terça-feira, 10 de setembro de 2024

João Filho: ‘Como frear bilionários como Elon Musk’

No mês passado, a Inglaterra viveu dias de terror com uma onda de ataques promovidos por grupos fascistas em diversas cidades. Depois que três crianças foram esfaqueadas e mortas, espalhou-se nas redes sociais uma informação falsa: o autor do crime seria um imigrante islâmico.

Foi o suficiente para que militantes da extrema direita saíssem às ruas para atacar violentamente imigrantes, incendiar carros, destruir mesquitas e confrontar policiais. Os ataques foram combinados principalmente pelo Telegram de Pavel Durov e pelo X de Elon Musk — dois espaços em que os fascistas podem desfrutar da tal liberdade expressão absoluta.

Musk deixou claro o que pensa. Em vídeo publicado no Twitter em que extremistas aparecem apontando rojões contra policiais, ele postou um comentário decretando que "a guerra civil é inevitável" no Reino Unido.

O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, respondeu que "não há justificativa" para a observação do bilionário e que há mais coisas que as empresas de mídia social "podem e devem fazer".

Segundo o governo britânico, Twitter e Telegram não agiram com rapidez suficiente para remover o "material criminoso" mesmo após dias de protestos e precisam "assumir essa responsabilidade".

Musk passou então a atacar diretamente o primeiro-ministro, alimentando uma conspiração de que a polícia estava, por ordem dele, tratando com mais severidade os "manifestantes" brancos de extrema direita do que as minorias do país.

Durante a onda de violência, a esposa de um vereador do partido conservador britânico escreveu no Twitter que os hotéis que abrigam refugiados deveriam ser incendiados e arrematou: “se isso me torna racista, que assim seja”.

Ela foi condenada por incitar violência e racismo depois de confessar o crime em um julgamento. Mesmo assim, o Twitter não considerou que ela violou suas regras. Um outro extremista foi condenado a 38 meses de prisão após confessar ter compartilhado as mesmas mensagens. Musk foi ao Twitter para criticar a decisão judicial, chamando-a de "confusa".

No final do ano passado, a União Europeia abriu uma investigação contra o Twitter por falta de transparência e disseminação de desinformação. A conclusão foi a de que a plataforma está violando as leis locais.

Musk então fez acusações de chantagem contra o bloco europeu: “A Comissão Europeia ofereceu ao Twitter um acordo secreto ilegal: se censurássemos discretamente a fala sem contar a ninguém, eles não nos multariam”.

Esse é o padrão do afrontamento que o bilionário impõe contra vários países do mundo. Musk tem saído por aí atacando governos e desrespeitando frontalmente a legislação dos países em que suas empresas atuam.

Claro que há exceções. A depender dos seus interesses políticos e/ou financeiros, ele pode ser dócil a um ditador ou parceiro de um governante alinhado à extrema direita. O Twitter foi transformado em uma ferramenta desse projeto político de Musk.

Mas é bom que Musk coloque as barbas de molho. Estados de diferentes países estão se levantando contra o vale tudo dos bilionários donos de rede social. Pavel Durov, dono do Telegram, foi preso pela justiça francesa por ser cúmplice de crimes cometidos por meio da sua plataforma como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e pornografia infantil.

Tudo isso porque, em nome da liberdade de expressão absoluta, Durov se recusa a implantar qualquer tipo de moderação no aplicativo e a compartilhar documentos exigidos pelas autoridades.

O Brasil pode se orgulhar em ser um dos países em que o estado está agindo para frear o ímpeto fascistoide do homem mais poderoso do mundo. Musk tentou fazer suas próprias leis e conspirar contra o estado brasileiro, mas está sendo devidamente enquadrado pelo judiciário.

O Twitter foi suspenso do Brasil porque se recusa a bloquear perfis de investigados que conspiravam contra instituições democráticas e por descumprir sistematicamente decisões judiciais. Musk se recusa a pagar as multas — que hoje somam mais de R$ 18 milhões — e a apresentar um representante legal da empresa no país.

Carole Cadwalladr, colunista do The Guardian, exaltou a reação do Brasil: "É a primeira vez que um país ocidental impõe tal proibição (...). E, apesar dos esforços de Musk para retratar isso como o trabalho de um 'pseudojuiz não eleito' que quer destruir a liberdade de expressão para 'fins políticos', na verdade, isso se deve a outro conceito antiquado com o qual Musk não está familiarizado: o estado de direito".

Mesmo com a suspensão do Twitter no Brasil, Musk segue atacando de maneira agressiva o ministro Alexandre de Moraes e até o presidente Lula, que nada tem a ver com as decisões da justiça.

Depois de passar meses atacando Moraes de todas as maneiras possíveis, o empresário agora se sente à vontade para fazer ameaças contra o governo brasileiro em sua rede social.

Nesta semana, ele insinuou que irá agir de alguma maneira para aprender ativos do governo brasileiro: “A não ser que o governo brasileiro devolva propriedades ilegais apreendidas do X e do SpaceX, nós vamos buscar reciprocidade na apreensão de ativos do governo também. Espero que Lula goste de voos comerciais”.

Trata-se de um gângster internacional que tem o apoio maciço do bolsonarismo e é tratado por parte da imprensa brasileira como um ativista da liberdade de expressão.

O homem mais rico do planeta é hoje o principal líder da extrema direita mundial, tendo roubado o posto que era de Steve Bannon — esquecido depois que foi preso e rompeu com Donald Trump.

Musk é um king kong chapado de ketamina com um metralhadora nas mão, disposto a destruir democracias em nome da sua ideologia disruptiva. Ele comprou uma das redes sociais mais influentes do mundo e deu passe livre para o esgoto nazifascista poder atacar negros, judeus, gays e todas às minorias que, segundo eles, ameaçam a civilização ocidental.

A prisão de Durov na França e o levante da justiça brasileira contra Musk sinalizam que os bilionários poderão começar a encontrar resistência em outros lugares do mundo. Talvez estejamos diante do início do fim de uma era de impunidade das empresas de mídia social.

 

•        STF e a soberania inegociável: caso Elon Musk e o fim da casa da mãe joana. Por Joaquim de Carvalho

Um dos maiores méritos da decisão do ministro Alexandre de Moraes sobre o X e a Starlink foi a ênfase no conceito de soberania. Em outras palavras, o resgate da ideia de que o Brasil não é a casa da mãe joana. Ao justificar seu voto, Moraes salientou que estrangeiro que quer se estabelecer no Brasil tem de respeitar as normas legais.

“Como qualquer entidade privada que exerça sua atividade econômica no território nacional, os provedores de internet devem respeitar e cumprir, de forma efetiva, comandos diretos emitidos pelo Poder Judiciário relativos a fatos ocorridos ou com seus efeitos perenes dentro do território nacional”, afirmou o ministro.

Cármen Lúcia acompanhou o voto de Moraes e propôs uma reflexão: “A Constituição e a legislação brasileira submetem os brasileiros, desobrigando outros que não nacionais que poderiam agir como bem entender, sem regras ou limites legais? Essa é uma questão jurídica ou desborda da questão nuclear do Estado Democrático de Direito?”

A ministra, que presidiu o STF entre 2017 e 2018, defendeu com vigor a soberania do País. “O Brasil não é xepa de ideologias sem ideias de Justiça, onde possam prosperar interesses particulares embrulhados no papel crepom de telas brilhosas sem compromisso com o Direito”. disse.

Flávio Dino foi na mesma direção. “Com a imperativa moldura da soberania, não é possível a uma empresa atuar no território de um país e pretender impor a sua visão sobre quais regras devem ser válidas ou aplicadas”, justificou.

Cristiano Zanin também não deixou margem à dúvida quando a questão é a soberania. “Ninguém pode pretender desenvolver suas atividades no Brasil sem observar as leis e a Constituição Federal”, declarou.

Resultado: 5 a 0.

Sendo uma questão de princípio, e não pessoal com Elon Musk, a Primeira Turma indicou que o STF se inclina para colocar barreiras a todas as organizações estrangeiras que colocam os próprios interesses acima dos do Brasil, protegidos pela legislação.

Tão emblemática quanto o caso do antigo Twitter é a ação que tramita no STF sobre a venda de terras a estrangeiros. Trata-se da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) número 342, proposta pela Sociedade Rural Brasileira em 2016.

Na ação, os autores questionam a constitucionalidade da lei 5.709/71, que limita a compra de terras no Brasil por empresas controladas por sócios estrangeiros. Antes de se aposentar, o ministro Marco Aurélio Mello, relator da ação, entendeu que a lei é, sim, constitucional, por assegurar a soberania do Brasil.

O ministro André Mendonça, que assumiu a cadeira de Marco Aurélio, foi além e concedeu liminar para suspender todos os processos judiciais movidos por empresas estrangeiras que queriam comprar terras no Brasil.

Curiosamente, quem se opôs aos votos de Marco Aurélio e também à liminar de André Mendonça foi o ministro Alexandre de Moraes. No caso da liminar, a divergência aberta por ele foi acompanhada por outros quatro ministros.

O resultado da votação foi 5 a 5 - na época do julgamento, em maio de 2023, a cadeira de Ricardo Lewandowski estava vaga. Com o empate, de acordo com o Regimento Interno do STF –, a liminar foi derrubada. O mérito da ação, no entanto, ainda não foi julgado.

Outra curiosidade: a Sociedade Rural Brasileira, formada por proprietários de terras, quer o direito de vender suas áreas para estrangeiros, enquanto a Confederação Brasileira dos Trabalhadores na Agricultura, se posiciona enfaticamente contra.

O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, diz que a posição do governo Lula é contrária à da Sociedade Rural Brasileira e, por extensão, aos votos de Alexandre de Moraes nesse caso. “A venda de terras a estrangeiros é uma ameaça à soberania do País”, disse Teixeira, em entrevista à TV 247.

Nos tempos de faculdade, no Largo São Francisco (USP), Alexandre de Moraes era conhecido por suas posições mais à direita. Aluno brilhante, foi o primeiro colocado no concurso do Ministério Público de São Paulo, a que renunciaria, alguns anos mais tarde, para assumir a carreira política.

Foi do PFL, renomeado DEM, secretário de Justiça de Geraldo Alckmin no governo do Estado de São Paulo e super secretário de Gilberto Kassab na Prefeitura paulistana. Foi também do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e voltou ao governo Alckmin, como secretário de Segurança Pública, antes de assumir o Ministério da Justiça no governo Temer.

Na época, ele era Alexandre de Moraes. Desde que se destacou na defesa da democracia, como responsável pelo inquérito das milícias digitais e das fake news e, depois, como presidente do TSE, ele se tornou Xandão, na linha de frente do enfrentamento institucional ao movimento golpista da extrema direita liderado por Jair Bolsonaro.

Como Xandão, não lhe cai bem votar a favor das empresas estrangeiras que querem ampliar seu domínio sobre o território brasileiro ou do latifundiários que querem valorizar seu patrimônio com a entrada de dólares, euros ou yuan chinês no mercado fundiário nacional.

A soberania é inegociável, como mostrou a Primeira Turma do STF ao segundo homem mais rico do mundo, Elon Musk.

 

•        A receita do Paes:  prefeitura do Rio despeja dinheiro da “integração metropolitana" nas igrejas evangélicas

Muita gente não consegue entender como o prefeito Eduardo Paes, do PSD, lidera a corrida eleitoral no Rio de Janeiro com tanta tranquilidade, com chance de vitória no primeiro turno em uma cidade com fortes redutos bolsonaristas. Confesso que nem eu.

Mas cruzei com uma informação que ajuda a explicar: o resultado desse edital da Secretaria Municipal de Integração Metropolitana, que oferece R$ 30 milhões em patrocínios para projetos de integração em eventos, cultura, esporte e outras áreas.

Conversei com uma pessoa envolvida no processo seletivo. “Foi tudo muito obscuro”, ela me disse. Fui checar no Diário Oficial do Município. É verdade: no início, os selecionados para ganhar os prêmios em dinheiro foram publicados sem o nome da entidade vencedora, sem nenhuma razão aparente ou razoável para isso.

Mas seria melhor se o problema fosse só falta de transparência.

Quando os repasses começaram a ser feitos e publicados no Diário Oficial, encontrei uma organização chamada Fundação Cultural de Radiodifusão Educativa Costa Dourada. Ela foi selecionada para três linhas de patrocínio, recebendo ao todo R$ 1,3 milhão.

Pois bem: a fundação é ligada à Igreja Assembleia de Deus e opera uma emissora de rádio em Belém, no Pará, onde é dirigida pelo pastor Samuel Câmara.

Antes de falar de Samuel Câmara, é bom lembrar: em junho, Paes fez outra benesse à Assembleia de Deus. Assinou um contrato de patrocínio de quase R$ 1 milhão para a centenário da igreja.

Ele celebrou isso em um evento com quem? Samuel Câmara.

Sim, o prefeito e o pastor que recebeu os agrados estiveram juntos às vésperas do início da campanha eleitoral.

No discurso, Paes se dirige diretamente a Samuel, o agradece “em nome de todos os cariocas” e pede que “Deus abençoe a Assembleia de Deus!”.

Um dos motivos para isso estar acontecendo: neste ano, Eduardo Paes rompeu com o Republicanos, partido ligado à Igreja Universal, e tem tentado costurar diretamente com os pastores o apoio da denominação. É o que noticiou o Diário Carioca, por exemplo.

Vale lembrar que Samuel Câmara é irmão do deputado federal Silas Câmara, que foi eleito pelo PSD em 2014, atual partido de quem? De Eduardo Paes.

Outra curiosidade que você pode conferir no edital: a Você Vida e Saúde, pertencente a Luciane Cardozo Ribeiro, venceu duas linhas de patrocínio, totalizando R$600 mil. Seu partido? PSD.

Muita gente diz que Eduardo Paes parece ter uma receita para vencer o bolsonarismo. Resta saber o quanto ela é indigesta.

 

Fonte: The Intercept/Brasil 247

 

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