Tratamentos contra obesidade baseados no
receptor do GLP-1 se consolidam
A obesidade tem
aumentado ano a ano significativamente, atingindo um bilhão de pessoas, o que
equivale a uma em cada oito pessoas. Doenças associadas à obesidade,
como problemas cardíacos, AVC, diabetes tipo 2 e câncer, estão entre as
principais causas de mortes evitáveis. No Brasil, levantamento apontou que o
Sistema Único de Saúde gasta anualmente cerca de R$ 1,5 bilhões com o
tratamento da obesidade. À medida que a epidemia global de obesidade
continua a desafiar os sistemas de saúde, o tratamento passou por uma revolução
com a introdução de medicamentos altamente eficazes. A chegada dos agonistas do
receptor do GLP-1 (Glucagon-like Peptide-1), que inclui semaglutida
(princípio ativo presente no Wegovy, Ozempic e Rybelsus) e a tirzepatida
(princípio ativo do Mounjaro), marcou um avanço significativo, permitindo, pela
primeira vez, uma perda de peso que pode chegar a cerca de 20%.
Por isso,
especialistas apontam que esses medicamentos representam uma verdadeira
revolução. Cristiano Roberto Grimaldi Barcellos, Diretor do Departamento
de Endocrinologia do Esporte e Exercício da Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia (SBEM), ressalta que, assim como no tratamento da
diabetes, o uso de fármacos é frequentemente necessário para tratar a
obesidade. Contudo, destaca que, no sistema público de saúde, o acesso a
medicamentos é limitado, levantando preocupações sobre a equidade no tratamento
dos pacientes, independentemente de sua condição socioeconômica. “Remédios
eficazes, como semaglutida e liraglutida, são custosos inicialmente, mas podem
se tornar mais acessíveis com o tempo e serem incluídos nos protocolos do
sistema público de saúde”, afirma Barcellos.
Apesar do custo ainda
ser um obstáculo, há uma corrida para trazer genéricos ao Brasil, o que pode
impulsionar ainda mais o nicho farmacêutico. Fátima Pinho acredita que, na
última década, o Brasil implementou um conjunto de reformas significativas para
melhorar a distribuição de médicos, desenvolver novas formas de organização dos
serviços, introduzir novos modelos de financiamento e lançar iniciativas
voltadas para a melhoria da qualidade. “Com a quebra de patentes, novos
competidores devem chegar nesse setor, o que potencialmente deve diminuir os
preços dos produtos e ampliar consequentemente o acesso.”
Com o rápido
desenvolvimento e o sucesso notável desses tratamentos, as perspectivas de
mercado nessa área se tornam cada vez maiores: relatório da GlobalData indica que há potencial para este
mercado atingir US$ 125 bilhões, com 7 milhões de pacientes, até
2033. “Nos próximos anos este nicho deve crescer, uma vez que as
perspectivas são de aumento dos casos de diabetes e obesidade. O tamanho do
mercado na América Latina é estimado em USD 203.89 milhões em 2024 e deve
atingir USD 266.48 milhões até 2029, com uma taxa de crescimento anual composta
(CAGR) de 5,5% durante o período de previsão (2024-2029)”, analisa Fátima
Pinho, sócia de Life Sciences & Health Care da Deloitte.
·
Portfólio das farmas
nacionais
Estudo apresentado
no Congresso Internacional sobre Obesidade deste ano sugere que, com base nas
tendências atuais, quase metade dos adultos brasileiros (48%) estará com
obesidade até 2044, o que configura um sério problema de saúde pública. Neste
sentido, o aumento da demanda por remédios para obesidade deve trazer impactos,
como o impulso ao setor de biotecnologia. Com o nicho dos agonistas do GLP-1
mostrando um potencial de lucro considerável, as farmacêuticas estão se
preparando para entrar na corrida para a comercialização desses
fármacos. No Brasil, a patente da semaglutida deve expirar em 2026, o que
permitirá que outras empresas farmacêuticas produzam medicamentos genéricos ou
similares ao original.
Um movimento recente
nesse sentido veio no fim de agosto, quando a EMS inaugurou sua primeira
fábrica de tecnologia avançada. A unidade, com capacidade para produzir até 20
milhões de medicamentos anualmente, se dedicará à fabricação e comercialização
de moléculas inovadoras, como liraglutida e semaglutida, para tratamento de
obesidade e diabetes, tanto no Brasil quanto no exterior. O investimento total
na construção da fábrica foi de R$ 70 milhões e a expectativa é que a nova
planta criará 150 empregos diretos e cerca de mil indiretos.
Um pouco antes, em
abril, a também brasileira Biomm firmou um acordo exclusivo com a
biofarmacêutica indiana Biocon para licenciar, comercializar e distribuir o
medicamento biológico semaglutida no Brasil. A importação, distribuição e
comercialização do produto ainda estão condicionadas ao fim da patente, à
aprovação da Anvisa e à definição do preço pela CMED (Câmara de Regulação do
Mercado de Medicamentos).
Rafael Costa, diretor
executivo comercial da Biomm, ressaltou que a acessibilidade dos produtos no
setor é uma prioridade, com a empresa focada em oferecer opções mais econômicas
tanto no setor privado quanto no sistema público de saúde. “Nossa missão é tratar
os pacientes de forma mais eficiente e acessível, permitindo que o governo e o
sistema de saúde direcionam recursos para outras terapias e doenças
emergentes”, enfatizou o diretor.
Costa mencionou que a
fábrica em Nova Lima (MG) deve expandir. Atualmente, a capacidade produtiva é
de 20 milhões de cartuchos de insulina glargina e 20 milhões de frascos, o que
cobre 100% da demanda de glargina. Ele afirmou que a empresa está buscando estabelecer
parcerias com principais companhias globais para explorar novas tecnologias e
mecanismos de ação complementares. “Estamos comprometidos em ampliar o acesso a
tratamentos e colaborar com o governo. O foco é avançar no desenvolvimento de
novas moléculas e fortalecer a capacidade produtiva para atender às
necessidades dos pacientes”. Sobre o custo, Rafael Costa afirmou que,
quando o produto chegar ao mercado, em 2026, ele deve ser um pouco mais
acessível, e a meta é incorporá-lo ao SUS. Contudo, ele não informou o valor
específico do fármaco, pois o preço será definido pela competição.
Atualmente, no país há
medicamentos genéricos no setor que atuam no tratamento da obesidade. Entre
eles, Sibutramina (age no cérebro para interferir no controle do apetite) e o
Orlistat (age no sistema digestivo para reduzir a absorção de gorduras da alimentação).
Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos e
Biossimilares (Pró Genéricos), no último ano, foram vendidas 2.223.784 milhões
de unidades de Orlistat. Entre 2020 e 2024, houve um crescimento de 8,74% nas
vendas desse fármaco. Já a Sibutramina teve 1.835.987 milhões de unidades
vendidas no último ano. Entre 2020 e 2024, apresentou um crescimento de 7,53%
nas vendas.
Para Tiago de Moraes
Vicente, presidente da PróGenéricos, os dados de mercado refletem a crescente
demanda por fármacos voltados ao tratamento da obesidade. Ele destaca que, para
acelerar os processos de aprovação de fármacos e revisar continuamente os dados,
é necessário oferecer incentivos fiscais e subsídios para empresas que investem
em pesquisa e desenvolvimento de tratamentos para obesidade, “reduzindo os
custos e riscos associados ao desenvolvimento de novos medicamentos”.
·
Desafios do mercado de
agonistas do receptor do GLP-1
Nos últimos anos, o
aumento no uso de medicamentos como o Ozempic veio acompanhado de
desafios. Problemas como restrições na capacidade de fabricação e
disponibilidade limitada das doses é um deles. A falsificação de produtos é
outra. E há ainda preocupações com o custo para os sistemas de saúde e a
equidade de acesso para os pacientes com as maiores necessidades não atendidas.
Fátima Pinho diz
que o Brasil apresenta realidades muito distintas quando o assunto é
saúde. Existem áreas com menor concentração de médicos e leitos, assim como
nível de emprego, o que impacta diretamente no número de pessoas que possuem
plano de saúde. Os análogos do GLP-1 ainda não estão no Rol da ANS e atualmente
custam, em média, R$ 1 000. O tratamento também não está disponível no SUS.
Para que um produto como esse seja incluído no sistema público é necessária uma
extensa avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia
(CONITEC).
“Para o desafio ser
vencido, é importante que o resultado prático seja superior ao investimento
realizado no produto e, quando falamos em saúde pública, o volume de pessoas é
muito grande. Grande parte destes produtos tem sido utilizadas como off-label, quando
o uso é utilizado para fim diferente do que consta em bula”, aponta.
Embora não faça
avaliação sobre projeções de mercado de medicamentos de obesidade, Sérgio Mena
Barreto, presidente executivo da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e
Drogarias (Abrafarma), afirmou que a entidade sempre defendeu a questão de
acesso por meio dos genéricos e que esse “mercado é interessante para muitas
companhias e terá procura”. Ele mencionou que as linhas de produção são
limitadas, e é uma escolha econômica que a indústria precisa fazer. Sérgio
lembrou ainda que nos Estados Unidos o mercado de genéricos representa 80%. No
Brasil, em 2023, os medicamentos genéricos representaram 37% do mercado
farmacêutico brasileiro, com 1,98 bilhão de unidades vendidas.
Além dessas questões,
do ponto de vista de mercado, os novos produtos que surgirem precisarão se
destacar ao oferecer vantagens claras sobre as opções já disponíveis para
competir de forma eficaz. Como resultado, as empresas farmacêuticas estão
explorando alternativas de administração, além do custo.
·
Tendências para os
agonistas do receptor do GLP-1
O GLP-1, um hormônio
produzido pelo intestino e liberado na presença de glicose, sinaliza ao cérebro
que está saciado, reduzindo o apetite. Além disso, ele aumenta a secreção de
insulina, inibe a secreção de glucagon e a produção hepática de glicose, melhora
a sensação de saciedade e tem efeitos indiretos sobre o tecido adiposo e o
sistema cardiovascular. Por essas razões, os medicamentos GLP-1 têm atraído
grande atenção devido às suas notáveis capacidades de promover a perda de peso.
A sócia de Life
Sciences & Health Care da Deloitte lembra que existem estudos em
andamento, fase 2, que estão demonstrando potencial de utilização do produto
para outras indicações (tabagismo, alcoolismo, Parkinson e Alzheimer) e
diminuição de efeitos colaterais, mas que ainda precisam ser
aprofundados. De acordo com Fátima, há também margem para as empresas de
biotecnologia explorarem, através de ensaios clínicos, como certos medicamentos
funcionam em conjunto com o GLP-1. Por exemplo, as empresas que investigam
medicamentos direcionados a determinadas indicações cardiovasculares podem
querer considerar o planejamento para gerar dados que incluam pacientes em uso
de GLP-1.
Com a incidência de
doenças crônicas se tornando um grande desafio para os sistemas de saúde, a
tendência é que o mercado se aqueça ainda mais. Mas Barcellos, da SBEM, lembra
que, apesar dessas novas ferramentas ajudarem a mudar o cenário, a adoção de um
estilo de vida saudável e a superação do preconceito em relação ao tratamento
da obesidade não podem ser deixadas de lado.
Fonte: Futuro da Saúde
Nenhum comentário:
Postar um comentário