Emissões das queimadas transformaram o
hemisfério Sul no maior vilão da crise climática, diz ativista ambiental
Desde o começo deste
ano, os eventos climáticos extremos têm se intensificado no país. Passamos pela
maior tragédia ambiental da história, com enchentes sem precedentes no Rio
Grande Sul. Agora, o país enfrenta sua maior seca em 44 anos, com 16 estados e
Distrito Federal sem chuvas há meses. Para além dos fenômenos climatológicos,
há ainda a devastação decorrente das queimadas.
O Brasil está,
literalmente, pegando fogo. Em janeiro, a Amazônia já tinha ultrapassado os
números anteriores e, em julho, virou “barril de pólvora”. Em março, junto com
a floresta tropical, o Cerrado também ardia em chamas. Em junho a temporada de
incêndios começou a liquidar o Pantanal, com destruição recorde. Em agosto,
continuamos queimando e a fumaça se espalhou pela América do Sul, transportada
pelos rios voadores. Não obstante, ao que indicam investigações preliminares,
incêndios criminosos realizaram o “dia do fogo” em São Paulo, colando o estado
nos holofotes.
“O último [grande
incêndio em São Paulo], em especial, foi detectado um ‘enxame’ de [focos] fogo
simultâneo, mais de 3 mil. Somente o homem é capaz de organizar algo assim, de
forma muito bem articulada e com interesse em algo específico”, assevera Bruno
Brezenski, ativista ambiental. Suas análises, baseadas nas ciências de dados e
em imagens de satélite em tempo real, dão em imagens a dimensão do problema.
Brezenski, que se
define como “polímato”, uma pessoa cujo conhecimento não está restrito a uma
única área, ainda fala dos impactos das fumaças que se alastraram pelo
continente. “Essa emissão maciça de gases altera regionalmente as condições
físicas e químicas da atmosfera, elevando extremos [climáticos] de forma
imediata”, destaca. E alerta para as consequências dessas emissões no Planeta.
“Nossos gases vão direto para a Antártida e ela está acumulando rapidamente
esses gases, elevando sua temperatura. Nesse ponto, o maior vilão é, sem
dúvida, o hemisfério Sul, especialmente Brasil e África”, esclarece.
Na entrevista a
seguir, concedida ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU por mensagens através
do X [antigo Twitter], Bruno Brezenski ainda defende a importância da ciência.
“A ciência é sempre apedrejada na história humana, não é algo incomum.
Raramente governos seguem princípios científicos”, pontua. “O problema é quando
assuntos que dizem respeito à sobrevivência, não só de um povo, mas como de
toda a estrutura viva do planeta, são desrespeitados por governantes”, adverte
o entrevistado.
Bruno Brezenski é
polímato, ativista ambiental e faz uso da metaciência para elaborar dados sobre
as queimadas e a fumaça, divulgando o material em suas redes sociais, em uma
linguagem acessível a toda a população.
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Confira a entrevista.
• Bruno, você poderia falar um pouco sobre
o trabalho de ativismo ambiental, especialmente suas produções audiovisuais
para redes sociais a partir de dados científicos?
Bruno Brezenski – Meu
trabalho ambiental sempre foi pessoal, não publicava, não tinha interesse em
rede social. Resolvi publicar alguns e tive um alcance rápido imediatamente. Aí
vi que outras pessoas também se interessavam, pelo menos no X (antigo Twitter).
• Como trabalhar essas informações nos
ajuda a compreender as questões ambientais contemporâneas de fundo?
Bruno Brezenski –
Notei que são publicadas poucas imagens de satélites em tempo real sobre a
situação imediata de crises, o que serviu como denúncia também. Muito do que se
pública sobre o clima, está regado de informação técnica difícil de
compreender. Gosto de imagens fáceis e didáticas, explico para crianças e elas
entendem, então todos entenderão.
• Nesta semana (27-08-2024) o continente
Sul-Americano se tornou o maior emissor de CO2 do mundo em função das
queimadas. O que isso significa em termos locais e globais?
Bruno Brezenski – Em
termos locais é catastrófico, essa emissão maciça de gases altera regionalmente
as condições físicas e químicas da atmosfera, elevando extremos [climáticos] de
forma imediata. Estamos sentindo isso todos os anos e culpamos sistemas clássicos,
como El Niño, o que não é culpa deles.
Globalmente, eu
considero pior do que as emissões industriais do Norte, apesar destas serem
VEZES maior que a do hemisfério Sul. Aqui se queima quem captura carbono
[florestas]. E, as emissões, apesar de não serem contínuas, quando estão no
auge, são até visíveis a olho nu.
Outro ponto é que os
sistemas climáticos do hemisfério Sul são separados do hemisfério Norte. Nossos
gases vão direto para a Antártida e ela está acumulando rapidamente esses
gases, elevando sua temperatura. Nesse ponto, o maior vilão é, sem dúvida, o hemisfério
Sul, especialmente Brasil e África.
• Por que podemos caracterizar os vários
incêndios em curso como “queimadas terroristas”? Que evidências apontam nesse
sentido?
Bruno Brezenski – Não
existe fogo natural na região amazônica, nem em momentos de seca extrema. O
solo é muito úmido e as árvores são muito carregadas de água para enfrentar
esses períodos.
Já no Sudeste, o
padrão observado pelos sensores, são de ação humana coordenadas de forma
criminosa. Fogo espontâneo não se inicia ao mesmo tempo em áreas amplas como no
Estado de São Paulo.
O último [grande
incêndio em São Paulo], em especial, foi detectado um “enxame” de [focos de]
fogo simultâneo, mais de 3 mil. Somente o homem é capaz de organizar algo
assim, de forma muito bem articulada e com interesse em algo específico.
• O que os dados relacionados às queimadas
são capazes de indicar sobre a relação e o interesse do Agro com estes
incêndios?
Bruno Brezenski – O
padrão observado ultimamente está ligado a interesses políticos e financeiros,
como vemos no rápido anúncio de financiamento para o agro vinda do governador
de São Paulo [Tarcísio de Freitas], sem ao menos esperar uma investigação policial.
No Norte, o agro
precisa derrubar as áreas florestais para ganhar espaço para as plantações e
pasto. São informações confirmadas por agentes públicos, como a ministra Marina
Silva.
• Por que, ao invés de apressadamente
apontar culpados, é importante investigar o que levou a esse imenso conjunto de
incêndios em diversas regiões brasileiras?
Bruno Brezenski – Como
não sou especialista, tenho uma liberdade maior em apontar “culpados”. Como o
agro, já que esse padrão se repete há anos, com processos judiciais públicos e
denúncias de agentes públicos, como a ministra Marina Silva.
Também gosto de
esperar a polícia, e sempre tento ajudar com imagens que, talvez só eu esteja
vendo, para que facilite as investigações. Não sou uma pessoa que goste de
justiça feita “nas coxas”. Precisa ter investigação e responsabilizar quem de
fato comete esse tipo de crime anualmente.
• Como a produção excessiva de fumaça gera
um desequilíbrio biológico e quais as consequências disso nos ecossistemas?
Bruno Brezenski – Esse
é um assunto muito confuso ainda para as pessoas no geral, desequilíbrio
climático ou mudanças climáticas, na verdade pode ser resumido como
“DESEQUILÍBRIO BIOLÓGICO”.
Nosso planeta é regido
por sistemas climáticos, tanto por forças externas como o sol, como pelo
próprio planeta, porém quem mantém o equilíbrio funcional e vital é a BIOMASSA.
Essa fumaça, por
exemplo, pode exterminar insetos em áreas importantes, levando a vegetação ao
colapso. Com isso elevamos ainda mais o desequilíbrio biológico regional e
global.
A vida se adapta e
cria novos mecanismos de sobrevivência. Para isso, é necessário tempo, o que
não ocorre nesses eventos criados pelo homem.
• Você se coloca e trabalha como um
defensor da ciência, não só do meio ambiente. Neste sentido, qual o impacto de
governos negacionistas em relação à origem e às consequências das queimadas?
Bruno Brezenski – A
ciência é sempre apedrejada na história humana, não é algo incomum. Raramente
governos seguem princípios científicos. O problema é quando assuntos que dizem
respeito à sobrevivência, não só de um povo, mas como de toda a estrutura viva
do planeta, são desrespeitados por governantes.
Isso pode intensificar
danos a vida e a saúde não só de humanos, mas de todo o bioma de um país. Vimos
isso durante o governo de Jair Bolsonaro.
A ciência pode não
acertar sempre, mas raramente está errada. Estudo vários campos de ciência para
entender um “todo” sou polímato.
Governos tem como
“mantra” dinheiro, Produto Interno Bruto – PIB, juros. Por isso, aqui no
Brasil, tendem a minimizar os danos causados por queimadas, já que o agro é o
maior motor de geração de dividendos para o país.
• O atual governo federal não é
negacionista científico. Mas as orientações no site do ministério da saúde
indicavam o uso de “máscaras cirúrgicas”. Já o Ministério do Meio Ambiente,
cujo orçamento é bastante restrito, parece estar se movendo pouco. Como o
senhor avalia as ações do executivo federal no enfrentamento às questões
ambientais?
Bruno Brezenski – As
ações do governo federal parecem engessadas, erros acontecem como no caso de
prescrever não só máscaras descartáveis como bandanas, ineficazes para
partículas suspensas. Nesses eventos, gases não são o maior problema. Para a
saúde humana, as partículas são muito mais perigosas. A recomendação foi
desastrosa, atrasada e ineficaz.
Já o Ministério do
Meio Ambiente, tem o maior nome do mundo no seu comando, Marina Silva. Porém,
ela é humana e não consegue nada sozinha. Falta apoio político e interesse
coletivo de toda nação, que tem muitas demandas, não vou culpar o povo.
Acho que falta o
Congresso nessa equação, na qual ele mais atrapalha do que ajuda. Não há
políticos nesse meio capaz de enfrentar negacionistas que já tomaram boa parte
da pauta da Câmara.
E também o Itamaraty
falha em não solicitar ajuda internacional de nações ricas. Elas são
responsáveis indiretas, mas não são chamadas a ajudar por uma
“pseudossoberania” que não existe na questão climática.
• Deseja acrescentar algo?
Bruno Brezenski –
Gostaria de ver mais especialistas climáticos pararem de utilizar termos
técnicos e usar o exemplo de um profeta muito bem-sucedido em converter a
humanidade para suas ideias complexas usando de um linguajar simples, regado de
parábolas e acessível a todos. A ciência hoje é fechada e artigos científicos
são pagos para ter acesso. Assim, negacionismo vence e passa a boiada mesmo.
Fonte: Entrevista com
Bruno Brezenski, para IHU e Baleia Comunicação
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