Brasil pode perder o Pantanal até o fim do
século se tendências não forem revertidas, diz Marina Silva
A ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva, afirmou nesta quarta-feira (4) que o Brasil pode perder
o Pantanal por completo, até o fim deste século, se o mundo não for capaz de
reverter o cenário de aquecimento global.
Marina participou de
uma sessão da Comissão de Meio Ambiente do Senado nesta quarta para falar sobre
as queimadas e a estiagem prolongada que atinge a maior parte do país – com
prejuízo maior ao Pantanal e à Amazônia.
"Segundo os
pesquisadores, se continuar o mesmo fenômeno em relação ao Pantanal, o
diagnóstico é de que poderemos perder o Pantanal até o final do século. Isso
tem um nome: baixa precipitação, alto processo de evapotranspiração, não
conseguindo alcançar a cota de cheia, nem dos rios nem da planície
alagada", explicou Marina.
"E portanto, a
cada ano se vai perdendo cobertura vegetal. Seja em função de desmatamento ou
de queimadas. Você prejudica toda a bacia e assim, segundo eles
[pesquisadores], até o final do século nós poderemos perder a maior planície
alagada do planeta", continuou.
<><> Mais
esforços e mais orçamento
Na audiência com
senadores, a ministra do Meio Ambiente que, diante dos dados, será preciso
ampliar — cada vez mais — os esforços e recursos de combate a consequências das
mudanças climáticas. Marina mencionou altas orçamentárias em relação ao governo
de Jair Bolsonaro (PL) fez apelos a congressistas para “quem quiser contribuir”
com recursos à pasta.
A ministra defendeu,
ainda, que o Congresso crie um marco regulatório de emergência climática, que
exclua da meta fiscal do governo federal os recursos gastos nessas condições.
“Se tenho que agir
preventivamente, como é o entendimento de Vossas Excelências e nosso, tenho que
ter cobertura legal para isso”, afirmou.
Marina avaliou que o
governo vive um “paradoxo” com cobranças simultâneas de investimento em medidas
de combate ao incêndio e em empreendimentos que são “altamente
retroalimentadores do fogo”.
Ela não especificou
quais investimentos seriam esses, mas, em outro momento de sua participação,
rebateu críticas sobre seus posicionamentos contrários a obras de infraestrutra
e exploração mineral, como a margem equatorial.
“Nós temos condições
de fazer esse enfrentamento com os meios que dispomos? Vamos ter que ampliar
cada vez mais o nosso esforço. Ao mesmo tempo somos cobrados que tenha-se
medidas para fazer medidas de combate ao fogo e, ao mesmo tempo, somos cobrados
para que se faça investimentos que são altamente retroalimentadores do fogo. É
um paradoxo. Não preciso citar aqui os empreendimentos”, declarou.
• O impacto do fogo nos animais do
Pantanal
Após a onda de
incêndios que atingiu o Pantanal no início de agosto, profissionais do Onçafari
encontraram a onça Gaia, de 11 anos, carbonizada.
"Foi uma das
cenas mais difíceis e cruéis que presenciei na vida, arrasando não só meu
coração como de toda a equipe", descreveu o biólogo e guia Marcos Ávila.
A preocupação então
recaiu sobre o paradeiro da filhote dela, Malala. No dia 21 de agosto, ela foi
avistada. Havia sobrevivido e brincava solitária com um peixe em uma pequena
poça de água enlameada.
Os incêndios no
Pantanal estão causando a morte de onças, como a Gaia, além de inúmeros outros
animais.
Especialistas alertam
que será muito difícil estimar a quantidade de macacos, cotias, tamanduás,
cobras, jacarés, lagartos, entre tantos outros, que foram mortos queimados.
Os que sobrevivem,
como Malala, devem enfrentar um cenário com menos recursos, tanto da flora
quanto da fauna, além dos reflexos de uma seca severa. Tudo isso coloca em
risco indivíduos e espécies, muitas delas ameaçadas de extinção.
Em 2020, quando a pior
tragédia causada pelo fogo atingiu o Pantanal, um estudo calculou que cerca de
17 milhões de vertebrados morreram. Neste ano, os incêndios, que começaram mais
cedo, podem atingir uma área ainda maior devido à seca e às mudanças climáticas.
Até agora, de acordo
com dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (Lasa-UFRJ), a área queimada é de cerca de 2,4
milhões de hectares, aproximadamente 16% do bioma.
• "O bicho que você imaginar, nós
achamos carbonizados"
No fim de julho, um
caminhão atolou na areia em Nhecolândia (MS), a cerca de 90 km de Corumbá (MS),
e pegou fogo. As chamas logo se alastraram devido à seca. Com os ventos, desceu
ao sul, atingindo 80% da Caiman, uma propriedade de 53 mil hectares que abriga
organizações de conservação da biodiversidade como o Onçafari e o Instituto
Arara Azul.
Quando o ex-piloto
Mario Haberfeld fundou o Onçafari, há 13 anos, o fogo não era um problema. Em
2019, no entanto, o cenário mudou. Um grande incêndio atingiu a propriedade e
gerou preocupação. Desde então, empresários e moradores da região passaram a se
preparar para combater o evento extremo.
Nada adiantou desta
vez. "Nos outros incêndios, achávamos, infelizmente, cobras, lagartos e
alguns jacarés que não conseguiram fugir. Mas desta vez foi impressionante. Até
onça, macaco, tamanduá não conseguiu fugir. O bicho que você imaginar, nós achamos
carbonizados", contou Haberfeld.
Mesmo sendo um bicho
ágil e rápido, pelo menos três onças morreram carbonizadas: Gaia e dois
filhotes que foram encontrados em uma fazenda vizinha.
Outros três felinos da
mesma espécie foram resgatados com patas queimadas e problemas pulmonares:
Miranda e Antã estão sendo tratadas no Hospital Veterinário Ayty, em Campo
Grande (MS); e Itapira, no Instituto NEX, em Corumbá de Goiás (GO).
Até agora, segundo
dados do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, 577 animais silvestres
foram resgatados no Pantanal.
• Recinto das onças destruído
O fogo também atingiu
um recinto de 10 mil metros quadrados onde foi realizado, há oito anos, o
primeiro processo bem sucedido do mundo de reintrodução de onças na natureza.
Na época, duas filhotes, chamadas Isa e Fera, perderam a mãe e estavam
destinadas a passar a vida em cativeiro.
Isso porque as onças
aprendem a caçar com a mãe até cerca de dois anos de idade. "Tivemos que
criar protocolos, métodos para ensiná-las a caçar. E, para complicar um pouco,
sem que elas vissem os seres humanos", explicou Haberfeld. Após um ano de
treinamento, elas retornaram à natureza, onde procriaram e tiveram filhotes.
O Onçafari, que conta
com outras três bases no Pantanal, teve um prejuízo de R$ 2,5 milhões. Para
reconstruir o que foi perdido, lançou a campanha Recupera Pantanal. Além do
impacto financeiro e na vida dos animais, Haberfeld prevê outras consequências
de longo prazo.
Com a morte de tantos
animais que são alimento para as onças, é possível que falte comida aos
felinos. "Dessa vez o fogo atingiu tanto outros animais que não sei como
isso vai afetar a cadeia alimentar das onças", falou. Se isso acontecer,
elas podem caçar o gado da região, criando conflito com produtores rurais.
• Araras azuis em risco
A bióloga Neiva Guedes
descreveu o fogo que atingiu a Caiman como o pior em três décadas de Pantanal.
A presidente do Instituto Arara Azul acredita que a espécie pode voltar à
categoria ameaçada de extinção, da qual havia saído em 1994.
Na década de 1990, os
pesquisadores identificaram 60 ninhos naturais e instalaram outros 60
artificiais. "Nós duplicamos a capacidade de reprodução das araras,
tornando o local um centro de reprodução. Araras de outras áreas acabam vindo
para a Caiman para se reproduzirem", explicou.
A população de
araras-azuis começou a aumentar e se espalhar para outras regiões. Até que, em
setembro de 2019, um incêndio que durou 17 dias chegou a queimar ovos e
filhotes recém-nascidos. Nos anos seguintes, outros episódios com fogo
impactaram a vida das aves, com efeitos sentidos até hoje.
"As araras ficam
com baixa imunidade e um desenvolvimento mais lento. Ocorre um maior aumento de
lesões na pele, afeta os locais de alimentação, diminui a oferta de alimentos,
cresce a disputa por cavidades [onde são feitos os ninhos]. Enfim, os incêndios
afetam todas as relações", avaliou. Na região, atualmente, há cerca de 700
aves.
Neste ano, o fogo
chegou mais cedo, no início de agosto, quando 21 ovos tinham sido colocados
pelas aves, sendo que quatro foram queimados.
"Quando o fogo
chega, as araras-azuis voam. Se a ave está com um ovo, ela tenta ficar o máximo
que aguenta no ninho. Mas na hora que vem mesmo o fogo, ela sai. A gente nunca
encontrou aves adultas mortas", relatou.
Devido ao incêndio de
2024, somado com os eventos extremos dos anos recentes, Guedes acredita que as
aves voltem à categoria ameaçada de extinção – atualmente são consideradas
vulneráveis.
O pior problema neste
ano foi o impacto nas fontes de alimentação desta espécie. As araras-azuis
comem a castanha de duas palmeiras, a Acuri e a Bocaiúva. Com a maioria destas
árvores queimadas, Guedes disse que o instituto terá que oferecer a alimentação
por cerca de um ano e meio.
"Já chorei muito,
mas acho que sou forte e resiliente igual as araras", afirmou. "A
gente vem numa batalha para salvar, às vezes, um indivíduo, um filhote. É muito
dolorido quando acontece essa destruição em um ambiente que é um verdadeiro
oásis."
"Mas tenho que
agir o máximo que posso. Como as araras só sabem gritar, eu quero levantar a
voz por elas. Porque sei que ajudando elas eu estou ajudando a biodiversidade e
as pessoas que vivem no local ou mesmo nas cidades."
• Sede desafia a região transpantaneira
Além do fogo, os
animais convivem com a sede e a desidratação. Uma análise do grupo de Resposta
a Animais em Desastres (GRAD-Brasill) e do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio) constatou um quadro de falta de água em
diversos pontos da Transpantaneira, no Mato Grosso (MT).
O relatório, divulgado
em 6 de agosto, usou armadilhas fotográficas e monitoramento por helicóptero
para identificar possíveis fontes de água nas proximidades. O estudo mostrou
espécies endêmicas e ameaçadas de extinção como antas, macacos-prego-de-azara,
cervos-do-Pantanal, tamanduás-bandeiras e onças-pintadas disputando água em
locais com pouco líquido e muita lama.
"A gente propôs
fazer o fornecimento de água nesses pontos específicos onde tinha muitos
animais procurando água, ficando atolado na lama", disse Enderson Barreto,
médico-veterinário e diretor do GRAD-Brasil.
Em nota enviada à DW,
a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema) afirmou que
"monitora a Transpantaneira diariamente e até o momento não identificou a
necessidade de fazer a suplementação hídrica dos animais no local".
"A secretaria se
baseia em estudo técnico que evidencia que ao colocar água em locais mais
secos, neste período de fogo iminente, acaba criando possíveis armadilhas que
oferecem risco por serem áreas de maior probabilidade de incêndio florestal."
O Ministério Público
do Estado de Mato Grosso, que mediou uma reunião entre as duas visões
antagônicas, notificou à Sema "para que realize ações preventivas a fim de
minimizar os danos já suportados pela fauna silvestre local e garantir a sua
sobrevivência". Recomendou ainda o abastecimento de pontos sem água na
Transpantaneira.
"A situação está
alarmante e se agravando, e o governo do estado tem o entendimento de que não é
necessário fazer nenhum tipo de intervenção porque a seca é normal",
frisou o médico-veterinário e diretor do GRAD-Brasil. "A própria comunidade
local está ficando bem revoltada com a situação."
Fonte: g1/Deutsche
Welle
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