terça-feira, 10 de setembro de 2024

Alta dos juros coloca Brasil na contramão das maiores economias do mundo

Após anos de espera e muitas expectativas frustradas, as maiores economias do mundo finalmente estão começando a cortar os juros. No Brasil, porém, a conversa vai na direção oposta.

Por aqui, grande parte do mercado está vendo o Banco Central (BC) subir a taxa básica já neste mês em um pontapé de um novo — mas curto — ciclo de ajustes para cima para reancorar as expectativas da inflação, que já está batendo no teto da meta.

A Selic está em 10,5% desde maio, quando o BC interrompeu o último ciclo de queda dos juros. Parte do mercado prevê que a taxa vá para próximo de 12% e fique em dois dígitos até meados do próximo ano. Opiniões menos otimistas, porém, indicam para recuo somente a partir de 2026.

Economistas ouvidos pela CNN apontam que a diferença do cenário brasileiro e o de outras economias globais está na perspectiva para a inflação: enquanto as expectativas domésticas apresentam viés de alta, lá fora os números direcionam para a perda de fôlego na variação de preços.

Além disso, a economia brasileira aparenta estar muito mais aquecida, com expansão das atividades e taxa de desemprego em níveis historicamente baixa. Apesar de serem indicativos positivos ao país, o cenário também ajuda a alimentar a inflação, demandando mais juros.

<><> Por que os juros estão altos?

Analistas citam uma série de fatores para a alta da Selic, mas com maior peso da política de aumento dos gastos públicos pelo governo federal.

O quadro pintado pelos especialistas mostra a economia brasileira em um estado de dicotomia. De um lado, o BC sobe os juros para enfraquecer as atividades e, em última instância, reduzir a alta dos preços.

Na ponta oposta, o governo faz uma injeção massiva de recursos, como aumento do salário mínimo e expansão de programas sociais, dando mais fôlego ao desenvolvimento econômico.

Beto Saadia, economista da Nomos Investimentos, lembra que o ímpeto da política fiscal vem antes mesmo de o presidente Lula (PT) assumir o Executivo pela terceira vez, em janeiro de 2022.

Ele afirma que desde o período eleitoral já havia viés de gastança pela gestão de Jair Bolsonaro (PL), que foi turbinado a partir da vitória do petista com a PEC da Transição.

“Impulso não é de todo ruim. É necessário em momentos como a pandemia ou a tragédia no Rio Grande do Sul, mas nas circunstâncias macroeconômica que estávamos, foi uma política muito equivocada”.

Além da política fiscal expansionista, Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, aponta a recente escalada dodólar como uma barreira para a queda dos juros no país.

O clima de cautela global por temores de recessão nos EUA levaram a divisa dos EUA a superar a cotação de R$ 5,70 no início de agosto, atingindo o maior patamar desde 2021. A moeda recuou ao longo do mês, mas voltou a mostrar força firme contra o real na primeira semana de setembro, rondando o patamar de R$ 5,60.

Para conter a disparada, o BC interveio no mercado de câmbio e promoveu o leilão à vista de US$ 1,5 bilhão, a primeira ação do tipo desde 2022.

Além disso, a atual seca que atinge o Brasil forçou o acionamento da bandeira vermelha 1 pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Nesta condição, a tarifa de energia terá custo adicional de R$ 4,463 por cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos.

<><> BC sai na frente

O BC do Brasil foi um dos primeiros a subir os juros em meio ao desarranjo na economia global causada pela pandemia da Covid-19.

Entre agosto de 2020 e janeiro de 2021, a Selic foi mantida em 2%, o patamar mais baixo da história, como forma de incentivar a economia diante dos desafios da crise sanitária.

Porém, a quebra de cadeias de produção e interrupção de rotas levou ao desabastecimento de diversos produtos no mercado, pressionando os preços para cima.

Diante deste cenário, o BC iniciou em março de 2021 um ciclo de alta que encerrou em agosto de 2022, com a taxa em 13,75% ao ano. Esse patamar foi mantido até agosto do ano seguinte, quando teve início o último ciclo, que encerrou no atual patamar de 10,5%.

Em comparação, o Federal Reserve (Fed), iniciou o ciclo de alta em março de 2022.

“O Brasil subiu os juros muito antes, e agora temos a economia crescendo com gastos públicos”, diz Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master.

Na mesma linha, Saadia explica que a estratégia do BC era de “sacrificar” a economia com juros altos para trazer os preços para baixo. Porém, os efeitos foram mitigados pela alta dos gastos públicos.

“Pelo tudo que vimos, esse sacrifício não foi feito, já que do outro lado tinha alguém dando estímulo fiscal”.

<><> Situações opostas

O Banco Central Europeu (BCE) foi um dos primeiros entre as grandes economias a mudar a rota dos juros. No início de junho, a autoridade monetária da zona do euro cortou a taxa em 0,25 ponto, a 3,75%.

No mês seguinte, foi a vez do Banco da Inglaterra ceder na política monetária, também na mesma intensidade, rebaixando os juros para 5%.

Em ambos os casos, foi o primeiro afrouxamento da política monetária desde 2019.

As atenções do mundo, porém, estão nos Estados Unidos. Desde julho do ano passado, o Fed mantém as taxas entre 5,25% e 5,5%, a mais pressionada em mais de duas décadas.

Após frustrar expectativas dos investidores, a autoridade monetária finalmente sinalizou para o corte da taxa na reunião deste mês. Agora, as expectativas estão no tamanho do corte, com apostas entre 0,25 ou 0,5 ponto.

“Estados Unidos e zona do euro estão passando por desinflação. É um processo contrário ao nosso, com a inflação voltando a crescer e com riscos evidentes à frente”, diz Vale, da MB Associados.

A queda dos juros nos EUA, porém, é um dos fatores apontados pelos analistas de que esse novo ciclo de alta no Brasil não se prolongue por muito tempo, já que juros mais baixos na maior economia do mundo favorece o cenário para todos os mercados.

“Se o Fed não cortasse juros, nossa vida seria muito mais difícil”, resume Gala.

 

¨      Subir juros agora é como “tomar remédio antes de ficar doente”, avalia ex-diretor do BC

“A gente não deveria tomar remédio antes de fato ficar doente”, comenta à CNN o ex-diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), Luiz Fernando Figueiredo, comparando a atitude precipitada a uma potencial alta da taxa Selic na próxima reunião da autarquia, entre os dias 17 e 18 deste mês.

“Não é o momento, porque quando se faz a análise dos próprios modelos do Banco Central, da reunião passada para cá, nos traz uma inflação um pouco mais baixa do que se calculava antes”, avalia Figueiredo.

O Banco Central trabalha com o que chama de horizonte relevante para a política monetária. Isso é, um período de 18 meses à frente — sendo hoje os primeiros três meses de 2026 — no qual se projeta a inflação.

O resultado desse cálculo é usado como um dos parâmetros para a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom).

O tal modelo de cálculo citado pelo ex-diretor do BC considera a inflação corrente, as expectativas do mercado, o câmbio e a folga que a economia tem em relação a pressões — como mercado de trabalho, crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e o nível dos juros —, o que é chamado de hiato.

Na última reunião do Copom, que mais uma vez manteve a Selic em 10,5% ao ano, o colegiado estimou a inflação para o período entre 3,2% e 3,4%. A Jive Mauá Investimentos, onde Figueiredo é presidente do conselho, calcula que do final de julho para cá, a estimativa caiu para 3,13%.

“O modelo mostrando um resultado mais próximo da meta, não faz sentido [subir os juros]. Reconheço que temos uma atividade forte, desemprego baixo, aqui e ali vemos um pouco de pressão em preços, mas o modelo não nos diz que precisamos subir”, comenta o ex-BC.

“Mesmo com o PIB recente, mais forte, e recalculando o hiato mais apertado, temos uma taxa de inflação nesse horizonte relevante mais baixa que a anterior”, conclui.

Para Figueiredo, este seria o momento para esperar. Mas ele avalia que declarações recentes dos diretores do BC favorecem as apostas do mercado.

“O que vai contra é que de fato os diretores foram muito duros, dizendo que a situação está assimétrica”, pontua o economista.

Ele indica que até o posicionamento de Gabriel Galípolo, diretor indicado pelo governo para a presidência da autarquia, tem sido mais duro do que o atual presidente, Roberto Campos Neto, o que teria sustentado as previsões do mercado.

<><> Culpados pelos juros elevados

Primeiramente, Figueiredo reforça que o país tem por natureza uma taxa de juros neutra — aquela que nem estimula e nem segura a economia — elevada. Isso por conta de incertezas na economia e um histórico de gastos elevados.

A inflação também é pressionada por essas variáveis, então quando o BC precisa subir os juros para contê-la, eles são elevados a níveis muito altos.

E entre as principais incertezas recentes apontadas pelo ex-BC estão a questão fiscal e as tensões do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, contra o Banco Central e sua política de juros.

A política fiscal expansionista – aquela que promove gastos públicos elevados – é vista por Figueiredo como um “tiro no pé” do governo.

“Antes do governo ter toda essa atitude de ruído do lado fiscal e contra o Banco Central, [os juros] estavam indo para o caminho de um dígito [no final de 2024]. Mas o juro fica mais alto com confusão, com incerteza”, diz à CNN.

“A taxa de juros nunca é causa das coisas, é sempre consequência. O Banco Central tenta calibrar os juros para que a inflação não seja alta. Então, o juro pode ficar mais baixo mais para frente, mas isso dependendo do governo ter uma política fiscal sustentável”.

 

¨      Corte de juros do BC depende de controle de gastos do governo, dizem economistas

Os juros básicos do Brasil estão fixados hoje em 10,5% ao ano. Definida pelo Banco Central (BC), a taxa Selic serve como referência para bancos e outras instituições financeiras definirem os seus juros, o preço que dão ao dinheiro no retorno de operações como empréstimos ou prestações.

Uma taxa elevada tende a encarecer o crédito, dificultando a realização de operações e travando a movimentação do dinheiro, e por tanto, da economia.

Para economistas ouvidos pela CNN, o atual patamar da Selic é de fato restritivo.

<><> O ciclo de alta

Entre agosto de 2020 e março de 2021, a taxa básica de juros do BC foi mantida em 2%, o patamar mais baixo da história da Selic. Contudo, em um cenário de forte pressão econômica por conta da pandemia, a inflação subiu e a autarquia iniciou um ciclo de aperto que se estenderia até agosto de 2022.

“A razão para o aperto monetário era a preocupação com o aumento da inflação, que refletiu políticas fiscal e monetária expansionistas em resposta ao impacto recessivo da pandemia, bem como choques de oferta em meio à Covid-19”, avalia Carlos Braga, ex-diretor de Política Econômica e Dívida do Banco Mundial.

Os juros chegaram a atingir o patamar de 13,75% ao ano, o mais elevado desde 2016. A taxa só voltaria a cair em agosto de 2023, num ciclo que se encerrou em maio deste ano.

Apesar da queda, a Selic ainda segue acima da chamada taxa de juros neutra – aquela que nem trava e nem movimenta a economia.

Para o economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP e ex-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), esse patamar gera “restrição do crescimento econômico, estrangulamento dos devedores, valorização artificial do câmbio e aumento do custo de rolagem da dívida pública”.

<><> Próximos passos da política monetária

Até o começo do ano, a expectativa do mercado apurada pelo BC no boletim Focus apontava que a Selic deveria encerrar o ano em um dígito. Contudo, as apostas se deterioraram, e agora — além de se acreditar que ela não vai voltar a cair neste ano —, parte do mercado espera que ela volte a subir.

Há quem olhe para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), entre os dias 18 e 19 de deste mês, com a expectativa que ela já seja elevada. Mas conforme a apuração mais recente do BC, a mediana do mercado aponta para uma alta de 0,25 ponto percentual na reunião de novembro.

Segundo o Sistema de Expectativas de Mercado da autarquia, a Selic só deve voltar a cair final de 2025, e ser reduzida a um dígito apenas em 2026.

A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi a 4,45% em 12 meses encerrados em julho, se aproximando do teto perseguido pelo BC.

A meta da inflação deste ano e os próximos é de 3%, com margem de 1,5 ponto para cima ou para baixo.

Thaís Zara, economista sênior da LCA Consultores, aponta que a variação de preços deve ficar moderada a partir de 2025, com espaço de o BC manter a Selic em patamar mais restritivo até o terceiro trimestre do próximo ano.

“Possivelmente, mais para o final do ano, seja possível pensar em voltar a cortar os juros, pensando em uma inflação convergindo mais ao centro da meta em 2026/2027”, analisa Thaís Zara.

Além da inflação convergindo para a meta de 3%, Sérgio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren Rena, destaca uma série de fatores que contribuem para a queda dos juros no ano que vem.

Entre os destaques, a potencial valorização do real — em razão de um cenário externo mais benigno com o início do ciclo de corte de juros nos Estados Unidos —, e o desaquecimento da atividade doméstica com redução dos gastos do governo federal.

Mas enquanto a perspectiva fiscal for negativa, Braga aponta para o pior cenário. “A menos que o governo restaure a credibilidade de sua política fiscal, o aperto monetário é inevitável”, aponta o ex-diretor do Banco Mundial.

<><> Incertezas

Um dos motivos por trás da taxa de equilíbrio elevada é a dívida historicamente elevada do país.

Além do processo de desinflação recente ter se mostrado mais lento que o esperado, contribuíram para a deterioração das expectativas do mercado a elevação dos gastos públicos e tensões entre o governo e o BC, que levaram os investidores a questionar sobre o futuro da autonomia da autarquia.

No começo do ano, o governo apresentou níveis recordes de receita. Ao mesmo passo, o executivo acelerou seus gastos, o que por sua vez aumentou o déficit primário do setor público.

“Os fatores que mais pesaram foram a ampliação do desvio das expectativas de inflação com relação à meta, o cenário externo adverso – que contribuiu bastante para a desvalorização do real -, a piora da percepção sobre os riscos fiscais e o dinamismo maior do que o esperado da atividade e do mercado de trabalho”, pontua Goldenstein.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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