Brasil
enfrenta a maior seca da história, diz órgão do governo federal
O
Brasil enfrenta a maior seca já vista na sua história recente, segundo órgão de
monitoramento do governo federal. Dados inéditos e obtidos com exclusividade
pelo g1 mostram que, pela primeira vez, a estiagem afeta o país de forma
generalizada, por toda a sua extensão. A única exceção é o Rio Grande do Sul. E
o cenário é preocupante: o país não deve ter alívio até novembro.
A
análise é do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden),
órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, responsável por subsidiar
as ações de enfrentamento de crises climáticas.
🏜️ Os dados sobre a seca cobrem o período desde 1950. A série
histórica revela que a estiagem se agravou a partir de 1988. De lá para cá, a
seca mais severa havia sido registrada em 2015. No entanto, à época, a falta de
chuva atingiu apenas uma parte das regiões, fazendo com que os rios secassem e
a vegetação pegasse fogo.
Neste
ano, a seca se espalhou pelo país quase todo e de forma mais intensa,
surpreendendo especialistas. A falta de chuva e os severos impactos na
vegetação atingem uma área muito maior que a de 2015. Agora, grandes porções do
Brasil passam por situação de seca de severa a excepcional.
A
pedido do g1, o Cemaden processou os mapas abaixo que mostram o alcance da
estiagem nos últimos anos. As imagens mostram a série histórica desde o ano de
2012 e é possível ver a gravidade da situação atual.
Sequência
de imagens mostra avanço da seca ano a ano — Foto: Arte/g1
➡️ Os dados de 2024 no mapa ainda são parciais pois consideram os
meses de janeiro a agosto deste ano. Por isso, o cenário, que já é ruim, pode
piorar.
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O que está acontecendo hoje?
Hoje,
mais de um terço do território nacional, o que equivale a mais de 3 milhões de
km², enfrenta a estiagem na sua pior versão, o que se traduz em:
• cidades
isoladas no Norte do país por conta dos rios que secaram, impedindo a
navegação;
• fogo
espalhado por todas as regiões, sufocando a população com a fumaça e causando
problemas respiratórios;
• rios em
níveis tão baixos, que fez com que o Operador Nacional do Sistema Elétrica
(ONS), que controla o abastecimento de energia no país, anunciasse a ativação
de termoelétricas para suprir a demanda.
Para
se ter uma ideia, em 2015, o trecho do país nessas condições era menor e
representava 2,5 milhões de km².
“Nós
nunca tínhamos visto, desde o início do monitoramento, uma seca tão extensa e
intensa quanto essa. Víamos regiões isoladas sofrerem com os ciclos de seca,
mas, dessa vez, é generalizado. Isso é um problema maior para o país
enfrentar.” — Ana Paula Cunha, pesquisadora do monitoramento de secas do
Cemaden
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Por que a seca no Brasil está tão severa?
A
resposta para essa pergunta não é tão simples. O que os especialistas explicam
é que ela é multifatorial e leva em consideração alguns pontos:
• El
Niño: o fenômeno, que aquece o Oceano Pacífico, contribuiu para a elevação das
temperaturas no país e mudou os padrões de chuva. O El Niño ainda gerou uma
seca intensa ao Norte do país, que bateu recordes.
• Bloqueios
atmosféricos: A expectativa era que o El Niño acabasse e a seca terminasse em
abril deste ano, o que não aconteceu. Isso porque bloqueios atmosféricos
impediram que as frentes frias avançassem pelo país, deixando a chuva abaixo da
média em quase todo o mapa, com exceção do Rio Grande do Sul.
• Aquecimento
do Atlântico Tropical Norte: Nos últimos meses, o Oceano Atlântico Tropical
Norte está mais quente do que o normal, o que tem contribuído para as mudanças
nos padrões de chuva pelo país, prolongando a seca iniciada em 2023.
A
soma destes fenômenos, que mudaram os padrões de chuvas e de temperatura por um
período de tempo tão longo e sem trégua, é que fez com que a seca se
intensificasse e espalhasse pelo país.
“É
uma seca multifatorial. Saímos de um Pacífico aquecido (El Niño) para um
Atlântico Norte mais aquecido. Não houve uma trégua entre os dois eventos e
isso fez com que a situação de seca fosse se agravando gradativamente em cada
região até que chegássemos em um cenário de seca pelo país.” — Ana Paula Cunha,
pesquisadora e especialista em secas
De
acordo com os dados mais recentes, mais de 3,8 mil cidades estão com alguma
classificação de seca (de fraca a excepcional). O número de cidades nessa
situação aumentou quase 60% entre julho e agosto. (Veja abaixo a situação na
sua cidade)
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E o que esperar daqui em diante?
➡️ Segundo os meteorologistas, o cenário não é otimista. O país
ainda tem mais um mês de estação seca para enfrentar, mas ela deve se estender
porque as previsões mostram que a chuva, que chegaria em outubro, deve atrasar
e ser mais fraca do que o esperado. Com isso, só a partir de novembro deve
haver alguma trégua.
O
meteorologista Giovani Dolif, que também é pesquisador no Cemaden, explica que
a perspectiva já não era de uma melhora expressiva depois de outubro. Isso
porque as chuvas teriam que ser acima da média para que o país se recuperasse
da estiagem tão intensa. Além disso, alerta que o atraso do fim da estação de
seca pode deixar tudo mais grave.
O
problema da seca não é só a falta de chuva, mas a soma disso à alta
temperatura, o que deixa os rios mais secos e o solo também porque a água
evapora mais rápido. Em outubro e novembro, estamos mais expostos ao sol,
diferentemente do inverno. Isso faz com que a seca piore muito rápido de forma
exponencial.
—
Giovani Dolif, meteorologista do Cemaden.
➡️ E a La Niña? Com o fim do El Niño, era esperada uma mudança
para a La Niña, fenômeno que faz cair a temperatura dos oceanos e pode provocar
mais chuva. A expectativa era que ela começasse ainda no primeiro semestre
deste ano, mas as estimativas mostram que ela só deve chegar em novembro e bem
menos intensa do que o esperado.
❄️O La Niña ocorre quando há o resfriamento da faixa Equatorial
Central e Centro-Leste do Oceano Pacífico. Ele é estabelecido quando há uma
diminuição igual ou maior a 0,5°C nas águas do oceano. O fenômeno acontece a
cada 3 ou 5 anos.
• Atualmente,
o Oceano Pacífico está na chamada fase neutra, quando não há atuação de nenhum
dos dois fenômenos.
• Segundo
o relatório da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos
(NOAA, na sigla em inglês) divulgado no dia 26 de agosto, há 66% de chance da
consolidação do La Niña entre setembro e novembro.
• Uma
análise da NOAA do início de agosto apontava que taxa de resfriamento foi mais
lenta do que o previsto, mas que as condições para o desenvolvimento do
fenômeno nos próximos meses estão mantidas.
• Ainda
segundo o órgão, o La Niña deve persistir ao menos até janeiro de 2025.
O
meteorologista Giovani Dolif explica que a La Niña poderia minimizar a seca,
mas, do jeito que está previsto, não vai ser o suficiente para diminuir os
impactos.
“A
solução é uma temporada de chuvas acima da média, que pode ser que aconteça em
janeiro, mas não há ainda uma previsão clara. Até lá, a situação deve
permanecer como estamos vendo”, diz.
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E o que acontece com os rios?
A
falta de chuva vem afetando os rios pelo país há mais de um ano. Os
especialistas afirmam que a seca começou em junho, mas, antes disso, a estiagem
já vinha castigando algumas regiões. Com isso, há estados com chuvas muito
abaixo da média há mais de 18 meses.
Dados
mais recentes do Cemaden, que vão de abril a agosto, mostram que pelo menos
nove estados não têm chuva há quatro meses e a maior parte do país não vê chuva
há mais de trinta dias. Confira o mapa abaixo.
País
tem estados sem chuva por mais de 120 dias — Foto: Arte/g1
A
hidróloga e pesquisadora Adriana Cuartas explica que a maior parte das bacias
pelo Brasil tem enfrentado baixas com a seca e com o calor intenso. A previsão
até outubro deste ano, quando a chuva deveria chegar, já mostra a maior parte
dos rios em situação crítica.
“A
maior parte das bacias está abaixo da média, com exceção do Sul. No Norte,
estamos vendo uma seca severa nos rios e, no Centro-Oeste e até no Sudeste, uma
situação bem crítica nas bacias. A estiagem está impactando o país de uma forma
geral”, afirma.
A
situação mais crítica é no Norte do país. Os rios estão baixando de nível de
forma mais acelerada e antes do que aconteceu em 2023, quando a crise foi
histórica. Os rios Madeira, Negro e Solimões, principais da bacia da região,
estão em baixas históricas. A previsão é que a região possa enfrentar uma crise
ainda mais severa que a de 2023.
A
seca nos rios também afeta o abastecimento de energia. Na última semana, o
Operador Nacional do Sistema Elétrico alertou que, com a baixa a região Norte,
não teria como atender a demanda e seria preciso suporte de outras regiões,
como a Sul, e antecipou o uso de termelétricas para o reforço no abastecimento.
Mesmo com a baixa nos reservatórios, o órgão garante que há como atender a
demanda de energia sem interrupções.
A
especialista explica que a situação deve permanecer crítica para todo o país
até novembro.
“Esses
ciclos de seca são preocupantes para as bacias. O rio sobrevive com a água do
lençol freático, que passa abaixo dele. Se não tem chuva, esse lençol não é
alimentado e, com tanto tempo sem repor água, isso dificulta a recuperação. Já
estamos vendo rios menores, de cabeceiras, desaparecerem com o tempo em alguns
pontos.” — Adriana Cuartas, hidróloga e pesquisadora
• Talanoa
aponta caminhos para o Brasil liderar a agenda climática mundial
O
novo documento de recomendações políticas (policy brief) do Instituto Talanoa,
NDC 3.0: um roteiro para o Brasil liderar mostra por que, como futuro
presidente da COP 30 e atual líder do G20, o Brasil é visto como um dos países
que poderá “dar o tom” na nova rodada de Contribuições Nacionalmente
Determinadas (NDCs, na sigla em inglês). Para tanto, o país deve estar entre os
primeiros a submeter sua contribuição à Convenção do Clima da ONU (UNFCCC) e
demonstrar clareza e ambição em suas metas, incluindo metas claras de
adaptação, além de redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE).
Dessa
forma, juntamente com o sinal para a comunidade internacional, espera-se que o
compromisso reflita a urgência sentida pelos brasileiros em relação à mudança
do clima, como demonstrado em pesquisas após a tragédia recente no Rio Grande
do Sul. “Ambição não é um número, não é só descarbonização. É adaptação e
transição para longe dos combustíveis fósseis. Sem esses outros dois pilares,
nossa ambição climática não se sustentará”, comenta Natalie Unterstell,
presidente do Instituto Talanoa.
Desde
que foi firmado o Acordo de Paris, em 2015, as nações signatárias da UNFCCC se
comprometeram com a submissão periódica das NDCs. Segundo o último relatório
síntese sobre as contribuições, se todos os compromissos de mitigação de
emissões forem implementados, as emissões globais atingirão o pico ainda nesta
década e, em 2030, estarão 2% abaixo do nível de 2019. É um declínio muito
lento e aquém do que a Ciência afirma que devemos alcançar para evitar
ultrapassar o limite de 1,5°C: 43% de redução em 2030 e 60% em 2035 (6°
Relatório de Avaliação do IPCC e 1o Balanço Global, GST).
Em
NDC 3.0: um roteiro para o Brasil liderar, o Instituto Talanoa aponta como o
Brasil pode liderar pelo exemplo, declarando seu compromisso de alcançar zero
emissões líquidas antes de 2050 e de avaliar a antecipação dessa meta para
2040. Esse é um sinal crucial para mostrar que o país está empenhado em evitar
os pontos de inflexão (tipping points), como os da Amazônia. Além disso, o
Brasil deve se comprometer a evitar investimentos em infraestruturas e
tecnologias intensivas em emissões e que perpetuam a dependência de
combustíveis fósseis além de 2050.
Outro
sinal que mostrará o compromisso do Estado brasileiro é declarar o alinhamento
de todas as políticas e investimentos públicos com o objetivo de zerar emissões
líquidas, e indicar um cronograma para desenvolver e submeter a estratégia de
longo prazo (LTS) do país.
Para
demonstrar que entende a urgência e o tamanho da agenda de adaptação e perdas e
danos, a NDC deve trazer esse componente considerando metas e esforços para
reduzir vulnerabilidades e aumentar resiliência, incluindo condicionar
investimentos públicos à avaliação de riscos climáticos a partir de 2025.
A
NDC precisa conter claros sinais de transição, na forma de compromissos
setoriais, como:
• Plano
para dar início imediato à transição da produção e do consumo de petróleo &
gás;
• Duplicar
a eficiência de toda a matriz energética até 2030;
• Remover
imediatamente os estímulos e subsídios às termelétricas movidas a combustíveis
fósseis;
• Regular
emissões de GEE, a partir de 2025, via Sistema Brasileiro de Comércio de
Emissões;
• Zerar
desmatamento em todos os biomas até 2030;
• Garantir
que, até 2030, pelo menos 30% das áreas degradadas de ecossistemas terrestres,
de águas interiores e costeiras e marinhas estejam sob restauração efetiva, a
fim de aumentar a biodiversidade e as funções e serviços ecossistêmicos, a
integridade ecológica e a conectividade;
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O déficit de financiamento e implementação
A
NDC só terá credibilidade e poderá cumprir uma função de aglutinar setores
público e privado e o país como um todo se for fruto de consulta ampla e
inclusiva com a sociedade brasileira, e se a tomada de decisão em relação ao
seu conteúdo for feita de modo transparente e baseado na melhor ciência
disponível.
O
documento deve trazer grandes pontos da arquitetura de implementação para
atingir as metas o Quanto antes, como a definição do Plano Clima, de uma
Plataforma-país como estratégia de Financiamento climático, dos arranjos de
governança e de mecanismos de monitoramento, responsabilização e correção de
rumos internos, com relatórios tanto do governo quanto independentes.
Fonte:
g1/eCycle
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