Campo teve números
de guerra com Bolsonaro; para CPT, solução é Lula fazer a reforma agrária
O
coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Carlos Lima,
afirmou ao Brasil de Fato que
o governo Lula (PT) representa uma oportunidade para a
adoção de medidas emergenciais para garantir a paz no campo brasileiro. Segundo
a entidade, essas ações amenizariam a política de incentivo à violência contra
sem-terras, indígenas e quilombolas que marcou o governo Jair Bolsonaro (PL).
“Com
toda a certeza que os dados nos garantem, o período de 2019 a 2022 foi o mais violento dos últimos 10 anos. A
quantidade de conflitos assusta: 8
mil ocorrências no campo brasileiro. Nós da CPT afirmamos que o marco inaugural desse momento é o golpe
que ocorreu contra a democracia brasileira em 2016”, frisa Lima.
Divulgado
nesta semana, o tradicional relatório anual da CPT "Conflitos no Campo" descreve um cenário de aumento da violência
em 2022. Houve crescimento
de múltiplos indicadores, entre eles os assassinatos, que subiram 30% em
relação a 2021 e 123% na comparação com 2020. Em média, o campo brasileiro teve
um conflito a cada quatro horas no ano passado.
Lima
sugere que a gestão Lula pode
agir junto ao Poder Judiciário, criando mecanismos de
proteção para as famílias que vivem em insegurança jurídica em suas terras.
Além disso, diz que é preciso garantir o fim de despejos em ocupações, sejam
aqueles autorizados por decisão judicial ou os que se dão em função da atuação
de milícias rurais.
“Mas
a maior das medidas é a realização da reforma agrária, a demarcação dos
territórios indígenas, a titularização das terras
quilombolas.
A garantia do território pesqueiro, a garantia do território quilombola, dos
ribeirinhos. São esses processos que vão mexer na estrutura do país”, diz o
coordenador da CPT.
O
relatório aponta que na Amazônia os conflitos cresceram
em ritmo duas vezes mais intenso do que em outras regiões. O número de
famílias atingidas por despejos de agrotóxicos cresceu 86% e em 2022 foi o
maior já registrado pela entidade. A quantidade de trabalhadores resgatados da
escravidão rural foi o maior dos últimos 10 anos.
“O
Estado tem que garantir a esses povos condições de vida digna e proteção para
continuarem vivendo e terem garantidos seus modos de vida e suas relações com a
natureza. Para nós, isso significa garantir o futuro do planeta Terra.
Carlos Lima, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) concedeu entrevista a Murilo Pajolla do Brasil
de Fato, 22-04-2023.
Eis a entrevista.
·
Quais são as medidas que o governo Lula pode tomar
para colocar o campo brasileiro na rota da pacificação?
O
governo tem, por exemplo, que evitar despejos judiciais ou despejos praticados
por pistolagem, por jagunços e por milícias. Pode também agir junto ao Poder Judiciário criando mecanismos de proteção a essas famílias
que vivem essa insegurança jurídica de forma permanente em suas terras.
Outra
possibilidade é simplesmente usar a Constituição brasileira: demarcar os territórios indígenas,
garantindo aos povos originários o seu direito sagrado, histórico,
constitucional, que é ter domínio da sua terra enquanto espaço ancestral. É
preciso ainda garantir aos camponeses, especialmente ao povo sem terra, o
acesso à terra, à reforma agrária.
O
governo também pode criar mecanismos de segurança e proteção para as pessoas
ameaçadas. Criar e fortalecer os programas já existentes que garantam proteção
física para essas pessoas que são ameaçadas, para que não ocorram mais
assassinatos nos campos.
Mas
acreditamos que a maior das medidas é a realização
da reforma agrária, a demarcação
dos territórios indígenas e a titularização das terras quilombolas. A garantia do território
pesqueiro e dos ribeirinhos.
São
esses processos que vão mexer na estrutura do país, devolver ao povo o direito
de viver na terra e no território, mudar esses números, que vão diminuir a
violência. E quem sabe, em pouco tempo, com um projeto sério - que seja
monitorado, não apenas uma ação pontual, mas uma parte efetiva da política do
Estado - a gente venha a diminuir a violência no campo. É isso que a CPT sonha e as organizações do
campo tanto lutam para que a gente tenha paz e justiça no campo brasileiro.
·
Como o governo Bolsonaro induziu o crescimento da
violência no campo?
A
violência é o instrumento recorrente e histórico utilizado contra as
comunidades e contra os povos com o objetivo de liberar terras para a ação do
capital no campo. Essa é uma prática recorrente desde a invasão dos portugueses
ao nosso país.
Quando
a gente pensa nos quatro anos de Bolsonaro,
a gente vai percebendo os mecanismos, as formas que o governo utilizou para
promover a violência ou para garantir a impunidade a quem promove a violência.
E o governo garantiu que essa violência pudesse ocorrer com a tranquilidade que
os agressores precisam, com a certeza da impunidade e com o enfraquecimento do
Estado quando se trata de fiscalização.
Por
exemplo, o governo facilitou o acesso às armas. Ou quando o
governo enfraqueceu ainda mais os órgãos de fiscalização do Estado. Ou quando o
governo fez a opção de sucatear o Incra e a Funai. E quando o governo, através
de uma propaganda de uma narrativa agressiva, criminaliza a ação dos movimentos sociais em todo o país.
Com
toda a certeza que os dados nos garantem, o período de 2019 a 2022 foi o mais violento dos últimos
10 anos. A quantidade de conflitos assusta: 8 mil ocorrências no campo
brasileiro. Nós da CPT afirmamos
que o marco inaugural desse momento é o golpe que ocorreu contra a democracia
brasileira em 2016. Isso fica muito evidente quando nos debruçamos sobre a
questão da violência às pessoas. Tivemos um número muito alto de tentativas de
assassinatos no país em 2022. O número de ameaçados também aumentou
consideravelmente. Em 2021 tivemos
144 tentativas e em 2022, 206.
O
grande número de assassinatos também entristece todos aqueles que pensam em um
Brasil desenvolvido, com reforma agrária, com alimentos de boa qualidade,
especialmente porque isso, como tenho afirmado inúmeras vezes, a luta pela
terra e pelo território é prevista na nossa Constituição. Nós tivemos no ano de 2022, 47 assassinatos. Isso
clama aos céus. Isso denuncia a fragilidade, a omissão, a conivência e muitas
vezes o protagonismo do Estado na promoção dessa violência.
Outra
questão muito forte é que o agronegócio,
que se apresenta como mais moderno, que está nas regiões mais fortes no país do
ponto de vista da economia, continua com a prática arcaica
escravocrata que
fundamentou o seu nascimento, ou seja, a prática de trabalho escravo.
Para
termos uma noção, em 2022 foram
registrados 207 casos e 2018 trabalhadores foram resgatados. E
isso ocorre no coração do agronegócio:
monocultivos de cana, soja, alho, café e maçã.
Isso
também explicita a relação Estado/Agronegócio, que é uma relação
histórica, baseada na exploração das comunidades, nas mortes das pessoas, na
destruição da natureza e dos modos de vida das comunidades e dos povos. Isso
precisa acabar. O Estado precisa garantir condições para aqueles que querem
trabalhar na terra e, de forma especial, para os mais fragilizados do ponto de
vista econômico, os sem terra, quilombolas e indígenas.
O
Estado tem que garantir a esse povo condições de vida digna e proteção para
continuarem vivendo e terem garantido em seus modos de vida as suas relações
com a natureza e a sua proteção à natureza que, para nós, significa garantir o
futuro do planeta Terra.
A CPT mostra que o governo Bolsonaro concentrou 60% das invasões de terras registradas
nos últimos 10 anos. Um governo que foi eleito pregando a pacificação no campo…
Bolsonaro foi campeão de invasões de terras. Em primeiro lugar, é importante estabelecer a diferença entre ocupações/retomadas e invasões. O primeiro
instrumento seriam as ocupações de terras improdutivas feitas pelo povo
sem-terra, fruto de uma organização, de uma leitura da área: se a área tem
débito, a produtividade dessa área… É uma forma de agilizar a reforma agrária. Todos os processos de desapropriação de terras destinadas
à reforma agrária são, na sua grande maioria, resultado das ocupações de terra.
Então é um instrumento legítimo e democrático.
Também
ocorre com as retomadas,
quando tratamos dos povos originários e das comunidades quilombolas, que
tiveram seu território invadido. Foram expulsos desses territórios no passado e
agora, em uma ação para retomar esses territórios, ocupam, pedem e exigem a
demarcação. Esse é um instrumento democrático que garante ao povo acesso à
terra e a seu território.
Já
a invasão é um
processo praticado pelas elites, pelo Estado, no sentido de expulsar essas
comunidades, por um interesse econômico naquela terra. E isso, no governo
Bolsonaro, fica muito claro a partir dos números e registros que nós realizamos
durante todo esse tempo.
Do
total de 661 terras indígenas
invadidas na última década, 411 ocorreram
no período do governo Bolsonaro.
É um governo que incentivou e garantiu a prática da invasão aos territórios,
especialmente e particularmente aos territórios indígenas. Facilitou a entrada
de grileiros e garimpeiros no sentido de tornar livre aqueles territórios para
a expansão do capital, para que o capital possa obter mais lucros. Por isso,
pratica-se invasão e, consequentemente, invasão de onde moram as famílias e os
povos do campesinato.
Essa
é uma realidade crescente que esperamos que o atual governo Lula possa coibir, como já o fez
no caso do povo Yanomami.
Ø
Brasil
é líder em conflitos socioambientais na Amazônia
Dono
da maior extensão de Floresta Amazônica, o Brasil também é campeão em conflitos
socioambientais na
região. Um levantamento inédito comparando a situação de quatro países mostrou que,
dos 1.308 confrontos registrados em 2017 e 2018, 995 ocorreram em solo brasileiro. Colômbia (227
conflitos), Peru (69)
e Bolívia (17) são os
seguintes na lista.
Publicado
nesta quarta-feira (23/09) no Atlas Conflitos
Socioterritoriais Pan-Amazônico e coordenado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), o levantamento corresponde a 85%
da área da Pan-Amazônia.
"No Brasil, a principal causa dos
conflitos é o agronegócio, que envolve tanto a pecuária, como soja e outras
monoculturas", detalha à DW
Brasil Josep Iborra Plans, da coordenação
da CPT.
Em
muitos casos, membros de comunidades que lutam
pela terra que ocupam são vítimas de violência. Nos quatro países
analisados, 118 assassinatos foram motivados por conflitos do tipo. A maioria
foi no Brasil: 80 mortes,
sendo seis vítimas mulheres.
A violência foi medida também no
número de tentativas de assassinato (100), ameaças de morte (225) e agressões
de diversos tipos (115).
Um
dos crimes mais marcantes contabilizados no Atlas foi o massacre de Pau
D'Arco,
no sul do Pará. Em 24 de
maio de 2017, policiais atiraram contra 25 trabalhadores rurais, mataram nove
homens e uma mulher.
Os
assassinatos aconteceram na Fazenda Santa Lúcia, onde 29 policiais
civis e militares teriam ido cumprir 14 mandados de prisões preventivas e
temporárias contra os trabalhadores que
estavam acampados na área.
O
terreno, com mais de cinco mil hectares, era reivindicado pelos trabalhadores sem-terra desde
2013. Segundo a CPT, a
família Babinski, do sul do
país, se dizia dona da fazenda e havia feito um pedido de reintegração de posse
contra os acampados.
Para
os autores do relatório, o caso de Pau D'Arco ainda choca
pelo nível de crueldade e o envolvimento de agentes de segurança do Estado, que
"atuaram deliberadamente como um grupo de extermínio na defesa dos
interesses de particulares".
O
documento afirma que o massacre "escancara a histórica aliança entre
o Estado e latifúndio, revelando ainda
todo o ódio e as estratégias de tratamento dado àqueles que lutam por um pedaço
de terra e a concretização da Reforma
Agrária no Brasil."
·
Raízes dos conflitos
Na Colômbia, segundo país com maior
número de conflitos, obras de infraestrutura de transporte como estradas,
pontes e hidrovias são a maior causa dos confrontos, além das hidrelétricas. O
cultivo de produtos ilícitos na Amazônia, porém, segue um
fator relevante no país.
A mineração e exploração de petróleo são
os motivos dominantes que geram confrontos com famílias que vivem na Amazônia peruana, segundo o Atlas. Na Bolívia, extração de madeira representa 43,2% do total de
conflitos, seguida pelo agronegócio.
Calcula-se
que quase 168 mil famílias nos quatro países tenham sido, de alguma forma,
atingidas por disputas territoriais na Amazônia. "A tendência é piorar", analisa Plans com base na experiência
acumulada na CPT, que
publica anualmente o relatório Conflitos no Campo
Brasil,
há três décadas.
Para Patrícia Chaves, pesquisadora da Universidade Federal do Amapá (Unifap) que participou do estudo, os
mapas dos conflitos mostram o quão profundos e diversos são os impactos que a
exploração econômica desenfreada gera nos territórios.
"A Amazônia sempre esteve
em disputa. O bioma tem exercido esse papel de fornecer recursos para que o
capitalismo se desenvolva gratuitamente", analisa Chaves. "O Estado dá o aval para
planos de exploração, para as concessões. Ele não está em defesa da sociedade e
população que o elegeu, mas defende iniciativa privada, forte, internacional e
nacional."
No Brasil, a complexa situação fundiária
está longe de ser resolvida. "Por causa disso as populações locais estão
morrendo. E com eles morre também a Amazônia", opina Chaves.
O
posicionamento adotado pelo presidente Jair Bolsonaro agrava a
disputa, analisa Plans.
"Ele está facilitando a
grilagem,
que tem aumentado muito. O interior das reservas está sendo invadido",
afirma, pontuando a crescente ameaça sobre comunidades tradicionais,
quilombolas e indígenas.
"No Brasil, aqueles que ocupam, desmatam,
queimam acabam sendo recompensados com a regularização da área",
lamenta Plans.
Fonte: IHU
OnLine/Deutsche Welle
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