Como entidades europeias avaliam o bloqueio
do X no Brasil
A União Europeia (UE)
observa de perto a escalada do conflito entre o Supremo Tribunal Federal (STF)
e o X (antigo Twitter), que culminou na semana passada no bloqueio em todo o
país da plataforma controlada por Elon Musk.
A medida drástica foi
determinada pelo ministro Alexandre de Moraes e referendada pela Primeira Turma
da corte, após a rede social se recusar a cumprir ordens judiciais e indicar um
representante legal no país.
Musk também tem um
histórico de conflitos com a UE, que aprovou em outubro de 2022 um regulamento
para lidar com desinformação e conteúdos ilegais em redes sociais – o Digital
Services Act (DSA), que prevê o bloqueio das plataformas como último recurso.
O DSA é uma das
inspirações do projeto de lei enviado pelo governo brasileiro ao Congresso para
regular as redes sociais, retirado de pauta após falta de consenso entre os
deputados.
À frente da aprovação
do DSA estava o francês Thierry Breton, comissário da UE para o Mercado Interno
e Serviços. Em maio de 2022, ele reuniu-se com Musk para debater a normativa
europeia e divulgou um vídeo no qual o dono do então Twitter afirmava estar
"alinhado" à forma como o bloco europeu pretendia regular as
plataformas digitais:
O clima cordial não
durou muito. Em dezembro de 2023, o X estreou como a primeira rede social
investigada pela UE em um procedimento formal no âmbito da DSA, e Breton
tornou-se um dos alvos dos posts de Musk – assim como Alexandre de Moraes. Em
agosto, Breton enviou uma carta a Musk cobrando que o X cumprisse a norma
europeia, e o empresário respondeu com um meme ofendendo o comissário da UE.
Em nota à DW, um
porta-voz da Comissão Europeia afirmou que não comentaria o bloqueio do X no
Brasil, mas pontuou que o DSA "torna as plataformas online responsáveis
pela disseminação de conteúdo ilegal e desinformação em seus serviços" e
mencionou o procedimento investigativo aberto contra o X, que segue em
andamento.
A DW ouviu cinco
organizações da sociedade civil sediadas ou com representação na Europa sobre
como elas avaliam a ordem judicial que bloqueou o X no Brasil.
"Decisões
precisam ter equilíbrio e proporcionalidade"
Julian Jaursch,
diretor sobre regulação de plataformas do think tank interface (ex-Stiftung
Neue Verantwortung), sediado em Berlim, vê o bloqueio do X no Brasil como um
exemplo de conflitos em todo o mundo sobre a moderação de conteúdo em
plataformas digitais e os embates entre o poder do Estado e o das empresas
privadas.
"Em um país
democrático e com Estado de direito, empresas privadas não podem ser
autorizadas a não seguirem a regras. Ao mesmo tempo, há o risco de excessos do
poder público e de que decisões justificadas como regulação de plataformas ou
combate a crimes sejam, na prática, tomadas por motivos políticos ou disputas
de poder", afirma Jaursch, pontuando que ele não se refere especificamente
ao bloqueio do X no Brasil.
"É muito
importante ter equilíbrio e proporcionalidade. Por isso é preciso ter
transparência, Estado de Direito, saber o que está nas ordens judiciais e por
que algumas regras existem. É preciso haver controles em cada um dos Três
Poderes e por parte da sociedade civil e da imprensa, sobre o poder público e
sobre as empresas, para que seja possível apontar excessos", diz. "Se
tudo isso estiver funcionando, a regulação de plataformas funciona
relativamente bem; se não, há esses riscos."
No caso brasileiro,
ele avalia ser natural que o Judiciário esteja na linha de frente da definição
do que é legal ou ilegal nas redes sociais, mas diz que algumas ordens
judiciais para o bloqueio de contas "não foram muito transparentes".
Jaursch também
considera que a personalidade mercurial tanto de Musk como de Moraes contribui
para a evolução do conflito: "Ambos são muito proeminentes, poderosos e
francos."
Ele critica a multa a
quem usar VPN para acessar o X no Brasil, que considera "excessiva e
desproporcional".
Especialista no DSA da
União Europeia, ele diz que o regulamento estabelece diversas etapas
intermediárias antes da suspensão de uma plataforma como último recurso, que
podem incluir a oitiva de funcionários, a análise de documentos sigilosos e a
aplicação de multas pesadas. O texto prevê regras para ampliar a transparência,
aderência a normas e a responsabilização das plataformas, em vez de definir
quais conteúdos são legais ou ilegais.
"Justiça
brasileira está dizendo que ninguém está acima da lei"
A diretora de um think
tank baseado na Europa especializado em extremismo e desinformação online, que
preferiu falar sob anonimato, também avalia que a queda de braço entre o X e o
Supremo brasileiro representa choques globais sobre a regulação de plataformas
digitais, como a recente prisão do fundador do Telegram, Pavel Durov, na
França.
Ela pondera que
pessoas com interesses econômicos ou políticos costumam caracterizar esses
conflitos como uma luta pela liberdade de expressão, quando, em muitos casos,
trata-se da aderência às normas de um determinado país ou do simples
cumprimento dos termos de serviço das plataformas.
"Uma das
mensagens enviadas pelo Judiciário brasileiro é que ninguém está acima da lei,
e que ser proprietário de uma rede social ou ter uma grande fortuna não o
isenta de seguir as leis locais", afirma, citando que a exigência para o X
ter um representante legal no país seria "bastante razoável".
"Não me parece que o X tinha intenção de entrar em conformidade no futuro
próximo, segundo os comunicados da própria empresa."
Sobre o caso
brasileiro, ela avalia que a liderança do Judiciário no controle das
plataformas digitais, definindo precedentes sem regras claras sobre o tema,
"é sempre arriscado e não é o melhor caminho", mas compreensível na
ausência de normas específicas. "O ideal é ter leis nas quais as regras
para esse controle estejam claras e com punições pelo descumprimento. Mas
entendo que muitos países tiveram que encontrar alternativas para garantir um
ambiente digital seguro enquanto tentam aprovar leis."
Indagada sobre a multa
para brasileiros que usarem VPN para usar o X, ela diz a melhor estratégia é
"ir atrás da empresa que descumpre a lei, em vez das pessoas que usam
aquele serviço".
A especialista destaca
que tem havido um esforço global para entender como regular da melhor forma as
plataformas digitais, após elas demonstrarem que não farão isso por conta
própria. "Por 20 anos, essas plataformas tiveram a oportunidade de se autorregular,
e falharam repetidas vezes. Elas mostraram que não cumprirão suas próprias
políticas internas nem serão transparentes sobre suas práticas, a menos que
sejam forçadas a fazer isso."
"Bloqueio do X
afeta seriamente o direito à liberdade de expressão"
Jan Penfrat, consultor
sênior de políticas públicas da rede European Digital Rights (EDRi), sediada em
Bruxelas, considera que o Supremo brasileiro foi longe demais na decisão de
bloquear o X em todo o país.
A medida, diz, tem
"sérias consequências negativas para os direitos à liberdade de expressão,
de acesso à informação e de reunião (digital) no Brasil", afetando pessoas
que usam a plataforma para acessar conteúdos perfeitamente legais.
Por isso, ele destaca
que a DSA da União Europeia permite o bloqueio de plataformas "somente
como último recurso, sob circunstâncias estritas do artigo 51(3) e depois que
todas as outras tentativas de responsabilizar o provedor falharam".
Esse artigo estabelece
que o bloqueio deve ser determinado pelo Judiciário de um país-membro da UE e
durar quatro semanas, e pode ser prorrogável se for devidamente justificado.
Penfrat também
criticou a decisão de punir usuários brasileiros que usem VPN para acessar o X.
"Ameaçar pessoas que fizerem uso de ferramentas legais para acessar
conteúdos legais é desproporcional é não pode ser justificado sob as normas de
direitos humanos", afirma.
"Caso do Brasil
pode desencadear efeitos semelhantes em outros países"
"O cenário do
discurso online vem se transformando há anos e cada vez fica mais claro de que
com maior alcance vem maior responsabilidade, inclusive para as redes
sociais", afirma Cathleen Berger, co-diretora do projeto Upgrade Democracy
na fundação alemã Bertelsmann Stiftung.
Ela diz que à medida
que a influência de plataformas como o X cresce no debate público, os Estados
precisam atentar ao seu impacto, inclusive sobre as instituições e processos
democráticos. "Os fatos recentes no Brasil destacam esse equilíbrio delicado
e as tensões na definição e aplicação de regras sobre o discurso online."
Berger considera
difícil no momento avaliar se o bloqueio do X no Brasil foi uma decisão
acertada, mas ressalta que a rede social de Musk "está sob fogo cruzado em
múltiplas jurisdições devido à sua incapacidade de cumprir regras sobre a
responsabilização de plataformas".
Ela diz que o caso
brasileiro é "particularmente interessante" sob uma perspectiva
global, já que as plataformas são frequentemente acusadas de seletividade em
quais países cumprirão as normas locais, com prioridade para os da América do
Norte e da Europa. "Aumentar a responsabilização [das plataformas] em
outros mercados é necessário, e este caso pode muito bem desencadear outros
semelhantes."
Apontando para o
futuro, Berger considera fundamental que o Brasil defina de forma clara que
tipo de discurso em plataformas digitais serão considerados ameaças à
democracia ou ilegais, e estabeleça "processos de arbitragem e supervisão
para que essa regras não sejam abusadas e para que as sanções não resultem em
danos não intencionais".
"Questionamento
de ordens judiciais por Musk pode abrir precedente perigoso"
Para Bruna Santos,
gerente de campanhas global da Digital Action e baseada em Berlim, o bloqueio
do X foi uma decisão extrema "não recomendada em condições normais de
temperatura e pressão", mas necessária diante da
"intransigência" de Musk.
"Ele tem
desafiado a autoridade de instituições democraticamente estabelecidas em todo o
mundo, em especial aquelas que tentam implementar políticas de combate à
desinformação e ao discurso de ódio", afirma, citando conflitos recentes
de Musk com Breton; com o premiê britânico, Keir Starmer, após episódios de
atos violentos da extrema-direita no Reino Unido; e com o premiê australiano,
Anthony Albanese, após a relutância do X em remover vídeos de um ataque a faca
em uma igreja de Sydney.
Além do potencial de
questionamento de ordens judiciais pelo X abrir um "precedente
perigoso" em todo o mundo, Santos diz que as plataformas digitais têm
investido cada vez menos em equipes de segurança online nos países do Sul
Global. "Isso mostra que elas se preocupam mais com países nos quais o
custo de desobedecer as normativas legais é mais alto."
Ela afirma que o ponto
mais problemático da decisão de Moraes foi sobre a multa a quem usar o X por
VPN, que se mostra "desproporcional" e de difícil fiscalização. E
pondera que o Brasil se beneficiaria de uma estrutura normativa mais robusta sobre
o tema para que esse vácuo não obrigasse o Judiciário a tomar a dianteira na
regulação das plataformas.
"Organizações
brasileiras têm tentado aprovar o projeto de lei das fake news, que seria uma
espécie de complementação à responsabilidade civil colocada no marco civil da
internet, mas isso depende de uma análise de vários setores da sociedade",
diz.
• Bolsonaro recua e sugere que impeachment
de Moraes "não é bom"
Jair Bolsonaro afirmou
nesta quarta-feira (4) que o impeachment de um ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) seria “humilhante” e que não é algo bom para o país. Em uma
entrevista ao canal AuriVerde Brasil, Bolsonaro pediu que o ministro Alexandre
de Moraes, sem mencioná-lo diretamente, “abaixe um pouco a guarda e retire esse
coração de maldade”.
Bolsonaro destacou que
a remoção de um ministro do STF não é uma solução desejável e pediu que Deus
toque o coração dos 11 ministros para que busquem alternativas. "Cassar um
ministro não é bom", disse Bolsonaro, acrescentando que "é humilhante
falar em impeachment".
O movimento pela
deposição de Moraes ganhou força entre os bolsonaristas recentemente,
especialmente após a ordem de bloqueio da rede social X, antiga Twitter, no
Brasil, devido ao descumprimento de ordens judiciais. Bolsonaro liderará o ato
de 7 de Setembro na Paulista contra o ministro, mas vem sendo alertado sobre os
riscos de manter seus ataques a Moraes. A aposta da oposição parece ter
fracassado, à medida que seus caminhos para o impeachment do magistrado se
estreitam, com o presidente do Senado destacando recentemente o papel de Moraes
na defesa da democracia.
Fonte: Deutsche Welle/Brasil
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