sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Como mudanças climáticas impulsionam incêndios no Brasil

O Brasil já registrou em 2024 o maior número de incêndios florestais dos últimos 14 anos. O fogo devastou áreas de vários biomas do país, incluindo Amazônia, Pantanal e Cerrado. A fumaça se espalhou pelo país encobrindo várias cidades em diferentes regiões.

Somente em São Paulo, mais de 59 mil hectares foram queimados em regiões de plantio de cana-de-açúcar. A Polícia Federal investiga suspeitas de incêndios criminosos iniciados em locais diferentes que se espalharam rapidamente através da vegetação extremamente seca, numa região onde não chove há semanas. As autoridades reportaram que as temperaturas altas, juntamente com os ventos fortes e a baixa umidade, se tornaram uma combinação explosiva.

Não somente em São Paulo, o fogo encontra um cenário propício para se alastrar. O país enfrenta ainda a maior seca da história, segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden). Dados do World Weather Attribution (WWA), um grupo de cientistas de diferentes países que investiga os efeitos das mudanças climáticas sobre o clima extremo, indicam que o mês de junho no Brasil foi o mais seco, quente e ventoso desde o início dos registros, em 1979.

Em agosto, os estados que mais registraram focos de incêndio foram o Mato Grosso (mais de 10,4 mil), Pará (9,6 mil), Amazonas (7,7 mil), Mato Grosso do Sul (4,2mil) e São Paulo (3,4 mil). A Amazônia e o Pantanal foram os biomas mais afetados.

Um relatório divulgado no início de agosto pelo WWA afirma que os incêndios no Pantanal estão 40% mais intensos devido às mudanças climáticas. Os dados corroboram essa análise, uma vez que as precipitações médias anuais vêm diminuindo de maneira contínua no bioma há mais de 40 anos.

"Essas 'megassecas' se tornam cada vem mais frequentes e graves", afirma Carlos Peres, especialista em ecologia e conservação da Universidade East Anglia, no Reino Unido. Segundo o brasileiro, cerca de três quintos do país estão ficam mais secos.

<><> Floresta secando

Em junho, um estudo da organização não-governamental MapBiomas, uma rede que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia e que realiza estudos para monitorar mudanças na cobertura e no uso da terra, revelou que a Amazônia e o Pantanal estão ameaçados por essa perda de água.

A Amazônia, por exemplo, iniciou 2023 com superfície de água acima da média histórica e, meses depois, o bioma enfrentou uma seca sem precedentes. O rio Negro registrou o menor índice desde que seu nível começou a ser acompanhado, há 100 anos.

Proporcionalmente, o Pantanal foi o bioma que mais secou desde 1985. Em 2023, a superfície de água anual registrada ficou em 3.820 km², o que representou uma redução de 61% em relação à média histórica. Além da diminuição da área alagada, o tempo em que este terreno fica submerso também caiu.

Filho de pecuarista, Peres cresceu nos anos 1960 e 1970 no Pará. Durante sua vida, ele viu a Amazônia encolher em 20%. Parte do que restou da floresta acaba sendo cada vez mais atingida pelas queimadas. "Há 25 anos, as florestas na Amazônia, mesmo se estivessem em solos arenosos ou em áreas atingidas por secas sazonais, não queimavam a não ser que houvesse algum tipo de perturbação humana, como a extração de madeira", diz Peres. "Mas, isso mudou."

O especialista afirma que as secas consecutivas e as estações de chuvas mais curtas não proporcionam aos solos tempo suficiente para se reabastecerem de água, o que torna a vegetação mais vulnerável aos incêndios.

Luciana Gatti, que lidera uma equipe de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), avalia que o problema está apenas piorando. "Estamos acelerando o colapso climático", afirmou à DW, sublinhando que o desmatamento tem contribuído mais do que o aquecimento global para aumentar as temperaturas na Amazônia. "A floresta que restou não é mais a mesma. É como se a Amazônia estivesse doente."

Árvores e outras plantas agem como reguladores do clima ao absorverem dióxido de carbono e liberarem vapor no ar através de um processo chamado evapotranspiração. Gatti diz que, no Brasil, a água evaporada da Amazônia e do Pantanal age como uma "camada de proteção do clima" que ajuda no resfriamento da atmosfera. No entanto, com o aumento constante do desmatamento e das queimadas, essa camada está enfraquecendo.

Em um estudo de 2021 publicado na revista especializada Nature, Gatti escreveu que partes do sudeste da Amazônia já começam a agir como fontes emissoras de CO2, ao invés de absorverem os gases causadores do efeito estufa, como de costume. Ela explica que, embora o desmatamento tenha diminuído nos últimos anos, a degradação das florestas piorou devido aos incêndios e outros fatores. "O problema é que o fogo está cada vez mais incontrolável."

•        Queimadas e secas mais frequentes

"Esses eventos extremos estão se tornando mais frequentes", reforça Julia Tavares, uma ecóloga brasileira e pesquisadora da Universidade de Uppsala, na Suécia. Em um estudo de 2023, ela e seus colegas analisaram como partes diferentes da floresta úmida reagiam a condições mais quentes e secas, e concluíram que algumas regiões da Amazônia estão cada vez mais instáveis.

A ONG World Resources Institute relata que os incêndios florestais mundo afora estão piorando, destruindo duas vezes mais árvores do que há 20 anos. Um relatório do Programa Ambiental da ONU prevê que a ocorrência desses incêndios deverá aumentar em 30% até 2050.

Tavares afirma que, embora as mudanças climáticas não estejam provocando diretamente os incêndios no Brasil, o surgimento espontâneo de chamas é algo bastante raro em climas tropicais. "É causado por pessoas; por ações humanas que são reforçadas pelas mudanças climáticas, que criam melhores condições para que o fogo se espalhe."

A pesquisadora destaca os enormes lotes de terra desmatados, com frequência por fazendeiros que ateiam fogo à vegetação ao utilizarem uma técnica chamada agricultura de corte e queima, constantemente removendo partes da floresta intocada.

"As coisas mudam com muita rapidez", diz Peres, ao explicar como o aumento das queimadas e das secas colocam em risco a segurança alimentar e da água, eliminado a biodiversidade e prejudicando a saúde.

O pesquisador alerta que, cada vez que a floresta queima prepara o terreno para "queimadas mais frequentes e intensas na próxima vez", uma vez que mais vegetação morre e vira combustível para os incêndios florestais. "Quando a floresta queimar pela terceira vez, não teremos mais floresta", diz Peres. "O prejuízo que isso acarreta, tanto em termos de perda de biodiversidade e de perda armazenamento de carbono, é enorme."

 

•        Fumaça de queimadas afeta qualidade do ar, saúde e paisagens no RS; material pode alterar cor da chuva, diz especialista

Nos últimos dias, a qualidade do ar no Rio Grande do Sul tem sido severamente impactada pela fumaça proveniente de queimadas em outras regiões do país. Desde o último mês, o céu tem mostrado uma tonalidade mais opaca. O horizonte avermelhado ao pôr do sol, por exemplo, é um claro indício da presença de queimadas.

De acordo com o climatologista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Francisco Aquino o cenário é resultado de uma combinação de fatores climáticos adversos, como: redução da umidade do ar, as ondas de calor e o bloqueio atmosférico.

Aquino alerta que este material na atmosfera do RS pode ser visível na precipitação, resultando em uma água da chuva com coloração alterada.

"Em especial, quem capta a água da chuva vai identificar a água com a coloração diferente com o material depositado junto", diz o climatologista.

A previsão indica que o calor acima da média e a estiagem prolongada, especialmente nas regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil, podem manter o corredor de fumaça ativo por mais alguns meses. Isso não só afeta a qualidade do ar, mas também representa riscos à saúde.

A pneumologista Caroline Freiesleben ressalta que a presença intensificada de poluentes no ar pode causar inflamações nas vias aéreas.

"O ideal é que as pessoas tomem muita água, se mantenham bem hidratadas e hidratem as mucosas. A máscara é aconselhada para aquelas pessoas que tem uma exposição maior e que já sabem que tem uma doença pulmonar mais grave", explica Caroline.

Historicamente, o Rio Grande do Sul tem enfrentado problemas semelhantes desde o início da década, com anos consecutivos de estiagem levando a queimadas e incêndios florestais.

O major Silvano Oliveira Rodrigues, presidente da Câmara Técnica de Combate a Incêndios Florestais, reforça que o estado entra em um período crítico durante o verão, tendo a combinação de 30 dias sem chuva, umidade abaixo de 30% e temperatura acima de 30°C, condições que aumentam a probabilidade de incêndios florestais.

<><> Outros episódios

A fumaça encobriu o céu de Porto Alegre no último mês, deixando-o acinzentado. O fenômeno teve como os principais responsáveis pela nuvem de fumaça são os incêndios florestais no norte da Argentina, no Paraguai e no sul do Mato Grosso do Sul, no Pantanal.

Em setembro de 2022, uma nuvem de fumaça de queimadas originada na Amazônia chegou à Região Sul do Brasil. O episódio foi mais perceptível em municípios da metade Norte do estado.

Em fevereiro do mesmo ano, a fumaça oriunda dos incêndios florestais que atingiram a província de Corrientes, na Argentina, encobriu o céu em Uruguaiana, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul.

Já em setembro de 2020, as fumaças de queimadas que acontecem na região do Pantanal do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, no Centro-Oeste do país, também chegaram ao Rio Grande do Sul.

 

•        Pôr do sol alaranjado é sinônimo de poluição extrema? Entenda como onda de calor contribui para o fenômeno

Em meio a uma sequência de dias muito quentes, secos e sem quase nenhuma nuvem no céu, as cores do pôr do sol têm se destacado em diversas capitais pelo país. Apesar de ser ótimo cenário para fotos, o fenômeno está diretamente associado com a poluição.

🔄Além disso, o bloqueio atmosférico que tem provocado a onda de calor duradoura que atua sobre o país também contribui para essa condição.

Isso porque, segundo a Climatempo, com a estabilidade da massa de ar seco, a poluição fica presa nas camadas mais baixas da atmosfera.

As partículas em suspensão contribuem para a alta concentração de poluentes, alteram a coloração do céu e espalham a luz do espectro alaranjado.

“A cor alaranjada e avermelhada está relacionada com a interação da luz com os poluentes que ficam concentrados na camada baixa da atmosfera, mais próxima da superfície”, explicou Josélia Pegorim, meteorologista da Climatempo, em entrevista ao g1.

🌇A principal explicação para esse show de cores é que as partículas de poeira facilitam a dispersão da cor azul e favorecem o destaque de outras cores no céu, como os tons alaranjados.

Além de alterar as cores do pôr do sol, a alta concentração de poluentes pode modificar também a cor da Lua. A mudança é reflexo da poluição e dos incêndios, que se multiplicam com o tempo mais seco.

🌕Assim, quanto mais poluído o ar, mais vermelho é o tom da Lua. E quanto mais ao horizonte a Lua se encontrar, mais vermelha vai parecer, por conta do reflexo da luz nas partículas de poluição.

Mas o excesso de poluição também pode prejudicar a visibilidade, tanto do Sol quanto da Lua. A camada espessa de poluentes rouba o brilho e a intensidade do nascer do Sol.

É o que aconteceu nas cidades que amanheceram encobertas pela fumaça das queimadas nas últimas semanas, por exemplo.

Ainda que proporcionem belas cores no pôr do sol, o tempo seco e a poluição podem causar diversos problemas respiratórios.

🥵Em dias com níveis preocupantes de baixa umidade do ar por causa da onda de calor, são recomendados os seguintes cuidados:

•        Beber bastante líquido;

•        Evitar desgaste físico nas horas mais secas;

•        Evitar exposição ao sol nas horas mais quentes do dia.

<><> Alívio breve no calor

Apesar da expectativa da onda de calor ser prolongar, com temperaturas elevadas até meados da segunda quinzena do próximo mês, algumas regiões podem ter um alívio bem breve no calor a partir dessa quinta.

Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) todos os estados do Sul, sudoeste de São Paulo e sul do Mato Grosso do Sul podem ter quedas de até 5ºC nas temperaturas entre quinta (5) e sexta (6).

As capitais do Sul são as que devem registrar as menores marcas. Em Porto Alegre, a mínima deve cair para 7°C na sexta. O mesmo está previsto para Curitiba.

🌨️Há previsão de geada para regiões do sudoeste do Rio Grande do Sul, com temperatura mínima de até 3°C e risco leve de perda de plantãções.

No Sudeste, as temperaturas devem cair também na sexta-feira. No Rio de Janeiro, a máxima não passa dos 25°C e, em São Paulo, dos 24°C.

Os meteorologistas lembram que o refresco será realmente momentâneo. Já no sábado (7) as temperaturas voltam a subir nessas regiões.

 

Fonte: Deutsche Welle/g1

 

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