Jornalismo não deve adotar linguagem da
extrema direita, propõe Fabiana Moraes
As redes sociais estão
no centro da polarização política, com o impulsionamento de desinformação e do
discurso de ódio. Nesse contexto, é necessária uma reflexão crítica sobre os
caminhos que o jornalismo e a sociedade vêm trilhando, principalmente em vésperas
de disputas eleitorais, propõe a jornalista, escritora e professora Fabiana
Moraes, em conversa com o Pauta Pública.
Fabiana Moraes é
autora de diversos livros, entre eles o mais recente, Ter medo de quê?:
textos sobre luta e lantejoula, publicado pela editora Arquipélago. A
obra é uma coletânea de suas principais colunas ao longo de seus seis anos de
contribuição para veículos de imprensa como Intercept Brasil, UOL, piauí e
Gama. Na conversa, Moraes fala sobre seu novo lançamento e traz reflexões
sobre as posturas de enfrentamento aos discursos radicais e a necessidade de
novas abordagens dentro da comunicação.
Para ela, a extrema
direita usa, cada vez mais, uma linguagem de “desrespeito pela lacração”. Uma
estratégia que encontra ressonância social. Mesmo entendendo que ainda não há
uma receita pronta para enfrentar isso, o fato é que o jornalismo não deve disputar
a mesma linguagem, mas sim buscar elementos que possam ser retrabalhados. “Não
dá para fazer perguntas para um comediante vestido de presidente e perguntar se
ele tem uma proposta para o Brasil. É preciso repensar o tipo de comunicação
que se faz a um candidato que não está interessado a falar [com jornalistas].”
<><> Leia
os principais pontos da entrevista:
·
[Clarissa Levy] O
título do seu livro é Ter medo de quê? E aí eu penso nesse
período de vários medos. Do que não ter medo, para você?
O título tem muito a
ver com um período quando o medo deixou de ser uma quase ideia para ser uma uma
realidade cotidiana. Essas colunas começaram a ser escritas justamente em 2018,
no contexto das eleições presidenciais. Então foi aquela eleição que a gente
viu a ascensão da extrema direita no Brasil ocupando o posto de cargo máximo do
Executivo, a Presidência.
O recorte temporal é a
partir desse momento. São 25 colunas, textos de 2018 até 2024. Esses textos
marcam justamente esse período dos grandes medos. Sem deixar de lembrar que a
pandemia aconteceu também nesse período.
Claro que dá medo, mas
a gente não pode se acovardar. […] Aí quando eu falo ter medo de quê, é um
pouco na energia de: “bicha, sacode esse cabelo e vai para porrada, sabe”? E ir
para porrada não é da maneira que a extrema direita vai, mas com alguns elementos.
Por exemplo, um humor usado, não para depreciar ninguém, mas deboche para
provocar mesmo uma disrupção, uma desobediência. Isso é muito bem-vindo.
·
[Clarissa Levy] Você
sempre escreve muito sobre o papel do jornalismo e como a gente do jornalismo,
da comunicação, pode servir ou não para bancar determinadas disputas. Como você
tem olhado para esse momento? Será que a gente tem possibilidade de criar mesmo?
Se a gente pegar a disputa da prefeitura de São Paulo, por exemplo, agora a
gente tem um outro outsider que nega o sistema, que é absolutamente agressivo e
espalha desinformação direta e abertamente. Eu tô falando do candidato Pablo
Marçal e uma certa dificuldade da gente ainda de lidar com isso, tanto no nosso
trabalho jornalístico como nas próprias redes sociais.
É que de fato é muito
difícil você concorrer com isso. Com esse tipo de respeito. Esse tipo de
desrespeito lacroso, feito para corte, que a gente tem visto, é difícil de
concorrer.
A gente tem que
pensar, “concorrer com isso como?” Fazendo a mesma coisa? Porque talvez só uma
uma resposta muito parecida tivesse efeitos parecidos, mas a gente quer
produzir isso? É isso que essa comunicação quer?
A gente tem de fato
uma sociedade muito conservadora, mesmo entre jovens também é muito
conservador. Esses recortes mostram entre a geração Z, por exemplo, que os
homens [jovens] são mais conservadores que as mulheres. Até o deputado federal
Nicolas Ferreira [PL-MG] como um exemplo. Então a gente quer concorrer com
isso? Quer, mas a gente vai concorrer com a mesma linguagem? Não, isso com
certeza.
Essa linguagem do
desrespeito, ela vai encontrar de fato uma ressonância social. Existe de
fato uma resposta a isso. Ao mesmo tempo, eu acho que a gente tem elementos
muito interessantes e que deram certo na campanha presidencial de 2022. A
própria frente ampla reunindo nomes como o Alckmin e o próprio Lula. Acho que a
comunicação do vice-presidente ainda é muito interessante. A comunicação de
Alckmin é melhor, em termos de amplitude nas redes. Ela é muito mais
interessante, às vezes, do que a própria comunicação do presidente.
Eu entendo que são
postos muito diferentes, mas a utilização por exemplo dessa questão do humor,
de se levar menos a sério. Esses são pontos que são interessantes nessa
comunicação. Esse tipo de recurso vai ser importante também muitas vezes. Mesmo
no jornalismo, eu acho que a gente pode lidar com elementos da ficção, com
elementos da dramaturgia, do humor, do deboche. Não dá para tratar extrema
direita a partir dos cercadinhos, fazendo perguntas para um comediante vestido
de presidente e perguntar se ele tem uma proposta para o Brasil. Não dá para
lidar desse jeito.
Eu acho que é de fato
repensar. Que tipo de pergunta se faz a um Milei, com a metralhadora em cima de
um carro? Como eu, jornalista, faço uma pergunta para esse candidato que não
está interessado em conversar comigo? Acho que o momento ainda é de aprendizado.
·
[Clarissa Levy] Você
publicou um texto recente, falando “por um jornalismo que mire numa democracia
radical”. Eu queria te pedir para contar para a gente que democracia radical é
essa que você mira. Qual o papel que o jornalismo teria na construção disso.
Essa questão de uma
democracia radical parece, inclusive, ser um pouco contraditória, né? Mas,
pensando numa democracia melhor para a maioria da população brasileira, eu acho
que o primeiro entendimento é que a gente tem que entender democracia como aquela
vivida no cotidiano de uma maneira não homogênea. A gente trata ela de maneira
homogênea, como se existisse uma democracia de forma homogênea que vai dar
conta desse país, mas é impossível que exista uma democracia homogênea, como
uma coisa que você pega na prateleira e diga, “pronto isso é uma democracia”,
que vai conseguir corresponder a uma sociedade tão fraturada como a brasileira.
O ponto de partida
dessas fraturas são as desigualdades. Desigualdade de renda, desigualdade de
raça, desigualdade de gênero, que estão bastante atreladas, né? Elas vão estar
muitas vezes mescladas.
Tem uma democracia que
é mais democracia, para uma população brasileira do que para outra população
brasileira. Quando a gente fala que quer a volta da democracia, que essa
democracia está em risco, eu digo “mas de que democracia estamos falando?”.
É muito difícil, às
vezes, como é que a gente chega nas populações, para as pessoas que estão ali
em determinado lugar, para conseguirem entender que a democracia é importante.
Ou chegar em pessoas evangélicas, pobres… É difícil chegar nelas, em primeiro
lugar, porque a gente às vezes trata os nossos problemas como se fossem os
problemas delas. E aí a pessoa vai olhar para vocês e dizer, “Gata, pra cima de moi? Do
que você tá falando, sabe? Eu passo três horas para chegar no meu
trabalho. Eu não tô a fim de discutir isso com você“.
O que eu estou falando
é que a democracia radical ela não é estabelecida necessariamente por uma ideia
que a gente tem de manutenção e partidos políticos que não são extrema direita,
pela política partidária em si muitas vezes, né? A gente tem que conectar a
política partidária, de fato, com essa questão. Por exemplo, com a questão do
transporte público.
O transporte público é
um sistema de sofrimento. O transporte público brasileiro é uma máquina de moer
pessoas, de produção de sofrimento. Eu acho que é uma das questões mais
importantes no debate, que eu vejo aparecer muito pouco. Nós, do campo progressista
de maior capital, talvez econômico e cultural, estamos discutindo essas
questões muito pouco.
¨ A sorte virou. Por Tatiana Dias
Sejamos francos: a
gente deu sorte que era um Bolsonaro, e essa sorte não se repete mais. Então,
não dá para vacilar de novo.
Não, você não leu
errado.
A extrema direita
avança no mundo todo e aqui não é diferente. Mas a verdade é que demos sorte
que quem chegou ao poder foi um incompetente como Jair Bolsonaro e seus
generais amestrados. Senão o estrago seria muito maior.
O que figuras como
Nikolas Ferreira, Pablo Marçal, Tarcísio de Freitas e outros mostram é que essa
sorte passou. O bolsonarismo do futuro é muito pior que sua versão original.
Saem de cena figuras patéticas como general Heleno e tenente-coronel Cid e entram
em campo empresários, a elite financeira e políticos profissionais.
Pense na estratégia
digital de Pablo Marçal. Ela deixa muito claro como o gabinete do ódio de
Carlos Bolsonaro era só um laboratório.
Marçal domina o
mecanismo de tráfego pago e roda milhares de anúncios em plataformas como
Instagram e Meta. Fazia isso para vender seus produtos digitais e viu que dava
para fazer o mesmo arrebanhando eleitores. É um caso de manipulação
digital sem precedentes.
A inaptidão política e
o déficit cognitivo dos Bolsonaro não são novidades para ninguém. Na verdade,
sendo impossível esconder a incapacidade do Jair, os filhos também o ajudaram a
transformar isso em propaganda. Acontece que, para governar e levar adiante seu
projeto de destruição e violência, era preciso ir além.
Esse erro
definitivamente não se repetirá, e esse país não aguenta pagar para ver. A
reação não pode vir depois do estrago, como aconteceu em 2018. Você sabia que o
dia da posse de Bolsonaro foi um dos dias em que o Intercept mais recebeu
doações de seus leitores? Pois é, dá para esperar outro dia como aquele?
Fonte: Por Por Andrea
DiP, Clarissa Levy, Claudia Jardim, Ricardo Terto, Stela Diogo, da Agencia
Pública/The Intercept
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