João Filho: ‘Como frear bilionários como
Elon Musk’
No mês passado, a
Inglaterra viveu dias de terror com uma onda de ataques promovidos por grupos
fascistas em diversas cidades. Depois que três crianças foram esfaqueadas e
mortas, espalhou-se nas redes sociais uma informação falsa: o autor do crime
seria um imigrante islâmico.
Foi o suficiente para
que militantes da extrema direita saíssem às ruas para atacar violentamente
imigrantes, incendiar carros, destruir mesquitas e confrontar policiais. Os
ataques foram combinados principalmente pelo Telegram de Pavel Durov e pelo X
de Elon Musk — dois espaços em que os fascistas podem desfrutar da tal
liberdade expressão absoluta.
Musk deixou claro o
que pensa. Em vídeo publicado no Twitter em que extremistas aparecem apontando
rojões contra policiais, ele postou um comentário decretando que "a guerra
civil é inevitável" no Reino Unido.
O primeiro-ministro
britânico, Keir Starmer, respondeu que "não há justificativa" para a
observação do bilionário e que há mais coisas que as empresas de mídia social
"podem e devem fazer".
Segundo o governo
britânico, Twitter e Telegram não agiram com rapidez suficiente para remover o
"material criminoso" mesmo após dias de protestos e precisam
"assumir essa responsabilidade".
Musk passou então a
atacar diretamente o primeiro-ministro, alimentando uma conspiração de que a
polícia estava, por ordem dele, tratando com mais severidade os
"manifestantes" brancos de extrema direita do que as minorias do
país.
Durante a onda de
violência, a esposa de um vereador do partido conservador britânico escreveu no
Twitter que os hotéis que abrigam refugiados deveriam ser incendiados e
arrematou: “se isso me torna racista, que assim seja”.
Ela foi condenada por
incitar violência e racismo depois de confessar o crime em um julgamento. Mesmo
assim, o Twitter não considerou que ela violou suas regras. Um outro extremista
foi condenado a 38 meses de prisão após confessar ter compartilhado as mesmas
mensagens. Musk foi ao Twitter para criticar a decisão judicial, chamando-a de
"confusa".
No final do ano
passado, a União Europeia abriu uma investigação contra o Twitter por falta de
transparência e disseminação de desinformação. A conclusão foi a de que a
plataforma está violando as leis locais.
Musk então fez
acusações de chantagem contra o bloco europeu: “A Comissão Europeia ofereceu ao
Twitter um acordo secreto ilegal: se censurássemos discretamente a fala sem
contar a ninguém, eles não nos multariam”.
Esse é o padrão do
afrontamento que o bilionário impõe contra vários países do mundo. Musk tem
saído por aí atacando governos e desrespeitando frontalmente a legislação dos
países em que suas empresas atuam.
Claro que há exceções.
A depender dos seus interesses políticos e/ou financeiros, ele pode ser dócil a
um ditador ou parceiro de um governante alinhado à extrema direita. O Twitter
foi transformado em uma ferramenta desse projeto político de Musk.
Mas é bom que Musk
coloque as barbas de molho. Estados de diferentes países estão se levantando
contra o vale tudo dos bilionários donos de rede social. Pavel Durov, dono do
Telegram, foi preso pela justiça francesa por ser cúmplice de crimes cometidos
por meio da sua plataforma como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e
pornografia infantil.
Tudo isso porque, em
nome da liberdade de expressão absoluta, Durov se recusa a implantar qualquer
tipo de moderação no aplicativo e a compartilhar documentos exigidos pelas
autoridades.
O Brasil pode se
orgulhar em ser um dos países em que o estado está agindo para frear o ímpeto
fascistoide do homem mais poderoso do mundo. Musk tentou fazer suas próprias
leis e conspirar contra o estado brasileiro, mas está sendo devidamente
enquadrado pelo judiciário.
O Twitter foi suspenso
do Brasil porque se recusa a bloquear perfis de investigados que conspiravam
contra instituições democráticas e por descumprir sistematicamente decisões
judiciais. Musk se recusa a pagar as multas — que hoje somam mais de R$ 18 milhões
— e a apresentar um representante legal da empresa no país.
Carole Cadwalladr,
colunista do The Guardian, exaltou a reação do Brasil: "É a primeira vez
que um país ocidental impõe tal proibição (...). E, apesar dos esforços de Musk
para retratar isso como o trabalho de um 'pseudojuiz não eleito' que quer destruir
a liberdade de expressão para 'fins políticos', na verdade, isso se deve a
outro conceito antiquado com o qual Musk não está familiarizado: o estado de
direito".
Mesmo com a suspensão
do Twitter no Brasil, Musk segue atacando de maneira agressiva o ministro
Alexandre de Moraes e até o presidente Lula, que nada tem a ver com as decisões
da justiça.
Depois de passar meses
atacando Moraes de todas as maneiras possíveis, o empresário agora se sente à
vontade para fazer ameaças contra o governo brasileiro em sua rede social.
Nesta semana, ele
insinuou que irá agir de alguma maneira para aprender ativos do governo
brasileiro: “A não ser que o governo brasileiro devolva propriedades ilegais
apreendidas do X e do SpaceX, nós vamos buscar reciprocidade na apreensão de
ativos do governo também. Espero que Lula goste de voos comerciais”.
Trata-se de um
gângster internacional que tem o apoio maciço do bolsonarismo e é tratado por
parte da imprensa brasileira como um ativista da liberdade de expressão.
O homem mais rico do
planeta é hoje o principal líder da extrema direita mundial, tendo roubado o
posto que era de Steve Bannon — esquecido depois que foi preso e rompeu com
Donald Trump.
Musk é um king kong
chapado de ketamina com um metralhadora nas mão, disposto a destruir
democracias em nome da sua ideologia disruptiva. Ele comprou uma das redes
sociais mais influentes do mundo e deu passe livre para o esgoto nazifascista
poder atacar negros, judeus, gays e todas às minorias que, segundo eles,
ameaçam a civilização ocidental.
A prisão de Durov na
França e o levante da justiça brasileira contra Musk sinalizam que os
bilionários poderão começar a encontrar resistência em outros lugares do mundo.
Talvez estejamos diante do início do fim de uma era de impunidade das empresas
de mídia social.
• STF e a soberania inegociável: caso Elon
Musk e o fim da casa da mãe joana. Por Joaquim de Carvalho
Um dos maiores méritos
da decisão do ministro Alexandre de Moraes sobre o X e a Starlink foi a ênfase
no conceito de soberania. Em outras palavras, o resgate da ideia de que o
Brasil não é a casa da mãe joana. Ao justificar seu voto, Moraes salientou que
estrangeiro que quer se estabelecer no Brasil tem de respeitar as normas
legais.
“Como qualquer
entidade privada que exerça sua atividade econômica no território nacional, os
provedores de internet devem respeitar e cumprir, de forma efetiva, comandos
diretos emitidos pelo Poder Judiciário relativos a fatos ocorridos ou com seus
efeitos perenes dentro do território nacional”, afirmou o ministro.
Cármen Lúcia
acompanhou o voto de Moraes e propôs uma reflexão: “A Constituição e a
legislação brasileira submetem os brasileiros, desobrigando outros que não
nacionais que poderiam agir como bem entender, sem regras ou limites legais?
Essa é uma questão jurídica ou desborda da questão nuclear do Estado
Democrático de Direito?”
A ministra, que
presidiu o STF entre 2017 e 2018, defendeu com vigor a soberania do País. “O
Brasil não é xepa de ideologias sem ideias de Justiça, onde possam prosperar
interesses particulares embrulhados no papel crepom de telas brilhosas sem
compromisso com o Direito”. disse.
Flávio Dino foi na
mesma direção. “Com a imperativa moldura da soberania, não é possível a uma
empresa atuar no território de um país e pretender impor a sua visão sobre
quais regras devem ser válidas ou aplicadas”, justificou.
Cristiano Zanin também
não deixou margem à dúvida quando a questão é a soberania. “Ninguém pode
pretender desenvolver suas atividades no Brasil sem observar as leis e a
Constituição Federal”, declarou.
Resultado: 5 a 0.
Sendo uma questão de
princípio, e não pessoal com Elon Musk, a Primeira Turma indicou que o STF se
inclina para colocar barreiras a todas as organizações estrangeiras que colocam
os próprios interesses acima dos do Brasil, protegidos pela legislação.
Tão emblemática quanto
o caso do antigo Twitter é a ação que tramita no STF sobre a venda de terras a
estrangeiros. Trata-se da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) número 342, proposta pela Sociedade Rural Brasileira em 2016.
Na ação, os autores
questionam a constitucionalidade da lei 5.709/71, que limita a compra de terras
no Brasil por empresas controladas por sócios estrangeiros. Antes de se
aposentar, o ministro Marco Aurélio Mello, relator da ação, entendeu que a lei
é, sim, constitucional, por assegurar a soberania do Brasil.
O ministro André
Mendonça, que assumiu a cadeira de Marco Aurélio, foi além e concedeu liminar
para suspender todos os processos judiciais movidos por empresas estrangeiras
que queriam comprar terras no Brasil.
Curiosamente, quem se
opôs aos votos de Marco Aurélio e também à liminar de André Mendonça foi o
ministro Alexandre de Moraes. No caso da liminar, a divergência aberta por ele
foi acompanhada por outros quatro ministros.
O resultado da votação
foi 5 a 5 - na época do julgamento, em maio de 2023, a cadeira de Ricardo
Lewandowski estava vaga. Com o empate, de acordo com o Regimento Interno do STF
–, a liminar foi derrubada. O mérito da ação, no entanto, ainda não foi julgado.
Outra curiosidade: a
Sociedade Rural Brasileira, formada por proprietários de terras, quer o direito
de vender suas áreas para estrangeiros, enquanto a Confederação Brasileira dos
Trabalhadores na Agricultura, se posiciona enfaticamente contra.
O ministro do
Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, diz que a
posição do governo Lula é contrária à da Sociedade Rural Brasileira e, por
extensão, aos votos de Alexandre de Moraes nesse caso. “A venda de terras a
estrangeiros é uma ameaça à soberania do País”, disse Teixeira, em entrevista à
TV 247.
Nos tempos de
faculdade, no Largo São Francisco (USP), Alexandre de Moraes era conhecido por
suas posições mais à direita. Aluno brilhante, foi o primeiro colocado no
concurso do Ministério Público de São Paulo, a que renunciaria, alguns anos
mais tarde, para assumir a carreira política.
Foi do PFL, renomeado
DEM, secretário de Justiça de Geraldo Alckmin no governo do Estado de São Paulo
e super secretário de Gilberto Kassab na Prefeitura paulistana. Foi também do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) e voltou ao governo Alckmin, como secretário de
Segurança Pública, antes de assumir o Ministério da Justiça no governo Temer.
Na época, ele era
Alexandre de Moraes. Desde que se destacou na defesa da democracia, como
responsável pelo inquérito das milícias digitais e das fake news e, depois,
como presidente do TSE, ele se tornou Xandão, na linha de frente do
enfrentamento institucional ao movimento golpista da extrema direita liderado
por Jair Bolsonaro.
Como Xandão, não lhe
cai bem votar a favor das empresas estrangeiras que querem ampliar seu domínio
sobre o território brasileiro ou do latifundiários que querem valorizar seu
patrimônio com a entrada de dólares, euros ou yuan chinês no mercado fundiário
nacional.
A soberania é
inegociável, como mostrou a Primeira Turma do STF ao segundo homem mais rico do
mundo, Elon Musk.
• A receita do Paes: prefeitura do Rio despeja dinheiro da
“integração metropolitana" nas igrejas evangélicas
Muita gente não
consegue entender como o prefeito Eduardo Paes, do PSD, lidera a corrida
eleitoral no Rio de Janeiro com tanta tranquilidade, com chance de vitória no
primeiro turno em uma cidade com fortes redutos bolsonaristas. Confesso que nem
eu.
Mas cruzei com uma
informação que ajuda a explicar: o resultado desse edital da Secretaria
Municipal de Integração Metropolitana, que oferece R$ 30 milhões em patrocínios
para projetos de integração em eventos, cultura, esporte e outras áreas.
Conversei com uma
pessoa envolvida no processo seletivo. “Foi tudo muito obscuro”, ela me disse.
Fui checar no Diário Oficial do Município. É verdade: no início, os
selecionados para ganhar os prêmios em dinheiro foram publicados sem o nome da
entidade vencedora, sem nenhuma razão aparente ou razoável para isso.
Mas seria melhor se o
problema fosse só falta de transparência.
Quando os repasses
começaram a ser feitos e publicados no Diário Oficial, encontrei uma
organização chamada Fundação Cultural de Radiodifusão Educativa Costa Dourada.
Ela foi selecionada para três linhas de patrocínio, recebendo ao todo R$ 1,3
milhão.
Pois bem: a fundação é
ligada à Igreja Assembleia de Deus e opera uma emissora de rádio em Belém, no
Pará, onde é dirigida pelo pastor Samuel Câmara.
Antes de falar de
Samuel Câmara, é bom lembrar: em junho, Paes fez outra benesse à Assembleia de
Deus. Assinou um contrato de patrocínio de quase R$ 1 milhão para a centenário
da igreja.
Ele celebrou isso em
um evento com quem? Samuel Câmara.
Sim, o prefeito e o
pastor que recebeu os agrados estiveram juntos às vésperas do início da
campanha eleitoral.
No discurso, Paes se
dirige diretamente a Samuel, o agradece “em nome de todos os cariocas” e pede
que “Deus abençoe a Assembleia de Deus!”.
Um dos motivos para
isso estar acontecendo: neste ano, Eduardo Paes rompeu com o Republicanos,
partido ligado à Igreja Universal, e tem tentado costurar diretamente com os
pastores o apoio da denominação. É o que noticiou o Diário Carioca, por
exemplo.
Vale lembrar que
Samuel Câmara é irmão do deputado federal Silas Câmara, que foi eleito pelo PSD
em 2014, atual partido de quem? De Eduardo Paes.
Outra curiosidade que
você pode conferir no edital: a Você Vida e Saúde, pertencente a Luciane
Cardozo Ribeiro, venceu duas linhas de patrocínio, totalizando R$600 mil. Seu
partido? PSD.
Muita gente diz que
Eduardo Paes parece ter uma receita para vencer o bolsonarismo. Resta saber o
quanto ela é indigesta.
Fonte: The
Intercept/Brasil 247
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