Entenda por que pessoas nutrem sentimentos
por objetos inanimados
Quando vai ao
supermercado, Lilianna Wilde às vezes pega o carrinho de compras que todos
evitam, aquele que parece triste com a roda que range.
Quando guarda a louça,
ela troca o prato de baixo e o coloca no topo, para que possa ser usado.
E quando precisou se
desfazer de seu par favorito de shorts jeans, aqueles que usou por anos, ela se
sentiu mal pela roupa enquanto a dobrava para ser doada.
Isso não afeta sua
capacidade de viver normalmente, disse Lilianna, é apenas um momento passageiro
de emoção por um objeto que não pode devolver o sentimento. Quando Wilde falou
sobre esse fenômeno em um vídeo em sua conta no TikTok, onde frequentemente posta
conteúdo sobre estilo de vida e relacionamentos, descobriu que não era a única
que faz isso. As pessoas disseram que sentiam emoções por seus bichos de
pelúcia, plantas, móveis e até pela voz do GPS do celular.
O breve ato de
humanizar esses objetos inanimados pode ser parte do desejo natural de uma
pessoa de buscar conexões em sua vida cotidiana, disse Melissa Shepard,
psiquiatra certificada em Maryland.
“Somos, de certo modo,
programados para nos conectar com outras pessoas, e às vezes isso se estende a
outras (coisas) que não são pessoas”, afirmou a médica. “Buscamos maneiras,
como seres humanos, de dar sentido ao mundo, e uma das formas mais fáceis de
entender o mundo é por meio de suas próprias experiências.”
Não é algo
preocupante, a menos que seja uma emoção extrema que interfira na sua vida
diária. Aqui está o que os especialistas têm a dizer sobre esse comportamento
curioso.
• Antropomorfizando objetos domésticos
Quando as pessoas
sentem empatia por objetos inanimados, estão antropomorfizando, ou seja,
atribuindo comportamentos ou sentimentos humanos a animais ou objetos que não
podem sentir as mesmas emoções que nós, disse Shepard.
A razão exata pela
qual as pessoas fazem isso é incerta, mas os especialistas têm algumas
suposições. Às vezes, os sentimentos estão ligados a objetos que a pessoa tem
há muito tempo e aos quais agora acha sentimental ou nostálgico, lembrando-a de
outra época da sua vida, disse Kim Egel, terapeuta licenciada de casamento e
família na Califórnia.
“Acho que todos temos
coisas que mexem um pouco mais com o nosso coração,” disse Egel. “É comum os
humanos fazerem isso. Talvez algumas pessoas façam isso mais do que outras por
certos motivos.”
Pode ser uma projeção
dos sentimentos de alguém no objeto, como dar a um objeto uma emoção que já
sentiu no passado, como a solidão quando esse objeto está isolado. Ou pode ser
um sinal de que uma pessoa não está recebendo a conexão que deseja e precisa dos
humanos, ela acrescentou.
Quando Lilianna
compartilhou o vídeo pela primeira vez, pensou que poderia ser a única a sentir
emoções por objetos inofensivos, ela disse.
“Meu marido, que está
no vídeo comigo, não entende de jeito nenhum. Ele diz: ‘Eu não entendo como
você pode sentir qualquer tipo de sentimento humano por algo que não é humano
ou vivo’”, disse. “Mas não é no mesmo nível que você sente por um humano, é apenas
uma emoção comparável.”
“Não é como se isso
afetasse o meu dia a dia, eu penso sobre isso rapidamente, sinto pena dos
shorts jeans, e então acaba. Você percebe: ‘Por que estou me sentindo triste
por isso? São shorts jeans, sabe?’, e segue em frente.”
Ela se pergunta se os
sentimentos podem vir dos filmes que amava assistir quando criança, como a saga
“Toy Story” da Disney ou “A Bela e a Fera,” que dão vida a coisas que não a têm
no mundo real. Ou talvez isso derive de sentimentos que ela tinha quando
criança de ser deixada de fora ou não incluída, e que ela não quer que ninguém
mais sinta, disse ela.
“Acho que às vezes me
pergunto se eu me sinto como o carrinho com a roda rangendo, sabe, como se
talvez alguém não tivesse olhado por mim – não querendo soar tão dramática”,
relatou. “Me pergunto se tenho essa necessidade de garantir que ninguém se
sinta deixado para trás. Isso se traduz na banana deixada sozinha no balcão.”
Existe uma condição
médica conhecida como síndrome do companheiro delirante, onde as pessoas podem
ter esses sentimentos de empatia de maneira muito mais extrema e podem estar
convencidas de que os objetos realmente têm essas emoções — mas isso é muito menos
comum do que a antropomorfização média, disse Shepard.
A antropomorfização
também é algo que a médica notou mais comumente em seus pacientes
neurodivergentes, que frequentemente têm esses sentimentos de maneira mais
intensa, a ponto de causar interrupções na vida, ela acrescentou.
Se alguém perceber que
está antropomorfizando a ponto de evitar certas atividades que causam esses
sentimentos, ou se é incapaz de se desfazer de coisas devido à emoção intensa,
Shepard recomenda procurar um profissional de saúde mental.
Na maioria das vezes,
“é algo normal para as pessoas fazerem e, muitas vezes, pode ser um sinal de
que você talvez tenha uma imaginação realmente saudáve e um sinal de que você
pode ter mais facilidade em ter empatia com as pessoas”, disse Shepard. “Também
é algo muito bonito, porque acho que nos permite nos conectar com pessoas e
objetos de maneiras que não faríamos de outra forma.”
• Sentindo simpatia por robôs e IA
Robôs às vezes também
ganham simpatia humana, como a antropomorfização comum dos rovers de Marte da
Nasa. Em agosto de 2013, um ano após seu lançamento bem-sucedido, o rover
Curiosity cantou “parabéns para mim” e foi rapidamente apelidado de “o
aniversário mais solitário da galáxia”.
Em fevereiro de 2019,
quando o rover Opportunity foi declarado morto — sua última mensagem para a
estação espacial em junho de 2018 foi traduzida como “Minha bateria está baixa
e está ficando escuro” — os usuários das redes sociais responderam ao anúncio
com expressões de tristeza pelo robô espacial.
Conforme a
inteligência artificial (IA) se torna mais integrada à vida cotidiana,
pesquisas estão investigando se os chatbots também podem causar nas pessoas
sentimentos semelhantes aos que são sentidos por outros humanos, disse a
doutora Marlynn Wei, psiquiatra e fundadora de uma prática de psicoterapia
holística em Nova York.
Tipicamente, se os
robôs têm mais características humanas, como um rosto, voz, personalidade ou
linguagem corporal humana, as pessoas têm mais probabilidade de ter empatia com
eles, ela acrescentou.
Mas, por outro lado,
se os robôs são perfeitamente humanos, cria-se o efeito oposto, conhecido como
vale da estranheza. Esse fenômeno é uma sensação estranha e desconfortável em
reação à animação CGI ou máquinas não humanas, como um robô com olhos humanos,
disse Wei, que também tem um projeto de performance em andamento há cinco anos
chamado “Elixir: Imortalidade Digital,” que explora as reações das pessoas a
clones de IA de si mesmas ou de entes queridos.
Esses companheiros de
IA estão se tornando cada vez mais populares, mas os especialistas ainda não
sabem como esses bots podem afetar o desenvolvimento ou a psicologia de alguém,
disse Wei.
“Estamos resolvendo
nosso problema de solidão dando às pessoas companheiros de IA, mas isso é
realmente uma coisa boa? Essa intimidade artificial é realmente algo que
queremos para resolver essa questão da solidão? É realmente uma conexão social
saudável? Ainda estamos tentando aprender como (a IA) nos impacta no dia a
dia.”
Fonte: CNN Brasil
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