quarta-feira, 31 de maio de 2023

Como a Venezuela se tornou uma autocracia

Há 24 anos, o regime chavista comanda a Venezuela. Ao longo desse período, foram promovidas mudanças que minaram a independência do Judiciário e do Legislativo, sufocaram a oposição, silenciaram a imprensa independente e desencadearam uma grave crise política e socioeconômica.

Diversos especialistas consideram o país um exemplo do processo de corrosão interna da democracia e de estabelecimento de um regime autocrático pela via eleitoral. Essa transformação ocorreu gradualmente a partir de políticas implementadas após a eleição de Hugo Chávez, em 1998.

Na época, a Venezuela enfrentava pobreza, corrupção e desigualdade social – um cenário que favoreceu Chávez, um jovem militar "outsider" que participou de uma fracassada tentativa de golpe de Estado em 1992 e prometia limpar a política e promover a justiça social.

A eleição de Chávez interrompeu o ciclo da alternância de governos baseado em apenas dois partidos – a Ação Democrática (AD) e o Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (Copei) –, que vigorava desde o fim da ditadura de Marco Pérez Jiménez, em 1958.

·         Novo governo e nova Constituição

Pela tentativa de golpe, Chávez passou dois anos preso, porém foi anistiado em 1994 e, então, lançou-se na carreira política. Após ser eleito com 56,2% dos votos, o jovem militar assumiu a presidência em 1999. Já no seu primeiro ano de governo, Chávez realizou um referendo sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte para redigir uma nova Constituição, substituindo assim o texto de 1961. A ampla maioria dos venezuelanos apoiou a ideia.

Chávez foi reeleito mais duas vezes e, pela Constituição, deveria encerrar seu governo em 2013. No entanto, esse não era seu plano. O líder venezuelano propôs uma emenda constitucional para permitir a reeleição ilimitada. Após uma primeira derrota, ele conseguiu em 2009 a aprovação popular num novo referendo sobre o tema, abrindo caminho para sua permanência no poder.

Melhorias sociais e gestão econômica controversa

A era Chávez foi marcada por um processo de distribuição de renda e melhoria de alguns índices sociais, como a diminuição da pobreza, queda da mortalidade infantil e redução da desigualdade. Em um relatório de 2014, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) cita a Venezuela como um dos países da região que tiveram "baixas mais notórias" na incidência de pobreza multifuncional entre 2005 e 2012, onde a taxa caiu de 32% para 19% em áreas urbanas no período.

País rico em petróleo, o governo Chávez usou as receitas das exportações da commodity para financiar programas sociais. Apesar da dependência do país desse recurso, não foram feitos investimentos significativos no setor.

A política econômica chavista também não promoveu o desenvolvimento agrícola e industrial. Nacionalizações de fábricas, expropriações de empresas e propriedades rurais e o controle de preços contribuíram para o sucateamento da indústria local. O país passou então a depender cada vez mais de importações, inclusive de alimentos.

A crise econômica que se delineava com essa gestão controversa acabou estourando no governo de Nicólas Maduro. Com a morte de Chávez em 2013, seu sucessor foi eleito presidente com uma margem apertada de votos. No ano seguinte, o país entrou em recessão econômica, impulsionada também pela forte queda do preço internacional do petróleo.

Medidas de Maduro contribuíram ainda mais para aprofundar o colapso econômico do país e desencadear uma crise política. O chavista costuma atribuiu esse cenário às sanções impostas ao país pelos Estados Unidos e pela Europa, a partir de 2015.

A crise levou ainda milhões de venezuelanos a deixar o país. A Plataforma de Coordenação Interagencial para Refugiados e Migrantes da Venezuela estima que 7,1 milhões de venezuelanos fugiram do país desde 2014, sendo que 5,9 milhões destes foram para países da América Latina.

·         O caminho para o autoritarismo

O sucessor de Chávez deu continuidade à concentração de poder e ao controle das Forças Armadas, com a nomeação de militares como ministros. Também promoveu perseguição a opositores e à imprensa livre, impulsionada por uma lei de 2010 que possibilitou que o governo suspendesse ou revogasse concessões de meios de comunicação.

"Sob a liderança do presidente Chávez e, atualmente, do presidente Maduro, o acúmulo de poder no Poder Executivo e o fim de garantias de direitos humanos permitiram que o governo intimidasse, censurasse e processasse seus opositores", já denunciava a ONG Human Rights Watch em 2014.

Maduro vem usando ainda a violência para reprimir protestos que eclodiram contra seu governo a partir de 2014. Em 2021, o Tribunal Penal Internacional (TPI) abriu uma investigação sobre possíveis crimes contra a humanidade cometidos no país.

O regime chavista também pôs em prática diferentes estratégias para minar a independência do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ). Entre elas o aumento do número de cadeiras na Corte, a prorrogação de mandatos de ministros leais ao regime e a destituição de figuras que tomaram decisões que desagradaram o governo. De acordo com a Human Rights Watch, o Judiciário do país deixou de ser um poder independente em 2004.

Apesar do curso autoritário, as eleições parlamentares de 2015 pareciam ter interrompido esse processo, com a oposição obtendo a grande maioria dos assentos na Assembleia Nacional e encerrando os 16 anos de controle governista da Casa. No entanto, Maduro passou a governar ignorando o Legislativo.

Em 2017, o Supremo dominado pelos chavistas suspendeu as prerrogativas da Assembleia Nacional controlada pela oposição e assumiu suas funções, numa ação descrita como "golpe de Estado" pelos críticos do regime.

O Instituto Variedades da Democracia (V-Dem), um grupo de pesquisa independente sediado na Universidade de Gotemburgo, na Suécia, é um dos que considera a Venezuela uma autocracia eleitoral.

·         Eleições fraudulentas

Num pleito marcado por irregularidades e que não foi reconhecido pela oposição e por grande parte da comunidade internacional, Maduro foi reeleito em 2018. Logo após o chavista assumir o segundo mandato, no início de 2019, o então presidente da Assembleia Nacional, o opositor Juan Guaidó se declarou presidente interino da Venezuela.

Guaidó foi reconhecido pelos Estados Unidos e por mais 60 países, além da Organização dos Estados Americanos (OEA). O país foi tomado então por grandes protestos contra Maduro, que atraíram milhares de venezuelanos. O "governo interino" deveria funcionar até que eleições livres fossem realizadas depois da renúncia de Maduro.

Mesmo com os grandes protestos e a grave crise econômica, a oposição liderada por Guaidó não conseguiu obter apoio dos militares e do Judiciário e Maduro reforçou ainda mais seu controle sobre as instituições.

Sem resultados e com a comunidade internacional deixando de reconhecer Guaidó, a oposição acabou com o "governo interino" no final do ano passado, encerrando a tentativa de isolar Maduro e promover uma mudança de governo no país.

 

Ø  Lula critica sanções dos EUA à Venezuela

 

Ao receber Nicolás Maduro, nesta segunda-feira, no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusou a comunidade internacional de ter “preconceito” contra a Venezuela. Segundo ele, foi por causa dessa antipatia que “brigou” com líderes europeus que se recusavam a reconhecer o chefe do governo venezuelano, e que uma “narrativa” fez de Juan Guaidó “presidente” do país vizinho. Por causa disso, segundo Lula, o encontro entre eles foi um “momento histórico”.

“Briguei muito com companheiros social-democratas europeus e pessoas dos Estados Unidos. Achava a coisa mais absurda do mundo para as pessoas que defendem a democracia negar que você era presidente da Venezuela, tendo sido eleito pelo povo, e o cidadão que foi eleito deputado (Guaidó) fosse reconhecido como presidente da Venezuela. Se quiser vencer uma batalha, preciso construir uma narrativa para destruir o meu potencial inimigo. Você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, de antidemocracia e do autoritarismo”, afirmou.

Lula e Maduro — que esteve no Brasil pela última vez em 2015, para a posse da ex-presidente Dilam Rousseff, e desde 2019 estava proibido de entrar, por decreto de Jair Bolsonaro — fizeram um pronunciamento depois do encontro entre representantes dos dois governos, no Palácio do Planalto, no qual se discutiu o aumento do fluxo de comércio e o pagamento da dívida que Caracas tem com o Brasil por causa de financiamentos para empreendimentos. O presidente também criticou o governo dos Estados Unidos, que desde 2015 impõe sanções comerciais à Venezuela.

“O Maduro, por exemplo, não tem dólar para pagar as suas importações. Quem sabe ele começa a pagar em yuan (moeda chinesa)? Quem sabe a gente pode receber em moeda de outro país para que a gente possa trocar? É culpa dele? Não, é culpa dos Estados Unidos, que fez um bloqueio extremamente exagerado. Sempre acho que um bloqueio é pior do que uma guerra porque, na guerra, normalmente, morre o soldado que está em batalha. Mas o bloqueio mata crianças, mulheres, pessoas que não têm nada a ver com a disputa ideológica que está em jogo”, lamentou.

Por conta disso, o presidente voltou a levantar a hipótese de uma moeda comum dos países sul-americanos, para que pudessem negociar sem a dependência do dólar. Para Lula, é preciso encontrar alternativas à moeda norte-americana.

“Sonho que a gente tenha uma moeda, entre nossos países, para que a gente possa fazer negócio sem ficar dependendo do dólar. Até porque, com o dólar, só um país tem a máquina de rodar dólar, e esse país faz o que quiser. Sonho que o BRICS (bloco econômico integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) possa ter uma moeda, como a União Europeia construiu o euro”, observou.

Segundo Lula, agora cabe à Venezuela “mostrar a sua narrativa para que as pessoas possam mudar de opinião”. “Queria dizer aos meus amigos do Brasil, à imprensa brasileira, a alegria deste momento histórico. Depois de oito anos, o presidente Maduro volta a visitar o Brasil, e nós recuperamos o direito de fazer política de relações internacionais com a seriedade que sempre fizemos, sobretudo com os países que fazem fronteira com o Brasil”, ressaltou.

Maduro, porém, fez um discurso menos enfático do que Lula — sobretudo porque os EUA vêm afrouxando as sanções e retomou compras de petróleo venezuelano no início do ano passado. E confirmou o interesse venezuelano em participar do BRICS.

“Temos conversado sobre o papel do BRICS e seu surgimento frente à nova geopolítica mundial. Vemos no âmbito geopolítico um elemento que pode nos fazer avançar: a união de cinco países muito poderosos. O bloco está se transformando em um grande imã daqueles que buscam um mundo de paz e de cooperação”, salientou.

 

Ø  Presidente chileno Boric diz discordar de declaração de Lula sobre Venezuela

 

O presidente do Chile, Gabriel Boric, disse nesta terça-feira que discorda da declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que a imagem autoritária da Venezuela é uma "narrativa".

Após se reunir com líderes de países sul-americanos em Brasília, Boric disse a jornalistas que a região precisa respeitar os direitos humanos, inclusive na Venezuela, mas saudou o retorno do país às negociações multilaterais.

·         Presidente do Uruguai condena fala de Lula a Maduro sobre criação de 'narrativa' na Venezuela

O presidente do Uruguai Luis Alberto Lacalle Pou se disse surpreso nesta terça-feira (30) com a fala do homólogo brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que havia "narrativas" sobre a situação política da Venezuela.

"Estou surpreso quando se falou em Venezuela ser uma narrativa. Já sabem o que pensamos sobre Venezuela e o governo da Venezuela", afirmou o presidente uruguaio, durante encontro organizado pelo próprio Lula em Brasília.

Lula realiza nesta terça-feira uma reunião entre presidentes da América do Sul para buscar uma nova forma de integração na região.

Um dia antes do evento, o mandatário brasileiro recebeu o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, em uma visita oficial. Na ocasião, o brasileiro afirmou que se tratava de uma "narrativa" as acusações de falta de democracia na Venezuela.

"Cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa para que possa efetivamente fazer as pessoas mudarem de opinião. É preciso que você [Maduro] construa a sua narrativa. E a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que o que eles têm contado contra você. Está nas suas mãos construir a sua narrativa e virar esse jogo, para que a gente possa vencer definitivamente, e a Venezuela voltar a ser um país soberano, onde somente seu povo, por meio de votação livre, diga quem é que vai governar esse país", afirmou Lula, na ocasião.

 

Ø  Maduro no Brasil irrita militâncias bolsonaristas e tucanas

 

A visita do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, ao Brasil, na segunda-feira (29), movimentou as redes sociais. Foram registradas mais de 326 mil menções publicadas por mais de 76 mil autores únicos e alcance total estimado em 530 milhões, segundo levantamento da Quaest. Comparando com o dia anterior, o aumento no volume das menções foi de 2.696%. Maduro foi recebido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa visita de Estado que antecedeu o encontro de líderes sul-americanos, que acontece nesta terça-feira (30), em Brasília.

O venezuelano não foi bem-recebido nas redes, com sentimento negativo majoritário em 59% das publicações, enquanto apenas 6% foram menções positivas – e 35% de menções apenas informativas.

Segundo o levantamento, o debate foi dominado por atores mais à direita, com argumentos críticos a Lula, relembrando a proibição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de associar o atual presidente a ditadores durante a campanha nas eleições presidenciais. Uma oferta do Departamento de Justiça dos Estados Unidos em 2020, oferecendo US$ 15 milhões por Maduro, também foi relembrada e muito comentada.

Na avaliação da Quaest, o debate tem tudo para continuar em alta nas redes e com fortes críticas a Lula, principalmente depois do seu discurso defendendo a retomada da compra de energia da Venezuela pelo Brasil.

A pesquisa foi feita entre zero hora e 17h40 de ontem nas principais redes sociais (Twitter, Instagram, Facebook e youtube) e sites de noticias por API própria da Quaest.

 

Ø  Luciano Huck contesta fala de Lula sobre ditadura na Venezuela

 

Luciano Huck contestou uma fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a respeito da Venezuela.

Após uma reunião com Nicolás Maduro no Palácio do Planalto, Lula negou a existência de uma ditadura e afirmou que o país vizinho ao Brasil é "vítima de uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo".

Em resposta ao político, o apresentador publicou uma foto no Twitter com crianças venezuelanas de quando visitou um campo de acolhimento na fronteira brasileira. Huck disse que a ditadura venezuelana é real, e não uma narrativa.

"Ninguém me contou. Fui lá e vi. Estive na fronteira e conversei com dezenas de famílias nos campos de acolhimento fugindo da ditatura venezuelana. Não é só uma narrativa. É real e não tem nada a ver com democracia", afirmou Luciano.

Lula e Maduro se reuniram para discutir os avanços no processo de normalização das relações bilaterais entre Brasil e Venezuela na última segunda-feira (29).

O presidente também disse que cabia a Maduro e ao país "mostrar a sua narrativa para que as pessoas possam mudar de opinião".

Sucessor de Hugo Chávez, Maduro comanda a Venezuela desde 2013. A Assembleia Constituinte instalada em 2017 não é reconhecida por vários países, incluindo o Brasil. No ano passado, a ONU denunciou que agências do governo cometem crimes contra a humanidade para reprimir a oposição.

 

Fonte: DW/Correio Braziliense/Reuters/Valor Econômico

 

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