Alfred de Zayas: Eleições na Venezuela - em
que e em quem acreditar?
Nossa mídia corre para
emitir manchetes sensacionalistas e frequentemente faz julgamentos prematuros,
que, quando falsos, raramente são corrigidos. Com relação às eleições
venezuelanas de 28 de julho, espera-se que acreditemos que Nicolás Maduro as
fraudou. Mas por que tendemos a pensar dessa forma? Por que os jornalistas do
New York Times, WaPo, WSJ insistem que devemos duvidar dos resultados das
eleições. Vamos tentar alguma perspectiva histórica e olhar para trás, para a
história de cem anos da Venezuela de políticos corruptos subservientes a
Washington – até a eleição de Hugo Chávez em 1998. Eu também acreditava na
narrativa dominante, mas minha experiência como Especialista Independente da
ONU em Ordem Internacional e minha missão oficial à Venezuela em
novembro/dezembro de 2017 me ensinaram o contrário. Naquela época, também havia
um sentimento muito forte da mídia contra Nicolás Maduro, que era
rotineiramente rotulado de ditador e um grande violador dos direitos humanos.
Muitos de nós
entendemos que, em questões geopolíticas importantes, nosso cenário de mídia
não está livre de “notícias falsas” e narrativas tendenciosas. Este é
certamente o caso de reportagens e comentários homologados nos EUA,
Grã-Bretanha, França, Alemanha, Espanha, Itália e, infelizmente, também na
Suíça, onde resido. Nossa mídia parece ser gleichgeschaltet (uniformemente
alinhada), como sabemos pela mídia alemã na década de 1930, onde havia apenas
uma narrativa. Tendo em mente que a mídia ocidental reflete amplamente os
pronunciamentos de Washington e Bruxelas, é aconselhável fazer um esforço extra
para consultar informações e comentários de várias fontes. Já na década de
1990, vivenciamos uma grande manipulação da realidade nas reportagens sobre os
conflitos na Iugoslávia, com muitas histórias que se mostraram falsas quando
verificadas. As reportagens em preto e branco eram irritantes e indignas de
qualquer Estado parte do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,
cujo artigo 19 visa garantir o acesso à informação, à liberdade de opinião e,
mais importante, à liberdade de discordância. Uma manipulação implacável da
opinião pública ocorreu no início dos anos 2000 com relação ao Afeganistão e ao
Iraque. Na década de 2010, o preconceito da mídia era persistente na maioria
das reportagens sobre a Líbia, Síria, Rússia e Ucrânia. Hoje estamos
testemunhando o mesmo com relação à Bielorrússia, China, Cuba, Nicarágua,
Palestina e assim por diante. Todas as mídias – não apenas a mídia ocidental –
transmitem impressões, sentimentos, emoções e preconceitos, além de
informações. Somos informados sobre o que e em quem acreditar, quem elogiar e
quem odiar. Trata-se de uma certa epistemologia, uma estrutura cognitiva, um
modelo de crença – e as pessoas querem acreditar. Como Júlio César escreveu: –
“quae volumus, ea credimus libenter” – «Acreditamos no que queremos acreditar».
Com relação à
Venezuela, a propaganda ocidental tem feito uma campanha consistente de
«notícias falsas» desde 1998, desde que Chávez se tornou presidente. Eu estava
entre as muitas vítimas dessa propaganda de lavagem cerebral e acreditei em
muitas das caricaturas encontradas no New York Times. Para me preparar para
minha missão na ONU em 2017, tentei ler o máximo de relatórios possível,
incluindo os do Washington Post, do Wall Street Journal, da CNN, da Reuters, do
FAZ, do NZZ, do Departamento de Estado dos EUA, da Anistia Internacional, da
Human Rights Watch, da Organização dos Estados Americanos (OEA), da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos e assim por diante. Quando estive na
Venezuela e tive a oportunidade de ver por mim mesmo, fazer perguntas pertinentes
a pessoas que sabem, falar com organizações não governamentais (ONGs)
venezuelanas como a Fundalatin, o Grupo Sures, a Red Nacional de Derechos
Humanos, com professores de várias universidades, com estudantes, com
representantes das igrejas, com o corpo diplomático, com autoridades
governamentais, gradualmente entendi que o clima da mídia no Ocidente visava
apenas a mudança de regime e estava distorcendo deliberadamente a situação no
país. Não se tratava apenas de informações falsas que se lia na imprensa
ocidental, mas de omissões significativas. Então como agora, muitas mídias no
Ocidente podem ser descritas não apenas como “imprensa mentirosa”, mas acima de
tudo como “imprensa de lacunas”. Anacronismos são onipresentes. Causas e
consequências são invertidas. Desde 1999, o governo venezuelano tem que lidar
com esse tipo de guerra híbrida, um batalhão orwelliano de “notícias falsas” e
uma máquina de “discurso de ódio” que aplica padrões duplos, trabalha
teleologicamente e distorce a realidade.
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Organizações não
governamentais na Venezuela
Quando visitei o país
em novembro/dezembro de 2017, falei com cerca de 45 ONGs, conheci-as
individualmente e em grupos. Não apenas as ONGs de direitos humanos, mas também
aquelas especializadas em questões sociais gerais, religião, música, educação,
saúde, trabalho, direitos das crianças, direitos das mulheres, direitos das
pessoas com deficiência, direitos LGBT. Fiz questão de me encontrar com
políticos da oposição, jornalistas e ONGs militantes. Enquanto a maioria das
ONGs é construtiva e comprometida com o bem comum, outras são políticas e
focadas no confronto. Claro, é legítimo criticar o governo, apontar corrupção e
outras queixas, manifestar-se por maior liberdade – mas essas não são as únicas
tarefas das ONGs. Não se trata apenas de “nomear e envergonhar”. A sociedade
civil deve se esforçar para promover o diálogo, fazer propostas pacíficas,
procurar as causas dos problemas sociais e elaborar soluções construtivas.
Afinal, civilização significa encontrar maneiras de viver juntos em paz e
tolerar uns aos outros. Conforme informei o Conselho de Direitos Humanos no meu
relatório de 2018, fui submetido a assédio moral antes, durante e depois da
missão. De fato, antes, durante e depois da minha missão na Venezuela, algumas
ONGs políticas começaram uma campanha contra mim. Fui difamado e ameaçado no
Facebook e em tuítes porque alguns interpretaram minha linguagem corporal e
reserva como evidência de que eu não jogaria o jogo de ninguém. Algumas ONGs
evidentemente temiam que eu levasse meu mandato a sério, ouvisse todos os lados
e procurasse as causas dos problemas. Essas ONGs esperavam apenas uma coisa de
mim: uma acusação global contra Maduro. No entanto, não vi minha tarefa como
condenação a priori do governo, mas antes de tudo queria ouvir e formar minha própria
opinião. Também recebi ameaças de morte. A campanha de difamação dessas
chamadas ONGs continuou depois que retornei a Genebra e recomeçou quando meu
relatório foi apresentado ao Conselho de Direitos Humanos em setembro de 2018.
Esses métodos de descrédito são frequentemente usados contra relatores especiais independentes, incluindo os relatores
especiais sobre a Palestina, sobre solidariedade internacional e sobre medidas
coercitivas unilaterais.
Sei de ameaças contra
o falecido Dr. Idriss Jazairi, contra a Prof. Alena Douhan, Reem Alsalem, Prof.
Richard Falk, Prof. Francesca Albanese. No meu caso pessoal, lembro que um
representante da ONG Provea me desacreditou perante a OEA e alegou que eu não
tinha feito nada na Venezuela, exceto tirar fotos em um supermercado. Na
verdade, visitei vários supermercados incógnito — e tirei fotos para provar que
em 2017 não houve nenhuma “crise humanitária” que pudesse ter sido
instrumentalizada para justificar uma intervenção militar “humanitária”. Eu
documentei como o governo venezuelano tentou preencher as lacunas causadas
pelas sanções dos EUA, lançou um vasto programa de distribuição de alimentos
conhecido como CLAP e se esforçou para oferecer prateleiras cheias de carne,
peixe e enlatados, embora as medidas coercitivas unilaterais dos EUA tenham
causado danos colossais à economia venezuelana. Muitos observadores
compartilham minha opinião de que há uma categoria especial de ONGs que opera
como uma espécie de Quinta Coluna ou “Cavalo de Troia” e dedica dinheiro e
esforço considerável para minar o estado anfitrião. Algumas dessas organizações
são financiadas pelos EUA e pela UE, e sua principal tarefa tem pouco a ver com
direitos humanos, mas sim com facilitar a mudança de regime. É precisamente por
isso que o parlamento venezuelano aprovou recentemente um projeto de lei para
rever o financiamento de todas as ONGs, uma vez que algumas delas podem ser
consideradas “agentes estrangeiros” – não muito diferentes das organizações
estrangeiras russas e chinesas que se enquadram na Lei de Registro de Agentes
Estrangeiros Americanos de 1938. No entanto, como todos sabemos, quod licet
Iovi, non licet bovi – o que é permitido ao hegemon não é permitido ao resto de
nós.
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A OEA e as eleições
venezuelanas de julho de 2024
A OEA repreendeu
recentemente o governo venezuelano e continua se recusando a reconhecer a
reeleição de Maduro. Podemos perguntar quais são os objetivos da OEA? Como
sabemos, a OEA é uma organização criada pelos Estados Unidos em 1948 com sede
em Washington D.C. Desde o início, a OEA tem buscado os interesses dos EUA, em
vez dos povos latino-americanos e caribenhos. Desde 2015, o uruguaio Luis
Almagro é Secretário-Geral. Ele apoia amplamente a política dos EUA, espalha
propaganda dos EUA e, portanto, prejudica governos latino-americanos como os da
Bolívia, Peru e Venezuela. Ele recentemente apelou ao Tribunal Penal
Internacional e pediu que Nicolás Maduro fosse preso. É óbvio que a OEA não
visa garantir estabilidade e coexistência pacífica entre os estados do
continente, mas sim ajudar na mudança de regime nos países mencionados. Existe
uma maneira de trazer a OEA de volta à sua vocação original? Neste contexto, é
pertinente citar a Carta da OEA, que, na visão deste autor, foi e está sendo
sistematicamente minada.
“Art. 1
Os Estados Americanos
estabelecem por esta Carta a organização internacional que desenvolveram para
alcançar uma ordem de paz e justiça, para promover sua solidariedade,
fortalecer sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade
territorial e sua independência. Dentro das Nações Unidas, a Organização dos
Estados Americanos é uma agência regional. A Organização dos Estados Americanos
não tem poderes além daqueles expressamente conferidos a ela por esta Carta,
nenhuma das quais as disposições a autorizam a intervir em questões que estejam
dentro da jurisdição interna dos Estados-Membros.
<><> Art.
19
Nenhum Estado ou grupo
de Estados tem o direito de intervir, direta ou indiretamente, por qualquer
motivo, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro Estado. O princípio
anterior proíbe não apenas a força armada, mas também qualquer outra forma de
interferência ou tentativa de ameaça contra a personalidade do Estado ou contra
seus elementos políticos, econômicos e culturais.
<><> Artigo
20
Nenhum Estado pode
usar ou encorajar o uso de medidas coercitivas de caráter econômico ou político
para forçar a vontade soberana de outro Estado e obter vantagens de qualquer
tipo.”
Na opinião deste
autor, a menos que mudanças fundamentais ocorram na forma como a OEA é
administrada, na forma arbitrária como opera, na composição ideológica de seu
secretariado — seria melhor aboli-la. Mais cedo do que tarde. Em um sentido
muito real, a OEA pertence à era do imperialismo do século XX. É um desajustado
no século XXI. Em contrapartida, existe outra organização regional mais
representativa dos povos latino-americanos e caribenhos – a CELAC – Comunidade
de Estados da América Latina e do Caribe, que, segundo seu estatuto, representa
os interesses dos povos da América, por exemplo, ao declarar a região como
“Zona de Paz” em 2014.
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Motivos dos EUA para tentar derrubar o
governo venezuelano
Desde a eleição de
Hugo Chávez em 1998, o país tem sido submetido à hostilidade neocolonial. Os
ataques atuais da OEA, a guerra híbrida do exterior e as duras sanções
coercitivas unilaterais – não são esses mais exemplos do que acontece com um
país que se recusa a se submeter à hegemonia dos EUA?
A Venezuela é um país
extremamente rico, tem as maiores reservas de petróleo do mundo, bem como ouro
e vários minerais importantes. Se o governo de Maduro for derrubado,
oportunidades econômicas se abrirão para as corporações americanas, como
ouvimos de Donald Trump, Mike Pompeo, Joe Biden e Antony Blinken. Todas as
reformas sociais na Venezuela serão rapidamente abolidas e a história de Chávez
e Maduro será apagada. Um golpe de estado como no Peru resultaria em retrocesso
nos direitos sociais e levaria à recolonização da Venezuela pelos EUA. O que
está em jogo é o controle dos EUA sobre a América Latina, a Doutrina Monroe e a
vitória do capitalismo sobre o socialismo, a realização das fantasias de
Francis Fukuyama e seu livro arrogante The End of History (Free Press, 1992). Os
EUA não querem permitir que um sistema socialista tenha sucesso na América
Latina em nenhuma circunstância. Seria um “mau exemplo” para outros estados da
região que também gostariam de garantir direitos econômicos e sociais aos seus
cidadãos. Salvador Allende tentou isso no Chile em 1970 e foi derrubado em
1973. Manuel Zelaya tentou isso em Honduras e foi deposto em um golpe em 2009,
Evo Morales tentou isso na Bolívia e foi expulso do cargo em 2019. Pedro
Castillo tentou isso no Peru. Ele está preso desde dezembro de 2022. Essa
violação massiva dos EUA da soberania de outros países não está acontecendo
apenas na América Latina. Os EUA também parecem ter tido participação na
deposição de Imran Khan no Paquistão em abril de 2022. O golpe contra Sheik
Hasina em Bangladesh em agosto de 2024 também parece ter sido coorganizado
pelos EUA. Os EUA têm muita experiência na manipulação de eleições
estrangeiras, desestabilização e golpes, como sabemos por vários livros do
Professor Stephen Kinzer.10
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Maduro e as
alternativas
Nas últimas duas
eleições presidenciais, a oposição tentou incitar protestos violentos nas ruas
e falhou. Maduro conseguiu se manter apesar da forte pressão do exterior e das
tentativas domésticas de derrubá-lo. Por que isso? Minha impressão pessoal é que
a maioria dos venezuelanos apoiou e ainda aprova as reformas de Chávez e
Maduro. A crise econômica no país é o resultado direto das sanções draconianas
dos EUA, que estão causando desemprego, desespero, doenças e morte. Essas
medidas coercitivas unilaterais ilegais (UCMs) também forçaram milhões de
pessoas a deixar o país. Esses não são refugiados políticos que rejeitam as
reformas de Chávez/Maduro, mas migrantes econômicos que são direta ou
indiretamente afetados pelas UCMs feitas nos EUA. Há, sem dúvida, uma escassez
de medicamentos e equipamentos médicos, bem como alguns alimentos, como três
relatores especiais da ONU que visitaram o país documentaram em detalhes. Os
relatórios mais recentes da Prof. Alena Douhan e do Prof. Michael Fakhri.
chegam a conclusões semelhantes às que formulei em meu relatório anterior de
2018. As frequentes acusações de corrupção e má gestão feitas pelo Ocidente e
pela oposição na Venezuela são falsas ou meias-verdades. Também há considerável
má gestão e corrupção nos EUA, Reino Unido, estados da UE, Rússia, Índia,
China, etc. Mas a principal razão para a miséria na Venezuela certamente não é
“má gestão”. Conheci ministros extremamente competentes na Venezuela. É
surpreendente que o governo ainda desfrute de um grau relativamente alto de
popularidade entre o povo, apesar da crise artificial desencadeada pelos UCMs.
A professora de economia Pasqualina Curcio da Universidade de Caracas escreveu
vários livros sobre as causas da miséria econômica, o que prova que a crise
está sendo deliberadamente forçada aos venezuelanos do exterior. Discuti
pessoalmente suas análises com ela na Venezuela e quando ela veio a Genebra
para participar de uma sessão do Conselho de Direitos Humanos. O professor
Miguel Tinker Salas, da Universidade Pomona, na Califórnia, também escreveu
sobre a crise e suas causas. Os estudos do Centro de Pesquisa Econômica e
Política de Washington D.C. (CEPR) e a análise das eleições de 2024 são
pertinentes para entender o que realmente está acontecendo.
·
Contestação dos
resultados eleitorais e revisão pelo Supremo Tribunal da Venezuela
À luz da recusa da
oposição venezuelana em aceitar os resultados eleitorais emitidos pela
autoridade competente, o CNE, Maduro invocou o procedimento conhecido como
“amparo” e recorreu ao Supremo Tribunal da Venezuela, conforme previsto na
Constituição venezuelana. Nesse sentido, Maduro agiu de acordo com a ordem
jurídica venezuelana. É importante lembrar que ataques cibernéticos sérios
foram registrados contra o sistema do CNE e vários escritórios do governo,
dificultando a verificação das evidências digitais. Apesar dos obstáculos
técnicos, isso foi feito. Durante um período de três semanas, o Supremo
Tribunal examinou as queixas contra o governo, exigiu evidências pertinentes da
oposição e analisou os registros do CNE.18 Em 22 de agosto, o Supremo Tribunal
emitiu sua decisão, confirmando que Maduro foi de fato reeleito com 52% do voto
popular. A oposição e a mídia dos EUA rejeitaram prontamente a decisão do
tribunal. Mas o Supremo Tribunal é a autoridade final. Este processo de revisão
corresponde às exigências do “estado de direito” e também é conhecido em outros
países. Por exemplo, as eleições nos EUA em novembro de 2000 foram contestadas
em vários estados. Eles queriam que tudo fosse verificado, mas em 8 de janeiro
de 2001, a Suprema Corte americana interrompeu a verificação e deu a eleição a
George W. Bush. Depois de quase nove semanas, um resultado foi anunciado
conforme ordenado pela Suprema Corte dos EUA. Pessoalmente, acho que houve
muitas “irregularidades” e as eleições deveriam ter sido revistas em vários
estados ou as eleições deveriam ter sido repetidas nesses estados.
Pessoalmente, acho que Al Gore foi o vencedor. As eleições de novembro de 2020
também deram errado e muitos republicanos ainda estão convencidos de que os
democratas “roubaram” a eleição. Mas lá novamente os tribunais rejeitaram a
contestação legal de Trump e confirmaram a eleição de Joe Biden. Não sei se os
tribunais dos EUA trabalharam seriamente. Aqui também, demorou muitas semanas
até que uma decisão final fosse tomada.
É preocupante que
vários estados ocidentais estejam exigindo informações sobre os resultados das
eleições venezuelanas. Isso constitui uma violação flagrante da soberania da
Venezuela e é contrário às normas do direito internacional, à Carta da ONU e à
Carta da OEA. Essa interferência nos assuntos internos de um Estado é contrária
ao direito e à prática internacionais. Imagine se a situação fosse inversa.
Qual seria a indignação internacional se a Índia ou a China não reconhecessem e
verificassem os resultados das eleições nos EUA, Reino Unido, França ou
Alemanha e reconhecessem o líder da oposição como o legítimo vencedor das
eleições em questão! É notável que a mídia nos EUA e em vários países
latino-americanos, como Argentina e Peru, sempre esperasse que a oposição
derrotasse Maduro. Isso foi impresso e reimpresso por semanas antes da eleição.
Na minha experiência em novembro/dezembro de 2017, Maduro desfrutou de
considerável popularidade na época, mas mais de seis anos se passaram e o
efeito das atividades propagandísticas de organizações e ONGs financiadas pelos
EUA e pela UE na Venezuela não deve ser subestimado. Além disso, como
mencionado acima, as medidas coercitivas dos EUA — falsamente chamadas de
“sanções” — causaram miséria na Venezuela. Amigos que estiveram recentemente na
Venezuela me disseram que havia um vago clima de rendição entre certas partes
da população, que alguns venezuelanos achavam que se afastar do “chavismo” é a
condição para o fim da brutal guerra econômica. Talvez alguns entre eles tenham
votado em Gonzalez Urrutia na esperança de que as sanções dos EUA finalmente
parassem. O preço: aceitação de um governo instalado pelos EUA.
Edmundo Gonzáles e
Maria Machado, como Guaidó em 2019, foram construídos pelos EUA como faróis de
esperança. Uma vasta campanha de relações públicas se desenrolou com o
propósito de persuadir o mundo de que a mudança de regime poderia ser alcançada
pacificamente por meio das urnas. Sim, é o mesmo jogo novamente, um “filme B”
semelhante de Hollywood. A oposição e a grande mídia internacional buscam uma
campanha para deslegitimar as eleições de 2024. Alguns países se recusaram a
reconhecer a reeleição de Maduro. Isso levou a disputas diplomáticas, por
exemplo, com a Argentina e o Peru.
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Revoluções Coloridas
O que estamos
testemunhando é uma reminiscência de várias chamadas “revoluções coloridas”, um
eufemismo para golpe de estado. Foi o caso na Geórgia em 2003, na Moldávia em
2009, em 2014 com “Euromaidan” na Ucrânia e no início de 2022 no Cazaquistão
(embora sem sucesso) – tudo com a ajuda dos EUA e da UE. A tentativa do
Ocidente de influenciar as eleições na Bielorrússia em 2020 falhou. Os maus
perdedores rejeitaram a reeleição de Lukashenko como uma “fraude” e declararam
a líder da oposição Sviatlana Tsikhanouskaya a presidente “legítima”. Não
poderia ser mais embaraçoso, mas os EUA e a UE não são facilmente persuadidos a
deixar que outros países resolvam seus próprios problemas. Eles continuam a
perseguir uma política externa imperialista – e não aprenderam nada com seus
fracassos.
·
A questão da
legitimidade
Todas as formas de
governo dependem da legitimidade. No Sacro Império Romano da Nação Germânica, a
eleição de um imperador era um grande problema até que o Imperador Carlos IV
aprovou a Bula de Ouro de Praga em 1356. Napoleão, que em 1806 aboliu o Sacro Império
Romano de mil anos, não tinha legitimidade. Ele chegou ao poder em 1798 por
meio de um golpe contra o Diretório francês pós-Robespierre e se coroou
imperador em Notre Dame em 1804 na presença do Papa Pio VII. Napoleão era um
megalomaníaco, um espadachim, um oportunista, um agressor sem qualquer
legitimidade. Infelizmente, alguns livros históricos e jornalistas ainda
elogiam esse usurpador e o tornaram um herói, embora ele tenha envolvido toda a
Europa em inúmeras guerras e seja responsável por centenas de milhares de
mortes.
Hoje, Volodymyr
Zelensky também não tem legitimidade. Primeiro, ele foi eleito em 2019 como
candidato pela paz. Ele enganou seus eleitores porque só buscou confronto e
guerra. Seu mandato como presidente expirou em maio de 2024, mas nenhuma nova
eleição foi realizada. Ele continua a governar sem legitimidade democrática.
Isso é tacitamente aceito pela mídia ocidental. Zelensky renunciou à eleição em
2024 prevista na constituição ucraniana. Ele exerce poderes ditatoriais e
permanecerá como presidente na ausência de eleições. Em comparação, Maduro
conduziu uma campanha eleitoral pacífica, e 60% da população foi às urnas.
·
Em quem podemos
confiar?
Em questões altamente
políticas, mentiras são frequentemente contadas. Em que e em quem podemos
confiar? Devemos sempre acreditar nos pronunciamentos de nossas autoridades
governamentais? Devemos levar os relatórios oficiais de nossos governos ao pé
da letra? Eu mesmo não sei se o CNE venezuelano é confiável. Também não sei se
a decisão da Suprema Corte venezuelana é confiável 100%. Também devemos ter
dúvidas em outras áreas porque não sabemos exatamente o que realmente
aconteceu. Em muitos casos, a mídia nos enganou e nos disse apenas meias
verdades. Isso também pode ser visto nas reportagens sobre as guerras de Gaza e
Ucrânia. Um exemplo atual de manipulação e distorção da mídia é a narrativa em
torno da explosão do gasoduto Nordstream II. Por que a mídia tenta nos fazer
acreditar na fantasia absurda dos EUA-Ucrânia-Polônia de que o Nordstream II
foi explodido por seis homens da Ucrânia e da Polônia? Esta não era uma tarefa
para amadores. A narrativa da mídia entra em colapso quando colocada ao lado da
pesquisa de Seymour Hersh e do professor Jeffrey Sachs, que delinearam os
enormes requisitos técnicos e a expertise necessária para tal empreendimento.
Estou convencido pelo cenário: os EUA — talvez com alguma ajuda da Noruega ou a
cumplicidade da Suécia — realizaram este ataque. Na coletiva de imprensa em
Washington após a visita de Olaf Scholz aos EUA em fevereiro de 2022, antes da
invasão da Ucrânia pela Rússia, Joe Biden disse inequivocamente que se a Rússia
atacasse a Ucrânia, o gasoduto não existiria mais. Os EUA anunciaram que o
encerrariam.
Quem ainda acredita
que John F. Kennedy foi baleado apenas por Lee Harvey Oswald? O relatório
oficial dos EUA sobre o assassinato de JFK é um ultraje. Quem acredita que o
ataque às Torres do World Trade Center em 11 de setembro de 2001 foi realizado
apenas pela Al Qaeda? O relatório oficial dos EUA está cheio de buracos e
contradições. Quem acredita que a Suprema Corte dos EUA decidiu corretamente
sobre as eleições de 2000 nos EUA? Quem acredita no sistema de justiça
britânico no caso Julian Assange? Quem acredita no sistema de justiça dos EUA
na questão da prisão ilegal do diplomata venezuelano Alex Saab? Quem acredita
nas narrativas sobre a prisão de Pavel Durov? Sempre se pode ter dúvidas sobre
as decisões judiciais. Mas o que não está em dúvida é o fato de que nossa
repetida interferência nos assuntos internos da Bielorrússia, Cazaquistão,
Cuba, Líbia, Nicarágua, Síria, Venezuela etc. constituem violações grosseiras
da Carta da ONU e de vários princípios do direito internacional.
Fonte: Counter Punch
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