segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Bálcãs mostram que islã também é parte da história da Europa

Há mais de mil anos o islã está presente na Europa. Na Idade Média, a região de Andaluzia, no sul da Espanha, esteve por muito tempo sob sua influência. Mas foi nos países do sudeste europeu que a religião e a cultura islâmicas deixaram marcas profundas.

A identidade islâmica faz parte da Europa como o cristianismo e o judaísmo está presente nas sociedades do Oriente Médio e do Norte da África.

Isso é especialmente visível nos Bálcãs, aonde o islã chegou com a expansão do Império Otomano para o sudeste da Europa após 1453 e onde até hoje marca, em diferentes graus, países como Bósnia e Herzegovina, Albânia, Macedônia do Norte, Montenegro, Kosovo, Romênia e Bulgária.

Na Bósnia e Herzegovina, no Kosovo e na Albânia, muçulmanos são a maioria. Na Macedônia do Norte, perfazem um terço da população nativa. Muitos da etnia roma (grupo étnico minoritário ao qual as pessoas se referem, no Brasil, como ciganos) também seguem a religião.

A disseminação do islã nos Bálcãs foi um processo histórico complexo – não rápido ou violento, mas sim gradual, levando entre 100 e 150 anos, afirma o professor Mehmet Hacisalihoglu, da Universidade Ludwig-Maximilians em Munique. Os incentivos para a conversão ao islã eram mais de natureza econômica. Essa visão é hoje consenso entre pesquisadores.

Os otomanos não estavam primariamente interessados na expansão religiosa, e sim na extração de recursos dos países conquistados, como impostos e serviços, explica a professora emérita Gudrun Krämer no livro Geschichte des Islam (História do islã, em tradução literal).

Acima de tudo, os novos senhores estavam de olho nas terras e em ricas jazidas de ouro e prata para a produção de moedas. Conflitos tinham menos a ver com questões religiosas e mais com a luta dos povos subjugados por autonomia e preservação de suas identidades culturais.

<><> Nacionalistas veem islã como parte de estratégia de dominação

No entanto, até hoje há controvérsias sobre a expansão do islã nos Bálcãs. A forma como esse período histórico é visto e interpretado não é mera questão acadêmica: é crucial para a convivência entre os diferentes grupos religiosos e étnicos nos Bálcãs atualmente, principalmente diante de nacionalistas que veem a expansão do islã como parte de uma estratégia política de dominação.

Hacisalihoglu, contudo, vê mudanças positivas, com uma visão mais realista sobre o Império Otomano e a disseminação do islã. "Hoje, livros escolares na Macedônia do Norte e também na Sérvia apresentam de forma mais fiel esse processo de islamização", exemplifica.

No caso da Macedônia do Norte, que se tornou um país independente em 1991, um acordo firmado em 2001 prevê a representação adequada da história do país e de sua minoria islâmica, sem exageros nacionalistas.

<><> Pluralidade religiosa

O período otomano nos Bálcãs foi marcado por diversidade religiosa: cristãos católicos e ortodoxos, muçulmanos sunitas e judeus viviam lado a lado nas cidades. Os bairros eram em geral separados, mas as pessoas se encontravam na feira. Igrejas, sinagogas e mesquitas estavam muitas vezes a poucos metros de distância uma da outra – algo que é possível ver até hoje em Sófia, capital da Bulgária.

O chamado "sistema Millet" permitia uma "vida autônoma e independente" para todas as religiões, explica Hacisalihoglu.

"Os monoteístas não muçulmanos continuavam a desfrutar de um alto grau de autonomia dentro de uma ordem hierárquica dominada pelos muçulmanos sunitas", escreve Krämer.

Depois de 1870, a Rússia tentou tomar áreas nos Bálcãs, por razões que ainda são debatidas entre historiadores. O historiador britânico William Holt descreve esse processo como uma tentativa de "Reconquista nos Bálcãs", a exemplo do que fizeram os reinos cristãos da Península Ibérica ao expulsar os muçulmanos de terras que hoje pertencem a Portugal e Espanha. Outros especialistas atribuem a investida russa a razões políticas e econômicas.

A tentativa russa de tomada dos Bálcãs acabou falhando principalmente por causa do Império Austro-Húngaro. Em 1878, a Áustria ocupou a Bósnia e reconheceu oficialmente a comunidade muçulmana. Ali, a dinastia dos Habsburgo criou uma organização muçulmana a exemplo da igreja cristã austríaca e o cargo de reisu-l-ulema, liderança religiosa que até hoje segue sendo o maior representante dos muçulmanos bósnios.

Desde então, um Islã com um longo histórico de convivência com outras religiões e etnias em um Estado secular pôde se estabelecer na Bósnia.

<><> Bósnia: islã em um país secular

Entre as particularidades da vida islâmica bósnia estão visões liberais sobre a proibição do álcool e a prática do jejum, bem como uma grande abertura para outras religiões e modos de vida.

A prática da poligamia, comum em alguns países árabes, praticamente não ganhou espaço na Bósnia. Diferentemente da Península Arábica ou do Egito, correntes islamistas e wahabitas eram praticamente desconhecidas nos Balcãs. Isso mudou com a Guerra da Bósnia (1992-1995), quando os muçulmanos, que se autodenominam bosníacos, foram perseguidos e mortos por nacionalistas sérvios e croatas, culminando no genocídio de Srebrenica.

desintegração da Iugoslávia e a Guerra da Bósnia acentuaram as fronteiras entre etnias e religiões. Juridicamente, Estado e religião são separados em todos os países do Balcãs. Mas durante e após a guerra, a religião tornou-se um fator político e de identidade mais forte.

Mesmo assim, em comparação com o Oriente Médio ou as metrópoles da Europa Ocidental, as posturas liberais do islã nos Bálcãs e sua forte rede de relações sociais tornam essa vertente da religião mais resiliente contra tendências radicais e

As raízes da Europa também são islâmicas

Muçulmanos, cristãos e judeus convivem no sudeste europeu há séculos. Apesar disso, até hoje a Europa reluta em ver os muçulmanos dos Bálcãs como parte do continente. Eles seriam os "outros", de acordo com o autor britânico-paquistanês Tharik Hussain, que atribui essa visão ao fato de muitos muçulmanos na região terem vivido sob domínio otomano.

"Os otomanos eram vistos como inimigos da Europa cristã-ocidental, que deu origem à identidade europeia moderna", explica Hussain no livro Minarets in the Mountains: A Journey into Muslim Europe (Minaretes nas montanhas: uma jornada à Europa muçulmana, em tradução livre). "Essa identidade inclui também uma postura anti-muçulmana, que é parte do DNA da Europa."

Essa visão faz de "muçulmano" e "europeu" duas categorias identitárias mutuamente excludentes. Mas a história do islã nos Bálcãs mostra que as raízes da Europa são cristãs, judaicas e islâmicas.

 

¨      30 anos depois, marcas dos Aliados ainda estão em Berlim

As tropas da coalizão que derrotou Adolf Hitler na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) passaram quase meio século estacionadas na Alemanha.

Tudo começou em 8 de maio de 1945, o dia da capitulação incondicional do Terceiro Reich ante as forças aliadas. Era o fim de um dos piores conflitos da história, que custou pelo menos 60 milhões de vidas e fora provocado pelos nazistas.

Pouco tempo depois, em 2 de agosto daquele mesmo ano, a Alemanha foi dividida em quatro zonas pelas potências vencedoras. Os Estados Unidos, o Reino Unido e a França ficaram com o lado ocidental do país, e a União Soviética, com o oriental; o primeiro deu origem em 1949 à República Federal da Alemanha (RFA), enquanto o segundo virou a República Democrática Alemã (RDA) – uma ditadura comunista que de democrática só tinha o nome.

<><> Uma Berlim dividida em quatro setores

A antiga capital do Reich nazista também foi dividida em quatro setores entre os Aliados, e já naquele momento começaram a crescer as tensões entre as potências vencedoras da guerra.

Da aliança militar forjada por conveniência surgiram dois campos inimigos: o democrático, dos aliados do Ocidente, e o comunista, da União Soviética. E é em Berlim que essas tensões afloraram com mais intensidade, com o bloqueio soviético dos setores ocidentais em junho de 1948. O objetivo: assumir o controle de toda a cidade.

<><> A ponte áerea que salvou Berlim Ocidental

Estados Unidos, Reino Unido e França reagiram ao bloqueio com a lendária ponte aérea de Berlim.

Para garantir a sobrevivência dos 2,2 milhões de cidadãos nos setores ocidentais, aviões abasteciam a cidade com todo tipo de suprimentos: alimentos, remédios, combustível, carvão para manter as casas aquecidas. Os aviões foram carinhosamente apelidados pelos berlinenses de Rosinenbomber, ou "bombardeiros das passas" – uma alusão aos pacotes cheios de guloseimas lançados por soldados americanos sobre a cidade antes do pouso, e que faziam a alegria das crianças.

Acidentes aéreos e outros infortúnios associados à ação mataram cerca de 100 pessoas – as vítimas são lembradas no Memorial da Ponte Aérea (Luftbrücken-Denkmal) no antigo aeroporto de Tempelhof, onde aterrissavam parte dos aviões dos aliados.

A ponte aérea durou até o fim do bloqueio, em maio de 1949. A história dessa façanha logística é contada na exposição permanente do Museu dos Aliados (Alliierten-Museum), no antigo setor americano.

<><> Um cinema para soldados que virou museu

O próprio imóvel que abriga o Museu dos Aliados é histórico: ali ficava o cinema Outpost, que atendia soldados americanos. E a alameda onde está situado o museu, a Clayallee, é uma homenagem ao organizador da ponte aérea, o general americano Lucius D. Clay.

<><> Checkpoint Charlie: um ímã de turistas

Há ainda o mundialmente famoso Checkpoint Charlie, antigo posto militar na fronteira entre Berlim Ocidental e Oriental.

Hoje ele é parada obrigatória para quem visita Berlim. Muitos se deixam fotografar diante da réplica – o original está no Museu dos Aliados.

Erguido após a construção do Muro de Berlim em 13 de agosto de 1961, era por ali que militares das forças aliadas e diplomatas transitavam livremente entre os dois lados da cidade. Naquela época, o local chegou a ser cenário de um impressionante confronto entre tanques de guerra americanos e soviéticos.

<><>Tanques e túmulos ao lado do Portão de Brandemburgo

E por falar em tanques, há alguns deles espalhados por Berlim.

Um está posicionado em frente ao Museu Berlim-Karlshorst, no antigo setor soviético. O ponto alto da exposição permanente é o Salão da Capitulação (Kapitulationssaal), onde foi selado o fim da Segunda Guerra em 8 de maio de 1945.

O Memorial de Guerra Soviético ao lado do Portão de Brandemburgo também está cercado por tanques. Ali também estão enterrados ao menos 2 mil soldados do Exército Vermelho que caíram na Batalha de Berlim, travada entre 16 de abril e 2 de maio de 1945.

O aeroporto militar de Gatow, no antigo setor britânico, é outra lembrança da presença aliada. A Força Área Real esteve estacionada ali até a saída definitiva das tropas, em 8 de setembro de 1994. Hoje, o local está sob proteção do patrimônio histórico e abriga o Museu das Forças Armadas alemãs (Museum der Bundeswehr).

<><> Em Tempelhof e Tegel os aviões já não pousam

Gatow não tem tráfego aéreo há muito tempo, assim como os outros dois aeroportos nos setores americano e francês que, naquela época, eram de uso militar e civil: Tempelhof e Tegel. Ali, hoje é possível se informar sobre a história cheia de reviravoltas dos aliados.

Uma atração especial deve voltar a ser exibida em novembro deste ano, após passar por restauração: a réplica em madeira da Torre Eiffel, com 13 metros de altura, que decora a entrada do Centro Francês, no bairro de Wedding. A instituição cultural foi inaugurada em 1961 e hoje se dedica à promoção da amizade franco-alemã.

<><> Nomes de rua lembram o passado

Faz 30 anos que os últimos soldados das forças aliadas da Segunda Guerra deixaram Berlim. Parte das casernas que deixaram para trás são hoje usadas pelas Forças Armadas alemãs.

A herança dos Aliados é visível principalmente em pontos históricos. Ainda assim, há outros rastros curiosos, que surpreendem principalmente os desavisados. Um desses lugares é a Cité Foch, um antigo conjunto habitacional no distrito de Reinickendorf que era usado por militares franceses. Ali, o passado continua vivo nos nomes das ruas: Avenue Charles de Gaulle, Place Molière, Rue Montesquieu.

 

¨      Intensificação de incursões israelenses na Cisjordânia prejudica o acesso da população a cuidados médicos, alerta MSF

Incursões militares em larga escala lançadas pelas forças israelenses na Cisjordânia, na Palestina, e os repetidos ataques dos militares israelenses a profissionais de saúde, ambulâncias e instalações médicas estão prejudicando gravemente a capacidade das pessoas de ter acesso a cuidados médicos.

As incursões israelenses, que começaram nas primeiras horas de 28 de agosto, também causaram danos em larga escala à infraestrutura rodoviária, a redes de eletricidade e abastecimento de água, prejudicando seriamente a capacidade de Médicos Sem Fronteiras (MSF) de realizar atividades médicas nas cidades de Jenin e Tulkarm.

“Há um acesso médico muito limitado na cidade de Tulkarm e em seus acampamentos de refugiados, e os danos à infraestrutura são enormes”, alerta um integrante da equipe de MSF. “É quase impossível alcançar as pessoas que precisam de cuidados. Essas incursões não são anunciadas. As pessoas ficam totalmente despreparadas. Entre outras questões, mães nos relataram que não têm comida suficiente para seus bebês. Os moradores se sentem presos e isolados.”

As equipes médicas de MSF foram forçadas a suspender suas atividades nas cidades de Tulkarm e Jenin desde o início das recentes incursões.

“Nossa equipe está atualmente com movimentação e capacidade de fornecer apoio direto à população restritos”, relata Caroline Willemen, coordenadora do projeto de MSF. “Só conseguimos fornecer primeiros socorros psicológicos de emergência em Tulkarm e fazer uma doação [de suprimentos médicos, leite para bebês e fraldas] em Jenin. As incursões precisam parar, e o acesso irrestrito à saúde deve restaurado o mais rápido possível.”

Em Hebron, as forças israelenses bloquearam o acesso dentro e fora da região, impedindo que as equipes de MSF administrassem clínicas móveis e apoiassem nossa maternidade localizada fora da cidade. Em Hebron, a clínica de MSF está em funcionamento, mas, segundo relatos, os bloqueios e a sensação de insegurança impedem que os pacientes acessem o local.

Em Jenin e Tulkarm, ambulâncias e profissionais de saúde têm sido repetidamente atacados, comprometendo seriamente as atividades médicas. Após oito dias de incursão, as necessidades estão crescendo, principalmente nos acampamentos. É necessário um aumento na resposta humanitária.

“Veículos israelenses blindados estão estacionados nas entradas do hospital Khalil Suleiman, apoiado por MSF, em Jenin, e a equipe da unidade de saúde está lutando para manter as atividades em meio à escassez de eletricidade e água”, diz Willemen.

Uma paramédica voluntária treinada por MSF relata que foi ferida enquanto prestava primeiros socorros a um paciente em um acampamento em Tulkarm. “Mesmo enquanto usava meu uniforme médico, fui atingida e fiquei ferida acima do olho e com ferimentos de estilhaços”, disse ela.

Segundo outro paramédico treinado por MSF, soldados israelenses entraram em sua casa e o ameaçaram. “As forças israelenses arrombaram minha porta. Eu os informei várias vezes que era voluntário de organizações médicas, mas eles me arrastaram para fora e chutaram minhas costas antes de apontar uma arma para minha cabeça”, relatou ele.

As recentes incursões na Cisjordânia são as mais intensas desde 2002. De 28 de agosto a 5 de setembro, 39 palestinos foram mortos e 140 ficaram feridos, de acordo com o Ministério da Saúde local. Esses ataques fazem parte de um amplo padrão de violência, que se deteriorou acentuadamente desde o início da guerra em Gaza. Mais de 652 palestinos foram mortos na Cisjordânia desde outubro de 2023.

MSF pede que civis, profissionais de saúde, ambulâncias, instalações médicas e hospitais sejam protegidos a todo custo. Como potência ocupante, as autoridades israelenses devem cumprir suas obrigações, de acordo com o direito internacional humanitário, de garantir o acesso desimpedido a cuidados de saúde e outros serviços essenciais na Cisjordânia.  

 

Fonte: Deutsche Welle/MSF Imprensa

 

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