Samuel Hanan: ‘Sonhos de um cidadão comum
da Amazônia’
Sou um cidadão
amazonense, nascido em Manaus há 77 anos, e ainda guardo em minha memória o
mais frequente conselho de meus pais, ambos nascidos no interior do Amazonas:
“Filho, estude. Estude muito. O Brasil é o país das oportunidades e logo será
um dos líderes mundiais”.
Ouvia isso numa época
em que Manaus tinha menos de 100 mil habitantes, e a população não dispunha de
energia elétrica 24 horas por dia nem de água tratada. O serviço de esgotamento
sanitário era precaríssimo e todas as crianças e jovens estudavam em escolas
públicas.
Hoje, já próximo dos
80 anos, tenho a convicção de que meus pais estavam absolutamente certos em
relação à potencialidade do país. O Brasil é a quinta maior nação em grandeza
territorial, rico em seu subsolo repleto de minerais, rico em fertilidade do solo,
com a sexta maior população mundial, recursos financeiros abundantes e
suficientes para alavancar o progresso e, ainda, o exuberante patrimônio
natural da Floresta Amazônica, a maior floresta tropical do mundo e a região de
mais significativa biodiversidade do planeta.
A previsão dos meus
pais só errou no tempo. Tantas décadas depois do vaticínio, o Brasil continua
patinando na direção de país do futuro e se consolidando como a nação das
oportunidades perdidas. Não por culpa de seu povo, mas pelos erros e omissão de
seus governantes.
O futuro é hoje. Meus
estudos e experiência de vida me permitem a autoclassificação em uma categoria
muito bem definida pelo escritor e dramaturgo paraibano Ariano Suassuna (1927-
2014): “O otimista é um tolo. O pessimista é um chato. Bom mesmo é ser um
realista esperançoso”.
Apesar de tudo, ainda
alimento o sonho de ver o Brasil fazer uma fundamental correção de rumo
alicerçada na ética, na moral e na honestidade, três coisas que o dinheiro não
compra. Mantenho a expectativa de o país levar ao cotidiano de todos os seus
cidadãos os ensinamentos inseridos no Hino Nacional: liberdade, patriotismo e
igualdade fraterna. Espero ainda ver a realização dos versos de Cazuza
(1958-1990): “Brasil, mostra a tua cara/e eu não vou te trair/confia em
mim”. Esta canção é um retrato contundente
da insatisfação social e política, permeada pelo sentimento de exclusão e
desilusão com as promessas de um país melhor que nunca se concretizam para
todos.
Minha geração assistiu
ao Brasil governado por 23 presidentes diferentes (incluindo a Junta Militar de
1964 e dois interinos). O País teve sete moedas e 14 planos econômicos somente
nos últimos 45 anos. Atingimos a maioridade democrática, entretanto o abismo
econômico e a concentração de renda entre os brasileiros continuam gigantes. O
que aconteceu, então?
Cabe indagar o que
falta para a classe política, a imprensa, a sociedade, enfim, fazer uma
reflexão profunda para enxergar que o processo político precisa ser alterado
com urgência, dada a constatação de que não funciona. A retrospectiva dos
últimos 35 anos comprova essa assertiva.
Nesse intervalo, o
País elegeu cinco presidentes da República de diferentes perfis e ideologia.
Destes, dois sofreram impeachment; um, após oito anos de mandato foi
denunciado, julgado, condenado e preso por corrupção, teve posteriormente suas
sentenças anuladas e voltou ao poder para o terceiro mandato; outros dois
saíram do governo pela porta lateral devido à baixíssima popularidade, e o
último não conseguiu se reeleger pela inabilidade no governo e outras razões
que agora não importam.
O fato é que o país do
futuro sofre no presente, conforme demonstram os indicadores sociais e
econômicos. No Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Brasil caiu de 77º
lugar em 2002 para a 88ª posição em 2023. No coeficiente Gini, que mensura a
distribuição de renda, estamos estagnados há 35 anos na 6ª pior classificação
no ranking mundial. Patinamos na
Educação, com a 62ª posição no ranking do PISA (avaliação de matemática, língua
portuguesa e conhecimentos gerais) entre 67 países avaliados e, agora, segundo
o PNUD/Banco Mundial, ficamos pessimamente classificados também em
criatividade. Não há como deixar de citar o líder abolicionista Frederick
Douglass que escreveu que “Educação e escravidão são incompatíveis, o
conhecimento torna o homem inadequado para ser escravo”.
A população vive com
medo porque o país é o recordista mundial em número de homicídios, com 46 mil
mortos por ano; um estupro a cada seis minutos – índice de 44,1 mil casos por
grupo de 100 mil mulheres, a maioria crianças menores de 13 anos – alto índice
de feminicídios; trânsito violento registrando a trágica média de 39 mil
vítimas fatais por ano; e o avanço irrefreado das facções criminosas, em número
superior a 70, dominando territórios e presídios, controlando o tráfico de
drogas e de armas e decidindo quem vai viver e quem vai morrer.
Por outro lado, as
desigualdades regionais se perpetuam, em grande parte provocadas por políticas
públicas equivocadas. Exemplo disso: a renda mensal per capita dos habitantes
das regiões Norte e Nordeste (R$ 1.160,00) é 36% menor do que a renda média nacional
(R$ 1.828,00). A diferença é ainda maior se comparada com a renda per capita
mensal da região Sudeste (R$ 2.237,00). Os brasileiros, portanto, não são de
classe única, mas de classes diferenciadas em função do local onde nasceram ou
vivem.
A concentração de
renda é absurda, entre as seis ou oito piores de mundo. Hoje, 1% dos cidadãos
mais ricos detêm quase a metade (49%) do total das riquezas do país. Cerca de
60% da população nacional vive com renda mensal bruta de até um salário-mínimo
(R$ 1.412,00), mesmo valor dos proventos de 70% dos aposentados e pensionistas
do INSS. Um degrau acima temos praticamente um terço (32%) dos brasileiros tem
renda mensal que não ultrapassa três salários-mínimos.
O país vive à beira da
estagnação. Nos últimos 35 anos, o crescimento médio do Produto Interno Bruto
(PIB) foi de apenas 2,13% a.a., muito abaixo dos períodos anteriores pois de
1965 a 1988 o crescimento médio foi de 6,05% a.a., mesmo com carga tributária
45% menor que a de hoje.
Este, aliás, é outro
entrave ao desenvolvimento. O Brasil está em 13º lugar dentre os 30 países com
maior carga tributária do planeta. Cobra muito, porém devolve pouco em serviços
básicos como educação, saúde, segurança e habitação. É o 30º, o lanterna, nesse
quesito no Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (IRBES).
Temos motivos, ainda,
para nos preocupar com outros importantes indicadores. Em termos de liberdade
econômica – considerando-se estado de Direito, tamanho do governo, eficiência
regulatória e mercados abertos –, o Brasil ocupa a 127ª posição no ranking de
186 países. Em liberdade de expressão o País é apenas o 87º colocado entre 161
países no ranking elaborado pela organização não-governamental inglesa Article
19.
Quando se fala em
corrupção, nosso desempenho é igualmente vergonhoso. Nos últimos 25 anos, o
país caiu 35 posições no Índice de Percepção de Corrupção do Setor Público,
elaborado pela Transparência Internacional. Saímos da 69ª posição para a
desonrosa e catastrófica 104ª posição. Ignoram-se solenemente os ensinamentos
do deputado Ulysses Guimarães (1916-1992), autor de verdadeira aula de
patriotismo: “A moral é o cerne da pátria. A corrupção é o cupim da República.
República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos que, a
pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, por na cadeia
quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública”.
Outro problema grave
da nação é o gigantismo da máquina pública. Um setor que, apesar do tamanho, é
ineficiente. Seu enxugamento – sem comprometimento da qualidade dos serviços
que oferece – é possível mediante a redução de uma casta privilegiada e não-concursada,
que onera os cofres públicos, reduzindo os recursos destinados às
atividades-fim, estas sim, de interesse da população.
Falta também maior
controle dos gastos públicos, o que exige uma revisão urgente de prioridades.
Hoje, o Brasil gasta 32% a 33% do PIB (carga tributária), compromete outros 8%
a 10% do PIB com o déficit público nominal e ainda concede renúncias fiscais da
ordem de 4,8% a 5% do PIB sem observar os preceitos constitucionais de que tais
renúncias devem ser concedidas para reduzir as desigualdades regionais e
sociais.
Tropeçamos também na
competitividade, quesito no qual o Brasil tem a 6ª pior colocação entre os 67
países de maior expressão econômica no mundo. E nosso Judiciário, apesar de
altamente custoso aos cofres públicos, nos deixa apenas na 104ª posição no ranking
de 134 nações em eficiência judicial.
Como se não bastasse,
o Brasil insiste em apostar no equilíbrio das contas públicas somente por meio
do aumento da carga tributária, “solução” que penaliza a população, notadamente
a mais carente. “Uma nação que tente prosperar com base em impostos é como um
homem com os pés dentro do balde tentando levantar-se puxando a alça do balde”,
dizia Winston Churchill (1874-1965), ex-primeiro-ministro do Reino Unido, em
lição não aprendida por nossos governantes.
Relembro as lições de
meus pais e não quero ver meus sonhos transformados em pesadelos. Sigo
acreditando no Brasil, convicto de que não faltam à nação recursos financeiros,
humanos ou naturais. Temos todas as ferramentas necessárias. Mãos à obra.
• Amazônia perde umidade e área nativa e
pode se tornar vulnerável a incêndios 'naturais' nos próximos anos
A ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva, afirmou nesta quarta-feira (4) que dados apontam uma
mudança no "perfil" dos incêndios que atingem a Floresta Amazônica.
Segundo Marina, com o
avanço da crise climática, a Amazônia vem perdendo umidade. E se isso
continuar, pode inclusive ficar vulnerável a incêndios naturais.
🔥 A principal causa de um incêndio natural é a descarga elétrica
de uma tempestade de raios. É uma ocorrência comum em matas secas como do
Cerrado – mas não na Amazônia, que é uma floresta tropical úmida.
Marina participou de
uma sessão da Comissão de Meio Ambiente do Senado nesta quarta para falar sobre
as queimadas e a estiagem prolongada que atinge a maior parte do país – com
prejuízo maior ao Pantanal e à Amazônia.
<><> De
acordo com a ministra do Meio Ambiente:
• 27% das áreas atingidas por queimadas
(cerca de 900 mil hectares) estão em regiões de atividade agropecuária;
• outros 41% (1,4 milhão de hectares)
estão em áreas de vegetação não florestal – "pastagem ou uma capoeira
rala", nas palavras da ministra;
• e 32%, pouco mais de 1 milhão de
hectares, em área de vegetação florestal.
Esse percentual de
queimada em área de floresta, segundo Marina Silva, é muito maior do que a
série histórica recente. E indica uma mudança no perfil do fogo e da floresta.
"Até pouco tempo,
acho que isso representava no máximo 15% a 18%. Agora, 32%. No Amazonas, ano
passado, 37% [dos incêndios] dentro de floresta primária", comparou.
"O que isso
significa? Significa que nós estamos num processo severo de mudança do clima, a
floresta entrando num processo de perda de umidade e se tornando vulnerável a
incêndio. Seja por ignição humana ou até no futuro, se isso permanecer, por fenomenos
naturais, em função da incidência de raios. É uma química altamente deletéria,
inimaginável", disse Marina Silva.
<><> Mais
esforços e mais orçamento
Na audiência com
senadores, a ministra do Meio Ambiente que, diante dos dados, será preciso
ampliar — cada vez mais — os esforços e recursos de combate a consequências das
mudanças climáticas.
Marina mencionou altas
orçamentárias em relação ao governo de Jair Bolsonaro (PL) fez apelos a
congressistas para “quem quiser contribuir” com recursos à pasta.
A ministra defendeu,
ainda, que o Congresso crie um marco regulatório de emergência climática – que
exclua da meta fiscal do governo federal os recursos gastos nessas condições.
“Se tenho que agir
preventivamente, como é o entendimento de Vossas Excelências e nosso, tenho que
ter cobertura legal para isso”, afirmou.
Marina avaliou que o
governo vive um “paradoxo” com cobranças simultâneas de investimento em medidas
de combate ao incêndio e em empreendimentos que são “altamente
retroalimentadores do fogo”.
Ela não especificou
quais investimentos seriam esses, mas, em outro momento de sua participação,
rebateu críticas sobre seus posicionamentos contrários a obras de infraestrutra
e exploração mineral, como a margem equatorial.
“Nós temos condições
de fazer esse enfrentamento com os meios que dispomos? Vamos ter que ampliar
cada vez mais o nosso esforço. Ao mesmo tempo somos cobrados que tenha-se
medidas para fazer medidas de combate ao fogo e, ao mesmo tempo, somos cobrados
para que se faça investimentos que são altamente retroalimentadores do fogo. É
um paradoxo. Não preciso citar aqui os empreendimentos”, declarou.
<><>
Esforço é para 'empatar o jogo'
A ministra disse ainda
que o esforço do governo federal no enfrentamento às queimadas e à seca
histórica no país é para "empatar o jogo" – ou seja, para mitigar os
danos e reverter o que ela chama de "condições muito desfavoráveis".
Segundo Marina, o
trabalho feito pelo governo desde janeiro de 2023 evitou uma "situação
completamente incontrolável".
"Eu diria que o
esforço que está sendo feito nesse momento é de tentar 'empatar o jogo', com
essas condições totalmente desfavoráveis", disse Marina.
<><>
Queimadas e seca
Em agosto, o Brasil
registrou o maior número de focos de queimadas desde 2010. Segundo o Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram 68.635 registros. De acordo com o
Inpe, mais de 80% desses focos ocorreram na Amazônia e no Cerrado.
A marca é a quinta
pior, desde o início da coleta pelo Inpe, para o período. E os números também
são maiores do que o total observado em agosto de 2023. Em comparação direta
com o mesmo mês, os focos de queimadas pelo país dobraram — eram 28.056 no
último ano.
As queimadas não são o
único fenômeno climático ocorrendo no Brasil. Segundo o Centro Nacional de
Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), o país também enfrenta a maior
seca desde 1950. A estiagem tem afetado, de acordo com o órgão, todo o país, com
exceção do Rio Grande do Sul.
Nas últimas semanas,
uma face mais visível das queimadas e do clima seco atingiu parte do país.
Cidades ficaram encobertas por fumaças, que tiveram, segundo especialistas,
origem em incêndios florestais de regiões como a Amazônia e o Pantanal.
Fonte: Le Monde/g1
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