Luís Nassif: ‘O preço do subdesenvolvimento
é a eterna ignorância’
Em plena Lava Jato,
depois que uma tropa de choque dela voltou dos Estados Unidos com a missão de
prender o Almirante Othon, conversei com um dos poucos procuradores sérios da
força tarefa. E ele me disse algo simbólico:
• No Ministério Público Federal tem gente
de esquerda e de direita, mas todos são patriotas.
Retruquei que o
problema não era o patriotismo ou não, mas a profunda ignorância de não
perceber o jogo geopolítico por trás da operação.
A maneira com que a
operação envolveu Ministros do Supremo, a mídia em peso, o Judiciário, figuras
ilustres da República, ao lado do rebotalho intelectual que ascendeu, ajuda a
esclarecer o preço do subdesenvolvimento nacional: é o nível extraordinariamente
baixo da opinião pública dita esclarecida.
No auge do mensalão, o
Ministro Ayres Britto, presidente do Supremo, acatou a tese de que a Visanet
era empresa pública porque seu nome era Companhia Brasileira de Meios de
Pagamento (CBMP). E se tem brasileiro no nome, dizia o brilhante Ministro, só
pode ser empresa pública.
Dizia ele, em sessão
no Supremo:
• Constatei e verifiquei que a Companhia
Brasileira de Meios de Pagamento figurava no ativo permanente do Banco do
Brasil. Aliás, o próprio nome Companhia Brasileira já evidencia que é uma
companhia integrante do setor público.
Todo esse besteirol
sendo falado em uma sessão da Suprema Corte! E não se ficou nisso. A quantidade
de asneiras, de narrativas, de notícias falsas espalhadas pela opinião pública,
por mais de uma década, evidenciam o pouco apreço do país, nem se diga pela
análise mais sofisticada, mas por conceitos básicos de democracia, de sistema
jurídico e de bom senso.
Essa catarse coletiva
se espalhou pelo país inteiro. Baixarias, assassinatos de reputação, linguagem
de ódio, direito penal do inimigo, tudo isso consumia o país, enquanto ativos
nacionais, como o pré-sal, eram distribuídos a companhias estrangeiras.
<><> O
caso Elon Musk
Agora, é inacreditável
que, em pleno 2024, com acesso online às principais publicações internacionais,
os maiores jornais tenham ficado do lado do Elon Musk contra o Supremo Tribunal
Federal, e só baixando as críticas quando a imprensa mundial mostrou o óbvio: a
megalomania do sujeito e a disputa global entre estados nacionais e redes
sociais.
Aí caiu a ficha de que
esse mesmo conflito perpassa as relações da União Europeia, da Índia, da
Turquia com as redes sociais. E, agora, vem a informação de que um juiz dos
Estados Unidos condenou Musk pela manipulação da rede contra Kamala Harris. E o
bordão mais utilizado para descrevê-lo é que está fora de prumo.
Não se tratava de
informação irrelevante: a disputa entre estados nacionais e redes sociais é
tema recorrente em todo o Ocidente.
Mas, em nome de um
antilulismo cego, aceitam-se todas as bobagens, minimizam-se todos os avanços e
cria-se toda uma fantasia em torno do suposto esquerdismo de Lula.
Qual a diferença de um
Pablo Marçal deblaterando contra o consórcio comunista – que englobaria todos
seus adversários – e os jornalões equiparando o Brasil à Venezuela? Ou vendo
qualquer laivo de esquerdismo em Lula?
O padrão Jorge Paulo
Lemann
Do mesmo modo, há uma
infinidade de exemplos sobre a tragédia recorrente do assalto às empresas
públicas de saneamento e energia. Em todos os lugares em que houve a
privatização, os novos controladores trataram de esvaziar as empresas, vender
seus ativos, reduzir manutenção e investimentos, para tirar o máximo possível
de lucro no curto prazo. Mas essa discussão não penetra na mídia nacional.
Mesmo depois do
fracasso rotundo das Americanas, da Boeing, da General Eletric, até hoje são
enaltecidos os seguidores de Jack Welch e sua contraparte brasileira, Jorge
Paulo Lemann.
No livro “Reinventando
o capitalismo na era digital”, Stephen Denning disseca bem o que é este
capitalismo de resultados, interessado apenas em tirar o máximo possível das
empresas nop curto prazo.
Diz ele sobre o estilo
Maximizar o Valor do Acionistas (sigla MSV):
“MSV não só gerou
desigualdade. Ironicamente, também teve o efeito oposto do que era pretendido.
MSV sistematicamente destruiu valor de longo prazo para acionistas, em vez de
aumentá-lo. Os principais expoentes corporativos de MSV estão, em sua maioria, com
desempenho abaixo da média das empresas do S&P 500. Assim, a crescente
desigualdade é apenas uma das consequências negativas do capitalismo de
acionistas.
Maximizar o valor do
acionista (MSV) conforme refletido no preço atual das ações não era apenas uma
prática financeira esotérica: refletia um vasto movimento político,
inicialmente personificado pelo presidente Ronald Reagan nos Estados Unidos e
pela primeira-ministra Margaret Thatcher no Reino Unido, e mais recentemente
com os cortes de impostos corporativos introduzidos pelo presidente Trump. O
movimento político vive em ficções como “os cortes de impostos corporativos
pagam por si mesmos”.
O MSV não apenas gerou
desigualdade. Ironicamente, também teve o efeito oposto do que era pretendido.
O MSV sistematicamente destruiu o valor do acionista de longo prazo, em vez de
aumentá-lo. Os principais expoentes corporativos do MSV estão, em sua maioria,
com desempenho abaixo da média das empresas do S&P 500. Portanto, a
crescente desigualdade é apenas uma das consequências negativas do capitalismo
do acionista.
Durante o último meio
século, grandes empresas, particularmente nos Estados Unidos, adotaram o MSV.
Embora essa narrativa semelhante a um vírus tenha sido chamada mais tarde de “a
ideia mais idiota do mundo” por um de seus expoentes mais famosos, Jack Welch,
o ex-CEO da GE, a narrativa se tornou a política oficial dos negócios
americanos, com a declaração de 1997 da Business Roundtable.
Enquanto isso, as
evidências mostraram que maximizar o valor do acionista encorajou o curto prazo
e destruiu o valor do acionista de longo prazo. Também encorajou a ganância
corporativa, deprimiu injustamente a remuneração dos trabalhadores, estimulou a
remuneração grotesca dos executivos e exigiu a continuidade da burocracia
hierárquica”.
• O tom professoral do besteirol do
mercado
Com a pose típica das
pessoas seguras de si, a ex-diretora de Assuntos Internacionais do Banco
Central, Fernanda Guardado, ostentando o reluzente cargo de Chefe da Pesquisa
para a América Latina no BNP Paribas, declara para a Bloomberg: o Banco Central
tem que aumentar a taxa Selic em dois pontos nos próximos 6 meses. Assim,
taxativamente!
Qual a razão?
Segundo a Bloomberg
News, a grande economista decretou:
“Os diretores deveriam
começar com um aumento de 0,25 ponto percentual neste mês e poderiam seguir com
ajustes de meio ponto nas reuniões de novembro e dezembro, levando a Selic para
12,25% em março. As perspectivas de gastos públicos pioraram, o mercado de
trabalho está apertado e o crescimento está avançando, disse ela”.
Este é o grande
Leviatã: o crescimento da economia, o que sempre foi o objetivo central das
políticas econômicas.
“Para o Banco Central
optar pela manutenção, ele teria que mostrar de uma forma muito enfática de
onde está esperando que venha o desaquecimento da economia. Hoje está bastante
difícil entender de onde viria um grande desaquecimento da economia se não for
pelo lado da política monetária”.
O objetivo final é
alcançar o “grande desaquecimento da economia”. Não é nem conter a inflação.
Esse nonsense domina o
país há décadas. Os operadores de mercado dirão: que grande pensadora, que
economista notável! Ela conseguiu decorar os bordões de mercado e repetir com
ênfase.
E a mídia saudará a
nova fonte que apareceu recitando velhas inverdades. Tratam como normal uma
“ciência” que diz que a salvação da economia está na estagnação, no não
crescimento, na manutenção de altas taxas de desemprego.
Aí, a taxa Selic
elevada pressiona a dívida pública. Pressionando, aumenta a relação dívida/PIB.
E o que dizem os gênios do mercado para os burraldos da mídia? Se está
aumentando a relação dívida/PIB tem que aumentar as taxas de juros.
Está certo que o
mercado alcançou tal poder de desestabilização que o governo tem que se curvar
a uma tolice desse tamanho. Mas é hora de se abrir uma discussão pública
nacional sobre as chamadas políticas de austeridade e sobre o sistema de “metas
inflacionárias”, introduzido por Armínio Fraga e que condenou a economia
brasileira à estagnação.
É batata! A economia
começa a melhorar. Melhorando, haverá mais receita fiscal, mais possibilidade
do governo investir em infraestrutura, em melhorar a saúde e a educação, as
pesquisas tecnológicas. Aí, o que faz o mercado? Se está crescendo, significa que
pode aumentar a inflação. Então, trata de aumentar os juros para ele, mercado,
se apossar do crescimento da receita fiscal.
O governo não vai
ousar abrir essa discussão por razões óbvias – a possibilidade da Faria Lima
desestabilizar a economia. Mas há urgência na constituição de um grupo de
economistas, das principais faculdades de Economia do país, discutindo de forma
aberta a mudança desse modelo torto, fundado em taxas de juros altas e cortes
draconianos de despesa.
Antes dessa maluquice,
o governo dispunha de ferramentas para atacar pontualmente causas de inflação.
Háaviaos estoques reguladores, para enfrentar quedas de safra. Há a
possibilidade de uma política ativa nos mercados de câmbio e derivativos. No
início dos anos 90, praticamente sem reservas cambiais, o Banco Central logrou
tourear o mercado graças a uma mesa de operações dirigida por Emílio Garófalo –
um dos muitos funcionários exemplares da história do Banco Central. O mercado
de consumo estava aquecido? Havia muitas ferramentas para reduzir o
financiamento, como aumento do compulsório, imposição de prazos máximos para
financiamento, sem impacto sobre a dívida pública.
Enquanto o país não
cair na real que a gastança com juros é a principal causa da estagnação
brasileira, não conseguirá virar o jogo do crescimento e do combate ao
extremismo – que se alimenta, justamente, da falta de gastança do governo em
políticas fundamentais.
Fonte: Jornal GGN
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