sexta-feira, 20 de setembro de 2024

O Brasil em chamas: a culpa é do agro, do Estado, mas é também dos bancos

A ideia antes comemorada no Globo Rural do “Brasil, fazenda do mundo” mostra na chuva preta, a cada nova pessoa com doença respiratória, a cada nova labareda, sua verdadeira essência e devir: uma distopia cinza, seca, irrespirável. A promessa de desenvolvimento, riqueza, emprego, mostra seu avesso: morte e doença. Mas mesmo assim, mostrando o que verdadeiramente é, essa nuvem de fuligem não desvanecerá facilmente e sem ação consciente dos trabalhadores. Ela contaminou, espraiou-se e criou raízes que chegam muito mais profundamente em todo o solo, ela é cara do que é o capitalismo no Brasil. O agronegócio e o consenso extrativista no país, mostram sua unidade nas diferenças dos governos FHC, do PT, do golpista Temer e do arquirreacionário Bolsonaro. Cada um, à sua maneira, financiou, apoiou, contribuiu no desenvolvimento deste consenso.

O agronegócio no Brasil é cada vez mais mecanizado, de alta tecnologia, e fundido ao capital financeiro nacional e internacional. Mostraremos alguns aspectos desta fusão para elucidar como o inimigo a ser combatido não é somente um fazendeiro milionário vivendo de suas rendas em algum rooftop no Rio, em São Paulo, Goiânia, ou ainda seu capataz em algum ermo rincão do Mato Grosso, mas nosso inimigo também é quem lucra com tudo isso na Faria Lima, na Bovespa e em Wall Street. Essa conexão compõe mais um fator explicativo de porque o voto da Faria Lima é cada vez mais parecido ao da Aprosoja ou até mesmo da UDR (União Democrática Ruralista).

A burguesia brasileira é, a cada dia mais, associada e dependente não somente do capital financeiro internacional, como também de todo o consenso extrativista no país que vai muito além do agro, envolve também a mineração, a extração de combustíveis fósseis. Em artigo recente Iuri Tonelo apoia-se no criativo sociólogo Francisco de Oliveira para mostrar no agroboy Marçal um espelho da falência do projeto de país anterior que era a promessa lulista de que esse consenso e da conciliação de classes poderia ser “bom para todos”. Desde ao menos 2003, Oliveira já mostrava como havia “uma força de trabalho cada vez menor no setor rural, mas sem isso significar um campo como símbolo apenas atrasado; ao contrário, um lugar de combinação da herança colonial com o ultramoderno agrobusiness.”

No começo de 2019, artigo neste Ideias de Esquerda demonstrava mudanças nas classes sociais nos interiores do país, incentivadas pelo PT, como decorrente do desenvolvimento capitalista do agronegócio tinha erguido-se uma pujante pequeno-burguesia com valores e negócios específicos que tinha, assim, semeado o campo para Bolsonaro colher. Ali dizia-se que “ao lado de uma burguesia agroindustrial fortemente vinculada, associada e fundida com o capital financeiro nacional e imperialista, temos também o desenvolvimento de uma burguesia comercial e logística”.

A ideia ali desenvolvida era seminal em relação ao que afirmamos agora. Ali era dito que havia uma burguesia agroindustrial, logística e comercial, vinculada ao capital financeiro sobretudo no depois da porteira. Isso é verdade, mas em cada aspecto, inclusive dentro da porteira, esse vínculo vem aumentando.

Todos levantamentos das maiores empresas no agronegócio brasileiro mostram claramente essa burguesia nacional e imperialista do depois da porteira e seu complexo agro-industrial e seu papel de um cartel, praticamente monopolista, do comércio exterior do agro em nossas terras. Na revista Globo Rural: 500 melhores do agro, de dezembro do ano passado, verifica-se que em 2022 as duas empresas que lideravam o ranking em faturamento no país são as imperialistas Cargill (R$ 94 bilhões) e Bungee (R$79 bilhões) que são tanto traders como agroindústrias de soja e óleos, elas são seguidas pela agroindústria brasileira de carne JBS (R$55bi), seguida de outra trader de soja e óleos, agora nacional, a Amaggi (R$47bi), outra brasileira de carnes, a BRF (R$47bi), outra trader imperialista de soja e óleo, a LDC, depois localizava-se a indústria belgo-brasileira de bebidas AMBEV (R$43bi), a papeleira brasileira Suzano (R$31bi), a imperialista de sementes e agrotóxicos Bayer (R$31bi) e fechando o Top 10 está a norueguesa de fertilizantes Yara (R$30bi).

Essa listagem, que mostra só as 10 maiores, demonstra um grande papel de gigantes imperialistas no destrutivo agronegócio brasileiro e, escancara o vínculo entre consenso extrativista e maior subordinação e saque imperialista. Esse retrato parcial do faturamento revela somente uma ponta do iceberg, o Plano Safra ajuda a olhar para uma parte maior do problema. Este ano, sob tutela de Lula, este financiamento ao agronegócio alcança a cifra recorde de quase R$401 bilhões destinados somente aos grandes capitalistas no campo. Deste montante, R$260 bilhões advém do Banco do Brasil, banco onde o governo detém a maioria do capital votante. Segue em ordem de grandeza no plano o BNDES, com os mesmos R$66,5 bilhões que tem a Sicredi (uma suposta cooperativa onde o maior acionista individual é o banco holandês Rabobank com quase 9%), fecha a lista dos maiores participantes do plano o ainda estatal gaúcho Banrisul com R$12,2bi. Somando BB, BNDES e Banrisul há participação estatal brasileira de ao menos R$339 bilhões. Esse exorbitante montante de dinheiro com crédito subsidiado movimenta uma outra gigantesca parcela submersa do iceberg do que é a financeirização do agronegócio brasileiro ou se quisermos olhar de outro ponto de vista, a alma sertaneja da Faria Lima, tudo isso em benefício das finanças internacionais e imperialistas as quais o Brasil crescentemente integra-se e subordina-se.

Movida pela produção agrícola, mas também pelo crédito subsidiado do Plano Safra, erguem-se complexas estruturas de debêntures (empréstimos negociáveis em bolsa), Letras de Crédito Agrícola (LCA), Créditos de Recebíveis Agrícolas (CRA), e todo um mundo de derivativos decorrentes destas modalidades de renda fixa e suas diferentes securitizações que também são, por sua vez, negociáveis. O estoque de LCAs negociado na B3, a empresa que une a Bovespa e a BM&F, era em junho deste ano de R$472,9 bilhões, e dos CRAs na mesma bolsa era de outros R$142 bilhões. Valores que superam, e com boa margem, o Plano Safra e para efeito de comparação ,quando somados, superam o valor de mercado da Petrobras e seus R$507,89 bilhões em 13/09/24. Olhando esses números fica patente como a Bovespa é cada vez mais uma expressão financeira do agronegócio, ou dito de forma mais precisa: é expressão do extrativismo e rentismo no país, importante frisar no país e não necessariamente do país.

Esta alma sertaneja das finanças em nossas terras não se expressa só na Bovespa, também aparece na grande porcentagem dos ativos de alguns bancos, ou seja, parte importante de seu “patrimônio” está relacionado ao crédito rural (sem contar todo essa prole do crédito rural que são derivativos e recebíveis). O BB lidera a lista com 32%, seguido do ABC Brasil (sucursal do Arab Banking Corporation do xeique de Bahrein) com 22,1%, o Banrisul com 21,2%, seguidos do Santander Brasil com 3,5% e o Itaú com 1,7%.

Fica patente com estes números que, por exemplo, o Banco do Brasil administrado pelo estado brasileiro ergue seus lucros (para benefício da metade de suas ações que estão em mãos de banqueiros nacionais e imperialistas), através do agronegócio desmatador brasileiro. Notória ausência na lista acima, o Bradesco tem parcela relevante de seus lucros extraído de outra atividade extrativista, a mineração. A Bradespar detém 6,9% da criminosa Vale e dali advém parte relevante de seus lucros.

•        O vínculo em dólares e fumaça do extrativismo e das finanças

Os grandes bancos brasileiros, tais como grandes agroindústrias e várias traders nacionais e estrangeiras, como a Amaggi, Amata, Basf, Cargill, Suzano compõem a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura que levanta algumas bandeiras de moratória a compra de produtos em terrenos recém-desmatados, e ainda de preservação das florestas e “acabar com o desmatamento ilegal até 2030 e acabar com qualquer desflorestamento até 2050”, como demonstra Caio Pompéia, antropólogo, autor do livro Formação Política do Agronegócio (São Paulo: Elefante, 2021). No entanto, esta coalizão que representa a ala menos “motossera” do agronegócios e dos bancos no país levanta esta bandeira especialmente contra o desmatamento ilegal. Ocorre que 20% das propriedades na Amazônia podem ser legalmente desmatadas, e se o fogo queimar um “pouquinho a mais”, que sanção terão? O “desmatamento” zero fica para o super longínquo ano de 2050, onde facilmente o planeta já terá ultrapassado os atuais 1,5 graus celsius a mais do que no período pré-industrial e entrando em níveis de aquecimento muito mais catastróficos.

Também é facilmente demonstrável que algum limite ao desmatamento da soja exportada não impõe um limite à soja para consumo nacional, para biodiesel, e nem falar do descontrole do solo para pastoreio bovino para consumo nacional. Terras antes usadas para pastoreio no centro-oeste vão se tornando terras para a soja, a fronteira do boi é levada para o Pará, Amazonas, Rondônia, Acre, locais por excelência dos focos criminosos de incêndio e onde 92% dos frigoríficos não exigem estes controles ambientais.

A chama que consome a floresta para abrir caminho ao gado contribuiu duplamente ao aquecimento global, primeiro com o CO2 da queimada e da mudança do uso do solo, e depois com o metano, CH4, produzido pelos estômagos bovinos. O Brasil tem o maior rebanho de gado em todo mundo, e consequentemente suas gigantes internacionais de carne bovina, a JBS e a a Marfrig, que nem entrou na lista Top 10 anterior (ficando no 19o lugar no país) lideram o ranking mundial de emissão de metano, gás que tem efeito no aquecimento global ainda mais dramático que o dióxido de carbono. A JBS sozinha é responsável por 1,3% da emissão mundial de metano, seguida pela Marfrig e seus 0,5%.

Um estudo recente termina de mostrar o vínculo brutal das finanças privadas e estatais com a destruição ambiental: “de acordo com análises da Coalizão Florestas & Finanças, entre janeiro de 2016 e setembro de 2023, instituições financeiras brasileiras injetaram ao menos 127 bilhões de dólares em empresas com histórico de violações socioambientais na produção de carne bovina, soja, óleo de palma, celulose e papel, borracha e madeira – volume que representa 41% do total global de empréstimos (307 bilhões de dólares) levantado pelo estudo.

O rastro destrutivo do extrativismo em que as finanças participam vai além do agro, também toca fortemente a indústria extrativa de petróleo. Aí, neste caso, os bancos imperialistas tomam a dianteira que o Banco do Brasil tem no agronegócio. Desde o acordo de Paris em 2015, quando os países, liderados pelas potências imperialistas comprometeram-se em supostamente reduzir suas emissões de CO2 ocorreu uma movimentação de US$6,9 trilhões em empréstimos, emissões de títulos e debêntures para empresas de combustíveis fósseis, sobretudo petróleo, mas também algum investimento no carvão. Esse himalaia de dinheiro para produzir mais CO2 encontrou na Petrobras a sexta maior destinatária de recursos, perdendo somente para a yankee Exxon, a estatal saudita Aramco, a inglesa BP, a anglo-holandesa Shell e a francesa Total.

Do montante bilionário destinado à Petrobras, há clara primazia das gigantes imperialistas, que investem, para depois abocanharem parcelas importantes dos imensos dividendos que a Petrobras vem produzido, às custas de duplicar, neste período sua participação na emissão global de CO2, de aproximadamente 0,56%, para 1,03%. As porcentagens dos investimentos na Petrobras no período compreendido de 2016 a 2022, foi de 22% pelo Citibank, 19% pelo Bank of America, 17% JP Morgan, 11% BNP Paribas, 10% Crédit Agricole, 8% Morgan Stanley, 8% HSBC, 5% Goldman Sachs.

Dentre todas as empresas de petróleo e gás no mundo, a Petrobras figura como a 7ª empresa que mais fará investimentos entre 2023 e 2030 para aumentar a produção destes combustíveis fósseis. Quando olha-se somente para o petróleo - um pouco mais poluente que o também poluente gás natural - a empresa brasileira salta para a 4ª posição. Ou seja, ainda sem contar investimentos na Foz do Amazonas e demais áreas da Margem Equatorial, a Petrobras está projetando aumentar, e muito, sua participação no aquecimento global e também garantir seu status conquistado por Bolsonaro, e mantido intocado por Lula, a ostentação do título de petroleira que mais paga dividendos em todo o mundo, e isso destina-se prioritariamente a seus 54% de acionistas estrangeiros de posse de ações preferenciais. Aqui, tal como vimos no agronegócio, nota-se, mais uma vez, o vínculo inquebrantável entre extrativismo e aumento do saque imperialista.

•        Da fumaça do extrativismo ao freio de emergência

As principais faces contemporâneas da burguesia no Brasil se conectam com o extrativismo e sua financeirização, seja ele de base agropecuária, de mineração ou de petróleo. Todas estas faces desfilam em uma só procissão de penitência a Wall Street. Há diferenças de política agrária e fundiária e, até mesmo partidária, entre uma ABAG ou Coalizão Clima, esta representando as alas “menos motosserra” das finanças e agronegócio, e aquela as mais brutais das superbolsonaristas UDR e Aprosoja Brasil. Também há algum nível de diferença nas emissões de gases de efeito estufa na produção (e não no consumo) entre uma Petrobras e o IBP, entidade patronal que representa principalmente as petroleiras privadas. Do mesmo jeito, há diferenças entre aqueles que querem mineração em terras indígenas e aqueles que procuram fazer algum discurso amigável. Entregar dividendos recordes da Petrobras via aumento da produção de petróleo usando plataformas compradas no exterior, como fizeram Temer e Bolsonaro, ou fazer o mesmo através de plataformas parcialmente produzidas aqui, como diz Lula (mas ainda não implementou), isso muda algum nível de emprego nos estaleiros e nas siderúrgicas nacionais, mas é parte material do mesmo consenso extrativista.

O estado brasileiro, suas estatais, seus bancos estatais, estiveram em todas últimas décadas trilhando diferentes estradas que levavam todas elas à Bovespa e Faria Lima como paradas obrigatórias antes de Nova York.

Não há como reverter a subordinação ao imperialismo nem enfrentar a catástrofe ambiental sem uma política internacional que aqui se expresse na luta contra esse consenso, que parta do agronegócio, das mineradoras e petroleiras e chegue nos seus financiadores e principais beneficiários materiais: os bancos. As diferentes políticas capitalistas frente às mudanças climáticas expressam uma unidade na diferença, são ritmos e caminhos diferentes para levar à mesma catástrofe. Por isso, nós do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), como afirmamos em nossa declaração nacional, “sustentamos que somente a classe trabalhadora, em aliança com os povos indígenas, quilombolas e com todos os oprimidos, pode dar uma saída à crise em curso e puxar os freios de emergência necessários para reverter a crise climática. A esse serviço, está nosso programa emergencial contra as queimadas e a seca, um programa operário e popular, o que só é possível enfrentando o Estado capitalista. Não existe sustentabilidade dentro do capitalismo!”

 

Fonte: Esquerda Diário

 

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