Como mudanças climáticas impulsionam
incêndios no Brasil
O Brasil já registrou
em 2024 o maior número de incêndios florestais dos últimos 14 anos. O fogo
devastou áreas de vários biomas do país, incluindo Amazônia, Pantanal e
Cerrado. A fumaça se espalhou pelo país encobrindo várias cidades em diferentes
regiões.
Somente em São Paulo,
mais de 59 mil hectares foram queimados em regiões de plantio de
cana-de-açúcar. A Polícia Federal investiga suspeitas de incêndios criminosos
iniciados em locais diferentes que se espalharam rapidamente através da
vegetação extremamente seca, numa região onde não chove há semanas. As
autoridades reportaram que as temperaturas altas, juntamente com os ventos
fortes e a baixa umidade, se tornaram uma combinação explosiva.
Não somente em São
Paulo, o fogo encontra um cenário propício para se alastrar. O país enfrenta
ainda a maior seca da história, segundo o Centro Nacional de Monitoramento de
Desastres Naturais (Cemaden). Dados do World Weather Attribution (WWA), um
grupo de cientistas de diferentes países que investiga os efeitos das mudanças
climáticas sobre o clima extremo, indicam que o mês de junho no Brasil foi o
mais seco, quente e ventoso desde o início dos registros, em 1979.
Em agosto, os estados
que mais registraram focos de incêndio foram o Mato Grosso (mais de 10,4 mil),
Pará (9,6 mil), Amazonas (7,7 mil), Mato Grosso do Sul (4,2mil) e São Paulo
(3,4 mil). A Amazônia e o Pantanal foram os biomas mais afetados.
Um relatório divulgado
no início de agosto pelo WWA afirma que os incêndios no Pantanal estão 40% mais
intensos devido às mudanças climáticas. Os dados corroboram essa análise, uma
vez que as precipitações médias anuais vêm diminuindo de maneira contínua no
bioma há mais de 40 anos.
"Essas
'megassecas' se tornam cada vem mais frequentes e graves", afirma Carlos
Peres, especialista em ecologia e conservação da Universidade East Anglia, no
Reino Unido. Segundo o brasileiro, cerca de três quintos do país estão ficam
mais secos.
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Floresta secando
Em junho, um estudo da
organização não-governamental MapBiomas, uma rede que envolve universidades,
ONGs e empresas de tecnologia e que realiza estudos para monitorar mudanças na
cobertura e no uso da terra, revelou que a Amazônia e o Pantanal estão ameaçados
por essa perda de água.
A Amazônia, por
exemplo, iniciou 2023 com superfície de água acima da média histórica e, meses
depois, o bioma enfrentou uma seca sem precedentes. O rio Negro registrou o
menor índice desde que seu nível começou a ser acompanhado, há 100 anos.
Proporcionalmente, o
Pantanal foi o bioma que mais secou desde 1985. Em 2023, a superfície de água
anual registrada ficou em 3.820 km², o que representou uma redução de 61% em
relação à média histórica. Além da diminuição da área alagada, o tempo em que este
terreno fica submerso também caiu.
Filho de pecuarista,
Peres cresceu nos anos 1960 e 1970 no Pará. Durante sua vida, ele viu a
Amazônia encolher em 20%. Parte do que restou da floresta acaba sendo cada vez
mais atingida pelas queimadas. "Há 25 anos, as florestas na Amazônia,
mesmo se estivessem em solos arenosos ou em áreas atingidas por secas sazonais,
não queimavam a não ser que houvesse algum tipo de perturbação humana, como a
extração de madeira", diz Peres. "Mas, isso mudou."
O especialista afirma
que as secas consecutivas e as estações de chuvas mais curtas não proporcionam
aos solos tempo suficiente para se reabastecerem de água, o que torna a
vegetação mais vulnerável aos incêndios.
Luciana Gatti, que
lidera uma equipe de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), avalia que o problema está apenas piorando. "Estamos acelerando o
colapso climático", afirmou à DW, sublinhando que o desmatamento tem contribuído
mais do que o aquecimento global para aumentar as temperaturas na Amazônia.
"A floresta que restou não é mais a mesma. É como se a Amazônia estivesse
doente."
Árvores e outras
plantas agem como reguladores do clima ao absorverem dióxido de carbono e
liberarem vapor no ar através de um processo chamado evapotranspiração. Gatti
diz que, no Brasil, a água evaporada da Amazônia e do Pantanal age como uma
"camada de proteção do clima" que ajuda no resfriamento da atmosfera.
No entanto, com o aumento constante do desmatamento e das queimadas, essa
camada está enfraquecendo.
Em um estudo de 2021
publicado na revista especializada Nature, Gatti escreveu que partes do sudeste
da Amazônia já começam a agir como fontes emissoras de CO2, ao invés de
absorverem os gases causadores do efeito estufa, como de costume. Ela explica
que, embora o desmatamento tenha diminuído nos últimos anos, a degradação das
florestas piorou devido aos incêndios e outros fatores. "O problema é que
o fogo está cada vez mais incontrolável."
• Queimadas e secas mais frequentes
"Esses eventos
extremos estão se tornando mais frequentes", reforça Julia Tavares, uma
ecóloga brasileira e pesquisadora da Universidade de Uppsala, na Suécia. Em um
estudo de 2023, ela e seus colegas analisaram como partes diferentes da floresta
úmida reagiam a condições mais quentes e secas, e concluíram que algumas
regiões da Amazônia estão cada vez mais instáveis.
A ONG World Resources
Institute relata que os incêndios florestais mundo afora estão piorando,
destruindo duas vezes mais árvores do que há 20 anos. Um relatório do Programa
Ambiental da ONU prevê que a ocorrência desses incêndios deverá aumentar em 30%
até 2050.
Tavares afirma que,
embora as mudanças climáticas não estejam provocando diretamente os incêndios
no Brasil, o surgimento espontâneo de chamas é algo bastante raro em climas
tropicais. "É causado por pessoas; por ações humanas que são reforçadas
pelas mudanças climáticas, que criam melhores condições para que o fogo se
espalhe."
A pesquisadora destaca
os enormes lotes de terra desmatados, com frequência por fazendeiros que ateiam
fogo à vegetação ao utilizarem uma técnica chamada agricultura de corte e
queima, constantemente removendo partes da floresta intocada.
"As coisas mudam
com muita rapidez", diz Peres, ao explicar como o aumento das queimadas e
das secas colocam em risco a segurança alimentar e da água, eliminado a
biodiversidade e prejudicando a saúde.
O pesquisador alerta
que, cada vez que a floresta queima prepara o terreno para "queimadas mais
frequentes e intensas na próxima vez", uma vez que mais vegetação morre e
vira combustível para os incêndios florestais. "Quando a floresta queimar
pela terceira vez, não teremos mais floresta", diz Peres. "O prejuízo
que isso acarreta, tanto em termos de perda de biodiversidade e de perda
armazenamento de carbono, é enorme."
• Fumaça de queimadas afeta qualidade do
ar, saúde e paisagens no RS; material pode alterar cor da chuva, diz
especialista
Nos últimos dias, a
qualidade do ar no Rio Grande do Sul tem sido severamente impactada pela fumaça
proveniente de queimadas em outras regiões do país. Desde o último mês, o céu
tem mostrado uma tonalidade mais opaca. O horizonte avermelhado ao pôr do sol,
por exemplo, é um claro indício da presença de queimadas.
De acordo com o
climatologista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Francisco
Aquino o cenário é resultado de uma combinação de fatores climáticos adversos,
como: redução da umidade do ar, as ondas de calor e o bloqueio atmosférico.
Aquino alerta que este
material na atmosfera do RS pode ser visível na precipitação, resultando em uma
água da chuva com coloração alterada.
"Em especial,
quem capta a água da chuva vai identificar a água com a coloração diferente com
o material depositado junto", diz o climatologista.
A previsão indica que
o calor acima da média e a estiagem prolongada, especialmente nas regiões
Centro-Oeste e Norte do Brasil, podem manter o corredor de fumaça ativo por
mais alguns meses. Isso não só afeta a qualidade do ar, mas também representa
riscos à saúde.
A pneumologista
Caroline Freiesleben ressalta que a presença intensificada de poluentes no ar
pode causar inflamações nas vias aéreas.
"O ideal é que as
pessoas tomem muita água, se mantenham bem hidratadas e hidratem as mucosas. A
máscara é aconselhada para aquelas pessoas que tem uma exposição maior e que já
sabem que tem uma doença pulmonar mais grave", explica Caroline.
Historicamente, o Rio
Grande do Sul tem enfrentado problemas semelhantes desde o início da década,
com anos consecutivos de estiagem levando a queimadas e incêndios florestais.
O major Silvano
Oliveira Rodrigues, presidente da Câmara Técnica de Combate a Incêndios
Florestais, reforça que o estado entra em um período crítico durante o verão,
tendo a combinação de 30 dias sem chuva, umidade abaixo de 30% e temperatura
acima de 30°C, condições que aumentam a probabilidade de incêndios florestais.
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Outros episódios
A fumaça encobriu o
céu de Porto Alegre no último mês, deixando-o acinzentado. O fenômeno teve como
os principais responsáveis pela nuvem de fumaça são os incêndios florestais no
norte da Argentina, no Paraguai e no sul do Mato Grosso do Sul, no Pantanal.
Em setembro de 2022,
uma nuvem de fumaça de queimadas originada na Amazônia chegou à Região Sul do
Brasil. O episódio foi mais perceptível em municípios da metade Norte do
estado.
Em fevereiro do mesmo
ano, a fumaça oriunda dos incêndios florestais que atingiram a província de
Corrientes, na Argentina, encobriu o céu em Uruguaiana, na Fronteira Oeste do
Rio Grande do Sul.
Já em setembro de
2020, as fumaças de queimadas que acontecem na região do Pantanal do Mato
Grosso e do Mato Grosso do Sul, no Centro-Oeste do país, também chegaram ao Rio
Grande do Sul.
• Pôr do sol alaranjado é sinônimo de
poluição extrema? Entenda como onda de calor contribui para o fenômeno
Em meio a uma
sequência de dias muito quentes, secos e sem quase nenhuma nuvem no céu, as
cores do pôr do sol têm se destacado em diversas capitais pelo país. Apesar de
ser ótimo cenário para fotos, o fenômeno está diretamente associado com a
poluição.
🔄Além disso, o bloqueio atmosférico que tem provocado a onda de
calor duradoura que atua sobre o país também contribui para essa condição.
Isso porque, segundo a
Climatempo, com a estabilidade da massa de ar seco, a poluição fica presa nas
camadas mais baixas da atmosfera.
As partículas em
suspensão contribuem para a alta concentração de poluentes, alteram a coloração
do céu e espalham a luz do espectro alaranjado.
“A cor alaranjada e
avermelhada está relacionada com a interação da luz com os poluentes que ficam
concentrados na camada baixa da atmosfera, mais próxima da superfície”,
explicou Josélia Pegorim, meteorologista da Climatempo, em entrevista ao g1.
🌇A principal explicação para esse show de cores é que as
partículas de poeira facilitam a dispersão da cor azul e favorecem o destaque
de outras cores no céu, como os tons alaranjados.
Além de alterar as
cores do pôr do sol, a alta concentração de poluentes pode modificar também a
cor da Lua. A mudança é reflexo da poluição e dos incêndios, que se multiplicam
com o tempo mais seco.
🌕Assim, quanto mais poluído o ar, mais vermelho é o tom da Lua. E
quanto mais ao horizonte a Lua se encontrar, mais vermelha vai parecer, por
conta do reflexo da luz nas partículas de poluição.
Mas o excesso de
poluição também pode prejudicar a visibilidade, tanto do Sol quanto da Lua. A
camada espessa de poluentes rouba o brilho e a intensidade do nascer do Sol.
É o que aconteceu nas
cidades que amanheceram encobertas pela fumaça das queimadas nas últimas
semanas, por exemplo.
Ainda que proporcionem
belas cores no pôr do sol, o tempo seco e a poluição podem causar diversos
problemas respiratórios.
🥵Em dias com níveis preocupantes de baixa umidade do ar por causa
da onda de calor, são recomendados os seguintes cuidados:
• Beber bastante líquido;
• Evitar desgaste físico nas horas mais
secas;
• Evitar exposição ao sol nas horas mais
quentes do dia.
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Alívio breve no calor
Apesar da expectativa
da onda de calor ser prolongar, com temperaturas elevadas até meados da segunda
quinzena do próximo mês, algumas regiões podem ter um alívio bem breve no calor
a partir dessa quinta.
Segundo o Instituto
Nacional de Meteorologia (Inmet) todos os estados do Sul, sudoeste de São Paulo
e sul do Mato Grosso do Sul podem ter quedas de até 5ºC nas temperaturas entre
quinta (5) e sexta (6).
As capitais do Sul são
as que devem registrar as menores marcas. Em Porto Alegre, a mínima deve cair
para 7°C na sexta. O mesmo está previsto para Curitiba.
🌨️Há previsão de geada para regiões do sudoeste do Rio Grande do
Sul, com temperatura mínima de até 3°C e risco leve de perda de plantãções.
No Sudeste, as
temperaturas devem cair também na sexta-feira. No Rio de Janeiro, a máxima não
passa dos 25°C e, em São Paulo, dos 24°C.
Os meteorologistas
lembram que o refresco será realmente momentâneo. Já no sábado (7) as
temperaturas voltam a subir nessas regiões.
Fonte: Deutsche
Welle/g1
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