quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Como a maior seca da história do Brasil afeta a economia e o seu bolso

O Brasil enfrenta a pior seca de sua história recente, segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden). E a previsão dos meteorologistas é de que as ondas de calor e a estiagem permaneçam em quase todo o país pelo menos até novembro.

O cenário preocupa e pode levar a uma série de reflexos negativos na economia brasileira. O solo seco e os baixos níveis dos rios prejudicam não só as safras agrícolas como também a geração de energia elétrica, o custo de combustíveis e o transporte de cargas pelo país.

Essa junção de fatores tem reflexo direto no bolso dos brasileiros, em especial, os mais pobres. São impactos na cadeia produtiva de alimentos e nos custos de empresas por todo o país, que geram um aumento de custos básicos do dia a dia.

Em 2021, o último momento de crise enérgetica mais grave, a seca provocou um aumento de 21,21% na energia elétrica residencial, que foi o segundo subitem de maior contribuição para a inflação oficial do país. Só perdeu para a gasolina, que avançou 47,49%.

Naquele ano, o IPCA chegou a 10,06%, maior nível desde 2015. De olho na seca de três anos atrás e no cenário atual, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, tentou tranquilizar agentes do mercado e produtores nesta terça-feira (3).

"Nós não atravessaremos em 2025 o que aconteceu em 2021", disse.

Até é possível que os patamares não sejam os mesmos, mas a inflação já é uma preocupação latente e que ganha novo reforço.

Em julho, o acumulado do IPCA para a janela de 12 meses chegou a 4,50%, no teto do intervalo permitido pela meta perseguida pelo Banco Central do Brasil (BC). Caso ela permaneça elevada, o BC pode ser obrigado a manter os juros básicos do país em níveis mais altos para controlar os preços.

Além disso, o forte resultado do PIB (Produto Interno Bruto) do segundo trimestre, uma alta de 1,4% no período, mostra que o consumo segue forte e amplia os receios de que a inflação esteja prestes a sair da meta do BC. O mercado financeiro, inclusive, já aposta em uma alta nos juros em setembro.

>>>> Nesta reportagem você vai entender, em um contexto já complexo, quais os possíveis efeitos econômicos da maior seca da história:

  • 💡 Os impactos na geração de energia
  • 🌾 As safras — e os alimentos que ficam mais caros
  • 🚢 As cadeias logísticas impactadas
  • 📈 A pressão sobre inflação e juros

<><> Os impactos na geração de energia

Alexandre Maluf, economista da XP Investimentos, afirma que a principal consequência inicial da seca é o encarecimento da conta de luz.

Conforme mostrou o g1, a bandeira tarifária foi alterada de "verde", em que não há cobrança extra pelo consumo de energia, para a "vermelha patamar 2", a mais cara e que adiciona R$ 7,88 a cada 100 quilowatt-hora (kWh) consumidos pelas famílias.

A última vez que o governo acionou a bandeira vermelha foi justamente em agosto de 2021 — época de crise hídrica. A situação era tão grave que, um mês depois, a Aneel chegou a criar a bandeira "escassez hídrica", ainda mais cara, para atender ao sistema elétrico nacional em situação severa de seca.

Um aumento como esse acontece diante da importância das hidrelétricas para o Brasil. Elas são a principal fonte de energia do país, com 51,6% do total da carga produzida, segundo dados atualizados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Para essa modalidade de geração de energia, a principal matéria-prima é, justamente, a água. "O clima desempenha um papel crucial nos preços da energia", destaca Gustavo Sozzi, engenheiro e presidente do Grupo Lux Energia.

Com a falta de chuvas, a quantidade de água nos reservatórios cai e a capacidade de gerar energia diminui. Para compensar essa perda, o país recorre a fontes alternativas, como as termelétricas — que são mais caras e menos eficientes.

O uso das termelétricas eleva os custos de produção, aumentando as bandeiras tarifárias e, consequentemente, a conta de luz, explica o engenheiro. Quanto menor a capacidade hidrelétrica, portanto, maior será a bandeira e o preço cobrado pela energia.

O especialista também reforça que as perspectivas para os próximos meses não são boas. Mesmo que as chuvas voltem em outubro, a estiagem prevista para setembro irá reduzir ainda mais os níveis dos reservatórios e deixar o solo (das regiões já secas) ainda mais duro, o que prejudica a recuperação durante as chuvas.

"Esperamos que, a partir do início de outubro, as chuvas retornem ao país com mais intensidade. Mas isso, inicialmente, não significará redução no custo da energia. Precisaremos de uma sequência de alguns meses com boas chuvas para normalizar a situação", pontua Sozzi.

<><> As safras — e os alimentos que ficam mais caros

Outro grande problema da estiagem é o desabastecimento de produtos agrícolas, resultado das quebras de safras e perda de alimentos. Os prejuízos na produção causam os chamados "choques de oferta", que acontecem quando um produto passa a ter uma disponibilidade menor no mercado — e, por isso, seus preços sobem.

Os recentes incêndios no interior de São Paulo também podem exercer uma pressão sobre o preço da cana-de-açúcar, matéria-prima utilizada para produção de açúcar e etanol. Caso o fogo seja controlado, no entanto, o impacto será pontual e não deverá pesar sobre a inflação, pondera o economista.

Alexandre Pires, do Ibmec, destaca que a extensão da seca — presente em quase todo o país — tende a prejudicar, principalmente, produções como soja, gado e itens de hortifruti.

"Neste ano, vamos ter uma quebra de safra por conta da seca, que já vem se intensificando ao longo dos últimos meses. Há uma generalização da estiagem", comenta o professor.

Como mostrou reportagem do g1, a estiagem prejudica, sobretudo, os pequenos produtores, que não possuem um sistema de irrigação para lidar com a seca.

Cerca de 13% da área da agricultura nacional tem essa estrutura, mas é dominada pelos grandes produtores focados em exportação. É a agricultura familiar, no entanto, a responsável por alimentar a maioria dos brasileiros.

Alexandre Maluf, da XP, comenta que as plantações de soja e milho podem ter uma melhora nas condições já a partir de outubro, caso as chuvas se normalizem. Um prolongamento da seca, por outro lado, poderá encarecer ainda mais essas culturas.

<><> As cadeias logísticas impactadas

Em termos de logística, a seca prejudica principalmente o escoamento da produção industrial na Zona Franca de Manaus, onde os rios estão em níveis alarmantes.

"Isso acaba atrapalhando a oferta de insumos para a indústria no Centro-Sul, principalmente no Sudeste", diz Alexandre Maluf, da XP.

O economista comenta que, por isso, alguns produtos devem sofrer "estresse na cadeia logística" — ou seja, uma menor oferta de alguns itens, porque o transporte vem sendo prejudicado pela seca.

>>>> Entre os produtos que devem sentir mais esses impactos, Maluf destaca:

  • Equipamentos eletrônicos;
  • Insumos para a indústria;
  • Motopeças;
  • Autopeças.

Para o economista, no entanto, mesmo que a situação gere um impacto inflacionário, deve ser algo de "curto prazo".

Mas o professor Alexandre Pires, do Ibmec, destaca que o modal de transporte hidroviário é muito importante para a região Norte, e que o baixo volume dos rios afeta diretamente a economia local. A seca na região tem afetado, por exemplo, o transporte de itens de saúde pública.

Conforme mostrou o g1 em agosto, a estiagem severa atrasou a entrega de oxigênio e medicamentos no município de Envira, no interior do Amazonas. Além disso, os rios mais secos causaram desabastecimento na cidade e fez os preços de alguns alimentos saltarem de mais de 100%.

Nesse sentido, Pires comenta que a seca pode exigir atenção do governo federal para as comunidades da região, que dependem do rio para sobreviver economicamente. Isso, segundo o professor, pode gerar uma pressão por auxílios para a subsistência dessa população durante a estiagem, impactando mais as contas públicas.

<><> A pressão sobre inflação e juros

Alexandre Pires, do Ibmec, afirma que há uma tendência cada vez maior de que a inflação fique acima da meta do Banco Central devido aos "choques adversos" que o Brasil tem enfrentado.

O centro da meta do BC para 2024 é de uma inflação de 3%. No entanto, ela será considerada cumprida se terminar o ano em um intervalo entre 1,5% e 4,5%.

Os dados mais recentes, de julho, mostram que a inflação acumulada em 12 meses foi de exatos 4,5%

A principal ferramenta do Banco Central para controlar a inflação é a taxa Selic — que está, atualmente, em 10,50% ao ano. Esse é o referencial usado por bancos e instituições financeiras para, por exemplo, balizar a oferta de crédito.

Por isso, quanto mais elevada a taxa, mais caro fica para pessoas e empresas tomarem crédito — o que diminui investimentos e o consumo das famílias. Em geral, esse ciclo se reflete na economia do país, com uma atividade econômica mais fraca.

O economista Alexandre Maluf, da XP, avalia que, caso a seca severa permaneça, a soma de fatores poderá, sim, significar um aumento de pressão sobre o BC para manter a Selic em níveis elevados.

"Mas ainda é cedo para apontarmos se o cenário vai mudar ou não a cabeça do Banco Central", afirma.

Pires, do Ibmec, lembra que a instituição leva em conta uma série de dados para sua decisão sobre os juros, o que inclui fatores nacionais e internacionais.

"Como há uma tendência de os juros norte-americanos caírem, não deve haver um aumento da taxa por aqui. A tendência é que os juros continuem como estão, apesar das pressões inflacionárias", diz o economista.

¨      Brasil é o país mais quente do mundo nesta semana? Veja o que dizem os especialistas

A forte onda de calor que segue elevando as temperaturas em boa parte do país fez com que uma dúvida circulasse na internet nos últimos dias: afinal, o Brasil é o país mais quente do mundo nesta semana?

🌡️Apesar das altas marcas registradas pelos termômetros, com máximas superando os 40°C em algumas regiões, os meteorologistas ainda não têm um consenso sobre se o país poderia ser apontado como o mais quente do planeta nesse período.

Para Fábio Luengo, meteorologista da Climatempo, esse tipo de afirmação não procede. Ele comenta que a maior temperatura registrada nos próximos dias deve ser na casa dos 42°C – abaixo do que vem sendo observado em países da Ásia e do Oriente Médio, com máximas que superam os 44°C.

Já Maria Clara Sassaki, especialista em meteorologia, afirma que a situação pode acontecer.

Ela explica que os modelos meteorológicos do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio Prazo (ECMWF) e do Global Forecast System (GFS) destacam o calor previsto para o Brasil nos próximos dias.

"De acordo com os modelos, os únicos países que podem ter temperaturas semelhantes às do Brasil são a Arábia Saudita e regiões perto do Egito e da Líbia", afirma.

🔥Caso se confirme, não será a primeira vez que o país ocupa as primeiras posições entre os mais quentes do mundo. Em 2023, o mesmo alerta surgiu em meio às ondas de calor do segundo semestre.

Para o meteorologista do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp, Bruno Brainy, esse tipo de afirmação exige uma análise mais detalhada.

"É preciso bolar uma metodologia para entender isso. É a onda mais quente porque tem uma temperatura maior do que todas as outras ou é a temperatura média de uma área?", questiona.

Maria Clara ainda afirma que os modelos mostram que, em termos de abrangência, não há uma área tão grande e quente quanto o Brasil nos próximos dias.

Outro ponto levantado por alguns meteorologistas é que, apesar de o país estar com máximas elevadas de forma geral, temperaturas acima de 40°C estão acontecendo de maneira pontual, em somente algumas cidades.

"Dizer que uma cidade brasileira pode estar no top 10 das mais quentes do mundo nesse período pode ser mais plausível, porque alguns locais devem seguir tendo marcas superiores a 40°C", analisa Luengo.

Luengo ainda pontua que, para padrões brasileiros, essa onda de calor realmente vai ser muito intensa, o que pode trazer riscos à saúde. Mas, para ele, o fenômeno não deve colocar o país entre os mais quentes do planeta.

<><> Ar muito seco

Com a sequência de dias de calor e falta de chuva, condição que deve se mantar nos próximos dias, a umidade relativa do ar deve seguir baixa em boa parte do país.

De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a região Sudeste e parte do Centro-Oeste devem ser os locais mais afetados.

⚠️Em cidades do norte do Paraná, São Paulo, sul de Minas Gerais, sul de Goiás, Mato Grosso do Sul, oeste do Mato Grosso, Rondônia e sul do Amazonas a umidade deve ficar entre 20% e 30%.

O tempo muito seco fez com que os incêndios voltassem a se intensificar neste início de semana. O estado de São Paulo decretou emergência por conta dos novos focos na terça-feira (3). Já em Minas Gerais, a capital mineira ficou encoberta pela fumaça das queimadas.

Além do prejuízo à qualidade do ar, com a maio concentração de poluentes, essa condição também aumento o risco para a saúde.

🫗As principais recomendações para evitar os efeitos prejudiciais do tempo seco são:

  • Beber bastante líquido;
  • Evitar desgaste físico nas horas mais secas;
  • Evitar exposição ao sol nas horas mais quentes do dia.

<><> Alívio momentâneo

Os modelos meteorológicos sugerem que essa onda de calor pode ser mais prolongada, com temperaturas elevadas até meados da segunda quinzena do próximo mês.

Mas, no fim dessa semana, algumas regiões podem ter um alívio bem breve no calorão.

No Sul, as temperaturas devem cair muito entre quinta (5) e sexta (6), com previsão até de geada para alguns locais. Segundo o Inmet, na sexta, as máximas não passam de 20°C em Porto Alegre e em Florianópolis.

São Paulo também deve ter queda nos termômetros no fim da semana. As máximas, que vêm superando os 30°C, também não supram os 20°C na sexta.

Mas os meteorologistas lembram que o refresco será realmente momentâneo. Já no sábado (7) as temperaturas voltam a subir nessas regiões.

 

Fonte: g1

 

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