sexta-feira, 6 de setembro de 2024

O jeito ocidental de fazer guerra

Propaganda de guerra e dissimulação tática são tão velhas quanto as colinas. Até aí, nada de novo. O que, sim, é novo é que a assim chamada infowar (ou guerra de informação) já não é mais o complemento de objetivos militares mais amplos, tendo-se tornado um fim em si mesma.

O Ocidente passou a considerar que “possuir” uma narrativa vencedora – e apresentar a do Outro como torpe, dissonante e extremista – é mais importante do que enfrentar os fatos no terreno. Nessa perspectiva, conquistar a narrativa vencedora significa vencer. A “vitória” virtual superaria, portanto, a realidade objetiva.

Assim, a guerra torna-se, antes, o cenário para impor um alinhamento ideológico em termos de ampla aliança global, por meio de uma mídia complacente. Esse objetivo goza, então, de prioridade maior do que, digamos, garantir alguma capacidade industrial que seja suficiente para alcançar objetivos militares. Construir uma realidade imaginada passa a ter precedência sobre construir a realidade no terreno.

O ponto aqui é que essa abordagem, sendo função do alinhamento de toda a sociedade (tanto em casa quanto no exterior), cria armadilhas de falsas realidades e falsas expectativas, das quais qualquer saída, uma vez que seja necessária, torna-se praticamente impossível, na medida em que o alinhamento imposto acabou por anquilosar o sentimento público.

A possibilidade de que um Estado mude de curso conforme os eventos se desenrolem torna-se ou reduzida ou definitivamente perdida, e qualquer leitura mais precisa dos fatos no terreno se vê enviesada pelo que se reconhece como o politicamente mais correto, distanciando-se assim de qualquer objetividade. O efeito cumulativo de uma “narrativa virtual vencedora” comporta, então, o risco de escorregar gradualmente em direção a uma outra “guerra real”, inadvertida.

Tomemos, por exemplo, a incursão orquestrada e equipada pela OTAN no simbolicamente significativo oblast russo de Kursk. Em termos de “narrativa vencedora”, seu apelo é óbvio para o Ocidente: a Ucrânia “levou a guerra para dentro da Rússia”.

Se as forças ucranianas tivessem conseguido capturar a usina nuclear de Kursk, teriam conquistado uma moeda de troca significativa, e poderiam muito bem ter desviado as forças russas da frente ucraniana do Donbass, já em progressivo e sustentado colapso.

Para agravar ainda mais as coisas, em termos de guerra de informação, a mídia ocidental estava preparada e alinhada para mostrar o presidente Vladimir Putin “congelado” pela surpresa da incursão, e “balançado” pela ansiedade de que o público russo se voltasse contra ele em sua raiva pela humilhação.

Bill Burns, diretor da CIA, considerou que “a Rússia não vai oferecer qualquer concessão à Ucrânia até que a confiança excessiva de Putin seja desafiada e que a Ucrânia possa se mostrar mais forte”. Outros funcionários norte-americanos acrescentaram que a incursão em Kursk, por si só, não conduziria a Rússia à mesa de negociações. Seria necessário elaborar, a partir da operação de Kursk, operações audazes complementares, para poder descongelar o sangue frio de Moscou.

Evidentemente, o objetivo mais amplo era apresentar a Rússia como frágil e vulnerável, em conformidade com a narrativa de que, em qualquer momento, a Rússia poderia se fraturar e dispersar-se ao vento em pedaços. Dessa, então, é claro, o Ocidente sairia como vencedor.

Com efeito, a incursão em Kursk foi uma aposta enorme da OTAN: demandou hipotecar as reservas de pessoal e a maior parte da blindagem militar da Ucrânia, como fichas numa mesa de roleta, sob a forma da aposta de que um efêmero êxito em Kursk viraria o balanço estratégico. A aposta foi perdida; e as fichas, levadas pela banca.

Dito francamente, o caso Kursk exemplifica o problema do Ocidente com as “narrativas ganhadoras”: sua fragilidade intrínseca é que se escoram na emotividade e furtam-se à argumentação; elas são irremediavelmente simplistas. Estão destinadas tão apenas a alimentar o alinhamento da sociedade como um todo, ou, em outras palavras, arengar por meio de todos os meios de comunicação, empresas, agências federais, ONGs e aparatos de segurança que é preciso que todos juntos nos “oponhamos aos extremismos” que ameaçam “nossa democracia”.

Esse objetivo, por si só, demanda que a narrativa seja pouco exigente e menos ainda polêmica: “Nossa Democracia, Nossos Valores e Nosso Consenso”. A Convenção Nacional Democrata, por exemplo, abraçou a “alegria” (repetida sem cessar), o “seguir adiante” e o “fazer frente à estranheza” como motes chave. No entanto, memes tão triviais só conquistam energia e ímpeto não por seu conteúdo, mas pelo encanto do deliberado cenário hollywoodiano que lhe confere espetáculo  e glamour.

Não é difícil perceber como este Zeitgeist unidimensional contribuiu para que os Estados Unidos e seus aliados tenham mal interpretado o impacto sobre os russos pedestres da “audaz aventura” de Kursk.

“Kursk” guarda muita história. Em 1943, a Alemanha nazista invadiu mais uma vez a Rússia através de Kursk, para desviar-se de suas próprias perdas, e ali foi fragorosamente derrotada. O retorno de equipamento militar alemão aos arredores de Kursk deve ter deixado a muitos (russos) estupefatos. O campo de batalha atual, junto à cidade de Sudja é precisamente o lugar onde, em 1943, o 38º e o 40º exércitos soviéticos se atracaram em uma contraofensiva contra o 4º exército alemão.

Ao longo dos séculos, a Rússia foi atacada várias vezes pelo seu flanco ocidental mais vulnerável. E mais recentemente, por Napoleão e Hitler. Não surpreende que os russos sejam muito sensíveis frente a essa história sangrenta. Teriam pensado nisso Bill Burns e demais? Imaginaram que, se a OTAN invadisse a própria Rússia, Putin se sentiria “desafiado”, e que, com mais um empurrãozinho, se retiraria e aceitaria um resultado “congelado” na Ucrânia, com a subsequente entrada desta última na OTAN? Bom, pode ser que sim.

Em última instância, a mensagem enviada pelos serviços ocidentais foi que o Ocidente (a OTAN) veio agora para dar um jeito na Rússia. Esse é o significado de escolher deliberadamente Kursk. A leitura dos búzios da mensagem de Bill Burns diz simplesmente: prepare-se agora para a guerra com a OTAN.

Só para deixar claro, esse tipo de “narrativa vencedora” aplicada a respeito de Kursk não é nem falácia nem dissimulação. Os Acordos de Minsk foram um exemplo de dissimulação, mas fundada sobre uma estratégia racional (ou seja, era algo historicamente trivial). A dissimulação de Minsk destinava-se a ganhar tempo para que Ocidente armasse a Ucrânia, antes que esta última atacasse o Donbass. Ela funcionou, mas à custa da completa ruptura de confiança entre a Rússia e o Ocidente. Por outro lado, a dissimulação dos Acordos de Minsk também acelerou o fim da era de 200 anos de ocidentalização da Rússia.

Kursk, por outro lado, é um “bicho” diferente. Ele se assenta sobre as noções do excepcionalismo ocidental. Afinal, o Ocidente percebe-se a si mesmo como quem caminha pelo “lado certo da Historia”. As “narrativas vencedoras” afirmam essencialmente, em formato secular, a inevitabilidade da missão escatológica ocidental para a redenção e para a convergência globais. Nesse novo contexto narrativo, os fatos no terreno convertem-se em meras inconveniências, e não em realidades que devam ser levadas em conta. Esse é o seu tendão de Aquiles.

Enquanto isso, a Convenção Nacional Democrata (DNC), em Chicago, sublinhava outra versão: do mesmo modo que o Ocidente hegemônico emergiu da Guerra Fria, moldado e vitaminado pela oposição dialética ao comunismo (nos termos da mitologia ocidental), hoje nos vemos diante de um (suposto) “extremismo” totalizador – seja sob a rubrica Make America Great Again (MAGA) seja sob uma variedade externa: Irã, Rússia etc –, proposto em Chicago sob a forma de uma oposição dialética hegeliana análoga à anterior, do capitalismo contra o comunismo. Só que, no caso em pauta, trata-se de um “extremismo” em conflito com a “Nossa Democracia”.

A narrativa-tese do DNC de Chicago é, em si mesma, uma tautologia de diferenciação identitária, que se apresenta como uma união sob a bandeira da diversidade, em choque com a “branquitude hegemônica” e o “extremismo”. Assim, esse “extremismo” se apresenta muito evidentemente como o sucessor da velha antítese da Guerra Fria: o comunismo.

O pano de fundo de Chicago parece ser a ideia de que uma confrontação com o “extremismo” – em sentido amplo – poderia voltar a produzir, tal como ocorreu logo após a Guerra Fria, um rejuvenescimento norte-americano. Ou seja, que um conflito com o Irã, a Rússia e a China (de um ou outro modo) é passível de entrar na agenda. Os sinais reveladores já estão aí – além da necessidade do Ocidente de reajustar sua economia; algo que a guerra costumeiramente proporcionaria.

Sem dúvida, a aventura de Kursk pareceu inteligente e audaz para Londres e Washington. Mas qual seu resultado? Não alcançou nem o objetivo de tomar a central nuclear de Kursk, nem o de tirar tropas russas da frente do Donbass. A presença ucraniana na região de Kursk será simplesmente eliminada.

O que essa aventura conseguiu, no entanto, foi pôr fim a todas as perspectivas de um eventual acordo negociado para o conflito na Ucrânia. A desconfiança da Rússia nos Estados Unidos é agora absoluta.

Isso tornou Moscou mais determinada a levar a Operação Especial até suas últimas consequências. O equipamento alemão visualizável em Kursk despertou nos russos velhos fantasmas e consolidou a consciência a respeito das hostis intenções ocidentais com relação ao seu país. “Nunca mais!” Essa é a resposta tácita que agora eles dão.

 

¨      Israel e Hamas aprovaram 90% do acordo para um cessar-fogo em Gaza, segundo oficial dos EUA

O acordo de cessar-fogo de Gaza, que está sendo negociado entre Israel e o movimento palestino Hamas tem um total de 18 parágrafos, e as partes já finalizaram 14 deles, disse o oficial da administração do governo dos EUA, nesta quarta-feira (4).

“Basicamente, 90% deste acordo já foi acordado, e foi acordado em termos que até mesmo o Hamas tinha em sua própria proposta”, disse o oficial durante uma coletiva de imprensa.

<><> Hamas: novas propostas para cessar-fogo são desnecessárias

O movimento palestino Hamas disse que não precisa de novas propostas para um cessar-fogo na Faixa de Gaza, mas, sim, pressionar o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, para implementar as disposições do acordo que foram acertadas.

“Não precisamos de novas propostas. O que precisamos agora é pressionar Netanyahu e seu governo e orça-los a implementar o que foi acordado”, disse o Hamas em uma nota pública.

Na segunda-feira, Netanyahu declarou que Israel vai manter sua presença militar no corredor Filadélfia na fronteira Egito-Gaza, condição que o Hamas considera inaceitável.

“Alguém tem que estar lá. Traga-me alguém que realmente nos mostre, não no papel ou em palavras, mas na prática, que semana após semana, mês após mês, eles realmente serão capazes de evitar que o que aconteceu lá antes se repita Estamos abertos ao exame deste assunto, mas não vejo isso acontecendo e até que isso aconteça, permaneceremos lá”, disse Netanyahu em entrevista coletiva.

Ao mesmo tempo, ele garantiu que Israel está pronto para reduzir a sua presença militar no corredor de Filadélfia já na primeira fase do acordo negociado com o Hamas. Acrescentou que a garantia de impenetrabilidade do corredor é uma das condições do acordo de cessar-fogo.

Em 25 de agosto, o Cairo acolheu a segunda rodada de negociações de cessar-fogo realizada por iniciativa dos Estados Unidos, Qatar e Egipto. Até o momento, as partes não conseguiram chegar a um consenso.

Mortos em Gaza passam de 40 mil

Nas últimas 24 horas, as investidas israelenses assassinaram 42 palestinos e deixaram 107 feridos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza nesta quarta-feira (4).

Ontem, as forças israelenses mataram 33 palestinos na Faixa de Gaza, de acordo com o canal de TV Al Jazeera, e feriu cinco crianças que estavam indo comprar pão.

Em 7 de outubro, um ataque coordenado do Hamas contra mais de 20 comunidades israelitas deixou cerca de 1,2 mil mortos, cerca de 5,5 mil feridos e a captura de 253 reféns, dos quais cerca de 100 foram posteriormente libertados em trocas de prisioneiros.

Em retaliação, Israel lançou uma declaração de guerra contra o Hamas e lançou uma série de bombardeamentos em Gaza, que até agora deixaram mais de 40,8 mil mortos e cerca de 94,3 mil feridos.

Protestos em Tel Aviv

No último domingo (1º) milhares de manifestantes tomaram as ruas de Tel Aviv para protestar contra o governo pelas mortes de seis reféns, cujos corpos foram recuperados pelos militares no dia anterior.

De acordo com dados israelenses, o movimento palestino Hamas ainda tem 101 pessoas em cativeiro, algumas delas supostamente mortas.

Por meio de várias operações e esforços humanitários, 154 pessoas foram resgatadas do cativeiro do Hamas, incluindo reféns mortos cujos corpos foram removidos do enclave.

 

¨      Governo alemão deporta refugiados. Por Flávio Aguiar

O governo alemão decidiu endurecer sua política em relação a refugiados considerados como em situação ilegal no país. Na semana passada já houve a deportação de um primeiro grupo para seu país de origem, o Afeganistão.

A decisão aconteceu na sequência de um atentado a facadas na cidade de Solingen, perto de Colônia e Bonn, a antiga capital da Alemanha Ocidental. O atentado deixou um saldo trágico de três mortos e vários feridos, alguns com gravidade. A polícia deteve um suspeito, um cidadão sírio que pedira asilo no país e o tivera negado. O acusado desapareceu, só reaparecendo no trágico incidente em Solingen.

Ele fora admitido na Bulgária, e deste país passou para a Alemanha. O governo alemão aprovara sua deportação para aquele país, de onde viera. A Bulgária concordou com a deportação, mas ela acabou não acontecendo devido a desaparição de acusado.

A organização Estado Islâmico divulgou um vídeo em que reivindicava a autoria de atentado como uma “vingança” pelo que estava acontecendo com os palestinos na Faixa de Gaza.

Seguiu-se um tumulto político, em que o líder do principal partido de oposição, Friedrich Merz, da União Democrata Cristã, acusou o governo do chanceler Olaf Scholz, do SPD, Partido Social Democrata, de negligência, e propôs uma ação conjunta para solucionar o problema.

Surpreendentemente o chanceler aceitou a proposta, o que levantou receios de que sua coalizão de governo, formada também pelo Partido Verde e o liberal FDP, rachasse. Isto não aconteceu, pois os líderes deste partido apoiaram a decisão de Olaf Scholz.

Há na Alemanha mais de 50 mil ordens de deportação contra refugiados que tiveram negados seus pedidos de asilo. Entretanto destas, até o momento, somente pouco mais de 20 mil foram efetivadas. A esmagadora maioria delas atinge originários de países africanos ou do Oriente Médio, muitos dos quais entraram na União Europeia através de outros países, dirigindo-se depois para a Alemanha. Olaf Scholz comprometeu-se a restringir essa possibilidade de acesso, além de agilizar as deportações já aprovadas e o julgamento dos casos pendentes.

O debate e as medidas restritivas ocorrem num momento em que aconteceram eleições regionais em estados do antigo Leste alemão, a Turíngia e a Saxônia, e o governo federal se vê acossado pelo crescimento das  votações da oposição tradicional – a União Democrata Cristã – e da extrema direita, no partido Alternative für Deutschland, Alternativa para a Alemanha. Este, radicalmente voltado contra imigrantes e refugiados, vem ditando a pauta sobre esta questão na Alemanha, assim como acontece em outros países do continente.

Para complicar o cenário, a economia alemã vem se retraindo nos últimos tempos, num processo de desindustrialização, apesar dos esforços por parte do governo de revitalizar a indústria bélica alemã.

Neste quadro, à beira do abismo de uma recessão prolongada, a busca de bodes expiatórios prospera, e os candidatos mais cotados para esta função são os emigrados provenientes do chamado Terceiro Mundo, em particular os muçulmanos, sobre os quais sempre paira a suspeita, no mais das vezes indevida, de adesão a grupos terroristas.

Organizações de defesa dos direitos humanos, como a Caritas, vêm manifestando preocupação de que esta circunstância possa desandar num quadro de discriminação generalizada.

Estes últimos desenvolvimentos na Alemanha se dão num contexto continental de crescimento das discriminações contra estrangeiros não europeus, como aconteceu recentemente no Reino Unido, onde um ataque fatal contra crianças, também a facadas, deflagrou uma série de vandalismos contra mesquitas e centros de acolhimento de imigrantes, insuflados por mensagens mentirosas, de extrema direita, sobre a identidade do assaltante, divulgadas na internet.

Durante a década e meia do governo da chanceler Angela Merkel, da União Democrata Cristã, a Alemanha destacou-se por uma política generosa de acolhimento de imigrantes e refugiados de todas as partes do mundo. Agora esta abertura vem se fechando gradativamente, em parte por pressões de seu próprio partido, que, em disputa com o Alternative für Deutschland, arrisca voltar-se, também como a coalizão governamental, para políticas que revigoram o fantasma da xenofobia e da discriminação.

Da Rádio França Internacional especialmente para a Agência Rádio Web, Flávio Aguiar, direto de Berlim.

 

Fonte: Por Alastair Crooke, no site da Strategic Culture Foundation. Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel/Sputnik Brasil/Deutsche Welle

 

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