sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Hospitais do futuro: como as transformações do setor estão moldando a arquitetura na saúde

Com a saúde cada vez mais personalizada, digitalizada e impulsionada pela inteligência artificial, com soluções completamente integradas ao dia a dia dos pacientes, as construções e disposição das infraestruturas na saúde devem passar por uma transformação. Luz natural e vegetação, construção sustentável, robôs autônomos e bairros conectados horizontal e verticalmente são algumas das tendências da arquitetura na saúde.

Isso porque, se antes os espaços de saúde eram ambientes técnicos e assépticos, projetados para promover o tratamento e a cura de pessoas em condições adversas, com ambientes claros e esterilizados, hoje, eles estão mudando à medida que os profissionais reconhecem a importância do conforto no processo de tratamento não apenas para os pacientes, mas também para familiares e profissionais que passam a maior parte de seus dias nesses espaços.

“Há um conceito chamado de ‘hospitel’, um movimento de aproximar a experiência de hotelaria dos hospitais, equilibrando as necessidades tecno-sanitárias de espaços de saúde e o conforto e receptividade de hotéis”, explica Lara Kaiser, diretora de operações e líder de design de saúde na Perkins&Will. Segundo ela, incluir espaços com maior incidência de luz natural, vistas para o exterior, possibilidade de abrir e fechar janelas e a utilização de texturas e tecidos mais confortáveis contribuem para um tratamento mais humanizado, impactando positivamente na recuperação dos pacientes e na qualidade de vida de todos os usuários dos ambientes de saúde.

Os exemplos práticos começam a ganhar espaço até mesmo na saúde pública. Recentemente, o Ministério da Saúde anunciou o novo projeto arquitetônico para a construção de 1.800 Unidades Básicas de Saúde (UBS) com recursos de R$ 4,2 bilhões do Novo PAC. O conceito do antigo postinho de saúde do bairro está sendo transformado em unidades amplas, sustentáveis, humanizadas e acolhedoras. O projeto das novas UBS inclui espaços mais amplos, com múltiplas salas e consultórios, além de práticas sustentáveis como energia fotovoltaica e salas equipadas para teleconsultas, promovendo tanto a sustentabilidade ecológica quanto o conforto para pacientes e profissionais.

Segundo a pasta, os projetos incorporam os conceitos de edificações sustentáveis, com ventilação e iluminação naturais, uso racional de água e reuso, equipamentos de baixo consumo energético e energia renovável com captação de energia solar, além de atender premissas de acessibilidade, educação permanente em saúde e saúde digital na concepção dos projetos – como a telessaúde.

•        Projetando espaços de saúde

Embora a arquitetura para saúde indique algumas tendências, diversos outros fatores contribuem para essas mudanças, incluindo o aumento da população global, o envelhecimento significativo e a urbanização acelerada (mais de 85% da população no Brasil já vive em centros urbanos). Há ainda desafios como o acesso desigual a recursos, condições de higiene e alimentação. Assim, ao mesmo tempo em que é necessário desenvolver inovações tecnológicas para atender às demandas complexas da saúde e à crescente população, também é fundamental focar em ações preventivas e comportamentais, que não apenas reduzirá a necessidade por infraestrutura de saúde complexa e dispendiosa, mas também promoverá uma saúde mais sustentável e acessível a longo prazo.

Neste sentido, a arquiteta e urbanista Adriana Leviski, sócia titular do escritório Levisky Arquitetos, lembra que os hospitais do futuro devem se concentrar em alta complexidade e sofisticação tecnológica. Além disso, haverá uma expansão significativa da telemedicina e das redes de atendimento, buscando reduzir custos e ampliar o alcance dos serviços de saúde. Por isso, a arquiteta defende a necessidade de políticas públicas integradas para saúde urbana, que considerem saúde ambiental, mental e emocional: “Precisamos entender essa diversidade de ações do que é macro, do que é alta complexidade e do que é alta densidade populacional”.

Segundo ela, questões fundamentais como saúde e bem-estar ambiental, físico e mental são frequentemente negligenciadas na pressa de projetar instalações de saúde e hospitais. Além do acesso, que é crucial: se o público não consegue chegar a uma unidade de saúde devido à localização ou à falta de infraestrutura, ela pode ser praticamente inútil. Outros aspectos importantes incluem a sustentabilidade, o impacto e as oportunidades da tecnologia, bem como inovações no planejamento e gestão das instalações, com departamentos especializados.

A qualidade do ambiente, conforme algumas pesquisas realizadas em hospitais americanos, pode acelerar o processo de cura dos pacientes, resultando em uma redução considerável no tempo de internação. E não faltam exemplos. A Mayo Clinic, considerada uma das instituições de saúde de referência no mundo, recentemente compartilhou um projeto para os próximos 6 anos de uma nova forma de pensar a estrutura de atendimento de hospitais.

Amy Williams, executiva da área clínica da Mayo Clinic, disse ao Futuro da Saúde que a instituição está reimaginando a forma como utilizam o espaço num sistema de saúde transformado. A ideia é adotar um design centrado no ser humano, incorporando os elementos como luz solar, jardins de inverno e espaços públicos interligados para promover o bem-estar geral dos pacientes: “O atendimento do futuro integrará perfeitamente o atendimento hospitalar, ambulatorial e virtual para atender às necessidades de nossos pacientes antes de chegarem ao campus e depois de deixarem nossas instalações”.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o ambiente construído contribui com 19% dos fatores que influenciam a saúde e o bem-estar. No entanto, esse impacto pode ser ampliado ao considerar o projeto da Mayo Clinic, conforme descrito por Williams. “Nossos novos espaços serão infundidos com dados curados e habilitados digitalmente que darão suporte aos pacientes e fornecerão o conhecimento mais recente às equipes de atendimento em tempo real”, disse.

•        Desafios da arquitetura na saúde

Além de atender às normas da vigilância sanitária, um projeto deve também incorporar as demandas tecnológicas, as características regionais e a flexibilidade necessária para lidar com as variáveis epidemiológicas. Em outras palavras, há múltiplas exigências sanitárias a serem consideradas. Lara Kaiser destaca que projetos de ambientes de saúde demandam cuidados especiais para garantir a segurança de todos os usuários, especialmente das pessoas em tratamento, visando evitar a disseminação de infecções. Duas ferramentas fundamentais nesse sentido são o Evidence Based Design (EBD – Projeto Baseado em Evidências) e a Post Occupancy Evaluation (POE – Avaliação Pós-Ocupação), que fornecem bases científicas para o desenvolvimento de projetos adequados e a identificação de possíveis melhorias.

Segundo a diretora da Perkins&Will, além da construção de novos empreendimentos, é igualmente importante considerar a reutilização de edificações existentes, o que se alinha à lógica sustentável de circularidade. Um edifício atualmente destinado a fins corporativos pode ser projetado com espaços de circulação mais generosos, pés-direitos mais altos e elevadores mais amplos, possibilitando ocupações diferentes no futuro e reduzindo a necessidade de novas construções a partir do zero: “Outro exemplo que pode ser destacado é o consumo de energia elétrica, que sabemos ser o grande vilão nos ambientes hospitalares. Para tanto, a energia renovável vem sendo a melhor ferramenta para contribuir com a melhoria nos quesitos de sustentabilidade”.

Adriana Leviski lembra da importância do plano diretor urbanístico hospitalar, um documento estratégico que orienta o desenvolvimento e a gestão de um complexo hospitalar. Esse plano integra a visão estratégica do negócio de saúde com o planejamento urbano e arquitetônico, abrangendo aspectos legais, infraestruturais, tecnológicos, operacionais e recursos humanos. “Associar uma visão estratégica ao planejamento do negócio de saúde implica alinhar toda a operação hospitalar com o plano diretor hospitalar. Isso envolve implementar ajustes e inovações considerando aspectos legais, infraestruturais, tecnológicos, operacionais e de recursos humanos, em conformidade com as premissas, diretrizes e valores fundamentais da instituição de saúde”, aponta.

No Brasil, embora os planos diretores urbanísticos hospitalares tenham sido desenvolvidos há mais de 20 anos e inicialmente pouco demandados, há uma crescente tendência atual de produção desses planos. Eles têm um potencial significativo para expandir a oferta de serviços de saúde e melhorar a integração urbana, sendo ferramentas estratégicas importantes para a evolução dos serviços de saúde.

Especialmente agora, com a saúde urbana emergindo como uma prioridade urgente, esses planos proporcionam uma abordagem holística que combina o desenvolvimento hospitalar com a melhoria das relações urbanas e a oferta de serviços de saúde preventivos e assistenciais: “Essa abordagem integrada do funcionamento do equipamento de saúde junto às suas interfaces e às oportunidades de interação com o espaço urbano é o que define o plano diretor urbanístico hospitalar”, defende Leviski.

•        Inteligência artificial nos projetos

Nesse sentido, tecnologias emergentes como internet das coisas (IoT) e inteligência artificial (IA) estão ganhando cada vez mais espaço, porque desempenham um papel crucial ao impulsionar avanços significativos na área da saúde. Desde a automatização de tarefas até o processamento de dados, a combinação de tecnologia da informação e algoritmos inteligentes facilita a tomada rápida de decisões e intervenções mais precisas, exigindo espaços adaptados para integrá-las de forma a melhorar a experiência de pacientes, acompanhantes e equipes profissionais nos ambientes de saúde.

De acordo com a Deloitte, a IA e a tecnologia avançada de análise de dados podem trazer economias de custos de 10% a 15% para projetos de construção. Essas tecnologias também podem agilizar o processo de revisão de design e ajudar as equipes a produzir estimativas mais precisas, “reduzindo orçamentos e desvios de cronograma em cerca de 10-20% e horas de engenharia em 10-30%”. A consultoria indica que o mercado de IA na construção valerá US$ 151,1 bilhões até 2032.

“Hoje, a inteligência artificial desempenha um papel importante ao possibilitar diagnósticos mais precisos ao processar dados clínicos, imagens, exames laboratoriais e históricos de pacientes. Enquanto isso, a internet das coisas conecta dispositivos físicos a sensores, softwares e redes sem fio, facilitando mudanças físicas nos ambientes”, explica Lara Kaiser, diretora de Operações e Líder de Design de Saúde na Perkins&Will.

Um exemplo é o check-in expresso e automatizado, que resulta em reduções consideráveis das filas de espera. Na Europa, destaca-se o compartilhamento de dados dos pacientes, garantindo a agilidade e eficácia do atendimento, pois as informações são mantidas atualizadas independentemente do local da consulta. “Todos esses avanços devem ser levados em conta ao projetarmos espaços voltados para a promoção da saúde e bem-estar. Desde a construção de ambientes adequados para o atendimento remoto até o uso de sensores e atuadores, as tecnologias emergentes abrem caminhos importantes para ampliar o acesso à saúde e promover autonomia, conforto e segurança à população em geral”, defende Lara.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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