Os Gigantes: municípios administrados por
latifundiários retornam a lista de desmatadores
Estabelecida a partir
do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal
(PPCDAm), a lista de municípios prioritários teve sua primeira versão publicada
em 2008. Desde então, tornou-se um dos principais instrumentos de política pública
por trás da redução drástica do desmatamento no bioma. Em 2012, durante o
governo Dilma Rousseff (PT), o corte de vegetação atingiu sua mínima histórica,
com 4,6 mil km² de perda florestal anual.
Durante o governo de
Jair Bolsonaro, o programa foi paralisado. Uma das poucas atualizações
realizadas no período foi a revisão da lista prioritária, publicada em 2021,
com 52 municípios. Entre eles, 29 deles pertencem à lista dos cem maiores
municípios do país.
Os dados integram o
dossiê “Os Gigantes”, publicado no dia 5 pelo De Olho nos Ruralistas. Realizado
ao longo de quatro meses, o estudo detalha as políticas ambientais e climáticas
dessas cem prefeituras, espalhadas por onze estados e que, juntas, administram
uma área equivalente a 37% do território brasileiro.
Oito novos municípios
foram incluídos pela primeira vez na lista do PPCDAm, enquanto outros cinco
foram devolvidos à condição de prioritários. Entre eles, dois são destaque por
integrarem os Gigantes e serem administrados por prefeitos latifundiários: Querência
e Marcelândia, ambos no Mato Grosso.
Os dois possuem
secretarias de Meio Ambiente unificadas com Agricultura, conforme mostramos em
reportagem anterior da série, que detalha os achados do dossiê: “Os Gigantes:
30 municípios têm secretarias de ambiente fundidas com agronegócio, mineração e
turismo“.
PREFEITO DE
MARCELÂNDIA É SÓCIO DE COLONIZADORA RÉ POR DESMATAMENTO
O município de
Marcelândia é o 97º na lista dos cem maiores do país. Ele deixou a lista do
PPCDAm em 2013. A conquista foi fruto de uma bem-sucedida política de controle
estabelecida por Adalberto Diamante (PR), prefeito entre 2005 e 2012.
Na administração
seguinte, de Arnóbio Vieira de Andrade (PSD), as ações regrediram, levando
Marcelândia de volta à relação dos maiores desmatadores da Amazônia,
formalizada em portaria de 2018. Sob Arnóbio, a perda florestal anual saltou de
12 km², quando assumiu, para 112 km² em 2020 — posicionando o município entre
os vinte maiores desmatadores da Amazônia naquele ano.
Ele foi sucedido por
outro pecuarista, Celso Padovani (DEM), que concorreu sozinho ao cargo nas
eleições de 2020. Na ocasião, ele declarava um patrimônio de R$ 10,5 milhões,
que incluía fazendas, veículos e 1.694 cabeças de gado. Em 2024, ele novamente
concorre sozinho. Seu patrimônio aumentou para R$ 16,1 milhões.
O político é sócio da
Celso Padovani & Cia Ltda, razão social da Pronorte Colonização, uma das
principais imobiliárias agrícolas do Mato Grosso. A empresa é ré em uma ação
civil pública movida em 2021 pela Força-Tarefa em Defesa da Amazônia (Amazônia
Protege). A ação visa a recuperação de 6.117 hectares, desmatados sem
autorização no imóvel Projeto Santa Rita, em Marcelândia. A autuação ocorreu em
2007, por fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama). Segundo o processo, a empresa reincidiu na prática
outras duas vezes, entre 2016 e 2018.
A Força-Tarefa
solicita a recuperação imediata da área e pede o pagamento de uma multa de R$
42,3 milhões. A Pronorte, por sua vez, diz que o corte de vegetação foi
realizado por arrendatários e compradores dos imóveis do Projeto Santa Rita, e
que não é responsável pelo dano ambiental. O processo corre na 1ª Vara Federal
Cível e Criminal de Sinop (MT).
EM QUERÊNCIA, GORGEN
PAGOU MULTA DE R$ 1,36 MI POR DESMATAMENTO
Outro dos Gigantes que
voltou para a lista de municípios prioritários do MMA, Querência se alterna
entre o domínio de dois fazendeiros. O atual prefeito, Fernando Gorgen (União)
está em seu quarto mandato: ele comandou o executivo entre 2005 e 2012 e, após
um hiato de quatro anos, voltou em 2016; foi reconduzido em 2020, quando
declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma fortuna avaliada em R$ 17,3
milhões. Junto dos irmãos, Gorgen comanda um império agropecuário, encabeçado
pelas empresas Chapada Água Azul e Javaés.
Um dos integrantes
originais da lista de municípios prioritários do MMA, Querência foi
reclassificado em 2011, durante a primeira passagem de Gorgen na prefeitura.
Nesse período, ele alcançou uma média de 20 km² desmatados ao ano, tirando o
município do inglório “top 20” de maiores desmatadores da Amazônia. Seu
sucessor, Gilmar Reinoldo Wentz (MDB), manteve a mesma toada, reduzindo a média
para 17 km² ao ano — o equivalente a dez Parques do Ibirapuera, em São Paulo.
Quando Gorgen
regressou, em 2016, as taxas passaram a subir, chegando ao pico de 69 km² em
2018. No ano passado, o município perdeu 37 km² de floresta. Embora Querência
continue distante dos “líderes”, o aumento lhe valeu o retorno ao PPCDAm.
Foi nesse período que
Gorgen e sua família tornaram-se alvo da Operação Polygonum, deflagrada em 2018
pelo Ministério Público do Mato Grosso e pela Delegacia de Meio Ambiente. O
prefeito, sua ex-esposa Roseli Zang e os sobrinhos Tiago Gorgen, Fernanda
Gorgen Cunha e Franciele Gorgen Jacob foram autuados por desmatar uma área de
5.447 hectares.
O caso ganhou
repercussão pela suspeita de envolvimento de um superintendente da Secretaria
de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT), que teria fraudado as
autorizações de desmatamento expedidas em nome dos Gorgen. O processo foi
extinto em 2023 após a família assinar um Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC), onde se comprometeu a reverter o dano ambiental e a pagar uma multa de
R$ 1,36 milhão, quitada em março daquele ano.
Nas eleições de 2024,
Fernando Gorgen apoia outro representante do agronegócio, Jean do Coutinho
(União). Se eleito, ele será o quarto fazendeiro a comandar Querência, o 61º
maior do Brasil. Coutinho disputa contra o ex-prefeito Gilmar Ventz e contra a
ex-primeira-dama Roseli Zang.
NOVA LISTA PRIORITÁRIA
TEM 38 GIGANTES; OITO NÃO FIRMARAM COMPROMISSO
Em abril, a ministra
de Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, lançou o programa União com
Municípios pela Redução do Desmatamento e Incêndios Florestais na Amazônia.
Pensado como um complemento ao PPCDAm (relançado no ano passado), o novo programa
prevê investimentos de R$ 730 milhões em ações de regularização fundiária e
ambiental e assistência técnica, visando a ousada meta de zerar o desmatamento
na Amazônia até 2030.
O ato de lançamento em
Brasília marcou a divulgação da nova relação de municípios prioritários, que
substitui a anterior, de 2021. Agora, são 70 prefeituras listadas, responsáveis
por 78,1% do desmatamento na Amazônia entre 2021 e 2022. Dessas, 38 estão na
lista dos Gigantes.
Os prefeitos e
secretários de Meio Ambiente foram convidados a firmar um convênio com o
governo federal para acessar os recursos. Até o momento da publicação deste
relatório, 53 municípios haviam aderido ao programa.
Entre os dezessete que
não assinaram dentro do prazo inicial, oito integram os Gigantes. Destes, seis
possuem secretarias de Meio Ambiente subalternas às pastas de Agricultura e
Turismo. São eles: Senador José Porfírio (PA) e os mato-grossenses Apiacás, Colniza,
Juína, Paranatinga e Marcelândia, do prefeito “colonizador” Celso Padovani.
Ao longo de quatro
meses de pesquisa, De Olho nos Ruralistas tentou contato com as secretarias de
Meio Ambiente das cem prefeituras que integram a lista dos Gigantes,
solicitando informações sobre a execução do orçamento voltado a ações
ambientais e a eficácia dessas políticas. Apenas oito responderam. Uma delas
foi Querência, que compartilhou informações sobre as ações ambientais
realizadas no município.
Em uma segunda etapa,
a equipe de pesquisa enviou perguntas específicas relativas aos casos de
irregularidades ambientais apontadas no dossiê, envolvendo catorze prefeitos.
Entre eles, os titulares de Marcelândia e Querência. Não houve retorno até o
fechamento da reportagem.
• Assessora da Casa Civil do MS é autora
de ação que levou a PM para Nhanderu Marangatu com o objetivo de proteger
fazenda da família
Assessora Especial da
Casa Civil do Governo Estadual do Mato Grosso do Sul, a advogada ruralista
Luana Ruiz é também a advogada da ação deferida pela Justiça Federal de Ponta
Porã que determina a proteção da Fazenda Barra, sobreposta à Terra Indígena Nhanderu
Marangatu, pela Polícia Militar com rondas ostensivas e presença 24 horas por
dia.
Luana é também filha
de Roseli Ruiz e Pio Queiroz Silva, proprietários da Fazenda Barra. Em uma
verdadeira ‘ação entre amigos’, a Justiça Federal autorizou a polícia estadual,
cujo chefe é o governador do Estado, Eduardo Riedel, a servir como segurança privada
da fazenda da família da assessora da Casa Civil.
Desde o início do
atual governo, em janeiro de 2023, Luana esteve nomeada como chefe de gabinete
na Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística, mas foi exonerada a
pedido no início do mês de julho. No último mês de agosto, a advogada foi
nomeada para o cargo com símbolo CCA-04, na função de Assessor Especial III, na
Secretaria de Estado da Casa Civil, com salário mensal de R$ 22 mil.
Nas eleições de 2022,
Luana saiu candidata à Câmara Federal e terminou como primeira suplente do PL,
partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, no Congresso. No mandato anti-indígena
de Bolsonaro, a advogada foi Secretária Adjunta da Secretaria Especial de
Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, que tinha como ministra a
senadora Tereza Cristina (PMDB/MS).
Em 29 de agosto de
2015, Tereza Cristina estava no Sindicato Rural de Antônio João quando do local
Roseli Ruiz liderou uma investida contra Nhanderu Marangatu. O bando violento
subiu em dezenas de camionetes para na sede da Fazenda Barra expulsar os Guarani
e Kaiowá que haviam retomado a área. A ação terminou com a morte do indígena
Simião Vilhalva.
<><> A
ação da PM em Nhanderu
Decisões da Justiça
Federal de Ponta Porã, do ano passado e desta quinta-feira (12), a última
reafirma a primeira e ambas estão no escopo de um interdito proibitório,
autorizam a Polícia Militar do Mato Grosso do Sul a proteger a propriedade da
família da assessora Especial da Casa Civil, com rondas ostensivas e mantendo
um pelotão na sede da fazenda 24 horas por dia.
Um desses pelotões
estava na sede da fazenda quando os Guarani e Kaiowá, numa tentativa de chamar
a atenção do Supremo Tribunal Federal (STF) para que a Corte retome o
julgamento da ação que anulou o Decreto de Homologação da TI, em 2005,
retomaram um pequeno pedaço da Fazenda Barra, mas antes foram protestar na sede
da fazenda.
“Fomos recebidos a
tiros. Não era só PM atirando. Outras pessoas também. Fomos empurrados pela
estrada a tiros e bombas. Quando chegamos perto da ponte, minha irmã Juliana
(Gomes Guarani e Kaiowá) tomou um tiro no joelho.Eu e um estudante levamos os
tiros de bala de borracha. Ele no peito e eu aqui ao lado (no abdômen)”, conta
Marli Gomes Guarani e Kaiowá.
O confronto acabou com
uma ponte de madeira, passagem sobre um riacho que deságua no rio Apa,
depredada. A Fazenda Barra é a única área da TI Nhanderu Marangatu que ainda
não está sob a posse dos Guarani e Kaiowá. Juliana Gomes Guarani e Kaiowá, de
32 anos, está internada em Ponta Porã, fará uma cirurgia na próxima quinta (19)
e corre o risco de ter parte da perna amputada.
Fonte: De Olho nos
Ruralistas/Cimi
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