domingo, 28 de maio de 2023

Segundo especialistas,  derrotas do governo no Congresso refletem dificuldade de Lula em formar coalizão

Nesta semana, uma comissão mista do Congresso Nacional aprovou um novo parecer para a Medida Provisória 1154/2023, que trata sobre a restruturação da Esplanada dos Ministérios.

O relatório retira atribuições dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, em mais uma ofensiva do Legislativo que demonstra a dificuldade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em conseguir que as pautas de seu governo sejam aprovadas no Congresso.

Com as dificuldades do governo petista em montar uma base parlamentar aliada, o Congresso Nacional tem cobrado do Palácio do Planalto uma reformulação da articulação política, com uma mais participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Lideranças parlamentares relataram à CNN que é preciso mais diálogo de outros integrantes do primeiro escalão do governo com senadores e deputados, pois o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, estaria sobrecarregado.

No WW de quinta-feira (25), o analista de política da CNN Caio Junqueira e o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, falaram sobre como o “poder” parece estar nas mãos do Legislativo, e não mais do Executivo.

“Quem passa a ter base nos últimos meses e nessa nova realidade política não é mais o Poder Executivo. Quem tem base ou não tem base, e quem avança com a agenda e tem o poder de fato é o Congresso Nacional. Não é mais ‘quantos deputados o governo Lula tem?’, é o contrário. É o governo Lula querendo se infiltrar no arranjo político do Congresso”, avaliou Junqueira.

“Tem uma mudança fundamental na estrutura de poder no Brasil. A transformação de um orçamento autorizativo em um orçamento impositivo mudou o pólo de poder do Executivo para o Legislativo. Hoje, o Legislativo não precisa mais negociar com o Executivo a liberação das emendas e isso faz uma diferença monumental”, comenta o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo. Ele falou sobre o assunto no programa WW nesta semana.

A cientista política Beatriz Rey, pesquisadora sênior do Núcleo de Estudos sobre o Congresso (Necon), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, aponta que o Legislativo vem se fortalecendo institucionalmente desde os anos 2000.

Ela cita a mesma mudança mencionada pelo economista José Márcio Camargo: as reformas que tornaram o repasse de emendas individuais e coletivas uma imposição para o Executivo.

“O Executivo perde o poder de barganha na liberação das emendas pra formação de base legislativa”, comenta a pesquisadora.

Além disso, ela diz que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) entregou aos presidentes da Câmara e do Senado o trabalho de intermediar e gerir uma coalizão parlamentar de base do governo. “Então, o Congresso sai do governo Bolsonaro muito mais fortalecido”, completa Rey.

A professora Graziella Guiotti Testa, da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getúlio Vargas (EPPG-FGV), concorda com ela: “Nos últimos quatro anos, essa intermediação do presidente da República com o Congresso foi feita pelo presidente da mesa [diretora].”

“A gente está em um momento em que o Arthur Lira [presidente da Câmara] não quer perder protagonismo de jeito nenhum, e o Lula segue querendo fazer essa negociação via partido”, diz Testa.

No entanto, ela não acredita que o fortalecimento do Legislativo seja duradouro, justamente por conta da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou a ilegalidade das emendas de relator, o principal instrumento utilizado pelo presidente da Câmara para gerir a relação entre o governo e o Congresso.

“Até agora ele se sustenta e se mantém porque ainda há emendas do ano passado que estão sendo executadas. Mas até quando ele vai conseguir distribuir esses recursos?”, fala Testa.

O professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (EBAPE-FGV) Carlos Pereira, no entanto, não acredita que tenham ocorrido grandes alterações institucionais que justifiquem uma mudança no balanço de poder.

Ele aponta como principal motivo das derrotas recentes do governo no Congresso outro fator, que ambas as especialistas também citaram como essencial: a dificuldade do governo Lula em formar uma coalizão parlamentar.

“Não é por falta de recursos que o governo Lula está enfrentando dificuldades. As dificuldades decorrem da decisão de montar uma coalizão com um número muito grande de partidos – 14 siglas. E partidos, esses, muito heterogêneos e distantes da preferência mediana agregada do Legislativo”, diz Pereira.

Graziella Guiotti Testa concorda e diz que a coalizão do governo não está formada e que Lula precisa dedicar mais tempo e atenção para construir sua base parlamentar.

Beatriz Rey aponta que parece faltar uma estratégia definida da parte de Lula. “A sensação que eu tenho é que a articulação política do governo ainda está capenga. Então, acho que o governo precisava […] de articulação política ali no chão do Legislativo.”

“Acho que o governo tem que passar por cima da ideia de que basta distribuir ministério, basta distribuir cargo, basta distribuir emenda. O governo tem que fazer uma articulação política contundente e constante para que não tenha situações como aconteceu essa semana, com a MP [dos ministérios]”, completa Rey.

 

       Padilha diz a portas fechadas que vai ser pior se mexer na MP de reestruturação do governo

 

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse, a portas fechadas, na reunião ministerial no Planalto, que vai ser pior se o governo insistir em renegociar com o Congresso o relatório da medida provisória que reestrutura o governo, conforme apurou a CNN.

Padilha abriu a reunião contando aos colegas que existe uma articulação no Congresso para deixar a MP caducar, o que seria catastrófico para o governo. Se isso ocorrer, o número de ministérios teria que ser reduzido dos atuais 37 para os 18 que existiam na gestão Bolsonaro.

Ele explicou ainda que existe uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) que impede que o governo federal edite duas MPs sobre o mesmo assunto no ano legislativo, o que tornaria o fato irreversível.

A reunião foi convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e contou com a participação das ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. As duas pastas foram as que mais perderam atribuições no relatório feito pelo Congresso.

Conforme pessoas que participaram da reunião, Padilha disse às colegas que portarias administrativas poderiam devolver as competências dos órgãos que estão sendo retiradas das suas pastas, contornando a situação, mas que era impossível, neste momento, brigar com o Congresso Nacional.

Durante a reunião, Marina Silva afirmou que permaneceria no governo para não enfraquecer a agenda ambiental, mas disse que tinha sofrido uma dura derrota no Congresso.

“Não foi uma picada de carapanã, mas uma ferroada de arraia”, comparou Marina, conforme apurou a reportagem. Carapanã é um mosquito típico da região Norte do país.

Em coletiva de imprensa, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse que o governo continuaria negociando com o governo o texto da medida provisória que reestrutura os ministérios.

 

       Marina Silva diz que permanência em ministério é decisão de Lula e falta em churrasco no Alvorada

 

A ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina Silva, trocou um churrasco oferecido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a auxiliares do primeiro escalão na noite desta sexta-feira, 26, por uma confraternização na casa do novo presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Mauro Pires. A semana termina com Marina tendo de explicar sua permanência no cargo após ver sua pasta esvaziada pelo Congresso com o apoio do governo.

Em entrevistas, Marina disse que cabe ao presidente Lula demitir ministros. "A primeira pessoa que diz quem fica e quem sai é o presidente Lula, que convida", afirmou Marina à CNN Brasil. "A melhor forma de ajudar o governo é estando dentro do governo, para viabilizar as políticas de combate ao desmatamento, desenvolvimento sustentável. Temos 19 ministérios com agenda do clima, bioeconomia", disse.

Os rumores de que Marina poderia sair do governo se deram por causa da aprovação do relatório da comissão mista que avaliou a MP dos Ministérios. Quatro parlamentares petistas votaram a favor do texto, que retira da competência da pasta de Marina a gestão da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Cadastro Ambiental Rural (CAR). O Ministério dos Povos Indígenas, de Sônia Guajajara, perde a demarcação de terras para a pasta da Justiça, de Flávio Dino, caso o relatório seja aprovado em plenário.

A respeito do Congresso, a ministra disse que há "uma situação delicada, em que há uma maioria de parlamentares que gostaria de reeditar a estrutura e as políticas do governo anterior", e reiterou que o governo Lula é "de frente ampla, e a frente ampla tem suas contradições".

Na quinta-feira, 25, Lula discursou na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na capital paulista, e minimizou o episódio. "Tem dias que a gente acorda com notícias parecendo que o mundo acabou. Eu fui ver o que estava acontecendo, era a coisa mais normal", disse o presidente a empresários, ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do vice-presidente Geraldo Alckmin. No dia seguinte, encontrou as ministras no Palácio do Planalto e marcou a confraternização no Alvorada.

Ainda durante viagem ao G-7, no Japão, Lula já havia sinalizado que poderia contrariar Marina a respeito da negativa do Ibama em conceder uma licença para a Petrobras perfurar jazidas de petróleo na foz do Rio Amazonas. O projeto colocou a titular do Meio Ambiente em rota de colisão com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, como mostrou o Estadão.

Sobre a MP dos Ministérios, Marina diz há esforço para manter a estrutura do governo, conforme definido por Lula. "Uma vez eleito, (o governo) tem o direito de estabelecer as estruturas para fazer sua gestão. Há um esforço muito grande para manter a medida provisória", disse a ministra. "A frente ampla tem suas contradições", afirmou.

A ministra não deu detalhes sobre a conversa que teve com o presidente, mas sinalizou apoio ao petista. Questionada sobre a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP-30, Marina respondeu que o fato de o evento de 2025 ser realizado em Belém do Pará "é uma vitória do presidente Lula".

•        Confraternização

Lula convocou os ministros para um churrasco na residência oficial da Presidência, retomando uma prática de suas gestões anteriores. O gesto é uma tentativa de abrandar o clima. Em entrevista à GloboNews, Marina justificou a ausência por estar na casa do novo presidente do ICMBio, onde também ocorria uma comemoração. De acordo com Marina, o convite para a festa na casa de Pires fora feito antes.

"Neste momento estou falando aqui na casa do Mauro Pires, que é novo presidentedo ICMBio, que também tinha feito aqui uma confraternização. E essa confraternização já estava combinada com todos os nossos servidores, celebrando que voltou o comitê de busca para escolha do presidente do ICMBio, que foi uma ação feita pelo presidente Lula, garantindo que a gestão das unidades de conservação não ficariam à mercê de indicações políticas", afirmou a ministra.

Como mostrou a Coluna do Estadão, causou estranhamento no Congresso o fato de Lula não ter convidado os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). É justamente com o Legislativo com quem Marina trava a atual batalha. Desde o primeiro mandato, os churrascos são disputados entre autoridades e eram vistos como momento em que o presidente costumava distensionar relações.

 

Fonte: CNN Brasil/Agencia Estado

 

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