segunda-feira, 3 de abril de 2023

Em tempos de consumo ligado a propósito, por que empresas nos EUA não se posicionam sobre violência armada

As maiores empresas dos Estados Unidos correram para fortalecer suas políticas de segurança de armas após o tiroteio em massa em uma escola em Parkland, Flórida, em 2018.

A Dick’s Sporting Goods parou de vender rifles semiautomáticos de assalto nas lojas. O Citigroup impôs novas restrições à venda de armas por clientes empresariais.

Um ano depois, após tiroteios em massa em um Walmart em El Paso, Texas, e uma boate em Dayton, Ohio, o gigante varejista encerrou as vendas de munição para revólveres.

Mas a onda de ações corporativas sobre armas acabou. Após o último tiroteio em massa em uma escola em Nashville, a maioria das empresas se recusou a se pronunciar.

Grande parte da América corporativa ficou em silêncio sobre as armas.

Poucas grandes empresas mudaram suas políticas relacionadas a armas nos últimos anos. Seus esforços para conter a violência armada enfrentaram forte resistência dos legisladores republicanos que se opõem às restrições de armas e às corporações que assumem papéis sociais.

Os defensores de uma política mais rígida com relação às armas dizem que as empresas têm a responsabilidade cívica de manter seus clientes e funcionários protegidos contra atentados.

Eles pediram aos varejistas que banissem armas de fogo em suas lojas, investissem em comunidades atormentadas pela violência armada e encerrassem as doações políticas a legisladores com laços com a Associação Nacional de Rifles da América (NRA, na sigla em inglês).

E também solicitaram aos bancos que parem de fazer negócios com fabricantes de armas ou munições.

Algumas empresas, incluindo fabricantes de armas, têm razões financeiras para combater as restrições. Outras empresas podem não acreditar que é sua responsabilidade ou papel entrar no debate sobre armas nos Estados Unidos.

E algumas empresas estão ficando de fora da discussão por medo de represálias políticas e antagonizando os defensores dos direitos das armas.

As armas estão “entre as questões mais quentes do momento”, disse Julian Zelizer, professor de história e assuntos públicos da Universidade de Princeton e analista político da CNN. “Em uma era polarizada, a maioria das empresas ainda prefere evitar esse tipo de pergunta.”

Mesmo que os executivos simpatizem com a necessidade de controle, eles não querem se envolver em uma questão que poderia desencadear uma reação entre alguns consumidores, disse Zelizer.

·         Contragolpe

As empresas foram alvo de suas medidas de segurança. Bancos e instituições financeiras que tentaram reduzir os laços com a indústria de armas de fogo enfrentaram pressão de legisladores republicanos.

O Texas aprovou uma lei em 2021 exigindo que os bancos subscrevam o mercado de títulos municipais do estado para certificar que não recusam e não recusarão clientes de armas de fogo.

Mais de 50 deputados republicanos apresentaram um projeto de lei no ano passado que “revidaria contra o ‘controle de armas na sala de reuniões’” e impediria qualquer empresa que recebesse financiamento federal de recusar negócios envolvendo armas de fogo.

Visa, Mastercard e Discover neste mês também interromperam um plano para implementar um novo código de categoria comercial para os varejistas de armas do país após pressão política dos republicanos.

A medida foi projetada para ajudar a sinalizar possíveis atiradores em massa e traficantes de armas. Mas duas dúzias de procuradores-gerais republicanos alertaram as empresas de cartão de crédito para que não prosseguissem com seus planos.

As autoridades republicanas disseram que a adoção de um novo código de vendas para lojas de armas prejudicaria os direitos constitucionais dos proprietários de armas e potencialmente violaria as leis antitruste e de proteção ao consumidor.

Vários legisladores estaduais também propuseram uma legislação que impediria as empresas de usar o novo código.

·         Responsabilidade corporativa

Algumas empresas e consultores questionam se as companhias devem assumir um papel ativo nas medidas de segurança de armas.

Paul Argenti, professor de comunicação corporativa na Tuck School of Business da Universidade de Dartmouth, desenvolveu uma estrutura para as empresas se envolverem em questões críticas.

Ele diz que as empresas devem se perguntar: a questão está ligada à sua estratégia corporativa, eles têm o potencial de fazer a diferença e há uma reação potencial para assumir uma posição?

“As empresas, a menos que estejam conectadas, não deveriam se manifestar”, disse ele. “Empresas não são entidades sociais.”

Mas a Corporate America nos últimos anos tentou redefinir o propósito de uma corporação além de servir aos acionistas.

Em 2019, a Business Roundtable, que representa CEOs e tenta influenciar a formulação de políticas, disse que as empresas devem beneficiar todas as partes interessadas – clientes, funcionários, fornecedores, comunidades e acionistas.

Foi um afastamento das teorias de negócios de Milton Friedman, o economista ganhador do Prêmio Nobel, que disse que a sociedade se beneficia mais de empresas que aumentam seus lucros e servem a um mestre: os acionistas.

Sob essa nova filosofia, as empresas devem assumir posições de liderança na tentativa de reduzir a violência armada, disse Igor Volksy, diretor-executivo do grupo de defesa Guns Down America.

“Se você é uma empresa que trabalha diretamente com fabricantes de armas, vende armas ou é uma mercearia, a violência armada bate à sua porta”, disse ele. “Como empresa, você tem a responsabilidade de manter seus clientes, funcionários e comunidades seguros.”

Ele também argumentou que era do interesse econômico das empresas desempenhar um papel maior na redução da violência armada por causa dos riscos comerciais dos tiroteios e do preço da violência armada nas comunidades.

Mais empresas como Dave & Buster’s, Del Taco e Walmart começaram a alertar os investidores sobre como a violência armada pode prejudicar seu desempenho financeiro.

“Não estou argumentando que eles precisam resolver a questão social da violência armada”, disse Volksy. “Estou argumentando que eles têm um incentivo comercial para resolver o custo da violência armada.”

 

Ø  Os americanos que sobreviveram a múltiplos ataques em massa

 

Shaundelle Brooks diz que se preocupa com ataques em massa com armas de fogo toda vez que deixa seu filho Aldane na escola.

Faz apenas cinco anos que ela perdeu seu filho mais velho, Akilah DaSilva, de 23 anos, em um ataque em um restaurante em Nashville.

Nesta semana, um atirador abriu fogo contra os alunos em uma escola cristã particular na cidade e seu filho Aldane foi obrigado a ficar confinado em sua escola secundária nos arredores.

"Meu coração disparou", disse Brooks à emissora americana CNN. "Aqui estamos nós de novo, outro ataque em massa."

Brooks e sua família fazem parte de um pequeno grupo de pessoas nos Estados Unidos que foram vítimas de vários ataques com arma de fogo.

Não há dados sobre quantas pessoas assim existem. Mas, embora os ataques em massa representem uma parcela extremamente pequena do total de incidentes de violência armada nos EUA, seu impacto é profundo.

Para aqueles que testemunharam mais de um caso de violência armada na vida, existe um risco ainda maior de problemas graves de saúde mental, como depressão e transtorno de estresse pós-traumático, explica Robin Gurwitch, psicóloga do Centro Médico da Universidade de Duke.

"Quanto mais exposição temos a eventos traumáticos, mais eles se acumulam", diz.

Em um dia de neve de novembro em Michigan, a estudante do Ensino Médio Emma Riddle teve que correr para salvar sua própria vida depois que um atirador abriu fogo contra seus colegas de classe.

Ela se lembra particularmente de seus pés gelados, pois usava tênis Vans velhos que vestira às pressas naquela manhã.

Durante meses após o ataque de 2021, no qual quatro estudantes morreram, Riddle usou tênis esportivos todos os dias, disse ela, para o caso de ser surpreendida com outra situação semelhante.

Menos de dois anos depois, Riddle, de 18 anos, se viu confrontada com outro ataque em massa, desta vez na Universidade do Estado do Michigan.

Ela e dezenas de outros alunos da Oxford High School passaram horas trancados em uma sala enquanto um atirador abria fogo contra vítimas no campus, matando três pessoas e ferindo cinco.

"Estou sempre preparada", disse Riddle à BBC. "Eu sempre olho para as saídas se estou em um prédio ou para ver se há uma janela pela qual posso sair ou se há uma porta que posso trancar rapidamente."

Ashbey Beasley estava visitando Nashville no momento do ataque à Escola Covenant no início desta semana. Ela e seu filho são sobreviventes de outro episódio semelhante, em Highland Park, Illinois, no ano passado, quando sete pessoas foram mortas.

Ela foi a uma das coletivas de imprensa da polícia em Nashville na segunda-feira e, ao final, abordou os repórteres e perguntou: "Como isso ainda está acontecendo? Como nossos filhos ainda estão morrendo e por que estamos falhando com eles?"

Os ataques em massa com armas de fogo são a causa de estresse número um apontada pelos americanos em uma pesquisa de 2019, na qual um terço dos adultos disse que evitava certos lugares e eventos por conta de seus temores.

E pesquisas recentes sugerem que a maioria dos adolescentes nos EUA está preocupada que um caso desses aconteça em sua escola.

O aumento da cobertura da imprensa sobre esses eventos provavelmente contribuiu para uma sensação de pânico, diz James Alan Fox, professor da Universidade Northeastern que mantém um banco de dados do USA Today sobre assassinatos em massa. "Parece que está acontecendo o tempo todo, mas não está", disse ele.

Mas todo ataque em massa também deixa amplos efeitos em cascata na família, amigos e comunidades das vítimas, dz Charles Branas, presidente do Departamento de Epidemiologia da Escola de Saúde Pública Mailman da Universidade de Columbia.

Mesmo aqueles que não testemunharam a violência armada, mas tiveram que ficar em confinamento devido a falsas ameaças de ataque, são mudados para sempre por aquele evento, diz James Densley, um anglo-americano codiretor do Projeto Violência, um centro de pesquisa que monitora ataaques armados nos Estados Unidos.

Os americanos também estão sujeitos a um tipo de trauma "indireto", pois as crianças participam de treinamentos contra ataques em massa nas escolas e muitas são forçadas a reviver esses episódios nas redes sociais, onde são bombardeadas com imagens, disse ele.

Para aqueles que tiveram que reviver seu trauma ao testemunhar um segundo ataque em massa, esses efeitos negativos são multiplicados, diz Gurwitch. "Agora não é mais só um ataque, mas dois, e vou pensar que quando virar a esquina serão três, quatro e cinco."

Riddle diz que já havia aprendido como lidar com a tragédia em sua escola, trabalhando para lidar com a dor ao longo do tempo.

Mas a exposição a vários ataques em massa em duas cidades em que morou ao longo de menos de um ano e meio interrompeu seu processo de cura, disse ela.

"Quando você está lidando com as emoções e tentando processar tudo, você se apoia dizendo 'Acabou. Nunca mais terei que passar por isso novamente. Nunca mais terei que ir a vigílias de homenagem ou funerais de amigos ’”, diz.

"Vai demorar muito até que eu volte a me sentir como era antes desses dois eventos."

 

Fonte: CNN Brasil/BBC News Mundo

 

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