Como a maior seca da história do Brasil
afeta a economia e o seu bolso
O Brasil
enfrenta a pior seca de sua história recente, segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres
Naturais (Cemaden). E a previsão dos meteorologistas é de que as ondas de calor
e a estiagem permaneçam em quase todo o país pelo menos até novembro.
O cenário preocupa e
pode levar a uma série de reflexos negativos na economia brasileira. O solo
seco e os baixos níveis dos rios prejudicam não só as safras agrícolas como
também a geração de energia elétrica, o custo de combustíveis e o transporte de
cargas pelo país.
Essa junção de fatores
tem reflexo direto no bolso dos brasileiros, em especial, os mais pobres. São
impactos na cadeia produtiva de alimentos e nos custos de empresas por todo o
país, que geram um aumento de custos básicos do dia a dia.
Em 2021, o último momento de crise enérgetica mais grave, a seca provocou um aumento de 21,21% na energia elétrica
residencial, que foi o segundo subitem de maior contribuição para a inflação
oficial do país. Só perdeu para a gasolina, que avançou 47,49%.
Naquele ano, o IPCA
chegou a 10,06%, maior nível desde 2015.
De olho na seca de três anos atrás e no cenário atual, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, tentou tranquilizar agentes do mercado e produtores nesta terça-feira (3).
"Nós não
atravessaremos em 2025 o que aconteceu em 2021", disse.
Até é possível que os
patamares não sejam os mesmos, mas a inflação já é uma preocupação latente e
que ganha novo reforço.
Em julho, o acumulado do IPCA para a janela de 12 meses chegou a 4,50%, no teto do intervalo permitido pela meta perseguida
pelo Banco Central do Brasil (BC). Caso
ela permaneça elevada, o BC pode ser obrigado a manter os juros básicos do país
em níveis mais altos para controlar os preços.
Além disso, o forte
resultado do PIB (Produto Interno Bruto) do segundo trimestre, uma alta de 1,4% no período,
mostra que o consumo segue forte e amplia os receios de que a inflação esteja
prestes a sair da meta do BC. O mercado financeiro, inclusive, já aposta em uma alta nos juros em setembro.
>>>> Nesta
reportagem você vai entender, em um contexto já complexo, quais os possíveis
efeitos econômicos da maior seca da história:
- 💡 Os impactos na geração de energia
- 🌾 As safras — e os alimentos que ficam mais caros
- 🚢 As cadeias logísticas impactadas
- 📈 A pressão sobre inflação e juros
<><> Os
impactos na geração de energia
Alexandre Maluf,
economista da XP Investimentos, afirma que a principal consequência
inicial da seca é o encarecimento da conta de luz.
Conforme mostrou o g1, a
bandeira tarifária foi alterada de "verde", em que não há cobrança
extra pelo consumo de energia, para a "vermelha patamar 2", a mais
cara e que adiciona R$ 7,88 a cada 100 quilowatt-hora (kWh) consumidos pelas
famílias.
A última vez que o
governo acionou a bandeira vermelha foi justamente em agosto de 2021 — época de
crise hídrica. A situação era tão grave que, um mês depois, a Aneel chegou a criar a bandeira "escassez hídrica", ainda mais cara, para atender ao sistema elétrico nacional em
situação severa de seca.
Um aumento como esse
acontece diante da importância das hidrelétricas para o Brasil. Elas são a
principal fonte de energia do país, com 51,6% do total da carga produzida,
segundo dados atualizados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Para essa modalidade
de geração de energia, a principal matéria-prima é, justamente, a
água. "O clima desempenha um papel crucial nos preços da
energia", destaca Gustavo Sozzi, engenheiro e presidente do Grupo Lux
Energia.
Com a falta de chuvas,
a quantidade de água nos reservatórios cai e a capacidade de gerar energia
diminui. Para compensar essa perda, o país recorre a fontes alternativas, como
as termelétricas — que são mais caras e menos eficientes.
O uso das
termelétricas eleva os custos de produção, aumentando as bandeiras tarifárias
e, consequentemente, a conta de luz, explica o engenheiro. Quanto menor a
capacidade hidrelétrica, portanto, maior será a bandeira e o preço cobrado pela
energia.
O especialista também
reforça que as perspectivas para os próximos meses não são boas. Mesmo que as
chuvas voltem em outubro, a estiagem prevista para setembro irá reduzir ainda
mais os níveis dos reservatórios e deixar o solo (das regiões já secas) ainda
mais duro, o que prejudica a recuperação durante as chuvas.
"Esperamos que, a
partir do início de outubro, as chuvas retornem ao país com mais intensidade.
Mas isso, inicialmente, não significará redução no custo da
energia. Precisaremos de uma sequência de alguns meses com boas chuvas
para normalizar a situação", pontua Sozzi.
<><> As
safras — e os alimentos que ficam mais caros
Outro grande problema
da estiagem é o desabastecimento de produtos agrícolas, resultado das
quebras de safras e perda de alimentos. Os prejuízos na produção causam os
chamados "choques de oferta", que acontecem quando um produto passa a
ter uma disponibilidade menor no mercado — e, por isso, seus preços sobem.
Os recentes incêndios no interior de São Paulo também podem exercer uma pressão sobre o preço da
cana-de-açúcar, matéria-prima utilizada para produção de açúcar e
etanol. Caso o fogo seja controlado, no entanto, o impacto será pontual e
não deverá pesar sobre a inflação, pondera o economista.
Alexandre Pires, do
Ibmec, destaca que a extensão da seca — presente em quase todo o país — tende
a prejudicar, principalmente, produções como soja, gado e itens de
hortifruti.
"Neste ano, vamos
ter uma quebra de safra por conta da seca, que já vem se intensificando ao
longo dos últimos meses. Há uma generalização da estiagem", comenta o
professor.
Como mostrou
reportagem do g1, a estiagem prejudica, sobretudo, os pequenos produtores, que não possuem um sistema de irrigação
para lidar com a seca.
Cerca de 13% da área
da agricultura nacional tem essa estrutura, mas é dominada pelos grandes
produtores focados em exportação. É a agricultura familiar, no entanto, a
responsável por alimentar a maioria dos brasileiros.
Alexandre Maluf, da
XP, comenta que as plantações de soja e milho podem ter uma melhora nas
condições já a partir de outubro, caso as chuvas se normalizem. Um
prolongamento da seca, por outro lado, poderá encarecer ainda mais essas
culturas.
<><> As
cadeias logísticas impactadas
Em termos de
logística, a seca prejudica principalmente o escoamento da produção industrial
na Zona Franca de Manaus, onde os rios estão em níveis alarmantes.
"Isso acaba
atrapalhando a oferta de insumos para a indústria no Centro-Sul, principalmente
no Sudeste", diz Alexandre Maluf, da XP.
O economista comenta
que, por isso, alguns produtos devem sofrer "estresse na cadeia
logística" — ou seja, uma menor oferta de alguns itens, porque o
transporte vem sendo prejudicado pela seca.
>>>> Entre
os produtos que devem sentir mais esses impactos, Maluf destaca:
- Equipamentos eletrônicos;
- Insumos para a indústria;
- Motopeças;
- Autopeças.
Para o economista, no
entanto, mesmo que a situação gere um impacto inflacionário, deve ser algo de
"curto prazo".
Mas o professor
Alexandre Pires, do Ibmec, destaca que o modal de transporte hidroviário é
muito importante para a região Norte, e que o baixo volume dos rios afeta
diretamente a economia local. A seca na região tem afetado, por exemplo, o
transporte de itens de saúde pública.
Conforme mostrou
o g1 em agosto, a estiagem severa atrasou a entrega de oxigênio e medicamentos no município de
Envira, no interior do Amazonas. Além
disso, os rios mais secos causaram desabastecimento na cidade e fez os preços de alguns alimentos saltarem de mais de 100%.
Nesse sentido, Pires
comenta que a seca pode exigir atenção do governo federal para as
comunidades da região, que dependem do rio para sobreviver economicamente.
Isso, segundo o professor, pode gerar uma pressão por auxílios para a
subsistência dessa população durante a estiagem, impactando mais as contas
públicas.
<><> A
pressão sobre inflação e juros
Alexandre Pires, do
Ibmec, afirma que há uma tendência cada vez maior de que a inflação
fique acima da meta do Banco Central devido aos "choques adversos"
que o Brasil tem enfrentado.
O centro da meta do BC
para 2024 é de uma inflação de 3%. No entanto, ela será considerada cumprida se
terminar o ano em um intervalo entre 1,5% e 4,5%.
Os dados mais
recentes, de julho, mostram que a inflação acumulada em 12 meses foi de exatos 4,5%.
A principal ferramenta
do Banco Central para controlar a inflação é a taxa Selic — que está, atualmente, em 10,50% ao ano. Esse é o referencial usado por bancos e instituições
financeiras para, por exemplo, balizar a oferta de crédito.
Por isso, quanto mais
elevada a taxa, mais caro fica para pessoas e empresas tomarem crédito — o
que diminui investimentos e o consumo das famílias. Em geral, esse ciclo se
reflete na economia do país, com uma atividade econômica mais fraca.
O economista Alexandre
Maluf, da XP, avalia que, caso a seca severa permaneça, a soma de fatores
poderá, sim, significar um aumento de pressão sobre o BC para manter a Selic em
níveis elevados.
"Mas ainda é cedo
para apontarmos se o cenário vai mudar ou não a cabeça do Banco Central",
afirma.
Pires, do Ibmec,
lembra que a instituição leva em conta uma série de dados para sua decisão
sobre os juros, o que inclui fatores nacionais e internacionais.
"Como há uma
tendência de os juros norte-americanos caírem, não deve haver um aumento da
taxa por aqui. A tendência é que os juros continuem como estão, apesar das
pressões inflacionárias", diz o economista.
¨ Brasil é o país mais quente do mundo nesta semana? Veja o que
dizem os especialistas
A forte onda de calor
que segue elevando as temperaturas em boa parte do país fez com que uma dúvida
circulasse na internet nos últimos dias: afinal, o Brasil é o país mais
quente do mundo nesta semana?
🌡️Apesar das altas marcas registradas pelos termômetros, com máximas superando os 40°C em algumas regiões, os meteorologistas ainda não têm um consenso sobre
se o país poderia ser apontado como o mais quente do planeta nesse período.
Para Fábio Luengo,
meteorologista da Climatempo, esse tipo de afirmação não procede. Ele
comenta que a maior temperatura registrada nos próximos dias deve ser na casa
dos 42°C – abaixo do que vem sendo observado em países da Ásia e do Oriente
Médio, com máximas que superam os 44°C.
Já Maria Clara
Sassaki, especialista em meteorologia, afirma que a situação pode
acontecer.
Ela explica que os
modelos meteorológicos do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio
Prazo (ECMWF) e do Global Forecast System (GFS) destacam o calor previsto para
o Brasil nos próximos dias.
"De acordo com os
modelos, os únicos países que podem ter temperaturas semelhantes às do Brasil
são a Arábia Saudita e regiões perto do Egito e da Líbia", afirma.
🔥Caso se confirme, não será a primeira vez que o país ocupa
as primeiras posições entre os mais quentes do mundo. Em 2023, o mesmo alerta
surgiu em meio às ondas de calor do segundo semestre.
Para o meteorologista
do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura
(Cepagri) da Unicamp, Bruno Brainy, esse tipo de afirmação exige uma
análise mais detalhada.
"É preciso bolar
uma metodologia para entender isso. É a onda mais quente porque tem uma
temperatura maior do que todas as outras ou é a temperatura média de uma
área?", questiona.
Maria Clara ainda
afirma que os modelos mostram que, em termos de abrangência, não há uma
área tão grande e quente quanto o Brasil nos próximos dias.
Outro ponto levantado
por alguns meteorologistas é que, apesar de o país estar com máximas elevadas
de forma geral, temperaturas acima de 40°C estão acontecendo de maneira
pontual, em somente algumas cidades.
"Dizer que uma
cidade brasileira pode estar no top 10 das mais quentes do mundo nesse período
pode ser mais plausível, porque alguns locais devem seguir tendo marcas
superiores a 40°C", analisa Luengo.
Luengo ainda pontua
que, para padrões brasileiros, essa onda de calor realmente vai ser muito
intensa, o que pode trazer riscos à saúde. Mas, para ele, o fenômeno não
deve colocar o país entre os mais quentes do planeta.
<><> Ar
muito seco
Com a sequência de
dias de calor e falta de chuva, condição que deve se mantar nos próximos dias,
a umidade relativa do ar deve seguir baixa em boa parte do país.
De acordo com o
Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a região Sudeste e parte do Centro-Oeste devem ser os locais
mais afetados.
⚠️Em cidades do norte do Paraná, São Paulo, sul de Minas Gerais,
sul de Goiás, Mato Grosso do Sul, oeste do Mato Grosso, Rondônia e sul do
Amazonas a umidade deve ficar entre 20% e 30%.
O tempo muito seco fez
com que os incêndios voltassem a se intensificar neste início de semana.
O estado de São Paulo decretou emergência por conta dos novos
focos na terça-feira (3). Já em Minas
Gerais, a capital mineira ficou encoberta pela fumaça das queimadas.
Além do prejuízo à
qualidade do ar, com a maio concentração de poluentes, essa condição também
aumento o risco para a saúde.
🫗As principais recomendações para evitar os efeitos prejudiciais
do tempo seco são:
- Beber bastante líquido;
- Evitar desgaste físico nas horas mais secas;
- Evitar exposição ao sol nas horas mais quentes do dia.
<><>
Alívio momentâneo
Os modelos
meteorológicos sugerem que essa onda de calor pode ser mais prolongada, com
temperaturas elevadas até meados da segunda quinzena do próximo mês.
Mas, no fim dessa
semana, algumas regiões podem ter um alívio bem breve no calorão.
No Sul, as
temperaturas devem cair muito entre quinta (5) e sexta (6), com previsão até de
geada para alguns locais. Segundo o Inmet, na sexta, as máximas não passam de
20°C em Porto Alegre e em Florianópolis.
São Paulo também deve
ter queda nos termômetros no fim da semana. As máximas, que vêm superando os
30°C, também não supram os 20°C na sexta.
Mas os meteorologistas
lembram que o refresco será realmente momentâneo. Já no sábado (7) as
temperaturas voltam a subir nessas regiões.
Fonte: g1
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