terça-feira, 3 de setembro de 2024

‘Ogronegócio’ é o principal responsável pela perda de vegetação nativa no Brasil, diz estudo

A Coleção 9 de mapas anuais de cobertura e uso do solo, do MapBiomas revelou uma perda acelerada de área vegetal nativa entre 1985 e 2023, chegando à marca de 33% de todo o território nacional no ano passado. O relatório considera áreas de vegetação nativa, além das matas e floretas, superfícies de água e áreas naturais não vegetadas, como praias e dunas. 

O processo de antropização de áreas de vegetação nativa ocorre, principalmente, pela expansão da agropecuária, segundo o instituto. O Brasil tem atualmente 64% de seu território coberto por vegetação nativa. Em 1985 eram 76%. Nesse mesmo período, a área de pastagem expandiu 79%, 72,5 milhões de hectares a mais do que há 39 anos. Já a agricultura cresceu 228%, um aumento de 42,4 milhões de hectares de cultivo, principalmente de grãos voltados para exportação.

O relatório constata que mais da metade da vegetação nativa perdida nas últimas décadas esteve concentrada na Amazônia, chegando aos 5 milhões de hectares perdidos nas últimas quatro décadas. “A gente acompanhou um crescimento da agropecuária muito predatório na região da Amazônia, com um processo de desmatamento que era basicamente invadir uma terra pública, uma área, retirar a madeira de lei que tinha algum valor comercial, depois você derrubava o resto com correntão, esperava secar e atacava fogo. E daí abria ali um pasto com baixíssima produtividade só para tentar regularizar a terra, ou tomar posse da terra. E depois, se conseguia, ele vendia essa área para alguém plantar soja e ia desmatar outra área. Esse modelo circulou durante muito tempo”, conta Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas.

No entanto, o pesquisador alerta que a ocupação do solo pela agropecuária vem perdendo força na Amazônia, e migrando para outras regiões do país. “Na Amazônia, a gente está vendo uma queda muito grande do desmatamento, principalmente desse desmatamento ilegal. O que a gente está vendo é essa expansão agora acontecendo na região do Cerrado, principalmente no Matopiba, para grandes empreendimentos, principalmente de monocultura de soja”, relata.

A região do Matopiba é formada majoritariamente pelo Cerrado, compreendendo os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, e considerada a última fronteira agrícola do Brasil. O próprio MabBiomas contabiliza em seu último alerta sobre a região mais de 2,7 milhões de hectares desmatados no Matopiba entre 2019 e 2023, o que contribuiu para que o Cerrado fosse o bioma com o maior número de alertas de desmatamento nesse período. 

Segundo o relatório, a agropecuária passou de 28% para 47% no Cerrado, enquanto no Pampa foi de 28% para 45%. Já na Amazônia, passou de 3% para 16% e de 5% para 17% no Pantanal. A Caatinga teve um aumento de 10%, indo de 28% para 38%, e a Mata Atlântica foi o bioma que menos variou, de 63% para 65%.

Os dados apresentados pelo MapBiomas mostram que em 1985, 48% dos municípios tinham presença da agropecuária, enquanto em 2023, esse predomínio chegou a 60% dos municípios. Os estados que apresentaram o maior crescimento de áreas destinadas à pastagem foram Rondônia, que passou de 6% para 38%; Maranhão, que foi de 5% para 29%; Mato Grosso, de 6% para 24% e Tocantins, de 7% para 30%.

•                                         Agronegócio invade o Pantanal

No Pantanal, a redução mais acentuada foi na superfície de água, que passou de 21% em 1985 para 4% em 2023, um efeito visível das alterações climáticas. Os especialistas alertam que as secas prolongadas têm tido como consequência a ocupação de áreas de planície, antes alagáveis, pelo agronegócio, com plantações de monocultivo.  

“Na parte do alto do planalto, tem muita expansão de soja, e em muitos casos, ocupa até APP [Área de Preservação Permanente] que é aquela área que devia proteger os rios, que estão destruídas, e agora há uma tentativa de recuperar algumas áreas. E o grande problema é isso: quando se prepara o solo para soja, a chuva leva sedimento do solo para dentro dos rios e esse sedimento vai para dentro da planície”, explica Marcos Rosa.

Outro efeito da seca no Pantanal apontado pelos especialistas é a mudança de padrão da pecuária pantaneira. 

“O que a gente percebe é que a área alagada está ficando em uma área menor e com uma duração dessa cheia menor. E isso faz com que essa seca propicie a expansão da agropecuária, principalmente para o interior do Pantanal. E há uma mudança do padrão dessa agropecuária. A agropecuária tradicional do Pantanal, feita sobre os campos nativos, a gente sempre classifica como campo nativo, ela é importante para manter, é um uso tradicional. O que a gente está vendo hoje é uma mudança com a remoção completa da vegetação e plantio de exóticas [pasto]", afirma o pesquisador do MapBiomas. 

•                                         O que fazer?

Para quem produz alimentos e defende a adoção de métodos sustentáveis de manejo dos solos, não há como dissociar o debate ambiental do acesso à terra e do modelo de desenvolvimento agrícola do país. É o que diz Maíra Santiago, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

“O movimento tem uma estratégia de construção de uma reforma agrária que é de novo tipo, que a gente chama de reforma agrária popular. E dentro dessa reforma agrária popular, o que é central para nós, é que é possível sim conciliar a produção de alimentos saudáveis com o cuidado da natureza”, defende.

Maíra conta que o MST, além de se dedicar à luta pela terra e à produção de alimentos agroecológicos, possui um plano nacional de reflorestamento, que pretende plantar 100 milhões de árvores até 2030, em todas as regiões do país. A dirigente sem terra cobra do governo medidas mais enérgicas para enfrentar as mudanças climáticas, avançar na transição agroecológica e consequentemente, acabar com a fome.

“Existe uma diferença entre o que é central para nós, para diminuir, ou desacelerar as mudanças climáticas, e o que é colocado pelo governo. Ele [o governo] ainda investe muito em ações ligadas àquilo que o capitalismo, o capital verde e o mercado de carbono estão apontando como saídas. E para nós, não é o hidrogênio verde, não é o mercado de carbono que vai dar saídas concretas para essas mudanças climáticas, mas sim a reforma agrária, a democratização das terras e a agroecologia como elemento central”, afirma.

Já o pesquisador do MapBiomas, espera que os dados ofertados pela pesquisa possam subsidiar a criação de políticas de proteção dos biomas, e o enfrentamento da emergência climática.

“A missão do MapBiomas é produzir esses dados para que sejam utilizados para mitigar mudança climáticas. Então a gente produz os dados científicos, os torna públicos, e metade do tempo a gente gasta para produzir os dados, enquanto a outra metade para garantir que eles sejam usados. Nosso objetivo é mostrar os dados, poder [fazer com] que ele seja incorporado nas políticas de planejamento de curto, médio e longo prazos, e subsidiar essas discussões”, conclui Rosa. 

•                                         MT lidera queimadas no Brasil com 24 mil focos detectados em 2024, aponta Inpe

Com 24,8 mil focos de incêndios, Mato Grosso é o estado do Brasil que mais queimou desde janeiro deste ano, conforme dados do Programa BDQueimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Somente em agosto, foram contabilizados mais de 13,6 mil focos, superando os números somados de janeiro a julho deste ano.

🔎 De acordo com o Inpe, o número de focos de incêndio registrados no período de 1º a 30 de agosto de 2024 foi o maior índice para este mês nos últimos dez anos no estado. O cenário se combina com uma estiagem severa, que também atinge outras partes do país na que já é maior seca da história, segundo o Cemaden. Na capital Cuiabá não chove há, pelo menos, 130 dias.

Na última sexta (30), o governo de Mato Grosso declarou situação de emergência no estado devido à seca e aos incêndios florestais que atingem diversas regiões do estado, especialmente o Pantanal.

A medida, válida por 180 dias, leva em consideração as condições climáticas e meteorológicas adversas em Mato Grosso, de estiagem prolongada, altas temperaturas, ondas de calor, baixa umidade relativa do ar e ventos intensos, que criam condições favoráveis à ocorrência dos incêndios.

De acordo com o levantamento do BDQueimadas, agosto também foi o 5° mês, neste ano, que Mato Grosso liderou a lista de estados com mais focos de incêndio. Dois brigadistas morreram, nos dias 22 e 26 de agosto, combatendo incêndios no estado.

<><> 1,6 milhão de hectares devastados pelo fogo

Com o alto índice de queimadas, Mato Grosso teve, somente neste mês de agosto, mais de 1,6 milhão de hectares atingidos e devastados pelo fogo, segundo uma análise feita pelo Instituto Centro de Vida (ICV) com base nas pesquisas da Administração Nacional dos Estados Unidos de Aeronáutica e Espaço (Nasa).

No entanto, o acumulado do ano todo foi de aproximadamente 3 milhões de área atingida em todo o estado mato-grossense.

Nos 26 estados e no Distrito Federal, do início do ano até sexta-feira (30), foram registrados mais de 123 mil focos de queimadas, conforme o Inpe. A Amazônia (61.011 focos) foi o bioma mais devastado no país. No ranking, o Cerrado (38.676) ficou em segundo lugar e a Mata Atlântica (11.552) ficou em terceiro.

Em números, a Amazônia também é o bioma que mais queimou durante todo o ano em Mato Grosso. No entanto, especialistas afirmam que o bioma mais crítico é o Pantanal, pois as queimadas na área são difíceis de serem combatidas e se espalham muito rápido, podendo queimar uma grande área em pouco tempo.

Na última sexta-feira, dois focos de incêndio de grandes proporções atingiram a região da Chapada dos Guimarães, a 65 km de Cuiabá, que é um destino turístico muito procurado no estado por causa das belezas naturais. Cerca de 10 mil hectares já queimaram nessa área.

O incêndio também se espalhou pelo Parque Nacional de Chapada dos Guimarães e, com o avanço, o mirante do Morro São Jerônimo foi fechado para visitação. A situação só foi amenizada quando bombeiros e brigadistas foram distribuídos para combater as chamas na região;

Ao g1, o biólogo e diretor de comunicação do Instituto S.O.S Pantanal, Gustavo Figueirôa, contou que, em Mato Grosso, mais de 550 mil hectares já foram devastados pelo fogo somente no Pantanal. O mais preocupante, segundo Figueirôa, é que as queimadas comprometem gravemente a biodiversidade do local.

"No total ,o Pantanal já passou de 2,3 milhões de hectares queimados, sendo que 550 mil deles foram só em Mato Grosso. Então ainda existem focos grandes ativos. As equipes dos Bombeiros brigadistas e organizações estão combatendo o fogo e já conseguiram segurar algumas dessas frentes, mas tem outras que seguem avançando no estado", contextualizou.

<><> Causas dos incêndios

Segundo a WWF Brasil, o número de focos de incêndio na Amazônia é o maior registrado desde 2004. A instituição reforçou que, apesar do bioma ter apresentado queda no desmatamento nos últimos dois anos, o fogo utilizado para “limpar” as áreas onde a floresta ou a savana foi derrubada continua potencializando a destruição da área.

Conforme o último boletim anual do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), a área desmatada na Amazônia foi de 9.064 km² entre agosto de 2022 e julho de 2023, uma queda de 21,8% do total da área desmatada em comparação ao relatório anterior, de agosto de 2021 a julho de 2022.

No Pantanal e no Cerrado, a seca severa é um dos principais motivos que tem potencializado as chamas. Com isso, até as pequenas queimadas feitas em propriedades particulares podem se espalhar facilmente e causar grandes incêndios no bioma.

No Pantanal, a pouca chuva registrada nos primeiros meses do ano foram insuficientes para transbordar os rios e conectar lagoas e o Rio Paraguai, o principal do bioma, atingindo níveis baixos para esta época do ano.

<><> 635 mil hectares x 42 brigadistas

A Terra Indígena Capoto Jarina, no Parque Nacional do Xingu, a 692 km de Cuiabá tem sido uma das regiões mais atingidas com o fogo descontrolado. Na segunda-feira (26), um relatório divulgado pelo Instituto Raoni mostrou que a região tem cerca de 635 mil hectares e que somente 42 brigadistas estavam atuando no combate ao fogo.

Por outro lado, no Cerrado, especificamente no município de Itiquira, a 359 km de Cuiabá, os moradores andam cada vez mais amedrontados devido às queimadas registradas na cidade. Um exemplo disso foi há cinco dias, quando um incêndio de grandes propoções atingiu um canavial e deixou a região coberta por fumaça.

Já no Pantanal, a situação ganha ainda mais destaque por causa dos impactos negativos que o fogo tem causado na vida dos moradores locais e dos animais silvestres, que estão morrendo em meio à seca severa. Há duas semanas, a região da Reserva Particular do Patrimônio Natural do Sesc Pantanal, em Barão de Melgaço, a 121 km de Cuiabá, foi atingida por uma queimada e teve parte da vegetação devastada.

<><>Ibama aplica multas que somam mais de R$ 100 milhões por queimada iniciada em ferrovia no Pantanal

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aplicou multas a duas empresas após constatar que um incêndio de grandes proporções no Pantanal foi provocado por trabalhadores que realizavam serviço de manutenção em uma linha férrea no município de Corumbá (MS).

Somadas, as multas impostas às empresas ultrapassam o montante de R$ 100 milhões.

A queimada, que consumiu mais de 17 mil hectares de vegetação, teve início no dia 16 de agosto e o fogo só foi controlado sete dias depois, em 23 de agosto. As chamas atingiram 12 propriedades rurais na região de Porto Esperança.

•                                         A empresa responsável pela linha férrea recebeu dois autos de infração, um no valor de R$ 50 milhões por dano à cobertura vegetal do Pantanal ao provocar incêndio; e outro de R$ 7,5 milhões por descumprimento de condicionante do licenciamento ambiental.

•                                         A empresa terceirizada responsável pelo serviço de manutenção na ferrovia, como co-autora da queimada, foi multada em R$ 50 milhões.

Em nota, a empresa Rumo, concessionária da linha férrea, afirmou que "as causas sobre o ocorrido estão em apuração dentro do prazo legal".

"Como vem sendo amplamente divulgado, há registros de diversos focos simultâneos de incêndio, de origens diversas, agravados pelas condições climáticas. A concessionária reafirma o seu compromisso em cooperar com as autoridades competentes, completou.

Segundo o Ibama, equipes de fiscalização apuraram o caso para identificar as causas do incêndio.

Conforme o órgão ambiental, no local de origem das chamas, os agentes ouviram de trabalhadores que, durante a manutenção da ferrovia, fagulhas geradas pelos equipamentos utilizados entraram em contato com a vegetação seca próxima aos trilhos e deram início ao fogo.

De acordo com o Ibama, os funcionários afirmaram que tentaram conter as chamas com ferramentas disponíveis no momento, mas perderam o controle do incêndio, que avançou sobra a vegetação do Pantanal.

Toda obra, toda manutenção, precisa adotar medidas preventivas de possíveis acidentes, no caso aqui um incêndio florestal. Isso tem previsão no próprio projeto de licenciamento do empreendimento. E ela [a empresa] não adotou essas medidas. inclusive, ela foi autuada por descumprir uma dessas condicionantes da licença ambiental", afirmou Jair Schmitt, diretor de proteção ambiental do ibama.

O Ibama informou que as investigações sobre o caso continuam. Agentes apuram se medidas e ações emergenciais foram realizadas pelas empresas. Segundo as normas ambientais, as empresas são obrigadas a comunicar imediatamente qualquer acidente por meio do Sistema Nacional de Emergências Ambientais (Siema).

O órgão ambiental também disse verificar se a resposta ao acidente está de acordo com o Plano de Atendimento à Emergência (PAE) s se outras ações deveriam ter sido tomadas e não foram.

 

Fonte: Brasil de Fato/g1

 

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