domingo, 28 de maio de 2023

O Brasil de volta ao protagonismo internacional?

Nos dois primeiros governos de Lula, entre 2003 e 2010, um dos elementos marcantes foi a atuação internacional, definida pelo próprio ministro de Relações Exteriores de todo o período, Celso Amorim, como “diplomacia ativa e altiva”. De fato, vista de trás para frente ao final dos dois períodos, foi uma atuação bastante marcante no cenário internacional. Mas vista a partir de um começo difícil, percebe-se que o primeiro governo partiu de uma etapa de resistência, até chegar ao protagonismo internacional no final dos dois mandatos.

No começo do primeiro governo Lula, em 2003, o principal elemento inicial de política externa era a resistência ao projeto estadunidense da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA. De fato, o desenho da negociação da ALCA, que estava para ser concluído, supunha assumir para as demais economias das Américas um papel subordinado à economia estadunidense.

Assim, se o Brasil tinha a veleidade de buscar qualquer alternativa de desenvolvimento autônomo, teria que se afastar daquele desenho inicial de ALCA, e isso foi o tentado pela diplomacia brasileira. Tentado com tanto sucesso que resultou, já no final de 2003 e início de 2004, na impossibilidade de as negociações técnicas seguirem adiante, o que só poderia ser superado, ou não, por decisão política dos chefes de governo da região. Não foi. Quando se reuniram em Mar del Plata, Argentina, em fins de 2004, os líderes da região apenas reafirmaram o impasse, e sepultaram o processo de negociação.

Mesma coisa para o processo em negociação na Organização Mundial do Comércio, a OMC. Os EUA haviam lançado um ano antes, a partir do esforço de oferecer alguma alternativa que não fosse simplesmente o uso da força, como haviam feito no Afeganistão e no Iraque, uma alternativa econômica de desenvolvimento.

Fizeram isso a partir da OMC e do deslanche da chamada Rodada Doha de negociações, também chamada “Rodada do Desenvolvimento de Doha”, em que os países desenvolvidos ofereceriam algumas fatias de seus mercados, em especial na área de produtos agrícolas, como opção para os países em desenvolvimento. Entretanto, a rodada implicava também que os países em desenvolvimento fizessem concessões nas outras áreas em discussão na OMC – serviços, compras governamentais, investimentos, propriedade intelectual e outros.

O problema é que nas negociações reais, os países desenvolvidos exigiam enormes concessões nessas áreas sem qualquer concessão na área de agricultura. Os representantes do governo brasileiro fizeram então do limão uma limonada, e a partir da Ministerial de Cancun, da OMC, organizaram o chamado G20 da OMC, um grupo de países em desenvolvimento dentro da instituição, liderados por Brasil e Índia, para tentar ativamente levar adiante o processo negocial a partir dos interesses dos países em desenvolvimento, buscando sair de uma postura passiva e passar a buscar um papel relevante nas negociações. Essa reação de fato travou a chamada Rodada de Doha, que teve em 2008, em uma ministerial em Genebra, sua última chance concreta de fechamento, e desde então patina.

Com o sucesso desses movimentos de resistência, o Brasil buscou simultaneamente movimentos para ganhar musculatura maior no sistema de poder multilateral a nível internacional. Algumas experiências podem ser consideradas exitosas nesse sentido: o aprofundamento do Mercosul, a ampliação da integração regional sul-americana (inclusive com a criação da Unasul) e americana (com a criação da chamada Celac, um órgão envolvendo todos os países das Américas excluindo EUA e Canadá e incluindo Cuba), as parcerias com os chamados PALOPs (Países de Língua Oficial Portuguesa) na África e Ásia, a constituição do grupo IBAS (Índia, Brasil e África do Sul).

A partir desses movimentos, e da crise econômica e financeira de 2007-2008, que teve como epicentro os EUA e, em seguida, a Europa, foram criados novos agrupamentos internacionais, como o G20 financeiro (conhecido simplesmente como G20) e o grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), onde finalmente ficava claro que a atuação internacional do Brasil havia colocado o país em um patamar mais condizente com seu tamanho físico, população e importância econômica no plano internacional.

Essa era a situação corrente quando terminou o segundo governo Lula, e o país poderia sair daí para o futuro, se as coisas tivessem sido mantidas tal qual foram deixadas no cenário nacional e internacional.

Entretanto, não era essa a realidade quando Lula voltou ao governo em 2023. Mudanças importantes aconteceram no mundo a partir de 2010. Só para citar algumas, ficou evidente a disputa hegemônica entre EUA e China, quer pela mudança de discurso nos EUA a partir do governo Trump (e continuada de certa forma por Biden), quer pela afirmação chinesa a partir de Xi Jinping e seu projeto “Um Cinturão, uma Rota”, de buscar aglutinar países em torno do papel importante da economia chinesa no cenário internacional.

Também são relevantes as mudanças tecnológicas e alterações no padrão de produção internacional, com a discussão (não vou me aprofundar aqui em cada um desses novos “mundos”, mas apenas mencionar os processos com alguns de seus nomes genéricos) de temas como “Big Data”, robótica, novíssimos materiais, nanotecnologia, engenharia genética, impressão em 3D, Internet das coisas, inteligência artificial e outros, alterando potencialmente as bases sobre as quais se estrutura a produção mundial.

Além disso, a pandemia da Covid-19 em 2020 e a guerra na Ucrânia em 2022 alteram fundamentalmente e alterarão ainda mais as cadeias de produção internacional e a visão de livre mercado. O neoliberalismo passa a ser referido por muitos como um processo em via de ser superado pelas novas contingências de um mundo em alterações profundas. Entre essas alterações, a gravidade de uma crise ambiental que, para muitos, vai se aproximando de um ponto de não retorno (para alguns, até já passou).

Vale citar ainda os enormes estragos à imagem do país que foram causados pela ruptura institucional do governo Dilma, em 2015-2016, e pelo processo de sua substituição por Michel Temer, com nuances pouco compreendidas. Também contribuiu para a deterioração da imagem do Brasil a deliberada política isolacionista ao longo do governo Bolsonaro, em que o isolamento internacional era conectado com o fundamentalismo liberal da política econômica e as ameaças à institucionalidade democrática no plano político, enquanto os setores detentores da riqueza no Brasil entravam na disputa hegemônica explícita em um conflito de visão estratégica de futuro, tensionados por um dualismo entre suas cabeças em Miami, e seu bolso cada vez mais dependente da China.

Na volta, o governo Lula busca retomar musculatura diplomática a partir de um ambiente conhecido: a integração regional, agora acrescida de uma real preocupação com a Amazônia, que amplia a área de discussão nesse projeto, acoplado com o tema ambiental.

Paz mundial, economia e novamente a busca de alternativas de desenvolvimento, e o meio ambiente são o tripé a partir do qual o protagonismo da ação multilateral, de novo, deve ser buscado. Mas não é um movimento simples, não é uma simples retomada de uma trajetória de sucesso do passado, e o processo parece apresentar limites claros que vão sendo encarados. A ver o que o futuro nos reserva no médio prazo.

 

       Haddad adverte que o Brasil precisa se desenvolver acima da média mundial

 

Do ministro Fernando Haddad: “Temos obrigação de crescer acima da média mundial, dado nosso potencial de recursos naturais, recursos humanos e parceria do Brasil com o mundo”.

Há até abundância de recursos naturais no Brasil, mas não valem nada se não forem explorados de maneira eficiente e com visão de futuro.

Petróleo, por exemplo. Na Margem Equatorial Brasileira, região litorânea que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte, estão depositados 14 bilhões de barris de petróleo, numa estimativa consistente. Para ter uma ideia: as atuais reservas provadas de óleo no Brasil, coisa certa, alcançam cerca de 15 bilhões de barris.

A Petrobras já separou US$ 3 bilhões para começar a explorar essa imensa riqueza. Mas, de cara, esbarrou no Ibama, que negou a licença para pesquisas num poço, o primeiro, ao largo da foz do Amazonas.

A região tem enorme densidade socioambiental, diz o Ibama, de modo que é intolerável o risco de exploração do óleo, mesmo que não aconteça nenhum desastre — tipo vazamento de petróleo de alguma plataforma.

E aí? A Petrobras não dá o caso por encerrado. Refará o pedido de licenciamento e insistirá em outros poços. Em meios políticos e econômicos nos estados que ganhariam investimentos e, no futuro, os ricos royalties, há forte reação ao Ibama e à atuação da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. O caso vai parar na mesa do presidente Lula. Não será fácil.

O presidente assumiu fortes compromissos, locais e internacionais, com a preservação do meio ambiente e com a Amazônia, em especial. Nessa linha, a exploração do óleo na Margem Equatorial é inaceitável. Para começar se trata de combustível fóssil — justamente o inimigo principal quando se fala de aquecimento global.

O mundo caminha para uma economia verde — e o Brasil também tem recursos aí. Só que custa mais caro, é projeto de médio e longo prazo, com introdução de novas tecnologias. O petróleo, não. Está ali, à mão. A era do petróleo certamente acabará, mas em quanto tempo, 30, 40 anos?

Em qualquer caso, dizem os desenvolvimentistas, o país tem tempo para impulsionar o crescimento com a exploração do óleo. Além disso, acrescentam, mesmo as petrolíferas globais mais empenhadas em desenvolver energias verdes continuam retirando e vendendo o “ouro negro”.

Eis o ponto: sobram recursos naturais dos dois lados, o petróleo e a riqueza ambiental da Amazônia — dependendo de uma escolha política.

Seguindo a lista do ministro Haddad, o Brasil tem recursos humanos: é grande a população em idade de trabalhar. Mas a educação desses trabalhadores é péssima, forte entrave ao crescimento. Essa é uma das conclusões do importante estudo lançado nesta semana pelo Movimento Brasil Competitivo, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento.

O estudo mediu o que se chama de custo Brasil, o conjunto de entraves ao ambiente de negócios. Ou, de maneira direta, a dificuldade que enfrenta quem quer produzir e ganhar dinheiro honestamente. Com o avanço de tecnologias digitais, a começar pela inteligência artificial, o Brasil, mesmo tendo muita gente, corre o risco de um apagão de mão de obra.

Os trabalhadores não estão preparados para a nova era. O assunto também cai na mesa do presidente Lula. O que fazer com o ensino médio, ponto crucial na trajetória da educação? Até aqui, foi um fracasso. Mas forças políticas ligadas a Lula, de estudantes a professores, não querem saber de reformas. De novo: o recurso está aí, mas, se não for utilizado, se perde.

Finalmente, temos as parcerias do Brasil com a economia mundial. Há problemas. O país segue muito fechado tanto para investimentos quanto para comércio. É protecionista — situação que tem muitos interessados. A indústria automobilística, por exemplo.

Para um país do futuro, a gente deveria estar tratando do carro elétrico. Em vez disso, corre no governo e em setores próximos a ideia do “carro popular” — a combustão, sem tecnologia e barateado com incentivos fiscais. Isso não dá em desenvolvimento.

 

Fonte: Por Adhemar S. Mineiro, no Terapia Política/O Globo

 

 

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