Paulo Kliass: ‘Nada mudará no Banco
Central?’
O nosso país segue
batendo recordes atrás de recordes, em inúmeras variáveis e modalidades, para
assegurar o título de campeão mundial de juros. Para a elite do financismo
local, pouco importa que tal pódio seja considerado uma vergonha internacional
e um escândalo no que se refere a definições de prioridades de política
econômica. Aliás, para um governo que se pretende reformador da ordem da
profunda desigualdade que marca também a cena global, a insistência em
continuar com esse misto de política fiscal da austeridade e política monetária
do arrocho em suas próprias praias se apresenta como um péssimo cartão de
visitas.
Lula tem passado boa
parte dos dias de seu terceiro mandato batendo fortemente na condução de
Roberto Campos Neto à frente do Banco Central (BC). Trata-se de uma estratégia
importante e correta, uma vez que o herdeiro bolsonarista no coração do órgão
regulador e fiscalizador dos sistemas bancário e financeiro apresentou-se,
desde o início, como um verdadeiro sabotador do novo governo, que havia
derrotado o defensor da ditadura e da tortura nas urnas. Mas o fato é que os
quatro membros da diretoria do BC indicados pelo atual Chefe do Executivo – e,
portanto, integrantes o Comitê de Política Monetária (Copom) – têm acompanhando
de forma sistemática as posições de Campos Neto no interior do órgão que
estabelece o patamar da taxa oficial de juros.
• As dúvidas a respeito de Galípolo
O problema é que a
indicação de Gabriel Galípolo para substituir o presidente bolsonarista a
partir de janeiro de 2025 corre o risco de “naturalizar” a política monetária
vigente. Na tentativa de buscar um nome que fosse de agrado dos representantes
do sistema financeiro, o presidente da República perde mais uma oportunidade de
acertar a trilha da mudança, rumo a um projeto nacional de desenvolvimento
econômico, social e ambiental. O nomeado ainda vai cumprir com o ritual da
sabatina no Senado Federal para ter sua indicação confirmada. Mas já tem dado
declarações públicas a favor da manutenção da taxa Selic nas alturas. Até mesmo
Lula já começa a flexibilizar sua cruzada contra os juros elevados, dizendo que
se Galípolo o convencer a aumentar Selic, ele ficará de acordo. Em entrevista a
uma emissora de rádio, ele se saiu com a seguinte declaração:
(…) “Se um dia
Galípolo chegar para mim e disser que tem que aumentar a taxa de juros, ótimo.”
(…) [sic]
Assim tudo leva a crer
que a substituição ficará com toda a cara de trocar seis por meia dúzia, como
diz a expressão popular. Lula sabe que não mais poderá criticar a nova alta da
taxa, uma vez que teria indicado o presidente do BC e a maioria dos integrantes
da diretoria do órgão e do Copom. Afinal, a partir do início do ano que vem,
não haverá mais a desculpa da “herança maldita”. Como Galípolo contará com um
mandato de quatro anos à frente do BC, resta saber como ele se comportará na
função: preparando o terreno para seu promissor futuro profissional no interior
do financismo ou mantendo uma coerência com o projeto desenvolvimentista para o
qual Lula foi eleito em outubro de 2022?
O BC publicou na
semana passada sua mais recente nota sobre as estatísticas fiscais. A julgar
pelas informações divulgadas, o desastre continua. O Brasil bateu novo pico nas
despesas com juros da dívida pública. Em julho deste ano, o total repassado aos
operadores do sistema financeiro atingiu o valor de R$ 80 bilhões. Trata-se de
um montante superior em fantásticos 74% mais elevado aos R$ 46 bi registrados
no mesmo mês do ano passado. Uma loucura! Não existe uma única rubrica
orçamentária que tenha sido aquinhoada com tamanho salto ao longo do período.
Como se vê, a verdadeira “gastança irresponsável dos recursos públicos”, tão
amplamente denunciada pelas elites endinheiradas e reverberada pelos grandes
meios de comunicação, reside em um outro endereço.
• E segue a farra do financismo
Para lançar um olhar
um pouco mais dilatado e não ficarmos restritos apenas a uma comparação
envolvendo 30 dias do comportamento de tal variável, vale a pena lançar mão de
uma consulta quanto à evolução verificada durante os primeiros sete meses do
ano. Neste caso, os dados apresentados pelo BC nos informam que o total de
gastos com juros da dívida pública chegaram a R$ 535 bi. Esse valor, superior a
meio trilhão de reais, representa um crescimento de 40% em relação aos R$ 383
bi dispendidos entre janeiro e julho de 2023. Ou seja, trata-se realmente de
uma tendência de elevação em relação a períodos anteriores. E o pior é que,
caso a trajetória da Selic não seja mudada, é bem capaz que o exercício de 2024
seja manchado pela tragédia de superação da marca de um trilhão de reais a esse
título. Como o próprio Lula gostava de citar, “nunca antes na História deste
país”
Caso os dados envolvam
a avaliação do verificado ao longo dos últimos 12 meses, a tendência altista
também é mantida. Entre agosto de 2023 e julho de 2024, por exemplo, o total
das despesas com juros da dívida pública também atingiu outra marca recorde. Foi
retirada do orçamento público uma quantia equivalente a R$ 870 bi para
alimentar a voracidade do parasitismo rentista. O valor inédito significa um
crescimento de 21% em relação aos R$ 718 bi encontrados nos registros do BC
para os 12 meses de 2023. Se considerarmos uma série histórica com esse valor
dos últimos 12 meses para acompanharmos a evolução a cada mês, o resultado
também é preocupante. O gráfico abaixo ilustra bem essa tendência altista.
Outra tendência que
reforça a interpretação do poder do financismo na subtração de recursos do
orçamento federal para o cumprimento das despesas financeiras refere-se à
evolução do total de gastos de tal natureza em relação ao estoque total da
dívida líquida do governo geral. A observação do gráfico abaixo nos revela que
o aumento expressivo com o montante de juros dispendidos não implicou em uma
redução correspondente do valor total da dívida. Pelo contrário, pagou-se um
volume crescente de despesas financeiras e, ao mesmo tempo, o total da dívida
pública também aumentou de patamar.
O total de pagamento
de juros saiu de R$ 448 bi em 2021 e atingiu os atuais R$ 870 bi em 2024,
considerando os últimos 12 meses. Ora, apesar de tal enorme esforço de
austeridade nas contas públicas, o fato é que o estoque total da dívida pública
seguiu crescendo. Esse indicador saiu de R$ 5,4 trilhões em 2021 para os atuais
R$ 7,1 tri em julho de 2024. Como a taxa Selic é o piso de referência para a
remuneração dos serviços do endividamento público, a tendência é de que o
quadro continue a se agravar caso não ocorra uma mudança significativa na
condução da política monetária.
Finalmente, vale
observar o que ocorre com a evolução da relação entre a despesa com juros e o
estoque da dívida pública. Levando-se em conta o mesmo período analisado
anteriormente, o gráfico abaixo evidencia a piora contínua no comportamento do
indicador que apresenta a comparação entre o volume total de juros e o estoque
total da dívida líquida do governo.
As informações
demonstram a ineficácia da política de austeridade fiscal para solucionar as
questões no âmbito da própria política fiscal. Trata-se da chamada estratégia
de “enxugar gelo”. Por meio de dispositivos de ordem jurídica como a Lei de
Responsabilidade Fiscal, o extinto Teto de Gastos e o atual Novo Arcabouço
Fiscal, o que se estabelece como prioridade para a política econômica do
governo é a redução das despesas orçamentárias ditas “primárias”. Assim, por
meio da armadilha perversa do simples adjetivo aparentemente ingênuo, o que se
promove é a introdução da maldade de concentrar todo o tipo de teto, limite,
contingenciamento ou corte apenas e exclusivamente nas rubricas
não-financeiras.
Já as despesas com
pagamento de juros são consideradas imexíveis. Para elas, o céu é o limite. A
busca obsessiva de resultados considerados “positivos” nas contas públicas é
considerada pelo pessoal das finanças como sinônimo de sucesso no quesito
“responsabilidade fiscal”. No entanto, ao deixar intocável o volume crescente
de pagamento de juros, o governo concentra seus esforços na manipulação
criminosa de artifícios para redução de direitos sociais e constitucionais, a
exemplo de previdência social, saúde, educação, assistência social, segurança
pública, salário de servidores, saneamento e toda sorte de investimentos
necessários para manutenção e ampliação do rol de políticas públicas.
Não é por acaso que
surgem pela grande imprensa as tentativas de desconstitucionalizar os pisos
constitucionais de saúde e de educação, além da obscena proposta de desvincular
os benefícios da previdência social do valor do salário mínimo. A “moda” do momento,
assumida pelos próprios responsáveis pela área econômica, é responsabilizar as
“fraudes” em políticas públicas essenciais para minorar os efeitos da profunda
desigualdade que nos caracteriza como Nação, a exemplo do Benefício de
Prestação Continuada (BPC) ou o próprio Bolsa Família. Uma loucura! Medidas
para garantir a integridade e a correção na aplicação dos recursos públicos
deveria fazer parte do cotidiano de um governo preocupado em promover justiça
social. Ocorre que escolher programas como os acima mencionados para
criminalizá-los e apontá-los como responsáveis pelo desequilíbrio fiscal é
assumir de forma maldosa o discurso mentiroso das elites.
• “Pente fino” deve ser feito no topo da
pirâmide da desigualdade
Se o governo deseja
fazer um verdadeiro “pente fino” nas despesas públicas, deveria começar pelo
escandaloso nível da sonegação tributária que impera há séculos por estas
terras. Se o governo pretende promover justiça fiscal, deveria encaminhar
imediatamente ao Congresso Nacional uma Medida Provisória eliminando a
inexplicável permanência da isenção de lucros e dividendos, excrescência que se
mantém inalterada desde 1996. Se o governo está efetivamente preocupado com o
equilíbrio das contas públicas, ele deveria colocar na mesa os valores das
despesas com juros e não apenas alardear, fazendo coro com a nata do
financismo, suas soluções que focam apenas na redução de gastos com políticas
sociais e investimentos.
Lula precisa acordar
de uma vez por todas e intervir neste debate. Não basta apenas nomear um novo
presidente do BC que seja do agrado do universo paralelo da Faria Lima. É
fundamental reorientar a política monetária e a política fiscal. Não faz
sentido fechar os olhos, os ouvidos e a boca para os R$ 870 bi de despesa
orçamentária com juros e comandar uma verdadeira caça às bruxas em supostos
vazamentos pouco expressivos nas políticas de natureza social.
• Haddad projeta PIB anual em torno de
2,8%
O crescimento de 1,4%
do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro no segundo trimestre deste ano deve
fazer com que o governo federal revise as estimativas de arrecadação de
receitas, segundo o ministro da Fazenda Fernando Haddad.
“Nós vamos,
provavelmente, reestimar o PIB para o ano que, pela força com que vem se
desenvolvendo, pode superar 2,7%, 2,8%, e há instituições que já estão
projetando PIB superior a 3%. Isso pode ensejar uma reprojeção de receitas para
o ano que vem”, disse o ministro, segundo a Agência Brasil.
Haddad destacou ainda
que a Secretaria de Política Econômica (SPE) vinha projetando um crescimento
entre 1,35% e 1,4%, o que foi confirmado, e que a peça orçamentária entregue
para o Congresso no final de agosto teve como base os dados de julho.
O governo fechou o
Orçamento para 2025 com a previsão de um PIB estimado em 2,5% para este ano –
contudo, a estimativa de crescimento econômico deve impulsionar os
prognósticos, gerando assim um reajuste nas receitas esperadas.
“A indústria voltou
muito forte e a taxa de Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) veio acima das
projeções (5,8%). Nós temos que olhar o investimento porque é ele que vai
garantir crescimento com baixa inflação. Se não aumentarmos nossa capacidade
instalada, vamos ter dificuldade de crescer, mas algumas indústrias estão com
margem para crescer”, destacou o ministro.
“Portanto, os
investimentos vão ajudar a não ter gargalos. A demanda puxada pelos
investimentos é tudo o que a gente quer: crescimento com investimento é a maior
garantia de equilíbrio entre oferta e demanda”, disse Haddad.
Fonte: Outras
Palavras/Jornal GGN
Nenhum comentário:
Postar um comentário