Mortes ligadas ao álcool caem entre jovens
e adolescentes, aponta estudo
A faixa etária dos
jovens e dos adolescentes teve queda no total de mortes relacionadas ao consumo
de álcool no Brasil, de acordo com uma análise que compara dados de 2010 e 2022
(os mais recentes disponíveis) realizada pelo Centro de Informações sobre Saúde
e Álcool (CISA), organização não governamental que é referência no tema no
país.
A pesquisa foi
divulgada nesta sexta-feira (30) e aponta que casos de violência predominam
como a causa de morte para os mais jovens, enquanto doenças e transtornos são
maioria nos óbitos relacionados ao álcool entre as pessoas acima de 35 anos.
Abaixo, veja a
variação do percentual das faixas etárias no total de mortes no Brasil:
• Até os 17 anos, houve uma redução de
3,2% para 1,8%;
• E entre os 18 e 34 anos, houve redução
de 20,5% para 13,7%;
• Na população de mais de 55 anos, houve
um aumento de 42,6% para 55,5%.
Desde os anos 2000, na
maioria dos países desenvolvidos, o consumo de álcool entre jovens tem
diminuído consideravelmente desde os anos 2000.
Em todo o mundo, a
prevalência do chamado Beber Pesado Episódico (BPE) - o consumo de 5 ou mais
doses numa única ocasião por homens ou 4 ou mais doses por mulheres de uma vez
- é menor entre adolescentes (15-19 anos) do que na população total, mas atinge
o pico na idade de 20-24 anos.
No Brasil, uma
pesquisa de 2019 com estudantes entre 13 e 17 anos mostrou estabilidade quanto
ao consumo atual de álcool e aumento da experimentação de álcool entre pessoas
do sexo feminino de 13 a 17 anos.
O Vigitel,
monitoramento do Ministério da Saúde, indicou queda do consumo abusivo de
álcool entre os jovens de 18 a 24 anos e de 25 a 34 anos em 2021, mas a edição
de 2023 mostrou um novo aumento: de 19,3% para 21,4% (18 a 24 anos) e de 25,5%
para 29,8% (25 a 34 anos).
Especialistas destacam
que, quanto mais cedo ocorre o primeiro contato com álcool, maiores são os
riscos de problemas. Estudos apontam que a experimentação antes dos 15 anos
aumenta em quatro vezes o risco de desenvolver dependência de álcool na vida
adulta.
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Pretos e pardos
Já as pessoas pretas e
pardas lideram as mortes totalmente atribuíveis ao uso de álcool em 2022 no
país. Isso não significa necessariamente que os negros praticam mais o consumo
abusivo, mas - ao se depararem com o problema - as chances de obter tratamento
de qualidade são menores.
A pesquisa indica que,
em 2022, a população negra apresentou 10,4 mortes totalmente atribuíveis ao
álcool por 100 mil habitantes; enquanto a taxa para as pessoas brancas foi de
7,9, ou seja, cerca de 30% superior. Essa diferença é ainda mais significativa
entre as mulheres. A taxa desses óbitos entre pretas e pardas é de 2,2 e 3,2,
respectivamente, e entre brancas, 1,4.
No caso das mulheres,
72% dos óbitos por transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de
álcool ocorrem entre mulheres pretas e pardas.
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Mortes atribuíveis ao álcool na população geral
Em relação aos óbitos
da população geral - de todas as faixas etárias - atribuíveis ao álcool, a
pandemia interrompeu a tendência de queda de 2010 a 2019, mas em 2022, a taxa
atingiu 33 mortes associadas ao álcool por 100 mil habitantes no período, ainda
abaixo da verificada em 2010 (36,7).
“O que eu acho que
realmente explica a queda de mortes, é muito mais política pública, como a Lei
Seca – que foi ficando cada vez mais rígida– e a proibição da comercialização
de álcool para menores. Essas duas políticas públicas que a gente teve na última
década deram resultado. No começo, a Lei Seca tolerava uma lata de cerveja,
agora a tolerância é zero”, destaca a doutora em sociologia e coordenadora do
CISA, Mariana Thibes.
<><> As
principais causas de mortes ligadas ao álcool até 17 anos em 2022, segundo o
CISA, foram:
• Agressão por meio de disparo de outra
arma de fogo ou arma não especificada: 17%
• Lesão autoprovocada intencionalmente por
enforcamento, estrangulamento e sufocação: 6%
• Inalação de conteúdo gástrico: 4%
• Afogamento e submersão não
especificados: 4%
• Pneumonia: 3%
<><> Já as
principais causas de mortes ligadas ao álcool entre 18 e 34 anos em 2022,
segundo o CISA, foram:
• Agressão por meio de disparo de outra
arma de fogo ou arma não especificada: 31%
• Lesão autoprovocada intencionalmente por
enforcamento, estrangulamento e sufocação (suicídio): 8%
• Agressão por meio de objeto cortante ou
penetrante: 5%
• Agressão por meio de disparo de arma de
fogo de mão: 5%
• Acidente com um veículo a motor ou não
motorizado: 4%
<><> Na
faixa de 35 a 54 anos, as principais causas de óbitos ligadas ao álcool,
segundo o CISA, foram:
• Doença alcoólica do fígado: 24%
• Transtornos mentais e comportamentais
devido ao uso de álcool: 18%
• Agressão por meio de disparo de outra
arma de fogo ou de arma não especificada: 6%
• Fibrose e cirrose hepáticas: 5%
• Lesão autoprovocada intencionalmente por
enforcamento, estrangulamento e sufocação (suicídio): 4%
<><> Na
faixa de mais de 55 anos, as principais causas de óbitos ligadas ao álcool,
segundo o CISA, foram:
• Doença alcoólica do fígado: 16%
• Transtornos mentais e comportamentais
devido ao uso de álcool: 11%
• Fibrose e cirrose hepáticas: 8%
• Hipertensão essencial (primária): 5%
• Pneumonia: 4%
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Mortes atribuídas ao álcool por região
A pesquisa aponta
ainda que 16 estados apresentam taxa de mortes atribuíveis ao álcool por 100
mil habitantes superior ao índice nacional, com Paraná (42,0), Espírito Santo
(39,4) e Piauí (38,9) liderando o ranking.
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Proporção de doenças e/ou óbitos atribuíveis ao álcool
A Fração Atribuível ao
Álcool (FAA) indica quantos casos de uma doença poderiam ser evitados se o
consumo de álcool fosse eliminado completamente.
De acordo com o
relatório de 2024 da CISA:
• 23% dos acidentes de trânsito poderiam
ter sido evitados em 2022 se o consumo de álcool fosse eliminado,
• 12% dos afogamentos,
• 18% dos casos de autoagressão,
• 8% dos casos de AVC hemorrágico,
• 28% dos casos de câncer da cavidade oral
e lábios,
• 18% dos casos de câncer de esôfago,
• 21% dos casos de câncer de laringe,
• 42% dos casos de cirrose hepática,
• 4% dos casos de câncer de mama;
• 25% dos casos de pancreatite,
• 11% dos casos de epilepsia e
• 2% das mortes por HIV.
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Consumo de álcool no Brasil e no mundo
Um relatório divulgado
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em junho deste ano destacou que o
álcool provoca 2,6 milhões de mortes todos os anos no mundo e os homens
representam quase 75% das mortes. O relatório é baseado em dados de 2019, as
últimas estatísticas disponíveis.
O consumo de álcool é
atribuído a uma em cada 20 mortes no mundo todos os anos, devido a acidentes de
trânsito, problemas de dependência e doenças cardiovasculares, câncer ou
cirrose.
Até pequenas
quantidades podem ser carcinogênicas, o que levou a Organização Mundial da
Saúde a declarar que "quando o assunto é o consumo de álcool, não existe
quantidade segura que não afete a saúde".
Na maioria dos países
europeus e no Brasil, a idade mínima para a compra de bebida alcoólica é de 18
anos, enquanto, nos Estados Unidos, é de 21 anos de idade.
• Existe quantidade segura de consumo de
álcool? Entenda recomendação para brasileiros
Uma recente mudança na
recomendação de consumo de álcool no Canadá chamou atenção pelo rigor — de
acordo com o documento, a única quantidade segura de álcool é zero, nenhuma
gota.
Diferentemente do
Canadá, o Brasil não tem um consenso determinado por uma entidade médica
nacional, mas segue a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que
também afirma não existir um padrão de consumo de álcool que seja absolutamente
seguro.
Atualmente, não
existem definições oficiais para dose padrão e consumo moderado no Brasil.
O Centro de
Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) considera que uma dose padrão
corresponde a 14g de etanol puro no contexto brasileiro. Isso corresponde a 350
ml de cerveja (5% de álcool), 150ml de vinho (12% de álcool) ou 45ml de
destilado (como vodca, cachaça e tequila, com aproximadamente 40% de álcool).
Já a OMS define como
dose padrão 10g de etanol puro, e recomenda que homens e mulheres não excedam
duas doses por dia e que se abstenham de beber pelo menos dois dias por semana.
Pela diretriz
canadense, a quantidade de uma dose para mulher e duas doses para homem como
limite também é considerada uma quantidade baixa, mas por semana, e não por
dia, como indica a OMS.
“É necessário
considerar que o Canadá é uma potência em termos de guidelines [diretrizes] de
saúde. No campo da comercialização da maconha, foi o primeiro país com grande
economia a legalizar, e fazem estudos muito sérios”, avalia Arthur Guerra,
psiquiatra e presidente do Cisa.
“Esta sobre o álcool é
uma recomendação dura e forte — e é claro que não sou contra, são considerações
feitas com base em estudos médicos. Mas deve-se também considerar o ponto de
vista sociocultural — dependendo do país, é algo muito fácil de ser quebrado.
Se um casal divide uma garrafa de vinho em um jantar comemorativo, já está fora
do limite”, afirma Guerra.
“Esse consumo
moderado, no entanto, leva em conta o organismo de uma pessoa completamente
saudável — sem qualquer doença crônica, como diabetes e hipertensão, que
atingem cerca de 9% e 26% dos brasileiros, respectivamente, ou mesmo indivíduos
que têm histórico familiar de alcoolismo”, aponta Álvaro Pulchinelli,
toxicologista do Fleury Medicina e Saúde.
“Então, as
recomendações como as da OMS e as canadenses, que são bastante rígidas,
refletem uma verdade para maioria da população, já que não há valores bem
definidos de qual seria o consumo seguro de álcool em todas as situações”,
complementa o médico.
De acordo com o
presidente do Cisa, o mesmo vale para quem tem doenças psiquiátricas.
“Pacientes com doenças
como depressão, ansiedade e esquizofrenia não deveriam consumir álcool. E se
eventualmente, em uma celebração, a pessoa beber uma taça, isso significa que
vai afetar o quadro psiquiátrico base? Não necessariamente. Mas o uso binge [bebedeira]
e regular é totalmente contraindicado”, afirma Guerra.
<><> Não
adianta fazer 'poupança' de limite de bebida
A forma como cada um
consome seus drinques também deve ser levada em consideração.
“Claro que as pessoas
teriam prejuízo com grandes quantidades de ingestão semanal, ou com essa
quantidade quando o indivíduo fala que não vai beber a semana inteira. Ah,
então eu posso descontar tudo no sábado? Não, não é assim que funciona. Não é
poupança de banco, que você fala 'ah, eu economizei e agora eu posso gastar'”,
diz o toxicologista Álvaro Pulchinelli.
Ele aponta que quem
bebe "pesado" de fim de semana tem tanto risco quanto o
"bebedor" crônico.
“Quem exagera em um
único dia estressa o organismo duas vezes: pelo álcool em si e pela sobrecarga.
É por isso que as diretrizes passaram a falar em limite diário em vez de limite
semanal.”
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Riscos do consumo exagerado ou prolongado do álcool
O consumo de álcool é
um fator causal em mais de 200 doenças e lesões, de acordo com a OMS.
Entre as comorbidades,
o hábito está ligado ao maior risco de doenças não transmissíveis graves, como
cirrose hepática, alguns tipos de câncer e doenças cardiovasculares, além de
lesões resultantes de violência, acidentes de trânsito e também da dependência
ao álcool.
Outro dado da OMS
aponta que cerca de 80% das mortes em que o álcool foi um “fator importante”
ocorreram em três dos países mais populosos: Estados Unidos (36,9%), Brasil
(24,8%) e México (18,4%).
Para pessoas com a
doença, além dos riscos à saúde, vício em álcool pode resultar em danos a
outras pessoas, como familiares e amigos, dificuldade em manter
relacionamentos, sejam profissionais ou pessoais, e prejuízos financeiros.
Fonte: g1/BBC News Brasil
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