As guerras
alimentam as crises climáticas
Os conflitos
armados não devastam apenas vidas e territórios, também têm impacto
nas mudanças climáticas. Todos os exércitos do mundo já formam o quarto
país mais poluente do planeta.
O setor
militar global está posicionado como um dos maiores emissores
institucionais de gases do efeito estufa. Segundo um relatório elaborado por Scientists for
Global Responsibility e The Conflict and Environment
Observatory, as forças armadas do mundo foram responsáveis por
aproximadamente 5,5% das emissões globais de gases do efeito
estufa em 2022.
Para
se ter uma ideia, isso significa que se todas as forças armadas do mundo fossem
um só país, ocupariam o quarto lugar, superando inclusive Rússia.
O
conflito na Ucrânia oferece
um exemplo concreto de como a guerra afeta o clima. Um relatório
intitulado Climate Damage Caused By Russia's War in Ukraine estabeleceu
que o dano climático total provocado pela Rússia em dois anos de
invasão em grande escala da Ucrânia chega a 32 bilhões de dólares.
Estes dados provêm da avaliação atualizada da Iniciativa de Contabilidade
de Gases do Efeito Estufa da Guerra (IGGAW).
Ucrânia,
referência
Segundo
o estudo, 120 milhões de toneladas de dióxido de carbono foram emitidas durante
os primeiros 12 meses da invasão russa em grande escala na Ucrânia. No
entanto, nos 24 meses transcorridos desde a invasão, as emissões aumentaram
significativamente para 175 milhões de toneladas de dióxido de carbono.
Os
números superam as emissões anuais de um país altamente industrializado como
os Países Baixos, que coloca em circulação 90 milhões de novos carros a
gasolina e constrói 260 unidades de energia a carvão de 200 MW cada.
Nos
primeiros meses da guerra, a maior parte das emissões foi provocada pela
destruição generalizada de infraestruturas civis, tornando necessária uma
extensa reconstrução após os ataques. Após dois anos de guerra, a equipe de
pesquisa afirma que a maior parte das emissões provém de uma combinação de
guerra, incêndios florestais e danos à infraestrutura energética.
Além
disso, a produção e o uso de armamento, de munições a veículos militares,
contribuem substancialmente para as emissões. De acordo com o estudo acima
mencionado, cerca de 32% das emissões relacionadas à guerra são causadas pela
reconstrução e 29% por ações bélicas diretas.
Gaza:
Um conflito recente, um impacto significativo
O
conflito em Gaza também
foi objeto de análise climática. Segundo um estudo publicado em janeiro passado
na revista Social Science Research Network, as emissões projetadas para os
primeiros 60 dias da guerra entre Israel e Gaza foram
superiores às emissões anuais de 20 países e territórios individuais.
No
total, os pesquisadores estimaram as emissões nesse período em 281.000
toneladas de CO2 equivalentes (tCO2e), medida que é calculada multiplicando os
dados das atividades (quantidade) por fatores de emissão.
A
maior parte (mais de 99%) se deve aos ataques aéreos e invasões terrestres
de Israel. Os foguetes do Hamas disparados
contra Israel durante o mesmo período teriam produzido cerca de 713
toneladas de CO2.
Para
nos situarmos, se incluirmos a infraestrutura bélica construída tanto
por Israel quanto pelo Hamas, incluindo a rede de túneis
do Hamas e a cerca protetora ou “Muro de Ferro” de Israel, as
emissões totais de CO2 na guerra de Gaza aumentam para o equivalente
às emissões de mais de 33 países e territórios individuais.
Além
disso, o estudo estima que a reconstrução de Gaza envolverá um valor
total de emissões anuais superior ao de mais de 130 países.
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A OTAN também
Uma
pesquisa publicada em julho passado mostra, por outro lado, que o gasto militar
aumenta as emissões de gases do efeito estufa, desvia fundos críticos para
a ação climática e consolida um comércio de armas que alimenta a
instabilidade durante o colapso climático.
Estima
que o gasto militar total da OTAN, em 2023,
de 1,34 bilhão de dólares, produziu 233 milhões de tCO2e. Isto é mais do que as
emissões anuais de gases do efeito estufa (GEE)
da Colômbia e do Qatar.
Também
considera que o aumento do gasto militar da OTAN de 126 bilhões de dólares, em 2023, gerou 31 milhões de
toneladas métricas adicionais de CO2 equivalente, o que se equipara às emissões
anuais de CO2 de cerca de 6,7 milhões de carros estadunidenses.
Esta
pesquisa também destaca que o Painel Intergovernamental de Especialistas
sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) afirma que é necessário que todos os
setores reduzam as suas emissões em 43%, em 2030, em comparação com os níveis
de 2019, para ter a possibilidade de manter o aumento da temperatura média
mundial abaixo de 1,5 grau.
Cada
vez mais emissões bélicas
Isso
exigiria uma redução anual das emissões militares em ao menos 5%. No entanto,
a OTAN aumentou as suas emissões militares em cerca de 15%, em 2023,
e parece que continuará aumentando as emissões ao longo desta década.
O
paradoxo é que o aumento do gasto militar da OTAN, em 2023, cobriria
o financiamento climático mínimo exigido pelos países em
desenvolvimento nas negociações climáticas da ONU deste ano. O gasto
militar total da OTAN, em 2023, pagaria 13 vezes este montante e começaria
a entregar os bilhões necessários para o financiamento climático,
acrescenta este relatório.
E
as perspectivas futuras são ainda mais preocupantes: a OTAN afirma
que dois terços de seus membros cumprirão o objetivo de um gasto militar mínimo
de 2% do PIB (frente a apenas seis países em 2021). Se todos os membros
cumprirem o compromisso, até 2028 haveria uma pegada de carbono militar
coletiva total estimada em 2 bilhões de tCO2e, maior do que as emissões anuais
de GEE da Rússia.
A OTAN também
gastaria 2,57 bilhões de dólares adicionais, suficientes para pagar o que
o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) estima como
os custos da adaptação climática para os países de renda baixa e média, ao longo de sete
anos.
Mais
guerras no horizonte
Para
terminar de traçar este panorama desalentador, um estudo publicado em 2019 na
revista Nature destaca que a intensificação das mudanças
climáticas aumenta o risco de conflitos armados violentos nos países.
O
estudo, que sintetiza as opiniões de especialistas, estima que o clima
influenciou de 3 a 20% o risco de conflito armado, durante o último século, e
que provavelmente esta influência aumentará drasticamente.
Em
um cenário com um aquecimento de 4 graus (aproximadamente o caminho que
seguiremos, se as sociedades não reduzirem substancialmente as emissões de
gases que retêm o calor), a influência do clima nos conflitos aumentaria mais
de cinco vezes, chegando a 26% a probabilidade de um aumento substancial do
risco de conflito, segundo o estudo.
Mesmo
em um cenário de 2 graus de aquecimento acima dos níveis pré-industriais (o
objetivo declarado do Acordo Climático de Paris), a influência do clima
nos conflitos aumentaria mais do que o dobro, chegando a uma probabilidade de
13%.
Estas
tendências aparecem porque os eventos climáticos extremos provocados pelas mudanças climáticas e os
desastres relacionados podem prejudicar as economias, reduzir a produção
agrícola e pecuária e intensificar a desigualdade entre os grupos sociais.
Estes fatores, combinados com outros elementos desencadeadores de conflitos,
podem aumentar os riscos de violência e conduzir a guerras.
¨
Dos séculos de guerras
e da nossa tragédia climática. Por Tarso Genro
"Será
que ambos não deveriam conversar ainda mais de perto, para que o Rio
Grande possa assumir um outro papel na Federação e sair mais
forte, depois da brutalidade da crise climática? Ela vai voltar e que pode ser evitada nos seus efeitos mais
duros sobre a população do Estado, pois penso nos mais pobres e nas
crianças inocentes: apostar que sim, que podem falar mais de perto, é uma
virtude e omitir-se é apenas mais um lance da política que supõe que o futuro
não conversa com o presente."
Em
que quadro vão se dar as disputas futuras, entre classes e frações de classe
para que o Rio Grande possa se sair melhor da tragédia?
A
primeira frase, período ou imprecação, que abre uma obra de ficção ou de um
livro de História, mais ou menos romanceado, ou introduz uma autobiografia, diz
muito do que vem pela frente para o leitor ou leitora. Mas isso, que é recebido
na cabeça de quem lê, não é necessariamente o que o historiador -o escritor
romancista ou autobiografado – quiseram dizer no contexto da sua obra.
Um
dos terrenos inexpugnáveis das liberdades individuais é o direito que temos –
como leitores- de apanhar de uma obra somente aquilo que satisfaz as nossas
pulsões ou os predicados da nossa existência: apropriar-se, portanto, de
sentidos que ajudem a revelar para nós mesmos as nossas debilidades e as nossas
eventuais grandezas. Como sujeitos – dentro da esfera do mundo social que a
cada dia transforma o nosso olhar sobre as mutações do universo – produzimos
voluntariamente nosso “sentimento do mundo”, como dizia Drummond.
Para
mim é natural, como militante político já com alguns (muitos) anos de
aprendizado, buscar na minha memória imediata algo que me ligue ao presente, em
cada livro que passa pelos meus olhos. É possível que a partir do primeiro
período – seja no prólogo da obra ou diretamente no seu curso – o leitor deseje
que o texto explique algumas coisas que me digam respeito. É um egoísmo “de
leitor”, cuja satisfação ao longo da leitura vai soldar ou romper o elo que lhe
liga ao escritor, principalmente num momento trágico onde todos os sinais da
cultura remetem para o presente.
Vejamos alguns exemplos: “Los dos
hombres que esperaban en la estacion teniam cara de aburridos”. (Oswaldo Soriano, “Cuarteles de invierno”, Seix
Barral). Aqui, eu vejo no aborrecimento de dois homens, numa remota cidade
da Argentina durante a ditadura militar, a espera de um “mensageiro”,
que certamente não vai lhes trazer algo mais além do que existe nos seus
cotidianos medíocres.
É
uma “dupla” de vagabundos ou capangas, na Estação da via férrea
perdida no pampa, nem desesperada nem feliz, mas apenas pautada pela inércia
repetitiva da vida comum. Ela, todavia, tem uma dimensão “política”, pois no
seu pano-de-fundo está a determinação da ferocidade do Estado –
pensei quando comecei a ler Soriano – pois o que estava ali naquele
aborrecimento não era a inércia de uma catástrofe climática ou ambiental como a nossa.
Sigamos:
“Caro Zuckerman, no passado, como você sabe, os fatos não foram mais do
que a anotações num caderno, meu aprendizado em matéria de ficção…” (Phillip
Roth, “Os fatos”, Companhia das Letras). O romancista aqui se refere ao
seu próprio aprendizado do mundo e refere a momentos importantes da sua vida,
que foram reformatados ao longo da sua experiencia como escritor, decisivos
para a sua obra e revalorizados pelo transcurso do tempo.
Os
fatos, quando revistos, modificam o passado e passam a ter outras dimensões
para o presente, por isso ligo esta reflexão de Roth ao esforço
desesperado, que uma parte da imprensa está fazendo, para que não olhemos “pelo
retrovisor”: não apuremos responsabilidades na nossa tragédia climática. Qual o motivo da cegueira deliberada? “nós” (eles) gostam
muito daqueles que governaram e se omitiram, em todos os planos, ao longo dos
seus Governos omissos. Por isso não devemos saber dos seus responsáveis e
seus interesses.
Prossigo
com os exemplos na literatura: “Na manhã da morte de Bernie Pryde –
ou pode ter sido na manhã seguinte, uma vez que Bernie morreu segundo
a sua conveniência…” (P.D. James, “Trabalho Impróprio para uma
mulher”, Companhia das Letras). A abertura da grande romancista (policial)
se inscreve na visão do jovem Lukács da Teoria do Romance, pela
qual a centralidade do romance moderno é a ironia: Bernie morreu
segundo a sua “conveniência”, logo a cogitação sobre a vida, o drama da
experiencia humana, os conflitos e as contradições de todos os níveis entre os
humanos – nas suas diferenças e semelhanças – se dissolvem na ideia que o
autor(a) escritor (a) faz de si mesmo.
Quando
o escritor olha o mundo de uma maneira mais ou menos estilizada, com
maneirismos brilhantes, mas sem relatar causas e efeitos que geraram seus
personagens, o escritor pode declarar uma morte central da sua estória como um
“fato da natureza”, mas que contraditoriamente é “suspeita” num romance
policial: não se sabe bem o dia que Bernie morreu, mas se sabe que
ele enfrentou a morte como “conveniência”.
A
morte, assim, deixa de ser um drama particular ou épico, mas se apresenta como
uma ironia objetivamente determinada e assim “natural”. Esta abertura me lembra
o tratamento dado por alguns líderes políticos à catástrofe do Rio Grande,
como se ela fosse um desfecho da “natureza”, impossível de ser resistida, pelo
menos em parte, nos seus efeitos.
“Dois
adolescentes, ambos frágeis, inocentes e convalescentes, abrem e fecham a
história de uma dinastia” (Simon S. Montefiore, “Os Romanov,
1613-1918”, Companhia das Letras). Aqui o historiador estabelece um arco
de relações entre duas crianças inocentes, cuja singularidade aponta para os
grandes terremotos históricos, na formação da Rússia moderna até
a Revolução Bolchevique.
O
autor fala de Miguel Romanov, aos 16 anos, fraco e doente em 1613,
acordado numa noite de março para ser levado a Moscou, para se
tornar Czar, num acerto interno entre as famílias ricas que dominavam o
poder, na Rússia. E fala de Alexei Romanov, filho do Czar
Nicolau, hemofílico, que aos 13 anos de vida foi fuzilado em 1918, por um
destacamento bolchevique com toda a sua família, assassinato que nenhuma ideia
revolucionária ou filosofia moral pode justificar.
A
universalidade da pesquisa histórica e das grandes narrativas épicas – trágicas
ou simplesmente dramáticas da História Russa – não está situada aqui,
na influência que as duas crianças inocentes tiveram sobre curso daquela
modernização, mas no tributo que pagam os humanos mais frágeis, mais fracos e
que sequer entendem onde estão, colocados naqueles 200 anos de formação da
nação. Numa sequência de guerras, todas as inocências vão sendo perdidas e
elas, as guerras, moldam os adultos que vão governar e vão continuar guerreando
e matando.
Aqui
traço um paralelo desta narrativa histórica, com a situação do
nosso Estado perante a catástrofe, que ouso chamar de uma abordagem
da política a partir da “sensatez com princípios”. Isso significa entender que
as diferenças entre esquerda, direita não fascista, centro-esquerda e centro,
não podem nem devem ser dissolvidas na esfera do cotidiano de luta pela sobrevivência, que fazem parte de qualquer sociedade democrática. O que
interessa é como estas diferenças vão se mostrar, no médio-longo prazo, período
em que serão respondidas pelos menos duas perguntas.
Trata-se
da necessidade de um projeto estratégico que melhore a nossa situação de
irrelevância perante a Federação, de uma parte, e que devem convergir para
responder a um “compromisso histórico” que na prática precisa responder o
seguinte: em que quadro vão se dar as disputas futuras, entre classes e frações
de classe – e entre os diversos interesses corporativos que existem em qualquer
sociedade moderna – para que o Rio Grande possa se sair melhor da
tragédia, mais além do socorro imediato em que estão empenhados, tanto
o Estado como a União?
Temos
dois governos legítimos e diferentes no Rio Grande do Sul e no Brasil. Temos no Brasil
um Presidente que é uma liderança mundial e foi o Chefe de
Governo e de Estado que teve a coragem épica de promover e fazer
a transposição do Rio São Francisco; e temos um Governador totalmente
legitimado pelas urnas, que recebeu o apoio da ampla maioria dos que elegeram o
Presidente, para que o Rio Grande não voltasse à idade das trevas. E
não voltou, como ocorreria se o outro candidato estivesse hoje
no Piratini.
Será
que ambos não deveriam conversar ainda mais de perto, para que o Rio
Grande possa assumir um outro papel na Federação e sair mais
forte, depois da brutalidade da crise climática? Ela vai voltar e que pode ser evitada nos seus efeitos mais
duros sobre a população do Estado, pois penso nos mais pobres e nas
crianças inocentes: apostar que sim, que podem falar mais de perto, é uma
virtude e omitir-se é apenas mais um lance da política que supõe que o futuro
não conversa com o presente.
Foi
um erro grave que estadistas importantes, em outros tempos e em situações
de tragédias naturais ou políticas, já cometeram. Pensem
em Chamberlain que acreditou em Hitler e em Petain,
que o serviu. E pensem em todos aqueles que, como pessoas comuns, sustentaram
que as tragédias climáticas eram uma invenção do “imperialismo” ou
dos “comunistas”. E acabaram orientando pessoas do povo, para que colocassem
celulares nas suas cabeças, para conversarem com os ETs que vinham do além. O
exército de reserva da barbárie já estava sendo convocado.
Fonte:
IHU/Sul 21
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