quinta-feira, 3 de abril de 2025

Guilherme Cavalcanti: Belém pode virar capital simbólica do Brasil durante a COP30, como Rio já foi na Eco-92

Se a sede do governo federal for transferida para Belém durante a realização da COP30, a agenda ambiental ganhará mais destaque. Essa é a aposta da deputada Duda Salabert (PDT-MG) com o Projeto de Lei 358/2025, que prevê a transferência simbólica da capital federal para a cidade paraense entre 11 e 21 de novembro de 2025.

De acordo com a deputada, além da mudança física, o ato carrega forte simbologia ao demonstrar a relevância do evento para a pauta ambiental e seus impactos na sociedade. “É importante por colocar a floresta no epicentro político, mas a [dimensão] simbólica também é importante. Ao haver o deslocamento da capital, os brasileiros vão notar: ‘Opa, mudou a capital! Por quê?’. E aí vai entender, ou buscar entender a dimensão da COP. ‘Ela é tão importante que leva, inclusive, a alterar a capital do país’”, argumenta.

<><> Por que isso importa?

  • Proposta pode dar mais visibilidade à COP30 e gerar interesse em parte da população ainda não alcançada pela discussão da pauta climática e, a exemplo do que ocorreu em outros momentos históricos, promover desenvolvimento local ao município paraense.

O projeto encontra respaldo no inciso VII do artigo 48 da Constituição Federal, que atribui ao Congresso Nacional a competência para dispor sobre a transferência temporária da sede do governo federal. A medida guarda semelhança com a adotada em 1992, quando a capital foi transferida para o Rio de Janeiro durante a realização da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Eco-92 ou Rio-92.

Para a professora do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) Leila Mourão, fazer de Belém a capital simbólica é uma oportunidade para brasileiros e estrangeiros reconhecerem a região e sua população. “Expressa múltiplos significados: simbólicos, políticos, lógicos e operacionais […] No que se refere ao debate sobre a questão climática, ela é de importância fundamental na busca de soluções”, explica.

Salabert acrescenta que eventos como esse são uma oportunidade de “mostrar caminhos para o Brasil se tornar protagonista na agenda climática”. “O debate sobre clima no Brasil ainda é muito apagado justamente pelos problemas educacionais históricos. Nesse sentido, muitos brasileiros desconhecem a importância da COP.” 

O professor da pós-graduação em ciência política da Universidade Federal do Pará (UFPA) Gustavo Ribeiro avalia que a articulação entre o Congresso e o governo ao adotar a “marca política Amazônia” como estratégia pode fortalecer as negociações dentro da COP, além de a transferência temporária da sede do governo facilitar a formulação de documentos durante o evento. 

“Complementaria esse peso importante da COP ser aqui [em Belém]. Eu acho que tem outros tópicos que estão muito na pauta do dia das pessoas – saneamento básico, trânsito, educação, saúde – e às vezes [elas] não têm tempo para parar para pensar [como se conectam com o meio ambiente]”, destaca Ribeiro.

O PL 358/2025 prevê que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário poderão instalar-se em Belém para a condução de suas atividades institucionais e governamentais. Os atos e despachos do presidente e dos ministros assinados entre 11 e 21 de novembro seriam registrados no município paraense.

O projeto tramita em regime de urgência no Congresso, conforme determina o regimento interno, e aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ser encaminhado ao plenário.

<><> Rio de Janeiro foi capital simbólica na Eco-92

Em junho de 1992, o Brasil sediou a maior conferência ambiental até então: a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Para destacar a importância do evento, o então presidente Fernando Collor de Mello transferiu simbolicamente a sede do governo federal para o Rio de Janeiro durante a conferência, mas não houve a instalação dos Três Poderes no estado, dando um caráter mais protocolar à alteração.

“O poder não se mudou para o Rio de Janeiro, na verdade foi só basicamente a presença do Fernando Collor acompanhando a conferência, e que despachou daqui do Rio de Janeiro”, explica o professor de história da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Mário Brum.

A decisão teve um viés estratégico. Collor enfrentava desgaste político meses antes de sofrer impeachment. Para o professor de ciência política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Ricardo Ismael, o presidente buscava se fortalecer politicamente ao associar sua imagem a um evento de grande projeção internacional. “O presidente já estava bastante desgastado. Então, procurou tirar dividendos políticos por conta desse evento que recebeu chefes de Estados do mundo todo e que era aguardado com grande expectativa pela mídia internacional”, afirma o professor.

O evento ajudou a consolidar projetos ambientais no município, como a valorização da Floresta da Tijuca e do Parque Estadual da Pedra Branca. “A projeção que Belém ganha vai ser maior que a do Rio, comparativamente. O Rio de Janeiro já era uma cidade que tinha uma visibilidade internacional muito forte; era a cidade mais conhecida do Brasil, ainda é, e já tinha sido capital”, pontua Brum.

<><> Curitiba, capital honorária do Brasil na ditadura

Entre os dias 24 e 27 de março de 1969, Curitiba foi, simbolicamente, a capital do Brasil. Durante esse período, o então presidente Costa e Silva transferiu a sede do governo federal para a cidade, acompanhado por ministérios e órgãos públicos. A decisão ocorreu poucos meses após a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que marcou o endurecimento da ditadura militar, e teve viés propagandístico.

O professor da pós-graduação em ciência política da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Sérgio Braga explica que essa nomeação teve motivações políticas claras. “Curitiba foi escolhida pelo apoio popular que o golpe teve na cidade, além de ter, tradicionalmente, um eleitorado mais conservador”, analisa. Segundo ele, a mudança visava demonstrar um suposto respaldo social ao regime em meio a um cenário de crescente insatisfação, com greves e manifestações estudantis ocorrendo em grandes centros urbanos.

A imprensa local celebrou a nomeação e eventos foram organizados para receber o presidente e sua comitiva. “Foi um apoio fabricado, com manifestações organizadas por autoridades, mas que reforçou a imagem da cidade como um modelo de desenvolvimento alinhado aos interesses do regime”, explica Braga.

A transferência da capital serviu também para fortalecer aliados locais do governo militar. A primeira-dama da época, Iolanda Costa e Silva, curitibana, pode ter influenciado a escolha, mas, segundo a professora doutora Raquel Panke Bittencourt, da Escola de Educação e Humanidades da PUCPR, o fator mais relevante foi o apoio do povo paranaense ao regime.

“Curitiba ter se tornado a capital honorária nesse período foi algo mais de vitrine, uma propaganda, já que naquele período quem era o prefeito era Omar Sabbag e o governador, Paulo Pimentel. Ambos apoiavam o regime instituído no Brasil a partir do golpe militar”, afirma Bittencourt. 

Segundo a professora, o episódio proporcionou condições para a ampliação de recursos destinados a programas de expansão econômica no Paraná, beneficiando também o interior do estado com melhorias em serviços de luz e energia, além da viabilização de usinas hidrelétricas.

“Uma cidade, ao receber o título de capital honorária do país, ela se fortalece, em termos de imagem, diante do país. No caso o Brasil, como uma grande vitrine também para o mundo. Então, é um reconhecimento perante os demais, e isso se torna um valor bastante simbólico nesta construção”, complementa Bittencourt.

¨      Davi Kopenawa: “O povo da mercadoria não ama a vida, nem a água, nem a floresta”. Por Guillem Pujol

Davi Kopenawa, xamã e porta-voz do povo Yanomami, dedica sua vida à proteção da Amazônia. Nasceu nos anos 1950, no território Yanomami, uma vasta região de floresta que abrange partes do Brasil e da Venezuela. Desde jovem, foi testemunha da devastação causada pelos garimpeiros e as epidemias trazidas por forasteiros. Sua comunidade sofreu doenças até então desconhecidas, e muitas famílias foram dizimadas.

Sua luta política começou nos anos 1980, quando após inúmeras tentativas frustradas, conseguiu que o governo brasileiro reconhecesse oficialmente o território Yanomami, em 1992. “Vinte anos atrás, era muito difícil fazer com que o governo federal do Brasil fizesse um bom trabalho para reconhecer o território Yanomami. Nossa terra é fundamental para todos nós. Sem a terra, sem um lugar para viver, não existiríamos”, relembra Kopenawa em uma palestra no Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona (CCCB).

Contudo, aquele reconhecimento não garantiu a segurança de seu povo. Apesar do status legal, a invasão de garimpeiros ilegais nunca parou. Durante o governo de Jair Bolsonaro, a situação chegou a um ponto crítico: “Dizem que eram poucos garimpeiros, mas eu, que estava lá, vi 70.000 entrarem no território Yanomami, entre os anos 2020 e 2022. Vi parentes e crianças morrerem, infectados pelos invasores”.

<><> O capitalismo como uma ameaça global

A luta de Kopenawa não se limita a denunciar os abusos na Amazônia. Sua visão vai além e se torna uma crítica radical a um sistema econômico que destrói não só o seu mundo, mas o de todos. Em seu discurso, o líder yanomami desmistifica a ideia de que o problema é exclusivamente ambiental ou localizado na Amazônia.

Para Kopenawa, o desmatamento não é um acidente, nem um dano colateral do desenvolvimento, mas uma estratégia consciente do capitalismo global: “O povo da mercadoria não ama a vida, nem a água, nem a floresta. A Amazônia nos dá saúde, alegria. Tudo isto é muito bonito, mas a civilização não a está respeitando”.

Essa destruição corresponde a uma lógica extrativista que vê a floresta como um recurso comercializável. “O que o Estado quer? Pedra, rochas, madeira. Quer o desmatamento para plantar soja. Estão deixando pouca floresta, e os xapiri - um ser espiritual que ajuda os Yanomami a proteger a terra - estão bravos, porque nossa floresta no Brasil está sendo afetada”.

Para os Yanomami, a floresta não é apenas um espaço físico, mas um equilíbrio vital que, ao ser rompido, gera consequências desastrosas. Também denuncia o fato de a água ter se tornado apenas mais um produto dentro da lógica do mercado. “Agora, a água se tornou uma mercadoria: é engarrafada e vendida. A água não deve ser engarrafada, deve ser deixada como nasceu, nas montanhas”.

<><> Uma mensagem para o mundo

A mudança climática é outra das grandes preocupações de Kopenawa, e sua experiência como líder indígena lhe permite ver as consequências em primeira mão. “Ouvi os xapiri yanomami falarem sobre a mudança climática. Estamos lutando como nossos pais lutavam. Os xapiri se preocupam com o planeta Terra. E nós somos filhos dos xapiri, e continuamos lutando, porque se não lutarmos e ficarmos de braços cruzados, sem prestar atenção em nosso mundo, teremos muitos problemas”.

Esses problemas, no entanto, já estão aqui. Seca, incêndios descontrolados e o desaparecimento de espécies são sinais de um desastre iminente. “O clima está mudando. Onde não há chuva, as árvores morrem de sede. As folhas que caem no chão secam e, quando são incendiadas, permitem que tudo seja queimado. Estão queimando, inclusive, as árvores pequenas”.

Apesar da urgência do problema, Kopenawa é cético em relação às grandes cúpulas climáticas e os discursos vazios dos líderes mundiais. Sobre a COP30 no Brasil, ressalta: “Podem gastar muito dinheiro e organizar reuniões muito bonitas, mas isso não resolve nada. Mas também tenho que ir lá para que nos escutem. Eu também sou uma autoridade do povo Yanomami. Então, se formos convidados, aceitarei o convite”.

<><> Uma luta que nos interpela

Davi Kopenawa não é apenas um líder indígena que defende a sua terra. Sua mensagem é uma advertência para o mundo inteiro. Sua luta contra a destruição da Amazônia é também uma luta contra um modelo econômico que coloca em risco o equilíbrio climático global. “Por isso, estou aqui: em defesa da terra, da água, dos peixes. Esta é a minha luta. Peço o apoio de vocês. É muito importante que vocês lutem também”.

 

Fonte: Agencia Pública/IHU

 

Nenhum comentário: