Boris Vargaftig: Sionismo, movimento de
libertação nacional ou ideologia próxima do fascismo?
O ataque conduzido
pela organização palestina Hamas contra cidades israelenses foi seguido pela
destruição de Gaza e morte de dezenas de milhares de civis palestinos, a
maioria crianças, provocados pela resposta israelense. Esta foi evidentemente
preparada e aguardava pretexto. Os dirigentes sionistas e a direita da opinião
pública israelense utilizam a história secular e a arqueologia bíblica, assim
como o massacre dos judeus europeus pelo nazismo, para justificarem e ampliarem
sua política expansionista, tendo se constituído em “gendarme” (vigilante,
alcaguete) e verdugo antiárabe, em benefício, desde seus inícios, das potências
coloniais. Foram agentes e sócios minoritários e ambiciosos do imperialismo
britânico e, hoje, do norte-americano. De fato, apesar da política
ultra-reacionária do Egito e dos reinados petrolíferos do golfo, estes
não oferecem segurança e perenidade para o imperialismo, notadamente após a
perda de seu controle do Irã, com a queda do extravagante, cruel e servil Xá da
real família dos Pahlevi. A criação do Estado de Israel criou vantagens
essenciais para o imperialismo, sem objeção dos trabalhistas, como o lendário
Ben Gurion, encantados com a oportunidade que lhes provinha, notadamente pelos
remanescentes dos massacres perpetrados pelos nazistas, até então aparentemente
inimigos jurados. Desde seus primórdios o capitalismo criou, para sua
subsistência, o chamado “exército de reserva”, como o foram os camponeses
expropriados na Inglaterra, obrigados a migrarem para as cidades onde empregos
miseráveis os aguardavam [6], até a exploração das populações coloniais.
Neste artigo, discuto
dois aspectos aparentemente contraditórios.
O primeiro consiste em
utilizar o inomável holocausto nazista para que os distantes e autoassumidos
descendentes das vítimas do genocídio utilizem-no para justificar os atos mais
brutais contra uma população que expulsa de suas terras. O aspecto mais
complicado, consiste em obscurecer a história, atribuindo virtudes reformadoras
ao sionismo, uma ideologia nacionalista que respondia à insatisfação de
intelectuais burgueses diante do antissemitismo crescente na Europa Ocidental e
Central ao final do século 19. Como a grande maioria dos povos (ao menos,
aqueles que a história e os conflitos não liquidaram ou reduziram à impotência
e ao silêncio), o chamado povo judaico tem uma história. Sua dispersão poderia
ter alguma semelhança com a do povo libanês, também reputado pela extensão de
sua atividade comercial.
Entretanto, este não
evoluiu como os judeus, pois a disponibilidade de um território estável e as
circunstâncias do desenvolvimento capitalista após a 1ª guerra mundial
concederam-lhe o estatuto de protetorado francês e um peso financeiro que lhe
atribuiu a elogiosa (sobretudo, para os beneficiários) classificação de “Suíça
do Oriente Médio”. Já o caso judaico é original e único. Entre outras
originalidades, a Palestina tem o discutível privilégio de ser nomeada Terra
Santa por alguns/as, em geral carolas ingênuos/as.
Aliás, o Velho
Testamento mostra que, nos séculos que precederam o cristianismo, a população
que residia no território hoje em disputa participava de concorrência entre si,
com extrema violência, justificada por expressa recomendação verbal pelo Ser
Supremo por mensagens crípticas contidas no livro dito sagrado. A luta
pela conquista do território permeia a história humana e prosseguiu durante os
primórdios do cristianismo, nascido como uma derivação do credo hebraico. É
impossível e inútil, no contexto deste artigo, detalhar a história dos séculos
que seguiram os reinados de Salomão e de seu filho Davi, fundadores dos estados
hebreus, em torno de 1.000 AEC (Antes da Era Comum, denominação que substituiu
a referência ahistórica ao nascimento de Jesus Cristo). No segundo século
após a Era Comum as tropas romanas venceram a resistência da população hebrea e
destruíram seu Segundo Templo, jamais reerguido.
Começou a dispersão,
cuja suposta importância serviu e serve para justificar o hipotético retorno
das comunidades judaicas à Palestina, em detrimento de quem lá já se
encontrava. O momento histórico de ruptura foi detalhado por Flavius Josephus,
general hebreu passado de armas e bagagens ao inimigo romano, o que ele
mesmo relata em seu livro clássico, A guerra dos judeus. Uma
analogia parcial, que os dirigentes israelenses não relevam, é o Anschluss,
a ocupação pelo exército alemão em 1938 da Áustria então independente, cinco
anos após a tomada do poder nazista na Alemanha. As causas desta conquista
militar sem combate, residem na derrota política, portanto psicológica da
esquerda alemã em 1933, quando, em 30 de janeiro, o hitlerismo galgou o poder
de maneira formalmente legal, preparada por anos de terror nazista e pela política
suicidária do Partido Comunista.
Hoje, a extrema
direita israelense repete a “façanha” de Hitler, num clima internacional
permissivo, em que as forças progressistas permanecem retraídas e a pequena
burguesia, notadamente, mas não só, europeia, redescobre seu improvável amor
pelos judeus, associado a seu eurocentrismo, colonialismo e racismo.
O PC, segundo partido
operário da Alemanha de então, recusou ao final a forte sugestão de Trótski de
aliança com a socialdemocracia, absurdamente rotulada pelo PC de socialfascista
Ao pretender conquistar o que os nazistas denominavam “espaço vital”, que por
definição ou ordenamento divino lhes caberia, os sionistas hoje mostram sua
suposta superioridade racial, implícita em sua política em vigor e em seu
destino supostamente previsto pela Bíblia. Deste ponto de vista, a
comparação entre as políticas nazista e israelense procede, pois ambas visam a
total liquidação de uma população, judaica no primeiro caso e palestina, no
segundo. São, entretanto, diversas as motivações e procedimentos, as de Hitler
sendo ideológica e de rapina e assassinato e a de Netanyahu, imperialista e
conquistadora, além de terrorista e também assassina, como o eram seus antigos
algozes.
Evidentemente, o
contexto internacional não é comparável e facilita a agressão aos palestinos e
não ao Hamas como adversário único, como pretende a grande imprensa, para
reforçar seus argumentos habituais: não seria a guerra contra os palestinos,
mas contra uma fração “terrorista”, cuja resistência leva inevitável e
“infelizmente” ao holocausto dos palestinos – pois as bombas ignoram as
diferenças cronológicas, raciais (sic) e ideológicas. Apagar as diferenças
entre nazismo e sionismo pode servir temporariamente como argumento para
pressionar a opinião pública e fornecer uma caução para os israelenses e para
camadas politicamente atrasadas do judaísmo, mas conduz a erros importantes. Ambas
se autojustificam pela esdrúxula teoria do “espaço vital”, num caso para
assegurar o domínio hitleriano, como agente dos projetos de dominação do grande
capital, e no outro caso para abrigar um povo pretensamente disperso e
enganá-lo para empreender uma reconquista em detrimento de outro povo.
Os nazistas impuseram
a expansão territorial para que a raça “superior” exercesse seus direitos
definidos como “naturais”, como o de escravizar os povos conquistados, vista
sua suposta inferioridade genética. Os sionistas não pretendem abertamente
possuir uma superioridade racial, mas compartilham com a extrema direita
internacional o conceito de superioridade cultural, pretensamente associada a
uma superioridade material conquistada na dura luta pela sobrevivência da
comunidade que pensam representar, rotulando os judeus renitentes como
traidores. Daí a perseguição a Breno Altman e a muitos intelectuais israelenses
e judeus americanos e britânicos, a insistência da mídia capitalista em se
referir à “guerra contra o Hamas”, evitando a noção mais correta de “guerra
contra os palestinos”. Não é preciso contra-argumentar com a hoje reconhecida
inexistência de diferenças raciais dentro da espécie humana ou com a inegável
contribuição à cultura e à ciência por indivíduos originários do judaísmo
ocidental, notadamente da Europa oriental. As razões sociais deste peso da
elaboração intelectual provém da Idade Média, quando o Papado e reis católicos
proibiram os judeus de exercerem inúmeras profissões (como fizeram os
nazistas), permitindo-lhes entretanto o manuseio do dinheiro, notadamente da
usura, teoricamente proibida aos cristãos, por ser pecaminosa.
O papel usurário levou
a que judeus ricos fossem cooptados como auxiliares dos governos cristãos (os
“judeus da corte”), o que os associou às classes dominantes.
Já a civilização
árabe-muçulmana, que se expandiu a partir do século 8, trouxe contribuições
essenciais à astronomia, à matemática, filosofia, medicina, às ciências
militares e à literatura, assegurando-lhes a sobrevivência e a passagem da
cultura clássica grega ao ocidente. Os países árabes não foram (nem são hoje)
antissemitas e a partida para Israel no século 20 dos judeus arabizados, até
então assimilados em seus respectivos países, como a Abissínia, foi uma
iniciativa, bélica e publicitária, do Estado de Israel. A perseguição
cristã ao judaísmo se prolongou no antissemitismo europeu, notadamente, mas não
exclusivamente, dos nazistas alemães e cúmplices.
Não esqueçamos do
antissemitismo da Ação Integralista Brasileira de Plínio Salgado, Gustavo
Barroso e coronel Mourão, autor de um documento (o plano Cohen), que atribuía
aos judeus um golpe para tomarem o poder no Brasil. Esta iniciativa provocativa
e evidentemente falsa serviu para justificar a tomada do poder por Getúlio
Vargas, instituindo o Estado Novo. O “Protocolo dos sábios de Sião” também
teve seu papel.
A tentativa de
recolonização pelo imperialismo ocidental (vitoriosa hoje e por enquanto) não
nasceu como uma exclusividade judaica, muito menos sem o apoio imperialista. Ilan
Pappé, defensor constante da população palestina, cita dados indiscutíveis a
esse respeito. Assim, cita Chateaubriand, escritor e político francês, que
sustentou que os judeus eram “os donos legítimos da Judeia”, (pergunto: que
judeus?), seguido por Napoleão Bonaparte em sua tentativa de ocupar o Oriente
Médio nos inícios do século 19. Para tanto, prometeu um “retorno à Palestina” e
a criação de um “Estado”. Dificilmente Chateaubriand e Napoleão podem ser
considerados sionistas zelosos, são dedicados promotores do imperialismo.
Outras personalidades,
estas norte-americanas, como Adams, presidente dos Estados Unidos ou ministros
britânicos, tais como Lord Balfour, autor em 1917 de uma célebre recomendação
prósionista, à véspera da redivisão do mundo pelas potências vencedoras da 1ª
guerra mundial, quando cada qual colocava suas exigências na mesa. Assim, o
tema já era tratado com maior ou menor intensidade nas chancelarias dos países
ocidentais “civilizados” e defensores dedicados de seus respectivos
imperialismos e classes dominantes. Theodoro Herzl interviria mais tarde,
sabedor que suas alegações encontrariam orelhas atentas! A religião e o
nacionalismo que podem ser lhe associados desempenharam o habitual papel de
justificadores dos projetos econômicos da grande burguesia…
Até meados do
século 19 o antissemitismo prosperou pouco na Europa Ocidental, onde os judeus
se assimilavam rapidamente, mas se expandiu na Polônia e Rússia tsaristas. O
governo, a Igreja Ortodoxa e a Okhrana, a polícia política na Rússia, e o
Exército e a Igreja Católica na Polônia, estimularam e protegeram agrupamentos
terroristas que promoviam os “pogroms”, ataques assassinos perpetrados
por lumpens chefiados por oficiais e agrupados sob variadas
denominações cristãs surgiram durante a 2ª Guerra Mundial. Invadiam vilas
formadas por comunidades judaicas paupérrimas, matando e queimando tudo o que
encontravam. Um amigo judeu francês de origem polonesa relatou-me fatos que
ocorreram logo após a libertação pelas tropas soviéticas dos campos de
extermínio nazistas.
Um grupo de mulheres
liberadas procurou partir a pé para a Europa Ocidental. Quando ainda em
território polonês, foram abrigadas no celeiro de um fazendeiro democrata.
Subitamente, irrompeu um grupo de outros camponeses, pretendendo que vinham
terminar o que os alemães não haviam terminado, assassinar todas! Foi difícil
para o hospedeiro convencê-los de que o momento não era conveniente para tal,
pois seriam inevitavelmente responsabilizados e punidos pelos soviéticos. Isto,
aliás, ocorreu mais tarde, em circunstâncias parecidas, com o julgamento e
enforcamento imediato de um chefete fascista antissemita polonês, saudoso da
ocupação nazista e caçador de judeus sobreviventes. Estes crimes, que haviam
sido ocultados por muito tempo, não podem evidentemente justificar a política
pró sionista das “democracias” ocidentais que, em 1948, na Assembleia Geral da
ONU, presidida por Oswaldo Aranha, getulista antissemita então convertido aos
valores “democráticos”, votaram pela criação do Estado de Israel, sem consultar
as populações que ocupavam as terras assim “doadas”. Isto implicava na partida
das tropas britânicas de ocupação, que mantinham precário equilíbrio entre seus
interesses pró-árabes, para manterem o controle das fontes de petróleo e a
necessidade de assegurar, da forma que fosse possível, a partida da Europa dos
remanescentes dos campos de extermínio. Como é útil dar dois botes ao mesmo
tempo, esta decisão seguia a regra de T. Hertz e convencia seus interlocutores
ocidentais e capitalistas (como o banqueiro Rothschild) da necessidade de criar
uma barreira entre a Europa “civilizada” (como o mostra o reino nazi-fascista!)
e a Ásia “selvagem”. Apesar destas circunstâncias que lhe seriam
favoráveis e da partida de navios de refugiados para a terra prometida (sic),
não foi nestas circunstâncias que prosperou o sionismo como ideologia
abertamente reacionária.
Noto que a delegação
soviética votou com os ocidentais na Assembleia da ONU para a criação do
“abrigo” israelense, e que parte importante do armamento da Haganá, milícia
sionista socialdemocrata, foi fornecida pela Tchecoslováquia, então parte do
“glácis” soviético. Contrariamente ao que ocorria na Europa Oriental, os
judeus, religiosos ou não, estavam em assimilação na segunda metade do século
19 na França, Alemanha, Holanda e outros países da Europa Ocidental. O
antissemitismo latente, herdado do passado pela pequena burguesia e estimulado
pelos senhores feudais, havia ressurgido quando da onda migratória de judeus
empobrecidos fugidos da Polônia e da Rússia devido ao antissemitismo explícito,
nas ruas e nas leis. A concorrência no pequeno comércio, a pressão nos
salários, reações reacionárias comuns nos países de imigração, foram
determinantes para o fortalecimento do antissemitismo. Antissocialistas como
eram em sua maioria os intelectuais da pequena burguesia judaica, o
terreno tornava-se fértil para a expansão do sionismo, como ideologia
nacionalista, que os “acolhia”, oferecendo-lhes uma “solução” fugitiva.
Constatemos que o
Holocausto não é uma exclusividade germano judaica. Um exemplo edificante
consiste no conflito “cultural” entre as populações Tutsi e Hutus em Ruanda,
iniciado pelo atentado em abril de 1994 contra o avião do presidente de
Ruanda. De abril a julho de 1994 foi desencadeado, com a benevolência
e lágrimas crocodilianas das potências coloniais, o massacre pelos Hutus
majoritários de em torno de um milhão de Tutsis, população minoritária do país.
Podemos também lembrar o massacre dos Armênios durante o final da 1ª guerra
mundial ou dos chilenos, apoiado por H. Kissinger, ganhador do Nobel da Paz,
por ter capitulado com suposta habilidade e elegância diplomática, diante da
combatividade do povo vietnamita. Séculos antes, a Igreja
Católica aniquilou populações inteiras de judeus e outros hereges, através
de seu braço inquisitorial e globalmente tolerou a repressão, com
exceções. No “O Estado dos Judeus” (1896), livro
chave do sionismo, Theodor Herzl, considerado o inspirador e pai
espiritual de Israel , definiu o futuro Estado como “Um
bastião da Europa contra a Ásia, uma sentinela da civilização contra a
barbárie”. Como diz o conhecido polemista Enzo Traverso “…em 2024
os termos da questão permanecem substancialmente idênticos com Netanyahu, mas
este é bem mais respeitado e ouvido do que Hertz o foi há mais de um século.
Hertz mendigou o apoio de alguns poderes da Europa (Banco Rothschild,
p. ex.), mas Netanyahu não teme aparecer como arrogante e ingrato”.
No começo do século 20
o sionismo não era uma ideologia de extrema direita. Em setores intelectuais
europeus se acreditava em um sionismo cultural e literário; falava-se de uma
confrontação do judeu consigo mesmo, confronto que era simbolizado socialmente
no seio da tradicional família judaica com discussões e conflitos. O sionismo
cultural não era propriamente uma crença jurídica e política, e muito menos
militar. Segundo o conhecido historiador israelense, Zeev Sternhell, falecido
recentemente e que foi membro ativo do movimento pacifista, “podem
existir várias formas de sionismo, como diversas formas de nacionalismo”.
Nem todo nacionalismo
é fascista, mas em geral evolui para a direita. A evolução reacionária e
colonialista da social-democracia sionista aproxima-se conceitualmente do
fascismo, mas carece de algumas de suas piores características. Isto não o
torna mais tolerável e de fato, alguns componentes seus são próximos,
atualmente, do fascismo. A radicalização do judaísmo – cujo maior representante
foi Martin Buber – seu fundador e propagandista inicial, pretendia colocar em
primeiro plano a literatura e não a política. Theodor Herzl, por sua vez,
dizia que o Estado judaico era uma personalidade coletiva que precisava fazer
tábua rasa das ideias retrógradas do próprio judaísmo. Este, segundo Herzl,
atravessava uma crise moral, um obscurecimento dos seus valores libertários, de
um judaísmo que não mais se importava com a vida em comunidade e se integrava
cada vez mais aos valores burgueses. Evidentemente, isto não transforma o
sionismo em tendência política de esquerda, mesmo moderada ou libertária, mas,
ao contrário, lembra os intelectuais italianos protofascistas e modernistas. Era
uma tendência minoritária, que não pregava a formação de um Estado na Palestina
e que acolheu, bem mais tarde, após o fim da 2ª Guerra Mundial, uma enorme
população apátrida, que havia tudo perdido e que procurava evidentemente uma
saída viável. Daí provinha o sucesso do chamado sionismo político, que
inicialmente foi sustentado por milionários astutos, que pouco se incomodavam
com as tendências social-democráticas pretendidas por parte das direções
sionistas – como o primeiro-ministro Ben Gurion. Isto ocorreu com o embrião do
primeiro exército de Israel, a Haganá, distinta do radicalismo de direita do
Irgun, que precedeu as tendências fascisantes atuais.
Note-se que estas
organizações existiam nas comunidades judaicas, inclusive no Brasil e levaram
um certo contingente de jovens judeus, alguns socialistas, a migrarem para
constituírem, segundo pretendiam, um país “normal”, “uma terra sem população
para uma população sem terra”, como formularam seus adeptos. Ignoraram ou, no
melhor dos casos, subestimaram a existência de uma população palestiniana
antiga, a ela se opondo com métodos do capitalismo – expulsões a qualquer
pretexto à compra das terras em benefício da burguesia local. Tive colegas do
curso secundário, como Hugo J., que pretendiam ser marxistas e que emigraram
para Israel, para lá construírem o socialismo, com os resultados que vemos
hoje. Um dos argumentos empregados consistia em pretender que o núcleo do novo
país “socialista” era formado pelos “kibutzim”, cooperativas agrícolas que
acolhiam os jovens imigrantes e que, como pretendiam seus dirigentes, eram
inspiradas pelas fazendas coletivas soviéticas, kolkhozes e sovkhozes (hoje
tornados empresas do agronegócio). De fato, estas invenções e projeções
idealizadas levaram às atuais cooperativas privadas, que, como na África do Sul
antes do fim do apartheid, exploram mão de obra palestina,
para satisfação de seus dirigentes.
O arcabouço político e
ideológico do sionismo imperialista de hoje tem estas raízes, aliás mais da
social-democracia do que do fascismo, mesmo quando adota seus métodos.
A pretensão
“esquerdista” de um movimento nacionalista não é original. Posso citar dois
exemplos dentre muitos: os movimentos de libertação da Irlanda e a Frente de
Libertação Nacional (FLN) Argelina. A primeira vegeta como seita numa república
“normalizada” e a segunda impôs uma ditadura militar pró capitalista,
utilizando o manancial do petróleo argelino. Israel nunca usou o “enfeite”
socialista, começou mesmo pelas expulsões das populações locais estabelecidas. Um
caso que confirma a dificuldade (porém, não a impossibilidade) de uma posição
nacionalista, mesmo moderada, é o do Bund, União Judaica Trabalhista da
Lituânia, Polônia e Rússia, fundada por operários em 1897 e incorporada ao PC
soviético em 1921. O Bund conquistou seus aderentes sobretudo entre
trabalhadores judeus de pequenos artesãos e entre a crescente camada de
intelectuais. Liderou um movimento sindical próprio e formou, com aliados,
grupos de proteção contra os pogroms executados por grupos
como o dos Cem Negros, e as tropas do governo. Durante a
revolução russa de 1905, o Bund encabeçou o movimento revolucionário judeu,
particularmente na Bielorussia e Ucrânia. Nunca foi sionista, argumentava a
favor de uma autonomia cultural e, dentro de limites, administrativa, nos
países de sua instalação e não à distância, como pregavam os sionistas.
Durante anos, o Bund
teve membros de sua direção entre os bolcheviques. Em aliança com outro grupo
judaico, o Bund elegeu dois candidatos na primeira Duma (Assembleia) de 1906,
declarando que a emigração para Israel era uma forma de escapismo. Concentrou-se
na cultura e utilizou conceitos vindos do austro-marxismo, opondo-se assim aos
bolcheviques. Com o tempo, foi perdendo forças, segundo Pinsky, porque sua
audiência residia na zona de indústria leve e marginal, o que o afastava das
principais áreas de luta e organização. O antissionismo é a
oposição política, moral ou religiosa às várias correntes ideológicas do sionismo, inclusive ao estado de Israel, criado com base nesse conceito. O termo também é
aplicado à oposição política ao governo
de Israel, sobretudo se motivada por denúncias
de violações sistemáticas de direitos
humanos dos palestinos, incluindo crimes
de guerra, mas também à negação ao direito de
existência do Estado de Israel.
Os antissionistas
condenam o movimento sionista por ter promovido a compra e sobretudo a ocupação
das terras durante o mandato britânico da Palestina, para
criarem o Estado de Israel, que consideram artificial, embora hoje fato
consumado.
O questionamento sobre
a definição de Israel como estado
judaico suscita controvérsia e oposição entre os
antissionistas há mais de sessenta anos, assim como a ocupação da Cisjordânia.
Já para uma parcela dos sionistas e de seus patrocinadores, o antissionismo é
uma manifestação antissemita, o que facilita a tentativa de assimilar o
movimento palestino ao antissemitismo. Na realidade, não há nada de antissemita
no antissionismo; dizê-lo é como pretender que os antimarxistas são
anti-alemães, os anti-peronistas antiargentinos etc…
No momento atual,
assistimos a uma escandalosa conversão da extrema-direita mundial que, após
séculos de antissemitismo, “descobriu” os “méritos” dos judeus.
Para aqueles que os
odiavam por razões raciais, esta conversão não tem justificação racional, além
da hipocrisia e do cinismo mais elaborados. De fato, a partir do momento em que
um agrupamento étnico sofre uma desvalorização baseada em argumentos genéticos,
não é possível compreender como os descendentes dos amaldiçoados pela genética
poderiam deixar de procriar outros amaldiçoados!
Os antissemitas
“culturais” são “culturais” não porque sejam mais cultos do que os outros, de
fato bem ao contrário, mas porque consideram que os hábitos e tradições
judaicos, sua cultura, são inferiores àquela dos ditos arianos e que sua
resistência não tem razões históricas, mas sim, espúrias. Para não se
contradizerem, negam o quanto podem a contribuição judaica à cultura universal,
expurgando não somente seus inimigos de classe, Marx ou Trótski, mas Freud,
Einstein, Mendelsohn, homens de Igreja com posições humanistas etc..,
associados no mesmo pacote, eventualmente na mesma cela ou
cemitério.
As Igrejas cristãs
possuem uma sólida tradição antissemita, que associam aos comunistas e
socialistas no espaço disponível, não é possível detalhar, mas foi montada uma
história para justificar que os judeus, hipotéticos descendentes dos
hipotéticos responsáveis pela crucificação de Cristo, fossem punidos. Pretender
que de fato foram os então judeus que assassinaram o judeu Cristo no ano 1, sob
regime de controle militar romano, já é difícil, mas atribuir a culpa aos
descendentes teóricos dos supostos assassinos é forçar a barra em demasia – o
que não impediu o florescimento deste antissemitismo punitivo por tabela. Aliás,
se a população jerusalemita de fato matou o Cristo, e se a punição aos
descendentes após 2.000 anos tem sentido “teológico”, o óbvio seria acusar os
palestinos e sobretudo os romanos (italianos?), descendentes reais da população
original. Em outros termos, tudo isto é fantasia para justificar o inominável.
A realidade é que o antissemitismo é uma farsa sangrenta, que foi compartilhada
por “heróis” ocidentais como W. Churchill e Pio XI. Sua função política
consistiu em nomear um inimigo virtual e imaginário, desviando a atenção das
massas dos verdadeiros inimigos, as classes dominantes feudais e, mais tarde,
capitalistas.
O desenvolvimento do
capitalismo no século 19 criou uma nova forma de antissemitismo, biológico ou
cultural, enquanto as Igrejas continuavam a hostilizar os judeus e, ao mesmo
tempo, prometer aos pobres e oprimidos que as delícias do paraíso compensariam
as agruras na terra. Todas essas invencionices foram abandonadas pelas classes
sociais que as criaram, para se concentrarem num inimigo ainda mais
desconhecido e imaginário, o diabólico Hamas. Todos, desde a carola que pensa
que Israel é cristão até a neocarola que reza pela Terra Santa, agora abominam
os neorrevelados inimigos da civilização. O imperialismo precisa impor o
inimigo que inventou, para preservar o verdadeiro inimigo, que é ele mesmo. Note-se
que, por mais que inventem histórias, a grande mídia, que passou a fingir
adorar a ecologia que desprezava, não consegue encontrar uma só evidência da
prática do antissemitismo pelos palestinos massacrados por um poder dirigido
por judeus.
Não confundamos as
coisas, o sionismo não é uma doença infecciosa. Teve sua ala esquerda juvenil,
o Hashomer, e Israel foi criado pela ONU com o apoio total da então URSS.
A opinião pública
israelense se mostra tão arbitrária, exaltada e ignorante, quanto qualquer
outra, dentre os desprezados pela burguesia burra e autoadorada. Na
realidade, muitos judeus são antissionistas e evidentemente não antissemitas. Quem
tem, no Brasil, tradição antissemita são os direitistas neofascistas, cuja raiz
ideológica se localiza na Ação Integralista Brasileira, organização dos anos
1930, que foi favorável a Hitler e a Mussolini. Esta agremiação, cuja palavra
de ordem principal era “Deus, Pátria e Família” (lembra alguém que continuou
essa tradição?). É reivindicada atualmente por muitos dirigentes da direita
brasileira, que ignoram ou fingem ignorar a história.
Já mencionei o Plano
Cohen, que acusava os judeus de todas perversidades, quando muitos se
encontravam em campos de concentração nazistas. São estes os democratas
salvadores da Pátria. Alguns proeminentes intelectuais judeus que
defendem a retirada das forças armadas israelenses dos territórios palestinos e/ou a dissolução do atual estado de Israel numa federação
de israelenses e palestinos, são considerados antissemitas por outros judeus e
até mesmo impedidos de entrar em território israelense. Diante disso, notamos a
ausência de antissemitismo nos diversos movimentos palestinos e na sua
população geral, que enfrentam cruéis inimigos que são judeus – aqui a
ambiguidade serviria o antissemitismo. Não considero que o sionismo seja
plenamente fascista, não nasceu como tal e por muitos anos não agia
como tal, embora seja bem verdade que, mais do que outros movimentos
nacionalistas, tenha evoluído nesta direção, notadamente na execução (mas não
na teorização), de uma política racista liquidacionista e militarizada de
expansão territorial, que pouco se diferencia da política hitleriana de
conquista do pretenso “espaço vital”.
Compartilha com os
fascistas e nazistas o emprego de milícias armadas violentas, parecidos com os
colonos da África do Sul do apartheid. Acredito que há outras
características comuns, mas faltam-lhes a organização política perene,
voluntarista e terrorista das SA e SS alemães ou do Facio italiano.
Esta diferença é muito importante, pois tem continuidade emocional e
ideológica, mesmo sendo supremamente medíocre em suas formulações e composição.
Que fique claro que afirmar que o sionismo não é fascista, não o normaliza, não
lhe fornece escusa, mas certamente permite analisá-lo, no presente e no passado
e ter alguma chance de compreendê-lo, no processo de combatê-lo.
Fonte: Viomundo
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