sábado, 1 de abril de 2023

No meio jurídico, já se avalia que só uma surpresa de última hora tira Zanin do STF

"Inês é morta", entrega um advogado progressista sobre as chances de o advogado de Lula, Cristiano Zanin, ser indicado pelo presidente à vaga que será aberta no STF (Supremo Tribunal Federal) com a saída de Ricardo Lewandowski. No meio jurídico, já se avalia que só uma surpresa de última hora será capaz de tirar de Zanin a toga de ministro. Com o anúncio feito por Lewandowski de que antecipará sua aposentadoria para abril, a pressão sobre Lula aumenta ainda mais, mas ao que tudo indica a decisão está tomada.

O próprio presidente admitiu sua preferência por Zanin no início de março, durante entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo. "Hoje, se eu indicasse o Zanin, todo mundo compreenderia que ele merecia ser indicado. Tecnicamente, ele cresceu de forma extraordinária. É meu amigo, meu companheiro, como outros são meus companheiros”, disse o presidente. “A pessoa tem que ter caráter. Eu vou levar em conta o caráter. Não só isso. Mas vou levar em conta. Eu consulto muita gente. Consulto advogados, consulto muita gente de outros estados para saber.”

Zanin conquistou a confiança do atual presidente da República durante os tempos difíceis que antecederam a prisão em Curitiba e depois dela. "Quando o Lula estava em baixa, sendo tratado como um leproso, os bambambãs da advocacia todos o abandonaram", confidencia um magistrado próximo ao presidente. "Grandes nomes que antes eram próximos a Lula, como Mariz de Oliveira e Roberto Batochio, deixaram a defesa dele. Zanin assumiu o caso e visitava Lula toda semana na sala onde ficou na Polícia Federal. O presidente considera que tem uma dívida de gratidão para com ele."

O desconhecido advogado havia sido sugerido a Lula por seu compadre de longa data, Roberto Teixeira, de quem Zanin é genro. A mulher dele, Valeska Teixeira, atuou todo o tempo a seu lado na defesa de Lula contra os desmandos da Lava Jato. No ano passado, o casal de advogados se desligou do escritório em que o advogado de Lula era sócio do sogro, Teixeira Martins Advogados, e criou um novo, o Zanin Martins Advogados. Os dois alegaram querer focar "em uma área mais estratégica em litígios e prevenção de litígios individuais e empresariais".

As seguidas decepções dos governantes petistas com seus indicados ao Supremo contam pontos em favor de Zanin. No dia da diplomação de Lula, José Antonio Dias Toffoli, ex-advogado do PT indicado por ele ao STF em 2009, chegou a pedir perdão ao presidente por tê-lo impedido de ir ao velório do irmão Vavá quando estava preso, em janeiro de 2019. "O senhor tinha direito de ir ao velório. Me sinto mal com aquela decisão, e queria dormir nesta noite com o seu perdão", disse Toffoli, segundo apurou a jornalista Mônica Bergamo. Lula bateu na mão dele e disse que ficasse tranquilo e que poderiam conversar melhor sobre o assunto em outras ocasiões.

A justa pressão para que uma mulher negra ocupe pela primeira vez a vaga de ministra do Supremo esbarra na trajetória de Joaquim Barbosa, indicado por Frei Betto e que acabou se tornando o maior algoz do PT no episódio do chamado "mensalão". O julgamento do "mensalão" em 2012 também distanciou de Lula outros nomes indicados por ele, como Ayres Britto, Rosa Weber e Carmen Lúcia. Indicados por Dilma, Luiz "eu mato no peito" Fux e Luís Roberto Barroso tampouco se salvam, na visão dos petistas.

O pior avaliado é Luiz Edson Fachin, que surgiu no páreo em 2015 como "defensor do MST" e por isso sofreu forte oposição midiática. "O advogado Luiz Edson Fachin, indicado pela presidente Dilma Rousseff para a vaga aberta no Supremo, não pode ter seu nome aprovado pelo Senado Federal, a menos que essa Casa resolva pôr em dúvida a sua própria legitimidade e queira flertar com o baguncismo jurídico. Aquele que Dilma, o PT, a CUT, o MST e o tucano Álvaro Dias (PR) pretendem que seja um dos 11 da Corte Constitucional já deu mostras de que despreza o Congresso, de que repudia fundamentos da Constituição e de que ignora valores caros à sociedade brasileira", escreveu na época o jornalista Reinaldo Azevedo, em sua fase reaça.

Uma vez sentado na cadeira de ministro do STF, Fachin se mostrou um lavajatista de primeira hora, a ponto de, nas conversas da Vaza Jato, seu nome ser citado num diálogo em que o procurador Deltan Dallagnol vibra: "Aha! Uhu! O Fachin é nosso". "O Fachin foi uma decepção enorme. Apareceu como um defensor dos movimentos sociais, era rejeitado pela mídia como 'esquerdista' às vésperas da aprovação do nome dele no Senado, e no STF virou um Torquemada", critica um jurista progressista.

O fato de Fachin ter sido indicado por Ricardo Lewandowski de certa forma enfraquece o favorito do ministro para sua vaga, o advogado baiano Manoel Carlos. Aos 43 anos, quatro a menos que Zanin, Manoel é pupilo de Lewandowski, foi seu orientando na USP e atuou ao lado do ministro no STF e também no TSE, no cargo de secretário-geral da presidência. Ao contrário do advogado de Lula, possui mestrado, doutorado e pós-doutorado – uma das críticas à indicação de Zanin é não ter feito carreira acadêmica.

Embora Lewandowski goze da admiração e do respeito do presidente, de quem é próximo há muitos anos, e mesmo tendo sido praticamente o único dos indicados por Lula e Dilma a ter posturas progressistas durante o tempo todo em que se manteve ministro (16 anos), isso paradoxalmente prejudica seu candidato. "Lula vai acabar indicando o Zanin também porque será a desculpa perfeita para não magoar Lewandowski", diz um membro do governo. "Vai poder declinar do pedido dele tranquilamente, porque dívida de gratidão não se questiona."

O advogado de Lula é o nome preferido da militância do partido – e nem tanto dos advogados progressistas que o apoiaram, que se inclinam por nomes considerados "mais ideológicos" e que consideram ter formação acadêmica mais sólida para ocupar a vaga. Nesse quesito, os nomes de Lenio Streck e Pedro Serrano são os mais fortes. "É necessário que Lula e o PT tenham um projeto de STF do tamanho de sua política internacional", opina o advogado Fernando Augusto Fernandes. "Meu apoio é ao Lenio e ao Pedro, juristas com notório saber jurídico e reconhecidos nacional e internacionalmente, que poderiam falar com os outros ministros de igual para igual. Esse deveria ser o critério."

"Eu acho uma cagada", diz, sem meias palavras, um dos juristas progressistas ouvido pelo site em off, para quem a indicação de Zanin é dada como certa. "Lula está repetindo os mesmos erros de governos anteriores de seguir o joguinho de Brasília, fazendo a escolha como prefeito de cidadezinha do interior, e não como estadista. O critério é compadrio? Vai dar merda como das outras vezes. Qual a posição pública de Zanin além de ser advogado do Lula? Não sabemos a posição ideológica dele sobre nada. Qual a previsibilidade da conduta dele no Supremo? Vai acabar se tornando um novo Toffoli."

"Não tem jeito, desta vez o presidente tomou a decisão para si. Não é como das outras vezes, que ouviu o Sigmaringa Seixas, o Márcio Thomaz Bastos... Mesmo que eles ainda estivessem vivos, não ouviria", rebate outro advogado do entorno de Lula sobre a indicação de Zanin. "O presidente está ouvindo a opinião de todo mundo, mas entra por um ouvido e sai pelo outro."

Se não goza de prestígio internacional em termos acadêmicos, não se pode negar que Cristiano Zanin conquistou projeção no mundo do Direito contra o lawfare, o tapetão jurídico que vem sendo utilizado em anos recentes para tirar do páreo adversários políticos vencedores nas urnas, sobretudo se forem de esquerda. Foi muito importante para a construção da estratégia de Lula como preso político a entrada no caso de outro pioneiro no combate ao lawfare, o advogado de Direitos Humanos e conselheiro da família real britânica Geoffrey Robertson, em 2016.

Robertson, que representou o então ex-presidente junto à Comissão de Direitos Humanos da ONU, conferiu legitimidade ao pleito de Lula junto aos organismos internacionais. Como boa portadora de um incurável complexo de vira-latas, a mídia brasileira, por exemplo, que patrocinou a Lava Jato e fazia ouvidos moucos às queixas do PT e da esquerda sobre a injustiça que estava ocorrendo, deu espaço ao britânico.

"Lula deve, como qualquer cidadão, ser tratado de forma justa", disse à Folha. "Há uma série de reclamações contra este juiz (Moro) por, por exemplo, publicar escutas telefônicas, inclusive interceptações ilegais, e incitar os meios de comunicação locais a demonizar Lula antes de que tenha sido submetido a nenhum julgamento", esclareceu Robertson ao chileno La Tercera.

Em abril do ano passado, os três advogados comemoraram uma super vitória: o Comitê de Direitos Humanos da ONU divulgou a decisão de que Lula foi vítima de julgamento parcial e teve violados seus direitos políticos, civis e à privacidade. Lula se disse "de alma lavada", e o prestígio de Zanin junto a ele foi à estratosfera.

Outros nomes no páreo na disputa pela vaga ao STF incluem o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Luis Felipe Salomão, favorito do ministro Alexandre de Moraes; o também baiano Bruno Dantas, do TCU (Tribunal de Contas da União), que conta com a simpatia do senador Renan Calheiros e dos ministros Gilmar Mendes e Toffoli; o advogado Pierpaolo Bottini, que advogou para réus do "mensalão", mas que teria perdido pontos ao defender delatores premiados na Lava Jato; Mauro Campbell, também do STJ, que tem a seu favor o fato de ser do Norte do país, região sem representantes no Supremo; Maria Thereza de Assis Moura, atual presidenta do STJ; e Regina Helena Costa, ministra desta Corte.

Mas o franco favorito é mesmo Zanin, cuja indicação se fortaleceu ainda mais na semana passada, após a nova onda de ataques de Sergio Moro e Deltan Dallagnol a Lula. As possíveis resistências ao nome dele dentro do Senado são cada vez menores – e, é preciso dizer, em 133 anos de existência do STF o nome indicado pelo presidente só foi rejeitado cinco vezes, todas elas em 1894, durante o governo de Floriano Peixoto.

O caso mais ruidoso de rejeição foi o de Cândido Barata Ribeiro, que amargou a reprovação dos senadores quando já atuava como ministro do STF. Na época, o escolhido podia assumir as funções antes de o Senado votar a indicação. Após dez meses julgando processos como ministro, Barata Ribeiro foi obrigado a deixar o casarão da Rua do Passeio, no centro do Rio, onde os juízes da alta Corte despachavam antes da inauguração da nova capital.

Nos últimos dias, a indicação de Cristiano Zanin por Lula foi reforçada pelo aval dos ministros Gilmar Mendes e Carmen Lúcia. Também em entrevista a Reinaldo Azevedo, Gilmar disse não ver "impedimento algum" a que o advogado de Lula ocupe a vaga de Lewandowski. "O presidente praticamente ressurgiu das cinzas... Foi dado como morto político. Isso tem que ser levado em conta. Eu não opinaria contra a indicação do advogado Zanin, que eu reputo um excelente advogado, e que teve um papel relevantíssimo, histórico até, em debater o lawfare."

"Todos nós, com raríssimas exceções, não fomos buscados em casa. Estávamos em algum lugar e tínhamos conexões com a vida política. Isso está dentro de um certo contexto político e ideológico. O fundamental é que saiba Direito e que seja honesto", repetiu Gilmar em outra entrevista, ao jornal O Globo, no domingo 26 de março.

"Como juíza, integrante de um Poder Judiciário, eu respeito, desde que cumprida a Constituição", afirmou a ministra Carmen Lúcia em entrevista ao programa Roda Viva. Ela afirmou que Zanin "tem e já demonstrou" notório saber jurídico e disse não ver problemas em que o indicado tenha ligações com o presidente, o que já aconteceu diversas vezes ao longo da História. "Isso não macula o candidato ou indicado. O presidente da República tem o direito de escolher", disse a ministra.

Esta semana foi a vez de o ex-decano do STF, Celso de Mello, sair em defesa da indicação de Zanin. “A escolha de um ministro do STF tem o seu processo e requisitos definidos na Constituição da República. O dr. Cristiano Zanin, paulista de Piracicaba, preenche, integralmente, as condições que a Constituição exige para investidura no cargo de juiz da Suprema Corte brasileira. É o respeito a tais requisitos constitucionais que legitima a escolha, pelo presidente da República, de um futuro magistrado do STF! É isso que importa", disse Celso de Mello, também ao jornal O Globo.

No jargão do turfe, pode-se dizer que Zanin é pule de dez. Uma barbada. Nas corridas de cavalo, sempre há a chance de um azarão correr por fora e vencer a disputa, mas o tempo é curto e a corrida pelo Supremo vai terminar logo, logo. De qualquer forma, em outubro Rosa Weber se aposenta e Lula terá a chance de fazer uma nova escolha e agradar outro grupo. E desagradar outros.

 

Fonte: Fórum

 

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