observou a
formação de três casais entre suas ararinhas-azuis, e Guida espera que eles comecem
a se reproduzir em breve. O objetivo do zoológico é eventualmente alcançar dez
casais reprodutores para continuar aumentando a população de ararinhas-azuis.
Ele tem hoje espaço suficiente para abrigar 44 aves.
Mas isso não é
suficiente para abastecer o programa de reintrodução — cujos gestores têm como
meta reintroduzir 20 aves por ano na natureza — se a ACTP decidir abandonar o
projeto, colocando seu plantel de 267 aves, com mais 60 nascidas a cada ano,
fora de alcance.
O ICMBio nega ter
concordado oficialmente com a meta de liberar 20 aves por ano. Segundo a
autarquia, o protocolo era experimental e, mesmo que a ACTP continue a cooperar
plenamente com o projeto, diz que tirar tantas aves da população de cativeiro a
cada ano poderia comprometer o estoque da espécie.
Mas, de acordo com
Vercillo, que liderou um estudo apresentando uma análise de viabilidade
populacional para a espécie em 2023, isso é improvável. Segundo ele, utilizar
menos de 50% das aves nascidas em cativeiro e menos de 10% da população cativa
para o programa de reintrodução a cada ano não deve comprometer o plantel da
espécie.
Perguntado sobre seus
planos para o futuro da reintrodução da ararinha-azul à luz da não renovação do
acordo de cooperação, o ICMBio diz que “buscará a inclusão de todas as
ararinhas-azuis existentes sob cuidados humanos (cativeiro) no programa de
manejo oficial da espécie, contando com a continuidade do trabalho desenvolvido
pela ACTP. Caso a ACTP resolva retirar-se do projeto de reintrodução, o governo
brasileiro dará continuidade ao projeto assim que houver segurança para que
sejam liberados, na natureza, grupos de tamanhos adequados e de forma contínua,
de acordo com o melhor conhecimento existente sobre a espécie”.
Ainda assim, a decisão
de desistir do acordo, rompendo uma parceria que, embora conturbada, estava
funcionando em benefício da ararinha-azul, deixou muitos preocupados com o
futuro da espécie.
“Esperamos que haja
mais solturas,” diz Purchase. “Enquanto pudermos seguir o algoritmo e soltar 20
aves por ano, considerando o incrível sucesso das aves liberadas no primeiro
ano, podemos assumir grandes chances de uma população sustentável dentro de 20
anos.”
Fonte: Mongabay
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