sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Políticas públicas de cuidado: um debate quase invisível nas eleições municipais

Políticas públicas que realmente transformam vidas, como o cuidado com as crianças, os adolescentes, os idosos, as mães solo e as pessoas com deficiência, precisam ser pautadas e refletidas nas eleições municipais. Nessa época surgem muitos mágicos, falsos profetas e coachings com soluções mirabolantes para problemas crônicos e que impactam diretamente quem mais precisa de assistência. O que faz desse um debate necessário, e bastante complexo, ainda mais para uma capital com mais de 10,4 milhões de habitantes – desses, 3,9 milhões inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais, o CadÚnico, sendo 1,6 milhão classificados em condição de pobreza.

Programas sociais, como o Bolsa Família, são uma resposta política importante a esse desafio. Só no último mês, cerca de 1,7 milhão de pessoas foram beneficiadas pelo programa na cidade de São Paulo, por exemplo. Entretanto, muitas famílias que poderiam acessar esses benefícios não têm nem sequer informações básicas de por onde começar, ou tão pouco se o benefício está na esfera municipal, estadual ou federal, entre outros.

Temos no país mais de 35 políticas públicas que podem ser acessadas através da inclusão no CadÚnico, como o próprio Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Pé de Meia. No entanto, mesmo sendo programas federais, o cadastramento, a busca ativa e o acesso precisam ser feitos pela Prefeitura Municipal.

Em São Paulo, o déficit de equipamentos da assistência social é enorme, com impacto direto nos serviços socioassistenciais, no cadastramento e acesso às informações. O CadÚnico é feito por meio de um agendamento nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), ou no Descomplica SP, mas é quase impossível atualmente conseguir um encaixe, já que ambos não são suficientes para atender à demanda.

Outro exemplo que nos faz provocar essa reflexão são as condicionalidades exigidas para receber o Bolsa Família: saúde e educação. Na saúde, as crianças precisam de acompanhamento do crescimento com pesagem e medição, além do cartão de vacinação em dia. Isso demanda Unidades de Saúde próximas, com agenda e capacidade de atendimento desta população. No entanto, nas inúmeras histórias que recebo, centenas de famílias chegam a ficar com o benefício do Bolsa Família bloqueado por dois ou três meses, aguardando até que o Posto de Saúde atenda-os, inclua os dados e permita que o benefício seja restabelecido.

No projeto “Ju do Bolsa”, que procura tornar mais fácil e rápida a busca por informações sobre direitos e benefícios sociais, temos feito muitos atendimentos cotidianos e ouvido relatos sobre essas dificuldades ou sobre as dores geradas por essa falta de cuidados. São Marias, Joanas, Tanias e Pâmelas que querem poder sonhar com o futuro da sua família, mas ainda estão muito preocupadas com as dificuldades criadas no presente.

Muito mais do que ideias mirabolantes, o que precisamos debater nessas eleições são as políticas básicas essenciais, como vagas nas educação infantil, transporte público de qualidade e espaços de cultura e formação. Mas também olhar para essa dura realidade que poucos enxergam e dão visibilidade. Até quando vamos seguir sem pautar o debate eleitoral pelo cuidado com as famílias que dependem da Prefeitura para seguir recebendo benefícios que garantem a dignidade e o cuidado de seus integrantes?

 

•        Em reunião, dirigentes da prefeitura de SP orientam funcionários a fazerem campanha para Ricardo Nunes

Funcionários do alto escalão da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho de São Paulo orientaram servidores a fazerem campanha em prol da reeleição do prefeito Ricardo Nunes, do MDB, segundo áudios obtidos pelo Intercept Brasil. As gravações foram feitas em uma reunião ocorrida em julho no QG da campanha de Nunes, no centro de São Paulo, durante o horário de almoço dos funcionários.

Os áudios mostram que os funcionários foram ensinados a divulgar a gestão para pedir voto “indiretamente” e que dirigentes da prefeitura criaram uma estrutura de grupos no WhatsApp para fazer a mobilização.

A gravação também mostra que eles estavam cientes de que não poderiam usar a prefeitura para a campanha – por isso, realizaram a reunião no QG de Nunes, no Edifício Joelma.

“Nós não vamos permitir que se destrua tudo aquilo que foi construído em São Paulo e para isso a gente precisa que cada um aqui se sinta um Ricardo Nunes até dia 6 de outubro”, disse na reunião João Farias, ex-secretário da Habitação da prefeitura e atualmente integrante da campanha à reeleição de Nunes.

“É importante que vocês tenham muito claro que quando o [Guilherme] Boulos, quando a Tabata [Amaral], quando o [Pablo] Marçal falam tudo que têm coragem de falar de São Paulo, eles não estão agredindo só o Ricardo, eles estão agredindo a gente que acorda cedo e trabalha até tarde para fazer dessa cidade uma cidade melhor”, acrescentou Farias.

O Intercept obteve o áudio da reunião completa, e comparou as vozes com outras gravações dos participantes para checar sua autenticidade. A assessoria da campanha de Nunes disse que não iria comentar o assunto porque não obteve os áudios.

Só os servidores de cargos comissionados da SMDET e funcionários da Agência São Paulo de Desenvolvimento, a Adesampa, foram convidados a participar do evento.

“A presença não é obrigatória, nunca houve truculência. Porém, pelo tom das falas nos áudios, por exemplo, era prudente nós comparecermos”, disse ao Intercept uma pessoa que participou do evento e pediu anonimato por medo de represálias. Segundo ela, quem não participa tem medo de ser exonerado.

A reunião aconteceu em 22 de julho, antes do início da campanha eleitoral, em 16 de agosto. O encontro foi liderado por Armando Júnior, secretário-adjunto de Desenvolvimento Econômico e Trabalho, e contou com a participação de Renan Vieira, presidente da Adesampa, e João Manoel Scudeler de Barros, diretor da SP Negócios, além de Farias.

Os servidores também foram convocados a participar do evento de oficialização da candidatura de Nunes, em 3 de agosto, na Assembleia Legislativa de São Paulo. “A data do dia 3 para nós é uma data muito simbólica, a gente reforça a importância de ter todos junto com os amigos, familiares, conseguir mobilizar o máximo de pessoas possíveis para estar nesse dia”, disse Vieira, da Adesampa, na reunião.

Em suas falas, todos reforçaram a proibição do pedido de votos antes do dia 16 de agosto, o que configura crime eleitoral, e orientam como os servidores poderiam convencer amigos e familiares a votarem em Nunes. “Divulgando essa gestão, a gente já está pedindo voto indiretamente, porque estamos sensibilizando o amigo, o parente, o vizinho e a vizinha”, disse Armando Júnior.

Júnior também reforçou que os servidores não poderiam usar a estrutura da prefeitura para fazer campanha. “Não é permitido usar o computador, o celular, carro e estruturas da secretaria para fazer campanha. É por isso que estamos fazendo esse encontro na hora do almoço no edifício Joelma, que é o QG da campanha”, disse o secretário. “É isso, não use a máquina”. 

Segundo especialistas em direito eleitoral ouvidos pelo Intercept, os funcionários públicos podem apoiar um ou outro candidato ou ser contratados para campanha. Mas isso não pode ser feito no horário e local de trabalho – e nem sob pressão.

“Se constitui conduta vedada a cessão de servidores, bens, serviços e dependências dos serviços públicos, com a finalidade político eleitoral, agravando-se em caso de coação, ou mesmo com promessa de vantagens ou benefícios pessoais”, disse Luciano Alvarenga, advogado especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, Abradep, ao Intercept.

Para o especialista em direito eleitoral e professor de pós-graduação em Direito Eleitoral do TRE-SP, Alexandre Rollo, a situação é uma “zona cinzenta”. Qualquer funcionário público tem direito de abraçar alguma campanha, mas ele não pode, de maneira alguma, ser constrangido a fazê-lo.

Por isso, o Ministério Público Eleitoral poderia abrir uma investigação e apurar junto aos servidores se eles foram constrangidos a participar. Caso a investigação encontre evidências de constrangimento ou pressão, poderia se configurar o crime de assédio eleitoral.

•        Grupos de WhatsApp coordenados por ‘pontos focais’

Os áudios revelam também que membros da SMDET construíram uma rede de grupos de WhatsApp, gerida por servidores da secretaria, para disseminar conteúdo positivo sobre Nunes com o objetivo de que eles o encaminhassem para familiares e amigos e para avisar sobre “mobilizações”.

Os servidores foram orientados a fazerem um cadastro para entrar nos grupos de WhatsApp durante a mesma reunião no Edifício Joelma.

Os grupos são coordenados por pessoas que foram chamadas de “pontos focais”, dentre eles João Manoel, diretor da SP Negócios, Fabiana de Moraes Leme e Celso Gomes Casa Grande, coordenadores dentro da SMDET.

“A gente tem um organograma. O pessoal da campanha passa para a gente, aí a gente passa para eles [pontos focais] que passam para vocês”, disse Júnior.

•        A vereadora ‘da secretaria’ já organizou excursão de funcionários da prefeitura para comício

Um outro assunto abordado na reunião foi a campanha dos candidatos a vereadores. Júnior disse aos servidores que a orientação do gabinete da secretaria é para que se apoie vereadores do MDB, e mais especificamente a candidatura da vereadora Sandra Santana.

“Essa é a nossa orientação de SMDET para vocês. Para que a gente possa ter a Sandra Santana sendo a candidata da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho”, disse ele.

Segundo Rollo, esse apoio a uma candidata fere o princípio da neutralidade estatal e pode motivar a abertura de uma investigação eleitoral. “Nenhuma secretaria, nenhuma prefeitura, nenhum órgão público pode assumir campanha, não pode torcer para ninguém, não pode pedir voto para ninguém, não pode pedir o apoio de ninguém”, disse o especialista.

Ele relembrou, porém, que a reunião foi realizada fora da Prefeitura, então a SMDET poderia alegar que o apoio não partiu da secretaria. “É uma declaração infeliz que pode gerar uma investigação”, pontuou o advogado.

Santana é a mesma vereadora que, no fim de agosto, fretou um ônibus com servidores para um comício de sua campanha, que contou com a participação de Nunes, mostrou uma reportagem do UOL.

O Intercept entrou em contato com a coordenação da campanha de Nunes, que disse que “a reportagem do Intercept não disponibilizou os supostos áudios e, nem mesmo, as gravações para que a campanha de Ricardo Nunes (MDB) verificasse a autenticidade e pudesse se manifestar.”

A SMDET disse que “todas as pessoas foram convidadas e não convocadas a participar de um encontro, ao qual compareceram de forma totalmente espontânea em horário e local fora do expediente” e acrescentou que o “conteúdo discutido no encontro teve caráter convidativo e explicativo aos apoiadores e em momento algum houve qualquer tipo de coação ou retaliação”.

 

•        Campanha de Datena analisa como usar incidente com Pablo Marçal

O episódio em que Pablo Marçal foi atingido por uma cadeira em um evento de campanha gerou repercussões não apenas na esfera pública, mas também nas estratégias eleitorais de seus concorrentes. Embora o incidente tenha chamado atenção imediata da mídia e das redes sociais, fontes internas da campanha de Datena avaliam que esse evento pode, paradoxalmente, beneficiar a imagem de seu candidato.

A avaliação dentro da campanha de Datena é que a reação humana do apresentador diante de momentos de tensão pode ser vista de maneira positiva por parte do eleitorado. Segundo uma pessoa envolvida na campanha, o fato de que Datena mantém uma postura enérgica e combativa foi reforçado por este episódio. “O incidente mostrou que ele está cheio de energia, com uma reação rápida e assertiva”, declarou a fonte.

Além disso, segundo membros da campanha, um tracking recente realizado pela campanha de outro candidato à prefeitura de São Paulo, aponta a migração de votos do atual prefeito Ricardo Nunes para Datena, em resposta ao episódio. Isso coloca a campanha de Datena em uma posição estratégica, monitorando com atenção o comportamento volátil dos eleitores indecisos ou propensos a mudar seu voto nos dias que antecedem a eleição.

A expectativa é que o episódio ajude a consolidar uma narrativa de que Datena, ao contrário do que algumas campanhas rivais sugerem, não está “cansado” ou sem ânimo para enfrentar os desafios da corrida eleitoral. Em contrapartida, a campanha também monitora os eleitores mais voláteis, que poderiam mudar de lado após episódios como este, especialmente se forem explorados de forma estratégica pelos adversários.

Fontes da campanha reconhecem que, embora o episódio possa ser politicamente explorado, não há interesse em focar diretamente na agressão em si, mas sim na reação que ela gerou. “Não vamos nos basear na agressão em si, mas na força e na resiliência de Datena ao lidar com situações como essa”, comentou uma pessoa próxima da equipe do apresentador.

A campanha de Datena está ciente de que o timing deste evento, a poucos dias das eleições, pode influenciar os eleitores indecisos. O foco, no entanto, é que o apresentador mantenha uma agenda ativa e mostre disposição em eventos de rua e debates televisivos. O objetivo é solidificar sua imagem de homem público capaz de lidar com adversidades, um aspecto que a campanha considera essencial para conquistar o eleitorado que ainda se encontra em dúvida.

Ao mesmo tempo, há uma cautela sobre como adversários como Marçal e candidatos de direita podem reagir. Já houve registro de incidentes em que eleitores levantaram cadeiras durante eventos de campanha como uma forma de provocação. A equipe de Datena, no entanto, evita cair na armadilha de responder diretamente a esses gestos, mantendo o foco na mensagem de energia e trabalho árduo.

Com o episódio da cadeirada ainda fresco na mente dos eleitores e campanhas, é esperado que os próximos dias sejam decisivos para verificar como esse evento será usado politicamente por todos os lados. De acordo com a mesma fonte, “o Marçal tentou posar de vítima, mas a sociedade está interpretando que a vítima era o Datena”.

 

Fonte: Por Paola Carvalho e Ju do Bolsa, em Le Monde/The Intercept/O Cafezinho

 

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