Entrar com recurso
no INSS ou ir à Justiça? O que fazer se seu benefício está parado na fila
A
resposta negativa do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) a um pedido do
segurado pode ser questionada com recurso administrativo no instituto ou na
Justiça. Há atualmente um universo de 1,8 milhão de segurados à espera de uma
resposta a um pedido inicial.
Para
quem tem o pedido negado, o caminho pode ser ainda mais longo. Mesmo quando a
renda é garantida pela Junta de Recursos do INSS, a espera para o cumprimento
de decisões ultrapassa prazos previstos por lei e prejudica o segurado.
Segundo
auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União), o julgamento de recursos
administrativos contra decisões do INSS apresenta diversas fragilidades que,
entre outros efeitos, provoca grandes atrasos na finalização de processos. A
análise aponta que seriam necessários 16 anos para julgar os acórdãos pendentes
em 2021.
A
paulistana Yasmin Santos Araújo da Silva, 30, que recebia o BPC (Benefício de Prestação
Continuada) desde 1997, espera há mais de três anos para ter a renda
restabelecida. Ela tem paralisia cerebral espástica, com movimentos reduzidos
nos braços e pernas, e fica aos cuidados de sua avó, Maria Cícera Araújo da
Silva, 68.
Em
fevereiro de 2020, o BPC foi suspenso pela não realização da prova de vida. A
avó conta que, nesta época, recebeu uma carta que não entendeu, mas contou com
a ajuda da filha —mãe de Yasmin— para ir ao Cras (Centro de Referência da
Assistência Social) renovar seu cadastro. "Mas, no outro mês, quando fui
receber, o INSS já tinha suspendido o benefício", conta.
A
família entrou com recurso administrativo no instituto, que foi julgado
favorável à beneficiária em setembro de 2022. Porém, até abril de 2023, o
benefício não havia sido restabelecido.
"A
minha filha entrou com recurso e não sei o que fazer. Ela ganhou, mas, até
agora, não saiu nada, e estou muito necessitada. Agora mesmo Yasmin está com
problema na boca e tem de estar cuidando, tem de estar tratando, e às vezes não
tem nem como levar", conta a avó.
Maria
Cícera diz que a falta de benefício prejudica a subsistência de ambas, visto
que não trabalha para conseguir cuidar da neta. "Estou sofrendo aqui,
porque ela usa fralda, nunca andou, e eu também estou cheia de problemas de
saúde. Ela usa remédio, eu também uso bastante remédio. A sorte é a minha
filha, que me ajuda, mas ela também tem as responsabilidades dela e está muito
difícil", relata.
Procurado
pela reportagem, o INSS afirma que reativou o BPC de Yasmin em cumprimento à
decisão da Junta de Recursos, mas ressalta que o documento judicial que consta
no processo pode ser utilizado somente para recebimento de benefício em nome de
menor de idade e que, como Yasmin já tem mais de 18 anos, outros documentos serão
necessários.
"O
responsável por ela precisará apresentar uma procuração [se houver a
incapacidade de locomoção, por exemplo] ou documento em que conste como
representante legal [se houver incapacidade para a vida civil]. No primeiro
caso, o documento pode ser obtido em cartório e, no segundo, pela
Justiça", diz.
O
INSS acrescenta que, caso seja necessária a solicitação à Justiça, há a
possibilidade de receber o benefício temporariamente como administrador
provisório. "Nesse caso, após a solicitação judicial, é necessário
apresentar ou anexar no Meu INSS (aplicativo ou site gov.br/meuinss) os
documentos relativos ao processo judicial."
Para
mais informações, o órgão indica o contato pelo telefone 135. "Por esse
número ou pelo Meu INSS, também será possível, nos próximos dias, saber sobre o
pagamento, que inclui valores de janeiro de 2020 a março de 2023."
QUANDO
ENTRAR NA JUSTIÇA CONTRA O INSS?
Segundo
Rômulo Saraiva, advogado especialista em Previdência Social, a decisão de
submeter o caso aos tribunais depende de fatores como a temática, a
conveniência e a urgência, sendo ideal a análise de um especialista: "Às
vezes, o segurado tem melhores chances de ter seu pleito aceito no âmbito
administrativo do que judicial e vice-versa."
Particularidades
como a localização do segurado podem influenciar a decisão, considerando que a
fila do INSS costuma ser menor em algumas agências —o que são exceções,
considerando que a média de espera nacional de um recurso no INSS é de 411
dias.
"No
geral, a espera da resposta do recurso é massacrante. E mesmo assim corre o
risco de levar um ‘não’ no final. Assim, dependendo do caso, nem vale a pena
insistir no recurso administrativo. Melhor levar o caso para o
Judiciário", diz o advogado.
O
ideal é avaliar cada caso com o auxílio de um especialista, mas há temas em que
um dos âmbitos se destaca. Saraiva exemplifica com a temática da revisão da
vida toda, que enfrenta grande resistência nas agências do INSS, levando à
busca direta do Judiciário
Ele
ainda lembra da regra do prévio requerimento administrativo: antes de partir
para a via judicial, o segurado deve buscar seu benefício junto ao INSS.
"O segurado não precisa exaurir todas as possibilidades de recurso para
somente depois disso procurar a justiça. Se não houver resposta em até 60 dias,
a legislação já autoriza judicializar."
DESCUMPRIMENTO
DE PRAZOS DEVE SER CONSIDERADO
A
Lei dos Processos Administrativos define que o prazo para análise de um
benefício do INSS seja de 30 dias, com possibilidade de prorrogação por outros
30 dias. Porém, é comum que este período seja ultrapassado.
"Em
grande parte das situações, o INSS demora pelo menos 90 dias para dar uma
resposta do requerimento. Por diversas vezes, percebo segurados que estão
aguardando há mais de um ano", declara a advogada especialista em direito
previdenciário, Taís Santos.
A
especialista destaca que são benefícios de caráter alimentar, dos quais muitos
dependem para sua sobrevivência, e recomenda entrar com ação judicial em casos
de descumprimento de prazo.
"O
segurado não deve esperar mais de 90 dias para obter uma resposta da autarquia,
isso é inadmissível. Em casos de demora deve ser utilizado o mandado de
segurança para que o segurado tenha seu direito respeitado", indica.
SEGUNDO
ADVOGADO, INSS SUPERVALORIZA CRITÉRIO DE RENDA AO ANALISAR BPC
O
BPC é destinado a pessoas idosas ou com deficiência cuja renda por pessoa do
grupo familiar seja igual ou menor a um quarto do salário mínimo.
Saraiva
define o critério de renda como supervalorizado pela análise do INSS. "Às
vezes a pessoa ganha um pouco a mais ou extrapola o limite, mas têm muitas
despesas mensais no tratamento que desorganizam o orçamento doméstico, o que
costuma ser desprezado pela perícia social administrativa."
Ele
também cita que o Estatuto do Idoso permite que coexistam na mesma casa dois
idosos com renda mínima, mas que, no âmbito administrativo, as chances são
menores para tais situações. "Nos últimos anos a assistência social tem
baixado muito a régua do conceito de pobreza na forma da lei, gerando uma legião
de pessoas desprovidas de qualquer proteção social."
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Para a aposentadoria, decisão depende do histórico profissional
O
trabalhador deve levar em conta seu histórico profissional na decisão entre a
via administrativa ou judicial para buscar seus direitos. Saraiva aponta que
fatores como a exposição ao risco na profissão, a rotatividade de muitos
empregos e extravio de documentos ou carteira profissional podem problematizar
o pedido de cada segurado.
"Se
a documentação estiver em conformidade e sem tanta controvérsia, é melhor
resolver no INSS. Se for mais complexa, as chances são menores de o INSS ser
receptivo ou sensível a tantas externalidades negativas", conclui o
advogado.
RECONHECIMENTO
DE TEMPO ESPECIAL DEVE SER CONSIDERADO
Taís
Santos, advogada especialista em direito previdenciário, afirma que ações
relativas à aposentadoria especial e aposentadoria por tempo de contribuição
com reconhecimento de tempo especial, que consideram o período trabalhado em
condições nocivas à saúde, costumam exigir ação da Justiça para garantia de
direitos.
Porém,
algumas situações valem ser discutidas em âmbito administrativo, como o
reconhecimento de tempo especial por enquadramento profissional ou de períodos
em que o segurado comprova atuação em função nociva à saúde até 28 de abril de
1995, indicada de forma idêntica às categorias profissionais previstas em
legislação (Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979, também listadas no Anexo
III).
Já
para casos posteriores a esta data, a advogada recomenda a ação na Justiça
Federal. "Não recomendo juizado de pequenas causas devido à complexidade
destes temas", afirma.
A
advogada e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP),
Adriane Bramante, afirma que o contribuinte individual que trabalha exposto a
agentes nocivos só consegue se aposentar pela Justiça. O mesmo vale para o
vigilante ou vigia, que aguarda decisão do STF.
Bramante
afirma que a via administrativa pode ser uma boa opção para a aposentadoria
especial. "O recurso administrativo tem sido um caminho alternativo
interessante, pois o Conselho de Recursos é um órgão autônomo em relação ao
INSS e os conselheiros podem decidir com base nas decisões judiciais formadas
pelos tribunais superiores."
Mas
complementa. "Não há uma regra. Cada caso é um caso e depende do tipo de
processo e de provas."
ONDE
AJUIZAR AÇÃO: JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS OU JUSTIÇA FEDERAL COMUM?
Para
processos em busca de valores superiores a 60 salários mínimos, o ajuizamento
deve ser feito no Fórum Federal, aponta Santos. Já quando é inferior a este
valor, segue o de pequenas causas.
Porém,
a advogada adverte que jamais recomenda o ajuizamento de ações em que se busca
o reconhecimento de tempo especial em juizado de pequenas causas. "Nesses
casos, sempre busco e recomendo aguardar um tempo até que o valor da causa
supere o teto do juizado, para que possa ocorrer o ajuizamento na Justiça
Federal, dada a maior possibilidade de discussão e apresentação de
provas."
BENEFÍCIOS
POR INCAPACIDADE ENCONTRAM VANTAGENS NA JUSTIÇA
A
advogada Adriane Bramante, presidente do IBDP, aponta que geralmente ações
voltadas a benefício por incapacidade têm melhor desempenho na Justiça do que
por via administrativa. "No INSS, a perícia médica é rápida, sem
cumprimento do manual de perícias médicas, o que causa muitos
indeferimentos."
Santos
aponta a precariedade da perícia médica do órgão, que não é realizada por
especialista no problema de saúde do segurado. Além disso, no âmbito judicial
há maior possibilidade de avaliação ampla e cautelosa das provas, com análise e
discussão de documentos relacionados ao direito do trabalhador.
Segundo
a advogada, estes são aspectos que comumente fogem à análise superficial do
INSS, que também conta com excesso de critérios específicos e burocráticos que
dificultam o acesso ao benefício.
Mas
algumas situações permitem a discussão eficaz por via administrativa, indica
Santos. "Por exemplo, quando o INSS não reconhece a qualidade de segurado
ou a carência, e o segurado tiver documentos que comprovem o período de graça
ou que completou sim a carência exigida para ter acesso ao benefício."
VIA
JUDICIAL PODE GARANTIR SALÁRIO-MATERNIDADE PARA TRABALHADORAS RURAIS
Há
questões que podem dificultar o acesso ao benefício, como a anterioridade do
pagamento das contribuições previdenciárias, gestantes reclusas ou vivendo como
trabalhadoras rurais.
"O
pedido precisa ser enfrentado na esfera administrativa, mas a prioridade seria
conquistar o direito na Justiça", indica Saraiva.
Bramante
complementa. "O salário-maternidade tem muitas ações judiciais para
reconhecimento da qualidade de segurado rural. No INSS é mais difícil."
Fonte:
FolhaPress
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