segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Rede de grupos e páginas bolsonaristas com 1,2 milhão de pessoas virou a casaca em apoio a Pablo Marçal

Pelo menos 11 grupos e páginas de extrema direita, que atingem mais de 1,2 milhão de usuários ativos, migraram de seus antigos tópicos – que vão de Bolsonaro a Sergio Moro, passando por militares – e se converteram para um só tema, ou melhor, candidato: Pablo Marçal. 

Em um levantamento inédito, feito em conjunto pelo ICL Notícias, Aos Fatos e Intercept Brasil, foi possível verificar ao menos oito grupos (seis no Facebook, um no Telegram e um no WhatsApp) e três perfis no Instagram que foram modificados a partir de maio deste ano para o nome de Marçal. 

Desde então, passaram a distribuir mensagens de divulgação de seu nome ou candidatura, além de distribuir conteúdos com desinformação e ataques a adversários do candidato ou do ex-presidente Jair Bolsonaro. 

O maior dos grupos é o do Telegram, que conta agora com 117 mil membros e está sendo divulgado pela campanha de Marçal. Até a noite do dia 8 de agosto deste ano, data do primeiro debate entre os candidatos à prefeitura de São Paulo, ele tinha o nome de “InfluenciadoresProBolsonaro”. 

Criado em 10 de outubro de 2022, o grupo foi alterado para “Marçal por São Paulo” naquela ocasião e estava com 51.936 membros. Há alguns dias, Marçal passou a divulgar um link para que pessoas entrem no grupo e agora o número quase dobrou. A reportagem recebeu os prints que confirmam a mudança.

O grupo no Telegram havia sido criado no segundo turno da eleição presidencial de 2022, e foi utilizado para transmitir uma live  conjunta de  Jair Bolsonaro e Marçal a duas semanas do fim do pleito. Na ocasião, Marçal passava instruções a supostos 320 mil influenciadores para fazer campanha para Bolsonaro. 

Nesse grupo, foi distribuído um material chamado de “Faça o que precisa ser feito!” com “7 missões” para os “influenciadores”. O documento, revelado pelo site Poder 360, dava instruções para que os apoiadores criassem grupos no WhatsApp, utilizassem uma imagem da bandeira do Brasil em seus perfis de redes sociais, gravassem vídeos e ajudassem a difundir mensagens do grupo original.

<><> Vira-casacas articulados em rede

Pelo menos três grupos no Facebook que passaram a apoiar Marçal nas últimas semanas contam com os mesmos administradores – perfis falsos com fotos de mulheres geradas por inteligência artificial.

É o caso do grupo “Juntos com Pablo Marçal – SP”, com 36,5 mil membros, que já andou em outras companhias. Criada em 21 de março de 2016, ainda no início do processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, a comunidade se chamava “Juntos com o juiz Sergio Moro” até 7 de agosto de 2024. Foi só então que passou a divulgar a candidatura do ex-coach.

Até se engajar na campanha de Marçal, o grupo estava parado havia pelo menos sete meses. Antes disso, tinha sido usado para convocar manifestações na Avenida Paulista ou pedir o impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, dentre outras bandeiras da extrema direita.

As últimas movimentações do grupo foram o compartilhamento de vídeos de políticos como o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, e o senador Eduardo Girão, ambos do Novo.

A estreia de Marçal na timeline ocorreu no dia 7 com duas publicações no espaço de 4 minutos: um retrato com o slogan “mude você que ele muda o Brasil” e uma foto no alto de um trio elétrico, fazendo arminha com a mão ao lado de Bolsonaro. “São Paulo não pode cair nas mãos da esquerda nem do PT!! Bora apoiar Pablo Marçal!! O Brasil precisa de São Paulo!!’, publicou a suposta administradora do grupo.

Um mesmo perfil falso, com foto de uma mulher gerada por IA,  é membro do “PABLO MARÇAL – PREFEITO DE SÃO PAULO 🇧🇷 ✨✨, coletivo que teve um passado ainda Com 55,6 mil participantes hoje, o grupo foi fundado com uma identificação genérica à direita conservadora. Em 2022, porém, atuou na campanha de Sergio Moro, do União, ao Senado. Um dia após o primeiro turno das eleições daquele ano, passou a se chamar “bolsonaristas contra o PT”. 

No ano seguinte, a comunidade chegou a apoiar por um mês o líder da extrema direita portuguesa André Ventura, do Chega, antes de reatar com Moro. Também flertou durante dois meses com o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG).

Com quase 100 mil inscritos, o grupo privado “🇧🇷 PABLO MARÇAL BR 🇧🇷” ainda guarda em sua URL uma referência às Forças Armadas brasileiras. Criada em 2017 com referência a “patriotas de direita”, a página passou a se chamar “AMOR MILITAR – BR” em dezembro de 2022, e retirou a referência aos quartéis logo após o 8 de janeiro.

Em 2023, seu nome se dedicou a exaltar o legado de Bolsonaro, exceto por um período de pouco mais de um mês entre maio e junho de 2023, quando começou a apoiar o ex-deputado estadual Marcos do Val, do Podemos capixaba.  

mais volátil desde sua criação, em 23 de janeiro de 2021.

Mobilização para greves de caminhoneiros e contra a votação do chamado PL das Fake News, o PL 2.630/2020, também constam no histórico de outras páginas que hoje fazem campanha para o candidato do PRTB à prefeitura de São Paulo. 

“Esses grupos não possuem uma filiação ideológica ou estreita em um candidato. Na maior parte das vezes, eles formam um arquipélago de interesses desde antivax [contra vacinas] a pessoas que são religiosas, contrárias ao movimento feminista, contra os direitos de pessoas LGBTQ+”, explica Leonardo Nascimento, coordenador do Laboratório de Humanidades Digitais da UFBA. 

Os grupos, segundo ele, são criados por várias razões – mercadológicas, como vender coisas, ou em torno de debates temáticos. Em momentos de eleições e crise, esses grupos “se transformam para atingir um determinado objetivo político, eleger um candidato ou defender uma causa, se posicionar sobre algum acontecimento”. 

Para o pesquisador, é necessário observar como nas redes sociais a militância política não está desvinculada de interesses econômicos. “O posicionamento político, militância, via redes sociais não está desvinculado dos interesses econômicos, da ideia de vender coisas, e de monetizar essa participação política. Essas coisas se confundem e, para fazer isso, você precisa ter muitas pessoas nos grupos e canais”, aponta.

<><> Grandes perfis de direita Instagram também seguiram a tendência

O mesmo tipo de movimento ocorreu em ao menos três perfis de direita no Instagram, que somam 500 mil seguidores. Os três perfis passaram a reproduzir conteúdos pró-Marçal em maio de 2024, durante a pré-campanha. 

O maior deles se chama atualmente “Pablo Marçal Oficial SP®” e tem 335 mil seguidores. Na descrição, o perfil declara ser “perfil reserva oficial” do candidato à prefeitura de São Paulo pelo PRTB. A atual política de transparência da Meta não permite mais ver os nomes anteriores de um perfil, mas afirma que o nome foi mudado uma vez. 

Com base em publicações no feed do perfil, a reportagem apurou que só há referências sobre Pablo Marçal a partir de maio. Antes disso, o conteúdo era típico de um perfil bolsonarista, com divulgação de vídeos e memes de Bolsonaro e seus aliados, ataques ao governo, ao PT e à esquerda.

O cenário é idêntico ao do perfil “Pablo Marçal Perfeito”, com 99 mil seguidores e que já mudou de nome seis vezes. Também passou a postar conteúdos ligados à campanha de Pablo Marçal em maio. 

Antes disso, era um perfil de direita bolsonarista mantido pela influenciadora Ana Moreno, conhecida como Ana Opressora, candidata a vereadora em Natal pelo PL. O perfil postava, além de vlogs produzidos pela influenciadora, registros de sua rotina, como idas à academia. Atualmente ela usa em sua própria campanha uma conta muito menor, com apenas 28,6 mil seguidores. 

A mesma lógica também é notada no “Pablo Marçal Prefeito”, com mais de 118 mil seguidores. A conta já mudou de nome três vezes desde que foi criada, em novembro de 2023. O perfil também aderiu à campanha de Marçal a prefeito em maio deste ano. 

A reportagem apurou que a conta faz parte de uma rede de perfis de direita, que também têm contas em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro e ao ex-ministro Paulo Guedes. Por trás de todas elas está o influenciador goiano Uelton Costa, candidato a vereador em Goiânia pelo PL e ligado ao deputado federal Gustavo Gayer, do PL. 

 

¨      Marçal é o bicho fora de controle na evolução das espécies bolsonaristas. Por Moisés Mendes

Se fosse um réptil sob observação de um grupo de cientistas dedicados às controvérsias darwinistas, Pablo Marçal pularia na cara de um deles e diria: eu sou a prova do saltacionismo aplicado ao bolsonarismo.

Marçal derruba a teoria do gradualismo na evolução das espécies da extrema direita brasileira. Ele é o saltacionismo, a evolução brusca que adapta aos saltos os seres do fascismo ao ambiente em que vivem.

No novo saltacionismo bolsonarista, gradualistas que evoluem sob a tutela do criacionismo de Bolsonaro ficam para trás. Tarcísio de Freitas, Caiado, Michelle e Zema são superados pelo pulo à frente do ex-coach.

Marçal veio para destroçar até a tese de que o próximo líder bolsonarista poderia até ser um pastor, para que os neopentecostais não dependam mais de um intermediário que finge ter Deus acima de tudo. E o próximo, diziam, seria Malafaia.

Pablo Marçal dá um salto para se desgrudar do comando de quem veio antes, e é possível até que daqui a alguns anos, se virar outra coisa, seja visto como o cara que expôs o elo perdido entre o bolsonarismo e o marçalismo.

Marçal parece preservar o DNA e a estrutura bolsonarista no seu jeito de ser, mas da fala ao boné, passando pelos sapatinhos sem meia, há um conjunto que pode revelar mais adiante sua ambição de ser outra espécie, sem parentescos com o que existe até aqui.

Bolsonaro encapou os dentes. Marçal foi adiante, fez harmonização total. Bolsonaro depende de Carluxo para fingir que domina as redes sociais. Marçal é coach e influencer e tem total controle das redes. Ele é a lacração nas redes.

Bolsonaro nunca teve, na sua base de ativismo de rua das motociatas e de aglomerações, muita gente com menos de 50 anos. Marçal chegou aos jovens. Declamou letras de Mano Brown no Roda Viva, mesmo que poucas artes sejam mais antifascistas do que a poesia de Mano Brown.

Vai acabar com os barracos de lata. Tem certeza de que cada brasileiro pobre pode ser dono de banco, se tiver fé e se a sua determinação for abençoada. Marçal deu um pulo, mano.

Fala e age pensando na base que o bolsonarismo nunca conquistou, no mundo das beiradas e dos morros. Marçal vai se dependurar em teleféricos nas periferias e, se for mais atrevido, pode até ser mais um branco a se definir como negro.

O gradualismo dos que se achavam herdeiros de Bolsonaro é vacilante. Eles são indecisos até em relação ao grito de guerra do bolsonarismo de que bandido bom é bandido morto. Marçal não precisa gritar.

Ele vai ao encontro de Bukele, o matador, em El Salvador. Para mostrar que imita seu estilo, a começar pelo boné, e para saber como encarcerar e matar todos os que pareçam bandidos. Não meia dúzia, mas milhares.

Debochando do evolucionismo claudicante do bolsonarismo raiz dos tios do zap, Marçal mostra o que se faz aos 37 anos, para falar como se fosse rapper e gamer.

Pode até ter falhado ao subir no Pico dos Marins com 30 desatinados. Mas transformou o vexame em exposição pública e marketing e agora se prepara para a sua grande aventura nas alturas.

O projeto intermediário do seu grande plano é levar milhões de paulistanos à prefeitura, que será a sua Serra da Mantiqueira municipal. Mas ser prefeito é apenas uma passagem, é a metade da subida ao pico.

Depois, vem o plano nacional do que imagina ser a sua Serra Pelada, o sonho de chegar ao Planalto. Marçal é o sapo saltacionista que os pretensos criacionistas do bolsonarismo terão que engolir.

 

Fonte: Por Igor Mello, Juliana Dal Piva, Gisele Lobato e Tatiana Dias, em The Intercept/Brasil 247

 

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