No meio jurídico,
já se avalia que só uma surpresa de última hora tira Zanin do STF
"Inês
é morta", entrega um advogado progressista sobre as chances de o advogado
de Lula, Cristiano Zanin, ser indicado pelo presidente à vaga que será aberta
no STF (Supremo Tribunal Federal) com a saída de Ricardo Lewandowski. No meio
jurídico, já se avalia que só uma surpresa de última hora será capaz de tirar
de Zanin a toga de ministro. Com o anúncio feito por Lewandowski de que
antecipará sua aposentadoria para abril, a pressão sobre Lula aumenta ainda
mais, mas ao que tudo indica a decisão está tomada.
O
próprio presidente admitiu sua preferência por Zanin no início de março,
durante entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo. "Hoje, se eu indicasse
o Zanin, todo mundo compreenderia que ele merecia ser indicado. Tecnicamente,
ele cresceu de forma extraordinária. É meu amigo, meu companheiro, como outros
são meus companheiros”, disse o presidente. “A pessoa tem que ter caráter. Eu
vou levar em conta o caráter. Não só isso. Mas vou levar em conta. Eu consulto
muita gente. Consulto advogados, consulto muita gente de outros estados para
saber.”
Zanin
conquistou a confiança do atual presidente da República durante os tempos
difíceis que antecederam a prisão em Curitiba e depois dela. "Quando o
Lula estava em baixa, sendo tratado como um leproso, os bambambãs da advocacia
todos o abandonaram", confidencia um magistrado próximo ao presidente. "Grandes
nomes que antes eram próximos a Lula, como Mariz de Oliveira e Roberto
Batochio, deixaram a defesa dele. Zanin assumiu o caso e visitava Lula toda
semana na sala onde ficou na Polícia Federal. O presidente considera que tem
uma dívida de gratidão para com ele."
O
desconhecido advogado havia sido sugerido a Lula por seu compadre de longa
data, Roberto Teixeira, de quem Zanin é genro. A mulher dele, Valeska Teixeira,
atuou todo o tempo a seu lado na defesa de Lula contra os desmandos da Lava
Jato. No ano passado, o casal de advogados se desligou do escritório em que o
advogado de Lula era sócio do sogro, Teixeira Martins Advogados, e criou um
novo, o Zanin Martins Advogados. Os dois alegaram querer focar "em uma
área mais estratégica em litígios e prevenção de litígios individuais e
empresariais".
As
seguidas decepções dos governantes petistas com seus indicados ao Supremo
contam pontos em favor de Zanin. No dia da diplomação de Lula, José Antonio
Dias Toffoli, ex-advogado do PT indicado por ele ao STF em 2009, chegou a pedir
perdão ao presidente por tê-lo impedido de ir ao velório do irmão Vavá quando
estava preso, em janeiro de 2019. "O senhor tinha direito de ir ao
velório. Me sinto mal com aquela decisão, e queria dormir nesta noite com o seu
perdão", disse Toffoli, segundo apurou a jornalista Mônica Bergamo. Lula
bateu na mão dele e disse que ficasse tranquilo e que poderiam conversar melhor
sobre o assunto em outras ocasiões.
A
justa pressão para que uma mulher negra ocupe pela primeira vez a vaga de
ministra do Supremo esbarra na trajetória de Joaquim Barbosa, indicado por Frei
Betto e que acabou se tornando o maior algoz do PT no episódio do chamado
"mensalão". O julgamento do "mensalão" em 2012 também
distanciou de Lula outros nomes indicados por ele, como Ayres Britto, Rosa
Weber e Carmen Lúcia. Indicados por Dilma, Luiz "eu mato no peito"
Fux e Luís Roberto Barroso tampouco se salvam, na visão dos petistas.
O
pior avaliado é Luiz Edson Fachin, que surgiu no páreo em 2015 como
"defensor do MST" e por isso sofreu forte oposição midiática. "O
advogado Luiz Edson Fachin, indicado pela presidente Dilma Rousseff para a vaga
aberta no Supremo, não pode ter seu nome aprovado pelo Senado Federal, a menos
que essa Casa resolva pôr em dúvida a sua própria legitimidade e queira flertar
com o baguncismo jurídico. Aquele que Dilma, o PT, a CUT, o MST e o tucano
Álvaro Dias (PR) pretendem que seja um dos 11 da Corte Constitucional já deu
mostras de que despreza o Congresso, de que repudia fundamentos da Constituição
e de que ignora valores caros à sociedade brasileira", escreveu na época o
jornalista Reinaldo Azevedo, em sua fase reaça.
Uma
vez sentado na cadeira de ministro do STF, Fachin se mostrou um lavajatista de
primeira hora, a ponto de, nas conversas da Vaza Jato, seu nome ser citado num
diálogo em que o procurador Deltan Dallagnol vibra: "Aha! Uhu! O Fachin é
nosso". "O Fachin foi uma decepção enorme. Apareceu como um defensor
dos movimentos sociais, era rejeitado pela mídia como 'esquerdista' às vésperas
da aprovação do nome dele no Senado, e no STF virou um Torquemada",
critica um jurista progressista.
O
fato de Fachin ter sido indicado por Ricardo Lewandowski de certa forma
enfraquece o favorito do ministro para sua vaga, o advogado baiano Manoel
Carlos. Aos 43 anos, quatro a menos que Zanin, Manoel é pupilo de Lewandowski,
foi seu orientando na USP e atuou ao lado do ministro no STF e também no TSE,
no cargo de secretário-geral da presidência. Ao contrário do advogado de Lula,
possui mestrado, doutorado e pós-doutorado – uma das críticas à indicação de
Zanin é não ter feito carreira acadêmica.
Embora
Lewandowski goze da admiração e do respeito do presidente, de quem é próximo há
muitos anos, e mesmo tendo sido praticamente o único dos indicados por Lula e
Dilma a ter posturas progressistas durante o tempo todo em que se manteve
ministro (16 anos), isso paradoxalmente prejudica seu candidato. "Lula vai
acabar indicando o Zanin também porque será a desculpa perfeita para não magoar
Lewandowski", diz um membro do governo. "Vai poder declinar do pedido
dele tranquilamente, porque dívida de gratidão não se questiona."
O
advogado de Lula é o nome preferido da militância do partido – e nem tanto dos
advogados progressistas que o apoiaram, que se inclinam por nomes considerados
"mais ideológicos" e que consideram ter formação acadêmica mais
sólida para ocupar a vaga. Nesse quesito, os nomes de Lenio Streck e Pedro
Serrano são os mais fortes. "É necessário que Lula e o PT tenham um
projeto de STF do tamanho de sua política internacional", opina o advogado
Fernando Augusto Fernandes. "Meu apoio é ao Lenio e ao Pedro, juristas com
notório saber jurídico e reconhecidos nacional e internacionalmente, que
poderiam falar com os outros ministros de igual para igual. Esse deveria ser o
critério."
"Eu
acho uma cagada", diz, sem meias palavras, um dos juristas progressistas
ouvido pelo site em off, para quem a indicação de Zanin é dada como certa.
"Lula está repetindo os mesmos erros de governos anteriores de seguir o
joguinho de Brasília, fazendo a escolha como prefeito de cidadezinha do
interior, e não como estadista. O critério é compadrio? Vai dar merda como das
outras vezes. Qual a posição pública de Zanin além de ser advogado do Lula? Não
sabemos a posição ideológica dele sobre nada. Qual a previsibilidade da conduta
dele no Supremo? Vai acabar se tornando um novo Toffoli."
"Não
tem jeito, desta vez o presidente tomou a decisão para si. Não é como das
outras vezes, que ouviu o Sigmaringa Seixas, o Márcio Thomaz Bastos... Mesmo
que eles ainda estivessem vivos, não ouviria", rebate outro advogado do
entorno de Lula sobre a indicação de Zanin. "O presidente está ouvindo a
opinião de todo mundo, mas entra por um ouvido e sai pelo outro."
Se
não goza de prestígio internacional em termos acadêmicos, não se pode negar que
Cristiano Zanin conquistou projeção no mundo do Direito contra o lawfare, o
tapetão jurídico que vem sendo utilizado em anos recentes para tirar do páreo
adversários políticos vencedores nas urnas, sobretudo se forem de esquerda. Foi
muito importante para a construção da estratégia de Lula como preso político a
entrada no caso de outro pioneiro no combate ao lawfare, o advogado de Direitos
Humanos e conselheiro da família real britânica Geoffrey Robertson, em 2016.
Robertson,
que representou o então ex-presidente junto à Comissão de Direitos Humanos da
ONU, conferiu legitimidade ao pleito de Lula junto aos organismos
internacionais. Como boa portadora de um incurável complexo de vira-latas, a
mídia brasileira, por exemplo, que patrocinou a Lava Jato e fazia ouvidos
moucos às queixas do PT e da esquerda sobre a injustiça que estava ocorrendo,
deu espaço ao britânico.
"Lula
deve, como qualquer cidadão, ser tratado de forma justa", disse à Folha.
"Há uma série de reclamações contra este juiz (Moro) por, por exemplo,
publicar escutas telefônicas, inclusive interceptações ilegais, e incitar os
meios de comunicação locais a demonizar Lula antes de que tenha sido submetido
a nenhum julgamento", esclareceu Robertson ao chileno La Tercera.
Em
abril do ano passado, os três advogados comemoraram uma super vitória: o Comitê
de Direitos Humanos da ONU divulgou a decisão de que Lula foi vítima de
julgamento parcial e teve violados seus direitos políticos, civis e à
privacidade. Lula se disse "de alma lavada", e o prestígio de Zanin
junto a ele foi à estratosfera.
Outros
nomes no páreo na disputa pela vaga ao STF incluem o ministro do STJ (Superior
Tribunal de Justiça) Luis Felipe Salomão, favorito do ministro Alexandre de
Moraes; o também baiano Bruno Dantas, do TCU (Tribunal de Contas da União), que
conta com a simpatia do senador Renan Calheiros e dos ministros Gilmar Mendes e
Toffoli; o advogado Pierpaolo Bottini, que advogou para réus do
"mensalão", mas que teria perdido pontos ao defender delatores
premiados na Lava Jato; Mauro Campbell, também do STJ, que tem a seu favor o
fato de ser do Norte do país, região sem representantes no Supremo; Maria
Thereza de Assis Moura, atual presidenta do STJ; e Regina Helena Costa,
ministra desta Corte.
Mas
o franco favorito é mesmo Zanin, cuja indicação se fortaleceu ainda mais na
semana passada, após a nova onda de ataques de Sergio Moro e Deltan Dallagnol a
Lula. As possíveis resistências ao nome dele dentro do Senado são cada vez
menores – e, é preciso dizer, em 133 anos de existência do STF o nome indicado
pelo presidente só foi rejeitado cinco vezes, todas elas em 1894, durante o
governo de Floriano Peixoto.
O
caso mais ruidoso de rejeição foi o de Cândido Barata Ribeiro, que amargou a
reprovação dos senadores quando já atuava como ministro do STF. Na época, o
escolhido podia assumir as funções antes de o Senado votar a indicação. Após
dez meses julgando processos como ministro, Barata Ribeiro foi obrigado a
deixar o casarão da Rua do Passeio, no centro do Rio, onde os juízes da alta
Corte despachavam antes da inauguração da nova capital.
Nos
últimos dias, a indicação de Cristiano Zanin por Lula foi reforçada pelo aval
dos ministros Gilmar Mendes e Carmen Lúcia. Também em entrevista a Reinaldo
Azevedo, Gilmar disse não ver "impedimento algum" a que o advogado de
Lula ocupe a vaga de Lewandowski. "O presidente praticamente ressurgiu das
cinzas... Foi dado como morto político. Isso tem que ser levado em conta. Eu
não opinaria contra a indicação do advogado Zanin, que eu reputo um excelente
advogado, e que teve um papel relevantíssimo, histórico até, em debater o
lawfare."
"Todos
nós, com raríssimas exceções, não fomos buscados em casa. Estávamos em algum
lugar e tínhamos conexões com a vida política. Isso está dentro de um certo
contexto político e ideológico. O fundamental é que saiba Direito e que seja
honesto", repetiu Gilmar em outra entrevista, ao jornal O Globo, no
domingo 26 de março.
"Como
juíza, integrante de um Poder Judiciário, eu respeito, desde que cumprida a
Constituição", afirmou a ministra Carmen Lúcia em entrevista ao programa
Roda Viva. Ela afirmou que Zanin "tem e já demonstrou" notório saber
jurídico e disse não ver problemas em que o indicado tenha ligações com o
presidente, o que já aconteceu diversas vezes ao longo da História. "Isso
não macula o candidato ou indicado. O presidente da República tem o direito de
escolher", disse a ministra.
Esta
semana foi a vez de o ex-decano do STF, Celso de Mello, sair em defesa da
indicação de Zanin. “A escolha de um ministro do STF tem o seu processo e
requisitos definidos na Constituição da República. O dr. Cristiano Zanin,
paulista de Piracicaba, preenche, integralmente, as condições que a
Constituição exige para investidura no cargo de juiz da Suprema Corte
brasileira. É o respeito a tais requisitos constitucionais que legitima a
escolha, pelo presidente da República, de um futuro magistrado do STF! É isso
que importa", disse Celso de Mello, também ao jornal O Globo.
No
jargão do turfe, pode-se dizer que Zanin é pule de dez. Uma barbada. Nas
corridas de cavalo, sempre há a chance de um azarão correr por fora e vencer a
disputa, mas o tempo é curto e a corrida pelo Supremo vai terminar logo, logo.
De qualquer forma, em outubro Rosa Weber se aposenta e Lula terá a chance de
fazer uma nova escolha e agradar outro grupo. E desagradar outros.
Fonte:
Fórum
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