terça-feira, 3 de setembro de 2024

‘Karbala é o caminho para Al-Aqsa’: um diário iraquiano, por Pepe Escobar

Chegar a Bagdá, hoje, é como um choque elétrico para qualquer visitante que se recorde da sombria história recente do Iraque. 

Não há, praticamente, nenhum ponto de checagem, exceto nas áreas governamentais mais sensíveis. Nenhum daqueles horrendos blocos de cimento do tempo da ocupação americana, que forçavam um lento slalom a intervalos de poucos minutos. Nenhum sentimento de um perigo imprevisível capaz de atacar a qualquer momento. Vegetação luxuriante medra por toda a capital. A Rua Haifa foi reconstruída praticamente do zero. Comércio fervilhante, de atividade ininterrupta em Karrada, um complexo de restaurantes às margens do Tigre, chamado (de forma bem apropriada) de as Mil e Uma Noites. 

Após mais de três décadas de horrores inenarráveis infligidos ao berço da civilização, pela primeira vez, Bagdá exala um sensação de normalidade. Isso tem muito a ver com o novo governo, chefiado pelo Primeiro-ministro Mohammed Shia al-Sudani, que assumiu o cargo há pouco mais de dois anos. 

Na semana passada, o Gabinete do Primeiro-ministro patrocinou uma singular conferência intitulada O Caminho para o Dilúvio de Al-Aqsa, convidando blogueiros e influenciadores de grande popularidade de todo o mundo árabe – Palestina, Kuwait, Jordânia, Sudão e Líbano, entre outros – e apenas uns poucos ocidentais. Os blogueiros eram todos jovens, a maioria deles jamais esteve no Iraque e, portanto, não tinha lembrança do Choque e Terror e da ocupação  – na melhor das hipóteses, apenas algumas reminiscências nebulosas dos anos ISIS. Todos eles ficaram estarrecidos com a hospitalidade, o dinamismo e, acima de tudo, a esperança, agora firmemente enraizada na vida de Bagdá.

O governo iraquiano formulou um conceito surpreendente, ligando uma discussão séria sobre a totalidade dos aspectos da tragédia que vem ocorrendo na Palestina não apenas a Bagdá, mas também a Arbaeen, em Karbala.

A Arbaeen marca o 40º dia após o Ashura, o ritual xiita para honrar o martírio de Hussein Ibn Ali, neto do profeta Maomé, que foi brutalmente assassinado, juntamente com toda a sua família, pelo Califa de Umayyad Yazid Ibn Muawiya. Para os muçulmanos xiitas, essa matança desonrosa representa a suprema corporificação da injustiça e da traição, consideradas  os males fundamentais pela seita religiosa. 

 O ponto central é a Resistência – sem mencionar de forma explícita o Eixo da Resistência. O martírio de Imam Hussein na Batalha de Karbala foi – em Bagdá, hoje – diretamente vinculado ao genocídio em curso de dezenas de milhares de palestinos, em uma “Karbala do século XXI.”

·        A jornada de vinte e um milhões de peregrinos

Voando logo antes do pôr-do-sol em um helicóptero soviético, de uma base militar no Tigre, em Bagdá, até uma minibase em Karbala, distante cerca de dez quilômetros do magnífico santuário  Hazrat Abbas, é uma experiência assombrosa.

O irreprimível comandante Tahsin, em Karbala, havia instruído o piloto a seguir a rota da peregrinação Arbaeen – um dos múltiplos eixos que cruzam o Iraque em todas as direções e levando ao santuário. 

A sensação é a de uma longa tomada cinematográfica móvel. Filas e mais filas de peregrinos, a maioria trajando preto, com suas mochilas e carregando bandeiras, caminhando em passo firme, passando por um conjunto de bancas, locais de repouso e pequenos restaurantes, se misturando a voluntários que ofereciam garrafas d’água e bebidas gratuitas para saciar a sede nessa jornada espiritual, embora árdua, em um tórrido verão iraquiano. 

Ao nos aproximarmos de Karbala, a multidão se adensa enormemente. Temos aqui uma espécie de festa móvel do espírito comunitário. Cânticos surgem espontaneamente aqui e ali, pontuados por um ritmo infecioso e, acima de tudo, há esse impulso incansável a continuar caminhando, para tentar chegar o mais perto possível do santuário.

Dizem-nos que chegar perto do santuário é fora de questão – a estrada está congestionada, corpo contra corpo. A melhor possibilidade, então, é um local a cerca de cinco quilômetros de distância: um complexo que é uma espécie de mini Palestina, com uma exposição sobre as proezas militares em Gaza e espaços para palestras, uma mini mesquita, uma réplica em escala reduzida de Al-Aqsa e até mesmo uma placa na estrada com os dizeres:  “Mesquita de Al-Aqsa, 833 km”. 

Nada poderia ser mais explícito: a conexão Karbala–Al-Aqsa, no coração de  Arbaeen. É como se o espírito de Imam Hussein velasse sobre todas as almas que habitam esses 833 quilômetros.

Esse complexo foi um dos pontos focais das comemorações deste ano. O fluxo de peregrinos vindos de todas as partes do mundo muçulmano é incessante – e muito deles interrompem a viagem para prestar seus respeitos. Ali por perto, o comandante Tahsin nos apresenta a um bravo ex-combatente do anti-ISIS, que hoje gerencia uma banca de kebabs iraquianos, servindo uma deliciosa comida gratuita, “no espírito do Imam Hussein”.

Na viagem de volta a Bagdá, à noite, o piloto voou em círculos sobre as luzes feéricas do Santuário Hazrat Abbas – um espetáculo digno de uma remixagem das Mil e Uma Noites. Mais tarde, a administração do santuário confirmou que o surpreendente total de 21,4 milhões de peregrinos veio a Karbala para a marcha de Arbaeen.

·        Encontrando al-Sudani 

O Primeiro-ministro Sudani recebeu os visitantes estrangeiros para um encontro especial em um dos proverbialmente monumentais palácios de mármore da era Saddam, dentro da Zona Verde protegida de Bagdá. 

Calmo, impassível, reservado, ele fala com autoridade não apenas sobre a tragédia palestina, mas também sobre sua visão para uma nação estável, dando detalhes sobre sua política “Iraque em Primeiro Lugar”. O que está em questão é desenvolvimento sustentável, investimentos em educação e novas tecnologias, afirmação da soberania e, em termos de política externa, uma atuação extremamente cuidadosa e equilibrada, tentando conciliar Estados Unidos, União Europeia, Rússia, China e seus parceiros árabes/muçulmanos. 

É apresentada a sugestão de o Iraque dar um passo adiante e examinar a possibilidade de solicitar adesão aos BRICS. O PM Sudani anota devidamente essas sugestões. 

A mensagem é clara: o Iraque, finalmente, está no caminho rumo à estabilidade e a normalidade. Mais cedo, uma autoridade do governo havia observado que “o Daesh [ISIS] nos atrasou em muitos anos. Se não fosse por isso, teríamos progredido ainda mais”. 

Segundo o Dr. Hussein Allawi, um consultor de primeiro escalão na equipe do primeiro-ministro, o ISIS foi reduzido a, na melhor das hipóteses, algumas centenas de combatentes operando nas bordas do deserto sírio-iraquiano e protegidos por tribos locais. A ameaça foi finalmente contida, apesar dos esforços dos Estados Unidos no sentido de exagerá-la.  

No entanto, o que mais entusiasma Allawi são as ramificações da política “Iraque em Primeiro Lugar” – e uma série de possibilidades de investimentos futuros. Quanto à energia, a China compra quase a metade da produção do petróleo iraquiano, é um grande operador em diversas áreas e até mesmo diversifica em termos de projetos como o petróleo-por-escolas, auxiliando Bagdá na frente educacional. 

O Iraque está na vanguarda da ambiciosa e multitrilionária iniciativa chinesa Cinturão e Rota (ICR) no Oeste Asiático. O principal foco recai sobre uma Rodovia de Desenvolvimento Estratégica, custando 17 bilhões de dólares: um corredor de transporte ligando Basra à Europa Ocidental, a ser concluído em 2028, e futuramente conectado à ICR – uma rota que irá se mostrar muito mais barata e rápida que a atual, do Suez. 

Uma visita à Mesquita de Abu Hanifa sela o Advento de uma Nova Bagdá. Foi dali que, em 2003, partiu  a primeira gigantesca marcha sunita-xiita contrária à ocupação, apenas nove dias após a queda da estátua de Saddam Hussein arquitetada pelos Estados na Praça Tahrir. O minarete destruído por bombardeios foi reconstruído, a mesquita está agora em condições impecáveis e um anexo contendo preciosos objetos sufi foi patrocinado por uma fundação cultural da Turquia. 

O berço da civilização vem, lenta mas seguramente, renascendo. 

 

¨      Como colonos israelenses estão tomando terras palestinas sob pretexto de guerra

Na aldeia palestina de Battir, onde antigos terraços são irrigados por uma fonte natural, a vida segue inalterada há séculos.

Battir, que faz parte de um local que é Patrimônio Mundial da Unesco, é conhecida pelos seus vinhedos e jardins de oliveiras.

Agora, no entanto, ela é o mais novo ponto de discórdia sobre os assentamentos israelenses na Cisjordânia ocupada.

Israel aprovou a formação de um novo assentamento judeu no local, desapropriando terras privadas para a construção de novas casas de colonos. E surgiram novos postos avançados, mesmo sem autorização de Israel.

"Eles estão roubando as nossas terras para construir seus sonhos sobre a nossa catástrofe", disse Ghassan Olyan, dono de uma das propriedades confiscadas.

A Unesco afirma estar preocupada com os planos de colonização em torno de Battir, mas a aldeia está longe de ser um caso isolado. Todos os assentamentos na Cisjordânia são considerados ilegais com base no Direito Internacional, mas Israel não está de acordo.

Para Olyan, "eles não ligam para o Direito Internacional, nem para as leis locais, nem mesmo para a lei de Deus".

Na semana passada, o chefe de inteligência doméstica de Israel, Ronen Bar, alertou os ministros que extremistas judeus na Cisjordânia estavam realizando atos de "terror" contra os palestinos, causando "danos indescritíveis" ao país.

Desde o início da guerra na Faixa de Gaza, os assentamentos israelenses na Cisjordânia vêm aumentando com maior rapidez.

Extremistas no governo de Israel defendem que essas mudanças irão impedir a eventual criação de um Estado palestino independente. E também existe o receio de que eles tentem prolongar a guerra em Gaza para atingir seus objetivos.

Yonatan Mizrahi, da organização israelense Peace Now (que acompanha o aumento dos assentamentos), afirma que extremistas judeus na Cisjordânia estão agravando uma situação que já é tensa e volátil. Com isso, eles dificultam ainda mais o término do conflito entre Israel e Palestina.

Mizrahi acredita que existe uma "mistura de ódio e medo" na sociedade israelense depois dos ataques de 7 de outubro passado, que resultaram na morte de 1,2 mil pessoas, segundo dados israelenses. E esta onda vem levando os colonos a confiscar mais terras, com menos questionamentos.

"Acho extremamente perigoso", disse Mizrahi. "Isso aumenta o ódio dos dois lados."

Uma pesquisa realizada em junho pelo think tank (centro de pesquisa e debates) Pew Research Center indicou que 40% dos israelenses acreditam que os assentamentos aumentaram a segurança do país, contra 27% em 2013. Paralelamente, 35% das pessoas entrevistadas declararam que os assentamentos prejudicam a segurança de Israel, contra 42% anteriormente.

Desde o início da guerra, a violência dos colonos contra civis palestinos na Cisjordânia disparou. Ela já vinha aumentando, mas, nos últimos 10 meses, as Nações Unidas documentaram cerca de 1.270 ataques, contra 856 em todo o ano de 2022.

Segundo a organização israelense de defesa dos direitos humanos B'Tselem, durante o mesmo período, a intimidação dos colonos israelenses forçou os palestinos a abandonar pelo menos 18 aldeias na Cisjordânia – o território palestino entre Israel e a Jordânia que foi tomado pelos israelenses na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e permanece ocupado desde então.

Entre 7 de outubro de 2023 e agosto de 2024, 589 palestinos foram mortos na Cisjordânia. Destes, pelo menos 570 foram mortos por forças israelenses e pelo menos 11 por colonos, segundo as Nações Unidas.

Afirma-se que algumas das vítimas estariam planejando ataques, enquanto outras eram civis desarmados. E, no mesmo período, os palestinos mataram cinco colonos e nove membros das forças de segurança de Israel.

Nesta semana, um homem palestino de 40 anos foi supostamente morto a tiros, depois que colonos e soldados israelenses entraram em Wadi al-Rahhel, perto de Belém. O exército israelense declarou que haviam sido atiradas pedras em um veículo israelense próximo.

No mês passado, um homem palestino de 22 anos foi morto quando dezenas de colonos entraram violentamente na aldeia de Jit. O ato recebeu condenação internacional.

As forças de segurança de Israel prenderam quatro pessoas e descreveram o incidente como "grave evento terrorista". Mas o histórico desses casos é de virtual impunidade.

O grupo israelense de defesa dos direitos civis Yesh Din concluiu que, entre 2005 e 2023, apenas 3% das investigações oficiais sobre a violência dos colonos terminaram em condenação.

Na carta de Ronen Bar dirigida aos ministros israelenses, que vazou para a imprensa do país, o chefe do Shin Bet (o serviço de segurança de Israel) afirmou que a fraca aplicação das leis incentiva os colonos radicais.

<><> 'Extremamente perigoso'

Os colonos israelenses vivem em comunidades exclusivamente judaicas, estabelecidas em partes da Cisjordânia.

Muitos assentamentos recebem apoio legal do governo de Israel. Já outros são conhecidos como postos avançados, muitas vezes compostos de simples caravanas e galpões de ferro corrugado.

Estes postos são ilegais, mesmo segundo a lei israelense. Mas os extremistas os constroem de qualquer forma, como tentativa de conquistar mais terras.

Em julho, o principal tribunal da ONU concluiu, pela primeira vez, que a ocupação israelense da Cisjordânia é ilegal (incluindo Jerusalém Oriental). O Tribunal Internacional de Justiça afirmou que o país deveria suspender todas as atividades de colonização e se retirar da região o mais breve possível.

Mas Israel rejeitou a conclusão, declarando que "o povo judeu não é ocupante da sua própria terra".

Os aliados de Israel no Ocidente vêm descrevendo repetidamente os assentamentos como um obstáculo para a paz.

Agora, o receio é que os extremistas estejam trabalhando para tornar os assentamentos na Cisjordânia irreversíveis. Eles expandiram rapidamente seu controle sobre o território, com o apoio do governo de direita mais radical da história de Israel.

Os extremistas estão fazendo avançar planos de anexação da Cisjordânia e convocam abertamente a colonização da Faixa de Gaza após o término da guerra.

Os colonos, agora, trabalham no centro do governo israelense, em ministérios importantes.

Os líderes mundiais que se opuseram aos assentamentos defendem, com renovado entusiasmo, uma solução de dois Estados – um plano de paz esperado há muito tempo, que criaria um Estado palestino independente.

Mas os nacionalistas religiosos israelenses acreditam que todas aquelas terras pertencem por direito a Israel. Eles prometem transformar o Estado palestino independente em um sonho impossível.

Analistas acreditam que este é o motivo que leva alguns políticos a se recusarem a aceitar qualquer acordo de cessar-fogo.

"A razão por que eles não querem encerrar o conflito ou chegar a um acordo sobre os reféns é porque eles acreditam que Israel deve continuar lutando até atingir um ponto em que possa permanecer dentro de Gaza", afirma a correspondente política do jornal The Times of Israel, Tal Schneider.

"Eles acham que, no longo prazo, sua ideologia é mais legítima", prossegue ela. "Esta é a sua única lógica."

Enquanto isso, autoridades israelenses anunciaram planos de cinco novos assentamentos, incluindo o de Battir. Eles declararam uma área recorde de terra, de pelo menos 23 km2, como propriedade do Estado.

A decisão significa que Israel considera o local como terra israelense, independente de estar nos territórios palestinos ocupados, de ser de propriedade privada de palestinos ou ambos. Os palestinos ficam proibidos de usar aquela terra.

Ao mudar os fatos no campo, como descrevem os colonos, eles esperam levar israelenses para as terras e construir em quantidade suficiente para tornar sua presença irreversível. E sua esperança de longo prazo é que Israel anexe formalmente aquelas terras.

Além do confisco de terras sancionado pelo Estado, os extremistas também estabeleceram rapidamente novos postos avançados.

Em um deles, localizado em al-Qanoub, ao norte de Hebron, imagens de satélite mostraram novas caravanas e estradas construídas nos meses decorridos desde o início da guerra. E, paralelamente, uma comunidade palestina inteira foi forçada a abandonar aquelas terras.

Nós fomos de carro até al-Qanoub com Ibrahim Shalalda, de 50 anos, e seu tio Mohammed, de 80. Eles contaram que suas casas foram destruídas por colonos em novembro passado.

Enquanto nos aproximávamos, um colono extremista bloqueou a estrada com seu carro.

Logo chegaram israelenses armados e o grupo nos parou para inspeção. Alguns deles eram soldados das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês), com insígnias nos seus uniformes. Um deles se identificou como oficial de segurança do assentamento.

O guarda do assentamento forçou os dois agricultores palestinos a saírem do carro e os revistou. Depois de duas horas, os soldados das IDF dispersaram os colonos e liberaram o carro da BBC.

Israel começou a colonizar a Cisjordânia logo depois de tomar o território da Jordânia e ocupá-lo, mais de cinco décadas atrás. Desde então, sucessivos governos israelenses permitiram a expansão gradual dos assentamentos.

Atualmente, estima-se que três milhões de palestinos morem na região (excluindo Jerusalém Oriental, que foi anexada por Israel), ao lado de meio milhão de israelenses judeus, que ocupam mais de 130 assentamentos.

Mas uma figura de destaque do governo de direita radical que chegou ao poder em 2022 promete dobrar o número de colonos para um milhão.

Bezalel Smotrich acredita que os judeus detêm o direito concedido por Deus sobre aquelas terras. Ele lidera um dos dois partidos de direita radical, apoiadores dos colonos, que o veterano primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu trouxe para a coalizão do seu governo, depois que as eleições de 2022 o levaram novamente ao poder.

Smotrich é o ministro das Finanças de Israel, mas também mantém um cargo no Ministério da Defesa. Foi esta função que permitiu que ele realizasse mudanças radicais das políticas israelenses na Cisjordânia.

O ministro investiu maciçamente as finanças do Estado nos assentamentos, incluindo novas rodovias e infraestrutura. Mas ele também criou uma nova burocracia, retirando os poderes do exército, para acelerar a construção de assentamentos.

Em observações gravadas secretamente para seus apoiadores, Smotrich se vangloriou de trabalhar para "mudar o DNA" do sistema, para que a anexação de fato seja "mais fácil de engolir em âmbito legal e internacional".

<><> 'Missão da minha vida'

Nacionalistas religiosos se firmaram às margens da política israelense há décadas. Mas sua ideologia vem lentamente se tornando mais popular.

Nas eleições de 2022, os dois partidos conquistaram 13 cadeiras no parlamento israelense (que inclui, ao todo, 120 membros). E eles passaram a ser poderosos e influentes na coalizão de direita do primeiro-ministro Netanyahu.

Durante a guerra, Bezalel Smotrich e o também radical Itamar Ben-Gvir, agora ministro da Segurança Nacional de Israel, fizeram repetidos comentários incentivando a divisão social e provocando os aliados de Israel no Ocidente.

Quando o exército de Israel prendeu reservistas acusados de abusar sexualmente de um prisioneiro palestino, Ben-Gvir declarou que era "uma vergonha" para Israel prender "nossos melhores heróis". E, em agosto, Smotrich sugeriu que poderia ser "justificado e moral" promover a fome entre os habitantes da Faixa de Gaza.

É na Cisjordânia e na Faixa de Gaza que a direita radical tenta fazer mudanças permanentes.

"Este é um grupo de israelenses contrários a qualquer tipo de compromisso com os palestinos ou com os outros vizinhos árabes de Israel", segundo o jornalista veterano israelense Anshel Pfeffer, correspondente da publicação The Economist.

E, com a guerra em Gaza, a direita radical encontrou uma nova oportunidade. Smotrich convocou os moradores palestinos a deixar a região, abrindo o caminho para que os israelenses pudessem "fazer o deserto florescer".

Netanyahu descartou a possibilidade de devolver os assentamentos judeus na Faixa de Gaza. Mas ele permanece dependente dos partidos de direita radical, que ameaçam destruir sua coalizão se ele assinar um acordo de cessar-fogo considerado "irresponsável" para libertar outros reféns israelenses atualmente nas mãos do Hamas.

A lógica dos extremistas pode ser seguida apenas por uma minoria dos israelenses. Mas ela ajuda a prolongar a guerra – e a transformar radicalmente o cenário da Cisjordânia, prejudicando as chances de paz a longo prazo.

 

Fonte: Tradução de Patricia Zimbres, em Brasil 247/BBC News Mundo

 

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