Políticas públicas de cuidado: um debate
quase invisível nas eleições municipais
Políticas públicas que
realmente transformam vidas, como o cuidado com as crianças, os adolescentes,
os idosos, as mães solo e as pessoas com deficiência, precisam ser pautadas e
refletidas nas eleições municipais. Nessa época surgem muitos mágicos, falsos
profetas e coachings com soluções mirabolantes para problemas crônicos e que
impactam diretamente quem mais precisa de assistência. O que faz desse um
debate necessário, e bastante complexo, ainda mais para uma capital com mais de
10,4 milhões de habitantes – desses, 3,9 milhões inscritos no Cadastro Único
para Programas Sociais, o CadÚnico, sendo 1,6 milhão classificados em condição
de pobreza.
Programas sociais,
como o Bolsa Família, são uma resposta política importante a esse desafio. Só
no último mês, cerca de 1,7 milhão de pessoas foram beneficiadas pelo programa
na cidade de São Paulo, por exemplo. Entretanto, muitas famílias que poderiam acessar
esses benefícios não têm nem sequer informações básicas de por onde começar, ou
tão pouco se o benefício está na esfera municipal, estadual ou federal, entre
outros.
Temos no país mais de
35 políticas públicas que podem ser acessadas através da inclusão no CadÚnico,
como o próprio Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Pé
de Meia. No entanto, mesmo sendo programas federais, o cadastramento, a busca
ativa e o acesso precisam ser feitos pela Prefeitura Municipal.
Em São Paulo, o
déficit de equipamentos da assistência social é enorme, com impacto direto nos
serviços socioassistenciais, no cadastramento e acesso às informações. O
CadÚnico é feito por meio de um agendamento nos Centros de Referência de
Assistência Social (CRAS), ou no Descomplica SP, mas é quase impossível
atualmente conseguir um encaixe, já que ambos não são suficientes para atender
à demanda.
Outro exemplo que nos
faz provocar essa reflexão são as condicionalidades exigidas para receber o
Bolsa Família: saúde e educação. Na saúde, as crianças precisam de
acompanhamento do crescimento com pesagem e medição, além do cartão de
vacinação em dia. Isso demanda Unidades de Saúde próximas, com agenda e
capacidade de atendimento desta população. No entanto, nas inúmeras histórias
que recebo, centenas de famílias chegam a ficar com o benefício do Bolsa
Família bloqueado por dois ou três meses, aguardando até que o Posto de Saúde
atenda-os, inclua os dados e permita que o benefício seja restabelecido.
No projeto “Ju do
Bolsa”, que procura tornar mais fácil e rápida a busca por informações sobre
direitos e benefícios sociais, temos feito muitos atendimentos cotidianos e
ouvido relatos sobre essas dificuldades ou sobre as dores geradas por essa
falta de cuidados. São Marias, Joanas, Tanias e Pâmelas que querem poder sonhar
com o futuro da sua família, mas ainda estão muito preocupadas com as
dificuldades criadas no presente.
Muito mais do que
ideias mirabolantes, o que precisamos debater nessas eleições são as políticas
básicas essenciais, como vagas nas educação infantil, transporte público de
qualidade e espaços de cultura e formação. Mas também olhar para essa dura
realidade que poucos enxergam e dão visibilidade. Até quando vamos seguir sem
pautar o debate eleitoral pelo cuidado com as famílias que dependem da
Prefeitura para seguir recebendo benefícios que garantem a dignidade e o
cuidado de seus integrantes?
• Em reunião, dirigentes da prefeitura de
SP orientam funcionários a fazerem campanha para Ricardo Nunes
Funcionários do alto
escalão da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho de São
Paulo orientaram servidores a fazerem campanha em prol da reeleição do prefeito
Ricardo Nunes, do MDB, segundo áudios obtidos pelo Intercept Brasil. As gravações
foram feitas em uma reunião ocorrida em julho no QG da campanha de Nunes, no
centro de São Paulo, durante o horário de almoço dos funcionários.
Os áudios mostram que
os funcionários foram ensinados a divulgar a gestão para pedir voto
“indiretamente” e que dirigentes da prefeitura criaram uma estrutura de grupos
no WhatsApp para fazer a mobilização.
A gravação também
mostra que eles estavam cientes de que não poderiam usar a prefeitura para a
campanha – por isso, realizaram a reunião no QG de Nunes, no Edifício Joelma.
“Nós não vamos
permitir que se destrua tudo aquilo que foi construído em São Paulo e para isso
a gente precisa que cada um aqui se sinta um Ricardo Nunes até dia 6 de
outubro”, disse na reunião João Farias, ex-secretário da Habitação da
prefeitura e atualmente integrante da campanha à reeleição de Nunes.
“É importante que
vocês tenham muito claro que quando o [Guilherme] Boulos, quando a Tabata
[Amaral], quando o [Pablo] Marçal falam tudo que têm coragem de falar de São
Paulo, eles não estão agredindo só o Ricardo, eles estão agredindo a gente que
acorda cedo e trabalha até tarde para fazer dessa cidade uma cidade melhor”,
acrescentou Farias.
O Intercept obteve o
áudio da reunião completa, e comparou as vozes com outras gravações dos
participantes para checar sua autenticidade. A assessoria da campanha de Nunes
disse que não iria comentar o assunto porque não obteve os áudios.
Só os servidores de
cargos comissionados da SMDET e funcionários da Agência São Paulo de
Desenvolvimento, a Adesampa, foram convidados a participar do evento.
“A presença não é
obrigatória, nunca houve truculência. Porém, pelo tom das falas nos áudios, por
exemplo, era prudente nós comparecermos”, disse ao Intercept uma pessoa que
participou do evento e pediu anonimato por medo de represálias. Segundo ela,
quem não participa tem medo de ser exonerado.
A reunião aconteceu em
22 de julho, antes do início da campanha eleitoral, em 16 de agosto. O encontro
foi liderado por Armando Júnior, secretário-adjunto de Desenvolvimento
Econômico e Trabalho, e contou com a participação de Renan Vieira, presidente
da Adesampa, e João Manoel Scudeler de Barros, diretor da SP Negócios, além de
Farias.
Os servidores também
foram convocados a participar do evento de oficialização da candidatura de
Nunes, em 3 de agosto, na Assembleia Legislativa de São Paulo. “A data do dia 3
para nós é uma data muito simbólica, a gente reforça a importância de ter todos
junto com os amigos, familiares, conseguir mobilizar o máximo de pessoas
possíveis para estar nesse dia”, disse Vieira, da Adesampa, na reunião.
Em suas falas, todos
reforçaram a proibição do pedido de votos antes do dia 16 de agosto, o que
configura crime eleitoral, e orientam como os servidores poderiam convencer
amigos e familiares a votarem em Nunes. “Divulgando essa gestão, a gente já
está pedindo voto indiretamente, porque estamos sensibilizando o amigo, o
parente, o vizinho e a vizinha”, disse Armando Júnior.
Júnior também reforçou
que os servidores não poderiam usar a estrutura da prefeitura para fazer
campanha. “Não é permitido usar o computador, o celular, carro e estruturas da
secretaria para fazer campanha. É por isso que estamos fazendo esse encontro na
hora do almoço no edifício Joelma, que é o QG da campanha”, disse o secretário.
“É isso, não use a máquina”.
Segundo especialistas
em direito eleitoral ouvidos pelo Intercept, os funcionários públicos podem
apoiar um ou outro candidato ou ser contratados para campanha. Mas isso não
pode ser feito no horário e local de trabalho – e nem sob pressão.
“Se constitui conduta
vedada a cessão de servidores, bens, serviços e dependências dos serviços
públicos, com a finalidade político eleitoral, agravando-se em caso de coação,
ou mesmo com promessa de vantagens ou benefícios pessoais”, disse Luciano Alvarenga,
advogado especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de
Direito Eleitoral e Político, Abradep, ao Intercept.
Para o especialista em
direito eleitoral e professor de pós-graduação em Direito Eleitoral do TRE-SP,
Alexandre Rollo, a situação é uma “zona cinzenta”. Qualquer funcionário público
tem direito de abraçar alguma campanha, mas ele não pode, de maneira alguma,
ser constrangido a fazê-lo.
Por isso, o Ministério
Público Eleitoral poderia abrir uma investigação e apurar junto aos servidores
se eles foram constrangidos a participar. Caso a investigação encontre
evidências de constrangimento ou pressão, poderia se configurar o crime de
assédio eleitoral.
• Grupos de WhatsApp coordenados por
‘pontos focais’
Os áudios revelam
também que membros da SMDET construíram uma rede de grupos de WhatsApp, gerida
por servidores da secretaria, para disseminar conteúdo positivo sobre Nunes com
o objetivo de que eles o encaminhassem para familiares e amigos e para avisar
sobre “mobilizações”.
Os servidores foram
orientados a fazerem um cadastro para entrar nos grupos de WhatsApp durante a
mesma reunião no Edifício Joelma.
Os grupos são
coordenados por pessoas que foram chamadas de “pontos focais”, dentre eles João
Manoel, diretor da SP Negócios, Fabiana de Moraes Leme e Celso Gomes Casa
Grande, coordenadores dentro da SMDET.
“A gente tem um
organograma. O pessoal da campanha passa para a gente, aí a gente passa para
eles [pontos focais] que passam para vocês”, disse Júnior.
• A vereadora ‘da secretaria’ já organizou
excursão de funcionários da prefeitura para comício
Um outro assunto
abordado na reunião foi a campanha dos candidatos a vereadores. Júnior disse
aos servidores que a orientação do gabinete da secretaria é para que se apoie
vereadores do MDB, e mais especificamente a candidatura da vereadora Sandra
Santana.
“Essa é a nossa
orientação de SMDET para vocês. Para que a gente possa ter a Sandra Santana
sendo a candidata da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho”, disse
ele.
Segundo Rollo, esse
apoio a uma candidata fere o princípio da neutralidade estatal e pode motivar a
abertura de uma investigação eleitoral. “Nenhuma secretaria, nenhuma
prefeitura, nenhum órgão público pode assumir campanha, não pode torcer para
ninguém, não pode pedir voto para ninguém, não pode pedir o apoio de ninguém”,
disse o especialista.
Ele relembrou, porém,
que a reunião foi realizada fora da Prefeitura, então a SMDET poderia alegar
que o apoio não partiu da secretaria. “É uma declaração infeliz que pode gerar
uma investigação”, pontuou o advogado.
Santana é a mesma
vereadora que, no fim de agosto, fretou um ônibus com servidores para um
comício de sua campanha, que contou com a participação de Nunes, mostrou uma
reportagem do UOL.
O Intercept entrou em
contato com a coordenação da campanha de Nunes, que disse que “a reportagem do
Intercept não disponibilizou os supostos áudios e, nem mesmo, as gravações para
que a campanha de Ricardo Nunes (MDB) verificasse a autenticidade e pudesse se
manifestar.”
A SMDET disse que
“todas as pessoas foram convidadas e não convocadas a participar de um
encontro, ao qual compareceram de forma totalmente espontânea em horário e
local fora do expediente” e acrescentou que o “conteúdo discutido no encontro
teve caráter convidativo e explicativo aos apoiadores e em momento algum houve
qualquer tipo de coação ou retaliação”.
• Campanha de Datena analisa como usar
incidente com Pablo Marçal
O episódio em que
Pablo Marçal foi atingido por uma cadeira em um evento de campanha gerou
repercussões não apenas na esfera pública, mas também nas estratégias
eleitorais de seus concorrentes. Embora o incidente tenha chamado atenção
imediata da mídia e das redes sociais, fontes internas da campanha de Datena
avaliam que esse evento pode, paradoxalmente, beneficiar a imagem de seu
candidato.
A avaliação dentro da
campanha de Datena é que a reação humana do apresentador diante de momentos de
tensão pode ser vista de maneira positiva por parte do eleitorado. Segundo uma
pessoa envolvida na campanha, o fato de que Datena mantém uma postura enérgica
e combativa foi reforçado por este episódio. “O incidente mostrou que ele está
cheio de energia, com uma reação rápida e assertiva”, declarou a fonte.
Além disso, segundo
membros da campanha, um tracking recente realizado pela campanha de outro
candidato à prefeitura de São Paulo, aponta a migração de votos do atual
prefeito Ricardo Nunes para Datena, em resposta ao episódio. Isso coloca a
campanha de Datena em uma posição estratégica, monitorando com atenção o
comportamento volátil dos eleitores indecisos ou propensos a mudar seu voto nos
dias que antecedem a eleição.
A expectativa é que o
episódio ajude a consolidar uma narrativa de que Datena, ao contrário do que
algumas campanhas rivais sugerem, não está “cansado” ou sem ânimo para
enfrentar os desafios da corrida eleitoral. Em contrapartida, a campanha também
monitora os eleitores mais voláteis, que poderiam mudar de lado após episódios
como este, especialmente se forem explorados de forma estratégica pelos
adversários.
Fontes da campanha
reconhecem que, embora o episódio possa ser politicamente explorado, não há
interesse em focar diretamente na agressão em si, mas sim na reação que ela
gerou. “Não vamos nos basear na agressão em si, mas na força e na resiliência
de Datena ao lidar com situações como essa”, comentou uma pessoa próxima da
equipe do apresentador.
A campanha de Datena
está ciente de que o timing deste evento, a poucos dias das eleições, pode
influenciar os eleitores indecisos. O foco, no entanto, é que o apresentador
mantenha uma agenda ativa e mostre disposição em eventos de rua e debates
televisivos. O objetivo é solidificar sua imagem de homem público capaz de
lidar com adversidades, um aspecto que a campanha considera essencial para
conquistar o eleitorado que ainda se encontra em dúvida.
Ao mesmo tempo, há uma
cautela sobre como adversários como Marçal e candidatos de direita podem
reagir. Já houve registro de incidentes em que eleitores levantaram cadeiras
durante eventos de campanha como uma forma de provocação. A equipe de Datena,
no entanto, evita cair na armadilha de responder diretamente a esses gestos,
mantendo o foco na mensagem de energia e trabalho árduo.
Com o episódio da
cadeirada ainda fresco na mente dos eleitores e campanhas, é esperado que os
próximos dias sejam decisivos para verificar como esse evento será usado
politicamente por todos os lados. De acordo com a mesma fonte, “o Marçal tentou
posar de vítima, mas a sociedade está interpretando que a vítima era o Datena”.
Fonte: Por Paola
Carvalho e Ju do Bolsa, em Le Monde/The Intercept/O Cafezinho
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