segunda-feira, 29 de maio de 2023

Eduardo Meira: Os bastidores da República de Curitiba

Na manhã de 24 de maio de 2016, a operação Lava Jato deflagrou sua 30ª fase, denominada Vício. Um dos alvos era a Construtora Credencial, que prestava consultoria a empresas fornecedoras de tubos à Petrobras. Segundo as investigações conduzidas pelos procuradores então liderados por Deltan Dallagnol, a Credencial era uma empresa de fachada e intermediava pagamento de propina em dois contratos com a estatal, beneficiando José Dirceu. 

À época foram cumpridos dois mandados de prisão preventiva contra os sócios da Credencial, Eduardo Aparecido de Meira e Flávio Henrique de Oliveira Macedo. Sete anos depois, Meira conta com exclusividade ao GGN os bastidores dos 288 dias em que ficou detido no Paraná, sofrendo e assistindo pressão indevida para que os réus fizessem delações seguindo o script da Lava Jato.

·         Curitiba, o lugar “onde a Justiça é feita”

Meira foi preso em maio de 2016, em um dos seus endereços na cidade de Sumaré, interior de São Paulo. Ele foi levado para a sede da Polícia Federal (PF), em Curitiba, conhecida como o QG da Lava Jato. 

“Nunca vou esquecer da minha ida para lá. Eu fui atrás [no carro], a delegada do meu lado com uma arma apontada para mim, calibre .45. Quando passou a placa da fronteira com São Paulo, essa delegada, uma loira de olho azul, eu não sei o nome dela, olhou e falou para os outros dois [policiais]: ‘ainda bem que nós chegamos em Curitiba, lugar onde a Justiça é feita. Foi a única palavra que eles trocaram durante uma viagem inteira“, conta Meira.

Fora do seu estado de origem e sem audiência de custódia, Meira ficou preso preventivamente por 288 dias. Em março de 2017 foi julgado em primeira instância e cumpriu 126 dias de remissão.

Já em outubro de 2017, a STF considerou ilegal e desnecessária a prisão preventiva de Meira, ao conceder Habeas Corpus. Contrários ao relator do caso, o ministro Edson Fachin, os decanos Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes lembraram do princípio constitucional da presunção da inocência na decisão.

Entre 67 dias na estrutura carcerária da superintendência da PF de Curitiba e os demais dias no Complexo Médico Penal do Paraná (CMP), Meira assistiu e foi vítima de diversas ações de tortura psicológica que tinham um claro objetivo, segundo ele: o acordo de delação premiada.

“Quando eu estava na carceragem da Polícia Federal, eu podia observar. Nós ficávamos no 1º andar. No 2ºandar tinha uma sala especial para o jornalista Fausto Macedo, do Estado de S. Paulo. Ele sabia tudo antes de todo mundo. Aí a pessoa subia para fazer delação, depois que chorava todas as lágrimas que tinha, não aguentava a pressão familiar, com dias, semanas , meses passando [sem perspectiva de sair se não delatar]”, explica o empresário. – Eduardo Meira, preso na 30ª fase da Lava Jato

Sob pressão, o preso assinava roteiros com versões pré-estabelecidas pela própria força-tarefa.

“Depois eles [da força-tarefa] entregava à pessoa uma folha e falavam: pensa nesses nomes aqui também e se você lembrar [de algo], nós chamamos você de novo. A pessoa descia [para a cela] totalmente desestruturada e chorando. Deixavam essa pessoa lá duas ou três semanas e subiam de volta, aí já com um relatório pronto e a pessoa só assinava, entendeu?“, relembrou.

Quem aceitava o acordo de delação proposto pela força-tarefa, recebia “regalias” em comparação aos demais presos.

“Se fizer delação, você vai para a ala VIP da carceragem da PF, onde tem geladeira, micro-ondas, tudo. Você não vai fazer delação? Então você fica na área mais pesada. É assim, apesar de não ter nada a reclamar [do ambiente]“.

– Eduardo Meira, preso na 30ª fase da Lava Jato

·         Palocci delatou para não matar o amigo na prisão

Um dos casos mais chocantes, cujos bastidores são revelados por Eduardo Meira, envolve a delação do ex-ministro Antonio Palocci, uma das mais importantes da Lava Jato, usada em condenações do ex-presidente Lula.

A delação de Palocci foi obtida também por meio de pressão psicológica, de acordo com Meira, que compartilhou a cela com o sócio de amigo do ex-ministro, Branislav Kontic, que também foi preso preventivamente por Sergio Moro.

“O Palocci fez delação em cima da tortura do sócio. Na verdade, o meu caso é muito sério, mas é importante entender que o que mudou a história da nossa República e toda a catástrofe que a gente sabe, foi a delação do Palocci. E por que o Palocci fez aquela delação, naquela hora e daquela forma? Porque o sócio dele tentou o suicídio dentro da PF“, lembrou Meira.

A tentativa de suicídio de Branislav, à época, foi divulgada na grande mídia. Mesmo com o episódio, os procuradores de Curitiba insistiram em mantê-lo preso, enquanto a defesa apontava necessidade de transferência para prisão domiliciar.

“Então o [Palocci] estava sob pressão da mulher do Branislav e da esposa dele. E ele tinha a escolha dele: matar um amigo ou delatar um ex-presidente. Eu sei disso porque o Branislav ficou na cadeia comigo, na minha cela, quando saiu do hospital. Tiraram 62 comprimidos de Zolpidem do estômago dele. Ele desmaiou. Levaram ele para o hospital. Ficou 10 dias e depois ele foi para o CMP [complexo médico penal], para a minha cela“, pontuou.

“A tortura na Lava Jato, ela não foi só psicológica. Nesse caso concreto, ela foi física“, disparou Meira.

·         Irmão do procurador Diogo Castor pressiona por delação

Os conflitos ilegais envolvendo a prisão preventiva de Meira – desnecessária, pois se deu em 2016, sob alegação de que era preciso investigar fatos de 2012 – e a pressão para um acordo de cooperação, foram atravessados, ainda, por outro ingrediente conhecido na Lava Jato: a indústria da delação.

Quando foi preso e levado para Curitiba, Meira dispunha de advogados em São Paulo. Estes defensores, segundo o relato de Meira ao GGN, trouxeram para a defesa o advogado Rodrigo Castor de Mattos e a irmã Analice Castor de Mattos, sob a justificava que “eram especialistas em Sérgio Moro“.

Meira afirmou que só descobriu que Rodrigo Castor de Mattos era irmão do procurador Diogo Castor de Mattos, da Lava Jato, quando saiu da cadeia. Ali, ele percebeu que, na prática, “não teve defesa“.

“Em setembro de 2016, um advogado chegou acompanhado do sócio no parlatório da Polícia Federal. O nome desse advogado é Rodrigo Castor de Mattos. O que estava acompanhando, o sócio dele, era Juliano Campelo Prestes. Eles vieram me propor que eu fizesse delação, se não… eu não saia de lá! Essa era a pressão total psicológica, uma tortura configurada, porque é bem diferente de uma pessoa que tem uma condenação e sabe a data que vai sair da prisão, mas preso preventivamente não sabia quando sairia. Quando me propuseram [ a delação], eu comecei gritar, não conhecia eles, e se apresentaram como meus advogados“, relatou Meira.

Mesmo sem concordar com a proposta de delação, Meira continuou sendo representado por Rodrigo Castor de Mattos e outros advogados paulistas em recursos no TRF-4, pelo menos. Dois advogados foram procurados pelo GGN, mas um deles pediu para que seus nomes não fossem divulgados, e ambos se recusaram a comentar a sociedade com Rodrigo Castor de Mattos e o fato de que ele é irmão de um procurador que acusava seu cliente.

Após perceber o conflito de interesses, situação que já ocorreu em outros casos da Lava Jato, Meira, por meio do advogado Túlio Bandeira, protocolou uma representação na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que sugere que, “além da infração ética”, Rodrigo Castor de Mattos “poderia incorrer também em crime de patrocínio infiel“.

·         Reclamação ao Supremo

Atualmente, a defesa de Eduardo Meira tenta derrubar sua condenação no Supremo Tribunal Federal, no âmbito da Reclamação 43007, onde as mensagens da Operação Spoofing foram cedidas à defesa de Lula e usadas para anular outras ações penais.

Meira pede acesso às mensagens da Vaza Jato ao Supremo, alegando que os diálogos de Telegram guardam evidências de que o procurador Diogo Castor de Mattos fora destacado por Deltan Dallagnol para cuidar da denúncia envolvendo a empresa Credencial. O conflito de interesse seria gritante, já que o advogado de Meira era o irmão de Diogo Castor.

“Quando eu saí da cadeia, fiquei lendo tudo o que aconteceu na Lava Jato. Em uma noite, encontrei um texto. O procurador Deltan Dallagnol está designando as funções para os procuradores. No final deste parágrafo, lá embaixo, escrito em meia linha que foi cortada, está: Diogo assumiu Credencial – que era minha empresa. Tinham dois irmãos: um me defendendo e outro me atacando“, apontou.

·         Não posso morrer antes de falar a verdade

Ao longo de 1 hora e 20 minutos de entrevista, Eduardo Meira fez longos desabafos sobre a situação vivida com a prisão e após ela. O empresário, que teve problemas de saúde relacionados ao coração no ano passado, afirma que não poderia deixar de contar sua versão dos fatos.

“Minha preocupação maior é morrer e não falar a verdade. O que aconteceu em Curitiba foi um zoológico humano“.

Ele usou a expressão “zoológico” ao lembrar de como os presos da operação se sentiram quando Sergio Moro autorizou que atores globais visitassem suas celas, fazendo perguntas invasivas, com o intuito de desenvolver as personagens que apareceram no filme Polícia Federal: A Lei é Para Todos – uma ode à Lava Jato.

“Lá a gente tinha medo até com a segurança da nossa família. A gente só queria um lanche com a família. Nós ficamos numa situação onde a comida era digna, o ambiente era digno, mas a tortura psicológica existia, porque você não sabia o que ia acontecer com você, entendeu?“, finalizou.

 

Ø  Para salvar Moro e Dallagnol da delação de Tacla Duran, Malucelli passa por cima da Suprema Corte

 

A Lava Jato, como todos com o mínimo de honestidade intelectual sabem bem, era em essência uma fábrica de narrativas que, acima de tudo, dependia da conivência e parceria da mídia para se fortalecer e prosperar.

Não foram raras as vezes em que o lavajatismo, irremediavelmente autoconfiante, afrontou quem estava no andar superior com medidas desesperadas e heterodoxas, para proteger a si e aos seus interesses.

Toda nova história cabeluda que brota na Lava Jato – como esse último lance, envolvendo o afastamento de Eduardo Appio da 13ª Vara de Curitiba – merece sempre revisão cuidadosa.

Sergio Moro e Marcelo Malucelli, com apoio de um colegiado do TRF-4, estão tecendo a narrativa de que Appio ligou para o filho do desembargador, João Eduardo Malucelli, a fim de constrangê-lo e ameaçá-lo. Abriu-se oficialmente a temporada de caça ao juiz Appio.

A motivação de Appio, segundo seus desafetos, seriam as correições parciais em que Malucelli, provocado pelo procurador Walter José Mathias Júnior, tenta contornar decisão do STF que suspendeu ações penais contra Rodrigo Tacla Duran ou mesmo revisar as decisões tomadas por Appio nestes processos.

Appio é o primeiro juiz que entra na 13ª Vara sem rabo preso com o lavajatismo e com coragem de passar a operação a limpa.

Talvez o maior erro de Appio tenha sido mexer numa das maiores feridas – ou medos – de Moro e Deltan Dallagnol: o depoimento de Tacla Duran.

Moro tornou Tacla Duran réu, decretou prisão preventiva e jamais deixou que ele fosse ouvido em qualquer processo sob sua jurisdicão, depois que o advogado acusou o compadre do ex-juiz, Carlos Zucolotto, de cobrar propina para facilitar acordo de delação com o time de Dallagnol.

·         A cronologia dos fatos decisivos

Appio chegou virando a mesa. Em 17 de março, depois que Lewandowski suspendeu as ações contra Duran vislumbrando “perigo de dano ao seu status libertatis”, Appio atendeu ao pedido de Tacla Duran e revogou a preventiva.

Isso, contudo, era insuficiente para trazer Tacla Duran de volta ao Brasil. Ele precisava – e pediu – proteção do Estado brasileiro, pois recebe ameaças de seguidores de Moro e Dallagnol.

Em 27 de março, por videoconferência, Tacla Duran depôs a Appio numa audiência cuja pauta era a revogação da prisão preventiva e medidas cautelares. Tacla Duran usou o momento para acusar Moro e Dallagnol de extorsão. Appio encaminhou a denúncia às autoridades competentes e pediu providências. Moro e Dallagnol serão investigados no STF.

No dia seguinte, 28 de março, Appio atendeu ao pedido de Tacla Duran e inseriu o advogado no programa de proteção a testemunhas do governo federal, o que lhe garantiu ainda imunidade processual.

Com isso, Tacla Duran poderia embarcar da Espanha rumo a Curitiba, contando com “amplo apoio do senhor ministro da Justiça, bem como de todo aparato de proteção (…) frente às intimidações promovidas através das redes sociais pelos investigados Sergio Moro e Deltan Dallagnol.”

Mas a Lava Jato continuou usando correições parciais capitaneadas por Malucelli para acusar Appio de tumultuar o processo. Assim, também fizeram movimentações no TRF-4, desrespeitando a suspensão dos processos conforme determinado por Lewandowski.

Em 4 de abril, o ministro da Suprema Corte analisou reclamação de Tacla Duran, reafirmou a suspensão e determinou que 13ª Vara e TRF-4 parassem de despachar. Em tese, seria o cenário ideal para Tacla Duran fazer a viagem. O problema era a Lava Jato não podia deixar isso acontecer.

Na véspera da viagem marcada por Tacla Duran, Malucelli agiu rapidamente, em cima de um pedido do procurador Walter, e em duas linhas, cassou a decisão de Appio que revogava a prisão preventiva de Tacla Duran.

Appio ironizou o episódio em mensagem encaminhada ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça): “certamente [Malucelli] não percebeu que, no dia seguinte [à sua liminar], a referida testemunha RODRIGO TACLA DURAN estaria embarcando para o Brasil – graças a salvo conduto expedido por este Juízo Federal em favor de testemunha protegida pelo programa federal.”

Após a atuação decisiva de Malucelli, Tacla Duran “recusou-se a embarcar na Espanha na data de revogação de nossa decisão por parte do desembargador Malucelli”.

Para Appio, a decisão de Malucelli pode configurar “potencial crime de abuso de autoridade”. Além de o próprio ministro Lewandowski ter indicado que não concordaria em colocar a liberdade de Tacla Duran em risco, quando Malucelli agiu, o advogado tinha ganhado status de testemunha protegida.

“Malucelli”, continuou Appio em ofício enviado ao CNJ ainda em abril, “o qual “sequer toca, em suas explicações, em dois pontos nevrálgicos da questão, quais seja: por que razão decidiu (em menos de 24 horas) liminar pedida pelo MPF em simples correição parcial e sem sequer ouvir este Juízo (como de praxe) em questão que estava suspensa por sua excelência ministro Ricardo Lewandowski desde 4 de abril de 2023?”

E mais: “Por que [Malucelli] sequer mencionou que seu filho é sócio do principal interessado em barrar a oitiva da testemunha protegida Rodrigo Tacla Duran, ou seja, seu amigo, quase parente e sócio de seu filho, o senador Sergio Moro?”SÉRGIO MORO?”

Appio terminou dizendo que existe uma “jurisdição a jato” que tentou impedir a todo custo o depoimento de Tacla Duran. Mas qualquer decisão tomada por Malucelli é nula, não só porque desrespeita o Supremo, mas porque ele está “impedido de atuar”“haja vista seu interesse potencial direto e insofismável”.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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