quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Fragatas e programa nuclear submarino: quais os benefícios da aproximação militar de Brasil e Índia?

No fim de agosto, o comandante da Marinha do Brasil, almirante Marcos Sampaio Olsen, se reuniu com autoridades militares na Índia por seis dias para viabilizar uma parceria estratégica na modernização da frota brasileira. A experiência do país na construção de submarinos nucleares também pode ser crucial para Brasília.

País que se projeta como uma das principais potências militares em meio a um mundo cada vez mais multipolar, a Índia é vista como uma parceira estratégica do Brasil no Sul Global. Membros do BRICS, as relações econômicas entre os dois países vêm crescendo nos últimos anos, atingindo um recorde entre 2022 e 2023, com um fluxo comercial de US$ 15,2 bilhões (R$ 85,4 bilhões), quando representou um crescimento de 31,4% em relação ao ano anterior, e a Índia saltou do 26º para o 13º lugar entre os destinos das exportações brasileiras.

Além das relações comerciais, há também aproximação na cooperação das duas nações na indústria de defesa.

É o que mostra a visita do comandante da Marinha do Brasil à Índia por seis dias no último mês. Entre os principais objetivos estava a discussão de uma parceria estratégica para modernizar a frota brasileira. O almirante Olsen foi até um dos principais estaleiros indianos, onde podem ser construídas até seis fragatas da classe Nilgiri com mísseis supersônicos BrahMos, fabricados em parceria com a Rússia.

Outro ponto que pode ser explorado com a aproximação entre Brasil e Índia é a transferência de tecnologia para o programa do submarino nuclear brasileiro, o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub). O país asiático tem experiência na produção dessas embarcações, que possuem maior autonomia para operações por contar com combustível nuclear.

O pesquisador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) José Augusto Zague disse à Sputnik Brasil que diversificar acordos na área da indústria de defesa é crucial para o país.

Conforme o especialista, a Índia é um país muito desenvolvido na área espacial, mas possui grau de desenvolvimento de tecnologia militar próximo ao da indústria brasileira. Com isso, a parceria poderia render bons frutos a ambos os países.

"Rússia e China são países que já alcançaram, estão muito próximos da autonomia estratégica na produção de bens e serviços de defesa. Têm uma base industrial de defesa tecnologicamente avançada que produz praticamente tudo o que as forças armadas desses países necessitam. É diferente, por exemplo, do caso brasileiro, em que o Brasil está muito distante da autonomia estratégica. No caso indiano, eles estão em uma posição que eu poderia chamar de intermediária. Eles têm esse setor espacial muito desenvolvido, têm alguns setores desenvolvidos, como […] na produção de navios de superfície. Mas tem outros setores em que são equivalentes ao desenvolvimento da base industrial de defesa brasileira", explica.

Entre os setores que estão em mais paridade entre as duas nações está a produção de aeronaves de combate que, no caso indiano, possui forte parceria com a Rússia desde o período soviético.

"A aproximação com a Índia pode permitir um desenvolvimento conjunto de determinados sistemas de armas que vão agregar para os dois países. Enquanto uma parceria com países que são autônomos, haveria então uma transferência de tecnologia, mas não haveria um desenvolvimento conjunto de tecnologias", diz.

·        Qual a relação da Índia com o Brasil?

Com uma cooperação histórica entre os dois países na década de 1960 em fóruns multilaterais, Brasil e Índia iniciaram as relações diplomáticas e comerciais em 1948, logo após a independência indiana do Reino Unido. Já em 2009, foram essenciais para a criação do BRICS, junto com China e Rússia. Para o pesquisador da Unesp, o fato de serem membros fundadores do grupo é um "facilitador a mais para se aproximarem em diversos setores, como o militar".

"Existe uma fluidez nesse diálogo entre os dois países, nas duas diplomacias. O fato de o Brasil sediar o encontro do G20 [em novembro, no Rio de Janeiro] faz com que haja uma vinda maior de delegações indianas ao Brasil. Isso também ajuda nessas conversas, mas é muito importante para o Brasil para abrir essas novas frentes de diálogo e essa possibilidade de cooperação. Eu não tinha notícia da ida de militares brasileiros de alta patente à Índia em anos anteriores. Pode ter ocorrido, mas eu penso que isso está se intensificando", enfatiza.

O especialista acredita que o avanço da cooperação entre os países do Sul Global se coloca cada vez mais como alternativa à influência econômica e militar dos Estados Unidos.

"Ao longo dos anos, vai ser perdida também para a China [a liderança norte-americana], ainda que tenham modelos de política externa diferentes. Os EUA têm um modelo de política mais intervencionista, os chineses agem mais pelo diálogo em sua política externa. Então eu penso que é muito positivo e bastante interessante que o Brasil se aproxime cada vez mais dos países do BRICS, especialmente da Índia, na qual é possível haver uma complementaridade nesse setor da indústria de defesa."

·        Índia possui o 4º maior orçamento militar do mundo

O PhD em direito e pesquisador do Laboratório de Estudos Políticos de Defesa e Segurança Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LEPDESP/UERJ) Lier Pires Ferreira lembrou à Sputnik Brasil que, atualmente, a Índia conta com o quarto maior orçamento de defesa do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia – são US$ 80 bilhões (R$ 449,1 bilhões) anuais. O complexo industrial-militar indiano, conforme Pires, começou a ser erguido na década de 1940, e o país já é capaz de fabricar sofisticados sistemas de defesa.

"Embora nem tudo tenha tido êxito nessa história e o país esteja entre os maiores importadores de armas do mundo, hoje a Índia é capaz de fabricar sofisticados sistemas de defesa de área, como Akash e BrahMos, canhões de artilharia como ATAGS e K-9 Vajra, caças como o HAL Tejas. O país também é capaz de produzir porta-aviões como o INS Vikrant, além de fragatas, corvetas e barcos de patrulha armados com toda sorte de mísseis e torpedos de curto e médio alcance, tendo incorporado recentemente um segundo submarino nuclear ao seu arsenal, o INS Arighaat. Por fim, nunca é demais lembrar que a Índia é uma potência nuclear, com um sofisticado sistema de mísseis balístico", resume.

Diante disso, a recente aproximação militar entre Brasil e Índia está ligada à compra de armamentos indianos e, também, ao desenvolvimento comum da indústria bélica dos dois países.

"Essa aproximação, importa notar, foi impulsionada a partir de 2022, quando Sanjay Jaju, o então secretário adicional do Departamento de Produção da Defesa, esteve no Brasil para visitar instalações militares e centros de produção bélica no Rio de Janeiro e no interior de São Paulo, em particular o Parque Tecnológico de São José dos Campos e a Embraer", conta.

·        Quantos submarinos nucleares o Brasil tem?

Em processo de desenvolvimento por meio do Prosub, o Brasil ainda não conta com nenhum submarino nuclear em operação. Com um litoral vasto e repleto de riquezas em toda a área da Amazônia Azul, o especialista Lier Pires argumenta que o país precisa dispor de meios eficientes para defender seu território, o que teria enorme avanço com o equipamento naval.

"O desenvolvimento do submarino nuclear brasileiro, via Prosub, em parceria com a França, ainda não logrou os êxitos esperados. A última previsão é de que o submarino nuclear brasileiro esteja finalizado em 2029 para enfim ser lançado em 2033. Nesse contexto, a parceria com a Índia ampliaria as capacidades navais brasileiras e daria novo impulso ao programa brasileiro de fragatas da classe Tamandaré, ora desenvolvido em parceria com a ThyssenKrupp. Como a parceria com os indianos prevê transferência de tecnologias, a iniciativa seria muito interessante para o Brasil", pontua.

Além disso, Lier afirma que 70% da frota da Marinha brasileira será desmobilizada até 2028, o que coloca como urgente a necessidade de modernização estratégica com "navios e armas mais modernos e tecnologicamente avançados".

"Todavia, é certo que países de larga dominância histórica, como EUA, França, Inglaterra e a própria Alemanha, com quem desenvolvemos nos anos 1970 as usinas nucleares brasileiras, são muito restritivos em relação à transferência de tecnologia. Países como Suécia e Índia, além de China e Rússia, podem oferecer maiores facilidades. É o que esperamos verificar na iniciativa de construção de motores para aeronaves no âmbito do BRICS. Mais do que produzir motores — o que já seria excelente para o Brasil, já que cerca de 80% da aviônica embarcada pela Embraer é importada —, a proposta liderada pelos russos da United Engine Corporation [UEC] diz respeito a uma rede colaborativa entre os países do BRICS, entre os quais estão Brasil, China, Índia, Rússia e Arábia Saudita", finaliza.

 

¨      Não se faz mais guerra como antigamente: drones com IA mudaram 'radicalmente' disputa entre países

Os veículos aéreos não tripulados, popularmente chamados de drones, não são novidade em campos de batalha e conflitos no mundo contemporâneo. Entretanto, com o avanço vertiginoso da tecnologia, essas aeronaves vêm ganhando mais capacidade de armazenar munições, de ataques mais precisos e mortais e algumas estão se tornando até autônomas.

Além de preservar o combatente humano, gerar mais economia e agir de forma rápida e eficaz, os drones modificaram radicalmente o cenário de conflitos, afirmou a advogada, doutoranda e mestre em ciências aeroespaciais pela Universidade da Força Aérea (Unifa) Carla Michel, em conversa com a Sputnik Brasil, no programa Mundioka.

"Modificou em demasia o planejamento de guerra, mudou muito o planejamento de ações de defesa de conflitos reais", opinou ela.

A advogada, que também integra a Comissão de Direito Aeronáutico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São José dos Campos e Paraibuna, destacou que o conflito entre a Rússia e a Ucrânia pode ser considerado um marco no uso de drones, com "mudanças de paradigma, trazendo itens de avanço, pontos de atenção quanto à utilização dessas aeronaves".

Também em entrevista para a Sputnik Brasil, o professor de ciências aeroespaciais da Unifa e coronel da Reserva da Força Aérea Brasileira Eduardo Valle sinalizou que existem diferentes tipos de drones, aplicações variadas, custos e efeitos diversos.

"Nessa categoria de drones militares, há diferentes tipos de funcionalidade e até mesmo de tipo de drone. Tem o drone muito pequeno, que ficou popularizado agora na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, mas há também drones muito grandes, que são semelhantes aos aviões convencionais", explicou.

Alguns soltam bombas, outros explodem ao chegar ao objetivo, há ainda os kamikaze, que são a própria bomba, os que apenas mapeiam, entre outros, elencou Valle, que também é doutor em geografia e mestre em ciências aeroespaciais.

"Os drones menores, de uso comercial e que foram adaptados para o uso no combate, são drones que improvisam dispositivos explosivos no corpo, na sua estrutura, e fazem uso desse explosivo em determinado setor do campo de batalha, muitas vezes atingindo até efeitos significativos, como, por exemplo, destruir um carro de combate ou até mesmo uma peça de artilharia", explicou.

Já os maiores têm capacidades muito mais ampliadas, com bombas de precisão, mísseis, foguetes com maior carga explosiva.

Justamente por ser um vetor com poder multifacetado, altamente eficaz e letal, Michel alertou que é vital haver uma legislação segura internacional para esse tipo de arma, tendo os direitos humanos como uma das premissas:

"Em um conflito armado é preciso ter como pauta as regras de Direito Internacional Humanitário, que são regras mais voltadas para a guerra propriamente dita, de direitos humanos, que são normas basilares. O drone tem uma alta capacidade, mas também a gente tem que verificar toda a necessidade de normatização em torno desse vetor, que nos dê amparo até para atuação e também para preservação de vidas", argumentou.

O militar lembrou que o uso de drones em campos de batalha não é recente e citou a guerra do Vietnã como exemplo. Lembrou ainda que esse tipo de veículo ganhou popularidade a partir das campanhas dos EUA e aliados depois do atentado em 11 de setembro de 2001, quando começaram a utilizar drones militares de maior porte contra lideranças de grupos insurgentes e terroristas.

Segundo ele, até então os drones se enquadravam nas leis e no direito da guerra já existentes, quando no campo de batalha, pois se assemelhavam a peças de artilharia ou a um avião. Com as novas tecnologias, isso mudou:

"A questão que está em torno do drone é a questão da autonomia. E aí a gente é levado para o tema da inteligência artificial. Que permite que o drone tenha reflexos ou tenha reações que algoritmos embarcados vão permitir que ele parta para a ação em função de determinada ameaça ou de determinado comportamento do adversário".

<><> Inteligência Artificial: faca de dois gumes

Alguns drones com uso de inteligência artificial (IA) dispõem de um dispositivo que compara as informações que obtém de um sensor ótico com as informações que tem na memória embarcada dentro do próprio míssil ou do próprio drone, descreveu.

"Ele vai navegando ao longo da sua trajetória, reconhecendo o terreno e quando se aproxima daquilo que entende que é o alvo, ele compara, por exemplo, o formato arquitetônico da engenharia daquele alvo, a estrutura daquele alvo com os dados embarcados que possui e aí decide sobre o direcionamento desse míssil na direção do objetivo militar".

Valle salientou que essa é uma das principais discussões envolvendo drones atualmente, inclusive no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU):

"Quando o drone é lançado e perde a comunicação propositalmente ou não com o ser humano que está por trás da sua operação, ele passa a ter um comportamento autônomo. E aí é que surgem as grandes discussões em torno da responsabilização, da questão da ética, da questão da transparência no uso dessas tecnologias que são genericamente caracterizadas como drones".

Os chamados danos colaterais, quando ataques ocasionam em mortes de civis, em geral, ocorrem devido a erro de inteligência em que a informação sobre o alvo foi mal interpretada, mal obtida e/ou negligenciada pelo operador do drone, frisou ele.

"Se você não tem uma boa inteligência, uma boa capacidade de obter informações sobre onde estão os alvos, os alvos de natureza militar obviamente, não os alvos aleatórios, você correrá certamente o risco de transgredir algum preceito, algum princípio, alguma norma do direito da guerra".

Michel ponderou que essa tecnologia traz muitas possibilidades, mas também ressalvas, e deve ser utilizada com cautela:

"Cautela de cunho humano e também de um cabedal jurídico irrefutável, de segurança jurídica que garanta itens de responsabilidade, itens de verificação de que cada ator naquela cadeia de atuação é responsável", defendeu.

Logo, uma das definições prementes por parte das leis, pontuou a especialista, diz respeito aos limites da autonomia da inteligência artificial em combate e garantir que decisões críticas fiquem sob controle humano, organizadas as responsabilidades, as atuações de cada um, a fim de preservar vidas.

<><> O Brasil e os drones

O Brasil tem tido grandes avanços em relação aos drones, segundo os entrevistados, com empresas privadas nacionais desenvolvendo projetos e produções, além de inúmeras pesquisas acadêmicas, não apenas na área militar como também em outras atividades, como agricultura, de monitoramento e entregas urbanas.

"As universidades estão cada vez mais se debruçando sobre esse vetor, sobre a importância desse vetor em relação a diversas áreas, mas eu destaco aqui a atuação desse vetor na área de defesa", comentou Michel.

Valle acrescentou que, por ora, a Força Aérea brasileira tem utilizado drones de origem israelense, sobretudo, para vigilância, reconhecimento com imagens para fornecer dados sobre crimes transfronteiriços, queimadas, entre outras. Mas há outras alternativas no horizonte.

"No campo militar, o Brasil tem algumas empresas que produzem drones. E, ultimamente, a gente tem ouvido falar muito da Exmobots, que é uma fábrica brasileira que fica em São Paulo, da Stela, que também é uma outra empresa que produz drones no Brasil. Inclusive, a Exmobots está fornecendo drones para o Exército Brasileiro e a Stela está com uma espécie de pré-contrato ou de uma pré-negociação com a Marinha para fornecer também drones".

Nesse sentido, a advogada salientou a importância da sociedade civil para participar do debate, ao lado do governo e do setor privado, a fim de garantir questões como sustentabilidade e políticas públicas na utilização de drones na defesa e em outras áreas, como segurança pública, meio ambiente e serviços.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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