Os Gigantes: 30 municípios têm secretarias
de ambiente fundidas com agronegócio, mineração e turismo
Apenas 48 dos cem
maiores municípios brasileiros possuem secretarias ou órgãos próprios para a
gestão ambiental. Nos outros 52 casos, as atribuições de fiscalização,
licenciamento, controle e monitoramento ficam a cargo de secretarias mistas.
Levantamento do De Olho nos Ruralistas mostra que 30 pastas sobrepõem o meio
ambiente com fomento ao agronegócio, mineração e turismo — justamente os
setores que dependem da expedição de licenças ambientais para atividades
poluentes ou danosas aos ecossistemas.
Os dados integram o
dossiê “Os
Gigantes“, lançado pelo observatório nesta
quinta-feira (5) durante debate realizado no Armazém do Campo, em São Paulo. O
evento marcou a comemoração dos 8 anos do observatório e o lançamento de uma
campanha institucional visando alcançar 300 novos apoiadores: “Debate e ato Guarani Mbyá marcam lançamento do dossiê “Os
Gigantes” e 8 anos do De Olho“.
O primeiro capítulo do
estudo traz uma análise das políticas ambientais promovidas pelas prefeituras
dos cem maiores municípios do país, focando em ações de adaptação às mudanças
climáticas e de prevenção a desastres geo-hidrológicos. Um dos itens analisados
foi a existência de conflitos de interesse nas pastas dedicadas à área.
É comum que as
prefeituras juntem o setor de turismo à secretaria de Meio Ambiente sob a
justificativa de incentivar circuitos rurais, ecológicos e de atividades ao ar
livre, como trilhas, cachoeiras e gastronomia “da roça”. Mas diversas ações do
MPF e dos Ministérios Públicos estaduais questionam empreendimentos turísticos
que violam leis ambientais — um dos principais fatores para a separação entre
as duas pastas.
No caso do
agronegócio, o conflito de interesses é latente. Além dos dez municípios em que
a gestão ambiental é comandada pela pasta de agricultura ou de desenvolvimento
agrário, em outros três — Guajará-Mirim (RO), Colniza (MT) e Rorainópolis (RR)
— os secretários de Agricultura acumularam os dois cargos, cuidando também da
secretaria de Meio Ambiente.
O Mato Grosso se
destaca nesse conflito de interesses: dos vinte municípios que integram a lista
dos Gigantes, somente seis têm secretarias totalmente dedicadas ao ambiente.
São elas: Aripuanã, Poconé, Vila Bela da Santíssima Trindade, Rondolândia, Nova
Ubiratã e São Félix do Araguaia.
LÍDERES EM
MINERAÇÃO NÃO POSSUEM SECRETARIA PRÓPRIA DE MEIO AMBIENTE
Itaituba e
Jacareacanga, no extremo oeste do Pará, ao longo da Rodovia Transamazônica,
lideram a lista dos Gigantes com maior área dedicada à mineração. São,
respectivamente, 714.97 km² e 193,70 km², de acordo com dados de 2022 extraídos
da plataforma MapBiomas.
Somadas, as lavras minerárias nos dois municípios são do tamanho da capital
Belém.
Nenhum deles possui
secretaria específica para a área ambiental: no caso de Jacareacanga, o
orçamento é compartilhado com Turismo; em Itaituba, onde um monumento em
homenagem a um garimpeiro marca a orla do Rio Tapajós, existe uma Secretaria de
Meio Ambiente e Mineração.
O prefeito reeleito de
Itaituba, Valmir Climaco (MDB), contou com o apoio de Valdinei Mauro de Souza,
o Nei Garimpeiro, para a campanha de 2020. Bilionário do garimpo e do
agronegócio, Nei doou R$ 200 mil para o político.
Como resposta ao agrado, o setor recebeu atenção especial na administração de
Climaco. Em entrevista à revista Veja, em junho, o prefeito celebrou a concessão
de 400 licenças de exploração mineral em sua gestão.
O feito foi realizado
com o aval do governo do Pará que, em 2015, se tornou o único estado da
Amazônia Legal a outorgar aos municípios o poder de conceder licenças
minerárias para lavras de até 500 hectares. Em 2023, o Instituto Socioambiental
(ISA) e o WWF Brasil apontaram em nota técnica os prejuízos
ambientais decorrentes da concessão estadual. Entre os argumentos apresentados
no estudo está a incapacidade dos municípios de avaliar os impactos ambientais
resultantes da exploração mineral.
Em 2022, um laudo do
Instituto das Águas da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa)
constatou que plumas de sedimentos dos garimpos de Jacareacanga e Itaituba
chegaram até Santarém, na foz do Tapajós, escurecendo as águas de Alter do
Chão, um dos principais pontos turísticos do estado, conhecido como “Caribe
Amazônico”. Os detritos percorreram mais de 700 quilômetros em relação ao ponto
de origem.
Em 2022, o Ministério Público Federal instaurou
inquérito civil para apurar irregularidades na concessão de licenças ambientais
para atividades minerárias cometidas pelas secretarias de Meio Ambiente de
Itaituba e Jacareacanga. A ação em andamento tenta identificar se as
prefeituras permitem que empresas e cooperativas de garimpeiros explorem ouro
em áreas protegidas.
INVESTIGADA
POR LIGAÇÃO COM O PCC, COOPERATIVA QUER EXPLORAR APA DO TAPAJÓS
No caso de Itaituba, a
conexão com o setor é clara. O secretário de Meio Ambiente e Mineração, Bruno
Rolim da Silva, já deu entrevistas se dizendo
favorável à legalização do garimpo. Em fevereiro de 2022, ele acompanhou
Climaco em audiência no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio). Segundo reportagem da Agência Pública,
participaram da reunião o coronel Homero de Giorge Cerqueira, ex-presidente da
ICMBio, hoje lobista do garimpo, e o presidente da Cooperativa dos Garimpeiros
Mineradores e Produtores de Ouro do Tapajós (Coopouro), Antônio Araújo.
Próximo de Climaco,
Araújo participou de uma audiência pública na
Câmara Municipal de Itaituba em março de 2022, defendendo a liberação do
garimpo na Área de Preservação Ambiental (APA) do Tapajós, uma das unidades de
conservação mais impactadas pela atividade no país.
Com 2 milhões de
hectares, a unidade tem seu território dividido entre os dois Gigantes líderes
em garimpo: 85% estão no município de Itaituba e 14% em Jacareacanga, além de
uma pequena parcela em Trairão, também no Pará.
Entre 2022 e 2023, a
APA do Tapajós foi a área protegida mais desmatada da Amazônia Legal, de acordo
com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). É também a unidade de conservação mais
invadida por garimpeiros na região: dados do MapBiomas,
de 2022, mostram que 51,6 mil hectares estavam submetidos à exploração
minerária. A área lidera o ranking de pistas de pouso dentro unidades de
conversação: são 156, a maior parte não registrada na Agência Nacional de
Aviação (Anac). Muitas pistas ficam próximas dos
garimpos: em Itaituba, elas despontam em plena Rodovia Transamazônica.
Um ano antes da
audiência pública, em 2021, a Coopouro foi alvo de mandado de busca e apreensão
expedida pelo juiz Alexandre Rizzi, da 1ª Vara Penal de Santarém. A cooperativa
foi investigada no âmbito da operação Narcos Gold, que apurava a
concessão de licenças de garimpo a Heverton Soares Oliveira, o “Grota”, membro
do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Após dois mandatos,
Valmir Climaco apoia em 2024 a candidatura de seu vice Nicodemos Aguiar (MDB),
um pecuarista e apoiador do garimpo. Em sua declaração de bens ao Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), Aguiar listou quatro propriedades,
totalizando 1.100 hectares.
CONFIRA
VÍDEO SOBRE “OS GIGANTES” EM NOSSO CANAL NO YOUTUBE
O território
brasileiro comporta quase todo o continente europeu. Um quinto das Américas. É
a maior área continental do hemisfério sul. O Oiapoque, no Amapá, está mais
próximo do Canadá do que em relação a Chuí, no extremo sul do país. Entre o
litoral paraibano, onde se inicia a Rodovia Transamazônica, e Mâncio Lima, na
divisa com o Peru, são 4.326 quilômetros — quase a mesma distância entre Lisboa
e Moscou.
Entre esses extremos
existem 5.568 municípios. Entre eles, desponta um time seleto cujas proporções
são comparáveis a países inteiros: os cem maiores municípios do país. O maior
deles, Altamira (PA), é maior que a Grécia. Bem maior que Portugal.
“É uma fatia decisiva
e esquecida do Brasil”, aponta o diretor do De Olho nos Ruralistas, Alceu Luís
Castilho. “Esses municípios costumam ficar fora da cobertura eleitoral, diante
da ênfase nos grandes centros urbanos, mas a importância ambiental deles é
gigantesca. O impacto deles é planetário”.
Além do dossiê “Os
Gigantes”, o observatório publica uma série de vídeos e reportagens detalhando
os principais achados do estudo, que mapeia as políticas ambientais dos cem
municípios e conta casos emblemáticos de conflitos de interesses envolvendo
prefeitos-fazendeiros e a influência de empresas e sindicatos rurais.
Fonte: De Olho nos
Ruralistas
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