Guilherme Cavalcanti: Belém pode virar
capital simbólica do Brasil durante a COP30, como Rio já foi na Eco-92
Se a
sede do governo federal for transferida para Belém durante a realização da
COP30, a agenda ambiental ganhará mais destaque. Essa é a aposta da deputada
Duda Salabert (PDT-MG) com o Projeto de Lei
358/2025,
que prevê a transferência simbólica da capital federal para a cidade paraense
entre 11 e 21 de novembro de 2025.
De
acordo com a deputada, além da mudança física, o ato carrega forte simbologia
ao demonstrar a relevância do evento para a pauta ambiental e seus impactos na
sociedade. “É importante por colocar a floresta no epicentro político, mas a
[dimensão] simbólica também é importante. Ao haver o deslocamento da capital,
os brasileiros vão notar: ‘Opa, mudou a capital! Por quê?’. E aí vai entender,
ou buscar entender a dimensão da COP. ‘Ela é tão
importante que leva, inclusive, a alterar a capital do país’”, argumenta.
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Por que isso importa?
- Proposta pode
dar mais visibilidade à COP30 e gerar interesse em parte da população
ainda não alcançada pela discussão da pauta climática e, a exemplo do que
ocorreu em outros momentos históricos, promover desenvolvimento local ao
município paraense.
O
projeto encontra respaldo no inciso VII do artigo 48 da Constituição Federal,
que atribui ao Congresso Nacional a competência para dispor sobre a
transferência temporária da sede do governo federal. A medida guarda
semelhança com a adotada em 1992, quando a capital foi transferida para o Rio
de Janeiro durante a realização da Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Eco-92 ou Rio-92.
Para a
professora do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) Leila Mourão, fazer de
Belém a capital simbólica é uma oportunidade para brasileiros e estrangeiros
reconhecerem a região e sua população. “Expressa múltiplos significados:
simbólicos, políticos, lógicos e operacionais […] No que se refere ao
debate sobre a questão climática, ela é de importância fundamental na busca de
soluções”, explica.
Salabert
acrescenta que eventos como esse são uma oportunidade de “mostrar caminhos para
o Brasil se tornar protagonista na agenda climática”. “O debate sobre clima no
Brasil ainda é muito apagado justamente pelos problemas educacionais
históricos. Nesse sentido, muitos brasileiros desconhecem a importância da
COP.”
O
professor da pós-graduação em ciência política da Universidade Federal do Pará
(UFPA) Gustavo Ribeiro avalia que a articulação entre o Congresso e o governo
ao adotar a “marca política Amazônia” como estratégia pode fortalecer as
negociações dentro da COP, além de a transferência temporária da sede do
governo facilitar a formulação de documentos durante o evento.
“Complementaria
esse peso importante da COP ser aqui [em Belém]. Eu acho que tem outros tópicos
que estão muito na pauta do dia das pessoas – saneamento básico, trânsito,
educação, saúde – e às vezes [elas] não têm tempo para parar para pensar [como
se conectam com o meio ambiente]”, destaca Ribeiro.
O PL
358/2025 prevê que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário poderão
instalar-se em Belém para a condução de suas atividades institucionais e
governamentais. Os atos e despachos do presidente e dos ministros
assinados entre 11 e 21 de novembro seriam registrados no município paraense.
O projeto tramita em
regime de urgência no Congresso, conforme determina o regimento interno, e
aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ser
encaminhado ao plenário.
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Rio de Janeiro foi capital simbólica na Eco-92
Em
junho de 1992, o Brasil sediou a maior conferência ambiental até então: a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Para
destacar a importância do evento, o então presidente Fernando Collor de Mello
transferiu simbolicamente a sede do governo federal para o Rio de Janeiro
durante a conferência, mas não houve a instalação dos Três Poderes no estado,
dando um caráter mais protocolar à alteração.
“O
poder não se mudou para o Rio de Janeiro, na verdade foi só basicamente a
presença do Fernando Collor acompanhando a conferência, e que despachou daqui
do Rio de Janeiro”, explica o professor de história da Universidade Estadual do
Rio de Janeiro (Uerj) Mário Brum.
A
decisão teve um viés estratégico. Collor enfrentava desgaste político meses
antes de sofrer impeachment. Para o professor de ciência política da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Ricardo Ismael, o
presidente buscava se fortalecer politicamente ao associar sua imagem a um
evento de grande projeção internacional. “O presidente já estava bastante
desgastado. Então, procurou tirar dividendos políticos por conta desse evento
que recebeu chefes de Estados do mundo todo e que era aguardado com grande
expectativa pela mídia internacional”, afirma o professor.
O
evento ajudou a consolidar projetos ambientais no município, como a valorização
da Floresta da Tijuca e do Parque Estadual da Pedra Branca. “A projeção que
Belém ganha vai ser maior que a do Rio, comparativamente. O Rio de Janeiro já
era uma cidade que tinha uma visibilidade internacional muito forte; era a
cidade mais conhecida do Brasil, ainda é, e já tinha sido capital”, pontua
Brum.
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Curitiba, capital honorária do Brasil na ditadura
Entre
os dias 24 e 27 de março de 1969, Curitiba foi, simbolicamente, a capital do
Brasil. Durante esse período, o então presidente Costa e Silva transferiu
a sede do governo federal para a cidade, acompanhado por ministérios e órgãos
públicos. A decisão ocorreu poucos meses após a promulgação do Ato
Institucional nº 5 (AI-5), que marcou o endurecimento da ditadura militar, e
teve viés propagandístico.
O
professor da pós-graduação em ciência política da Universidade Federal do
Paraná (UFPR) Sérgio Braga explica que essa nomeação teve motivações políticas
claras. “Curitiba foi escolhida pelo apoio popular que o golpe teve na cidade,
além de ter, tradicionalmente, um eleitorado mais conservador”, analisa.
Segundo ele, a mudança visava demonstrar um suposto respaldo social ao regime
em meio a um cenário de crescente insatisfação, com greves e manifestações
estudantis ocorrendo em grandes centros urbanos.
A
imprensa local celebrou a nomeação e eventos foram organizados para receber o
presidente e sua comitiva. “Foi um apoio fabricado, com manifestações
organizadas por autoridades, mas que reforçou a imagem da cidade como um modelo
de desenvolvimento alinhado aos interesses do regime”, explica Braga.
A
transferência da capital serviu também para fortalecer aliados locais do
governo militar. A primeira-dama da época, Iolanda Costa e Silva, curitibana,
pode ter influenciado a escolha, mas, segundo a professora doutora Raquel Panke
Bittencourt, da Escola de Educação e Humanidades da PUCPR, o fator mais
relevante foi o apoio do povo paranaense ao regime.
“Curitiba
ter se tornado a capital honorária nesse período foi algo mais de vitrine, uma
propaganda, já que naquele período quem era o prefeito era Omar Sabbag e o
governador, Paulo Pimentel. Ambos apoiavam o regime instituído no Brasil a
partir do golpe militar”, afirma Bittencourt.
Segundo
a professora, o episódio proporcionou condições para a ampliação de
recursos destinados a programas de expansão econômica no Paraná, beneficiando
também o interior do estado com melhorias em serviços de luz e energia,
além da viabilização de usinas hidrelétricas.
“Uma
cidade, ao receber o título de capital honorária do país, ela se fortalece, em
termos de imagem, diante do país. No caso o Brasil, como uma grande vitrine
também para o mundo. Então, é um reconhecimento perante os demais, e isso se
torna um valor bastante simbólico nesta construção”, complementa Bittencourt.
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Davi Kopenawa: “O povo
da mercadoria não ama a vida, nem a água, nem a floresta”. Por Guillem Pujol
Davi Kopenawa, xamã e porta-voz
do povo Yanomami, dedica sua vida à proteção da Amazônia. Nasceu nos anos
1950, no território Yanomami, uma vasta região de floresta que abrange
partes do Brasil e da Venezuela. Desde jovem, foi testemunha da
devastação causada pelos garimpeiros e as epidemias trazidas por forasteiros.
Sua comunidade sofreu doenças até então desconhecidas, e muitas famílias foram
dizimadas.
Sua
luta política começou nos anos 1980, quando após inúmeras tentativas
frustradas, conseguiu que o governo brasileiro reconhecesse oficialmente
o território Yanomami, em 1992. “Vinte
anos atrás, era muito difícil fazer com que o governo federal
do Brasil fizesse um bom trabalho para reconhecer o território
Yanomami. Nossa terra é fundamental para todos nós. Sem a terra, sem um lugar
para viver, não existiríamos”, relembra Kopenawa em uma palestra
no Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona (CCCB).
Contudo,
aquele reconhecimento não garantiu a segurança de seu povo. Apesar do status
legal, a invasão de garimpeiros ilegais nunca parou. Durante o
governo de Jair Bolsonaro, a situação chegou a
um ponto crítico: “Dizem que eram poucos garimpeiros, mas eu, que estava lá, vi
70.000 entrarem no território Yanomami, entre os anos 2020 e 2022. Vi
parentes e crianças morrerem, infectados pelos invasores”.
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O capitalismo como uma ameaça global
A luta
de Kopenawa não se limita a denunciar os abusos na Amazônia. Sua
visão vai além e se torna uma crítica radical a um sistema econômico que
destrói não só o seu mundo, mas o de todos. Em seu discurso, o líder yanomami
desmistifica a ideia de que o problema é exclusivamente ambiental ou localizado
na Amazônia.
Para Kopenawa,
o desmatamento não é um acidente, nem um dano colateral do
desenvolvimento, mas uma estratégia consciente do capitalismo global: “O povo da
mercadoria não ama a vida, nem a água, nem a floresta.
A Amazônia nos dá saúde, alegria. Tudo isto é muito bonito, mas
a civilização não a está respeitando”.
Essa
destruição corresponde a uma lógica extrativista que vê a floresta
como um recurso comercializável. “O que o Estado quer? Pedra, rochas, madeira.
Quer o desmatamento para plantar soja. Estão deixando pouca floresta,
e os xapiri - um ser espiritual que ajuda
os Yanomami a proteger a terra - estão bravos, porque nossa floresta
no Brasil está sendo afetada”.
Para
os Yanomami, a floresta não é apenas um espaço físico, mas um equilíbrio
vital que, ao ser rompido, gera consequências desastrosas. Também denuncia o
fato de a água ter se tornado apenas mais um produto dentro da lógica do
mercado. “Agora, a água se tornou uma mercadoria: é engarrafada e vendida. A
água não deve ser engarrafada, deve ser deixada como nasceu, nas montanhas”.
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Uma mensagem para o mundo
A mudança
climática é outra das grandes preocupações de Kopenawa, e sua
experiência como líder indígena lhe permite ver as consequências em primeira
mão. “Ouvi os xapiri yanomami falarem sobre a mudança
climática. Estamos lutando como nossos pais lutavam. Os xapiri se
preocupam com o planeta Terra. E nós somos filhos dos xapiri,
e continuamos lutando, porque se não lutarmos e ficarmos de braços cruzados,
sem prestar atenção em nosso mundo, teremos muitos problemas”.
Esses
problemas, no entanto, já estão aqui. Seca, incêndios descontrolados e o
desaparecimento de espécies são sinais de um desastre iminente. “O clima está
mudando. Onde não há chuva, as árvores morrem de sede. As folhas que caem no
chão secam e, quando são incendiadas, permitem que tudo seja queimado. Estão
queimando, inclusive, as árvores pequenas”.
Apesar
da urgência do problema, Kopenawa é cético em relação às grandes
cúpulas climáticas e os discursos vazios dos líderes mundiais. Sobre
a COP30 no Brasil,
ressalta: “Podem gastar muito dinheiro e organizar reuniões muito bonitas, mas
isso não resolve nada. Mas também tenho que ir lá para que nos escutem. Eu
também sou uma autoridade do povo Yanomami. Então, se formos convidados, aceitarei
o convite”.
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Uma luta que nos interpela
Davi
Kopenawa não é apenas um líder indígena que defende a sua terra. Sua
mensagem é uma advertência para o mundo inteiro. Sua luta contra a destruição
da Amazônia é também uma luta contra um modelo econômico que coloca
em risco o equilíbrio climático
global.
“Por isso, estou aqui: em defesa da terra, da água, dos peixes. Esta é a minha
luta. Peço o apoio de vocês. É muito importante que vocês lutem também”.
Fonte: Agencia Pública/IHU
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