O Brasil em chamas: a culpa é do agro, do
Estado, mas é também dos bancos
A ideia antes
comemorada no Globo Rural do “Brasil, fazenda do mundo” mostra na chuva preta,
a cada nova pessoa com doença respiratória, a cada nova labareda, sua
verdadeira essência e devir: uma distopia cinza, seca, irrespirável. A promessa
de desenvolvimento, riqueza, emprego, mostra seu avesso: morte e doença. Mas
mesmo assim, mostrando o que verdadeiramente é, essa nuvem de fuligem não
desvanecerá facilmente e sem ação consciente dos trabalhadores. Ela contaminou,
espraiou-se e criou raízes que chegam muito mais profundamente em todo o solo,
ela é cara do que é o capitalismo no Brasil. O agronegócio e o consenso
extrativista no país, mostram sua unidade nas diferenças dos governos FHC, do
PT, do golpista Temer e do arquirreacionário Bolsonaro. Cada um, à sua maneira,
financiou, apoiou, contribuiu no desenvolvimento deste consenso.
O agronegócio no
Brasil é cada vez mais mecanizado, de alta tecnologia, e fundido ao capital
financeiro nacional e internacional. Mostraremos alguns aspectos desta fusão
para elucidar como o inimigo a ser combatido não é somente um fazendeiro
milionário vivendo de suas rendas em algum rooftop no Rio, em São Paulo,
Goiânia, ou ainda seu capataz em algum ermo rincão do Mato Grosso, mas nosso
inimigo também é quem lucra com tudo isso na Faria Lima, na Bovespa e em Wall
Street. Essa conexão compõe mais um fator explicativo de porque o voto da Faria
Lima é cada vez mais parecido ao da Aprosoja ou até mesmo da UDR (União
Democrática Ruralista).
A burguesia brasileira
é, a cada dia mais, associada e dependente não somente do capital financeiro
internacional, como também de todo o consenso extrativista no país que vai
muito além do agro, envolve também a mineração, a extração de combustíveis fósseis.
Em artigo recente Iuri Tonelo apoia-se no criativo sociólogo Francisco de
Oliveira para mostrar no agroboy Marçal um espelho da falência do projeto de
país anterior que era a promessa lulista de que esse consenso e da conciliação
de classes poderia ser “bom para todos”. Desde ao menos 2003, Oliveira já
mostrava como havia “uma força de trabalho cada vez menor no setor rural, mas
sem isso significar um campo como símbolo apenas atrasado; ao contrário, um
lugar de combinação da herança colonial com o ultramoderno agrobusiness.”
No começo de 2019,
artigo neste Ideias de Esquerda demonstrava mudanças nas classes sociais nos
interiores do país, incentivadas pelo PT, como decorrente do desenvolvimento
capitalista do agronegócio tinha erguido-se uma pujante pequeno-burguesia com
valores e negócios específicos que tinha, assim, semeado o campo para Bolsonaro
colher. Ali dizia-se que “ao lado de uma burguesia agroindustrial fortemente
vinculada, associada e fundida com o capital financeiro nacional e
imperialista, temos também o desenvolvimento de uma burguesia comercial e
logística”.
A ideia ali
desenvolvida era seminal em relação ao que afirmamos agora. Ali era dito que
havia uma burguesia agroindustrial, logística e comercial, vinculada ao capital
financeiro sobretudo no depois da porteira. Isso é verdade, mas em cada
aspecto, inclusive dentro da porteira, esse vínculo vem aumentando.
Todos levantamentos
das maiores empresas no agronegócio brasileiro mostram claramente essa
burguesia nacional e imperialista do depois da porteira e seu complexo
agro-industrial e seu papel de um cartel, praticamente monopolista, do comércio
exterior do agro em nossas terras. Na revista Globo Rural: 500 melhores do
agro, de dezembro do ano passado, verifica-se que em 2022 as duas empresas que
lideravam o ranking em faturamento no país são as imperialistas Cargill (R$ 94
bilhões) e Bungee (R$79 bilhões) que são tanto traders como agroindústrias de
soja e óleos, elas são seguidas pela agroindústria brasileira de carne JBS
(R$55bi), seguida de outra trader de soja e óleos, agora nacional, a Amaggi
(R$47bi), outra brasileira de carnes, a BRF (R$47bi), outra trader imperialista
de soja e óleo, a LDC, depois localizava-se a indústria belgo-brasileira de
bebidas AMBEV (R$43bi), a papeleira brasileira Suzano (R$31bi), a imperialista
de sementes e agrotóxicos Bayer (R$31bi) e fechando o Top 10 está a norueguesa
de fertilizantes Yara (R$30bi).
Essa listagem, que
mostra só as 10 maiores, demonstra um grande papel de gigantes imperialistas no
destrutivo agronegócio brasileiro e, escancara o vínculo entre consenso
extrativista e maior subordinação e saque imperialista. Esse retrato parcial do
faturamento revela somente uma ponta do iceberg, o Plano Safra ajuda a olhar
para uma parte maior do problema. Este ano, sob tutela de Lula, este
financiamento ao agronegócio alcança a cifra recorde de quase R$401 bilhões
destinados somente aos grandes capitalistas no campo. Deste montante, R$260
bilhões advém do Banco do Brasil, banco onde o governo detém a maioria do
capital votante. Segue em ordem de grandeza no plano o BNDES, com os mesmos
R$66,5 bilhões que tem a Sicredi (uma suposta cooperativa onde o maior
acionista individual é o banco holandês Rabobank com quase 9%), fecha a lista
dos maiores participantes do plano o ainda estatal gaúcho Banrisul com
R$12,2bi. Somando BB, BNDES e Banrisul há participação estatal brasileira de ao
menos R$339 bilhões. Esse exorbitante montante de dinheiro com crédito
subsidiado movimenta uma outra gigantesca parcela submersa do iceberg do que é
a financeirização do agronegócio brasileiro ou se quisermos olhar de outro
ponto de vista, a alma sertaneja da Faria Lima, tudo isso em benefício das
finanças internacionais e imperialistas as quais o Brasil crescentemente
integra-se e subordina-se.
Movida pela produção
agrícola, mas também pelo crédito subsidiado do Plano Safra, erguem-se
complexas estruturas de debêntures (empréstimos negociáveis em bolsa), Letras
de Crédito Agrícola (LCA), Créditos de Recebíveis Agrícolas (CRA), e todo um
mundo de derivativos decorrentes destas modalidades de renda fixa e suas
diferentes securitizações que também são, por sua vez, negociáveis. O estoque
de LCAs negociado na B3, a empresa que une a Bovespa e a BM&F, era em junho
deste ano de R$472,9 bilhões, e dos CRAs na mesma bolsa era de outros R$142
bilhões. Valores que superam, e com boa margem, o Plano Safra e para efeito de
comparação ,quando somados, superam o valor de mercado da Petrobras e seus
R$507,89 bilhões em 13/09/24. Olhando esses números fica patente como a Bovespa
é cada vez mais uma expressão financeira do agronegócio, ou dito de forma mais
precisa: é expressão do extrativismo e rentismo no país, importante frisar no
país e não necessariamente do país.
Esta alma sertaneja
das finanças em nossas terras não se expressa só na Bovespa, também aparece na
grande porcentagem dos ativos de alguns bancos, ou seja, parte importante de
seu “patrimônio” está relacionado ao crédito rural (sem contar todo essa prole
do crédito rural que são derivativos e recebíveis). O BB lidera a lista com
32%, seguido do ABC Brasil (sucursal do Arab Banking Corporation do xeique de
Bahrein) com 22,1%, o Banrisul com 21,2%, seguidos do Santander Brasil com 3,5%
e o Itaú com 1,7%.
Fica patente com estes
números que, por exemplo, o Banco do Brasil administrado pelo estado brasileiro
ergue seus lucros (para benefício da metade de suas ações que estão em mãos de
banqueiros nacionais e imperialistas), através do agronegócio desmatador
brasileiro. Notória ausência na lista acima, o Bradesco tem parcela relevante
de seus lucros extraído de outra atividade extrativista, a mineração. A
Bradespar detém 6,9% da criminosa Vale e dali advém parte relevante de seus
lucros.
• O vínculo em dólares e fumaça do
extrativismo e das finanças
Os grandes bancos
brasileiros, tais como grandes agroindústrias e várias traders nacionais e
estrangeiras, como a Amaggi, Amata, Basf, Cargill, Suzano compõem a Coalizão
Brasil Clima, Florestas e Agricultura que levanta algumas bandeiras de
moratória a compra de produtos em terrenos recém-desmatados, e ainda de
preservação das florestas e “acabar com o desmatamento ilegal até 2030 e acabar
com qualquer desflorestamento até 2050”, como demonstra Caio Pompéia,
antropólogo, autor do livro Formação Política do Agronegócio (São Paulo:
Elefante, 2021). No entanto, esta coalizão que representa a ala menos
“motossera” do agronegócios e dos bancos no país levanta esta bandeira
especialmente contra o desmatamento ilegal. Ocorre que 20% das propriedades na
Amazônia podem ser legalmente desmatadas, e se o fogo queimar um “pouquinho a
mais”, que sanção terão? O “desmatamento” zero fica para o super longínquo ano
de 2050, onde facilmente o planeta já terá ultrapassado os atuais 1,5 graus
celsius a mais do que no período pré-industrial e entrando em níveis de
aquecimento muito mais catastróficos.
Também é facilmente
demonstrável que algum limite ao desmatamento da soja exportada não impõe um
limite à soja para consumo nacional, para biodiesel, e nem falar do descontrole
do solo para pastoreio bovino para consumo nacional. Terras antes usadas para
pastoreio no centro-oeste vão se tornando terras para a soja, a fronteira do
boi é levada para o Pará, Amazonas, Rondônia, Acre, locais por excelência dos
focos criminosos de incêndio e onde 92% dos frigoríficos não exigem estes
controles ambientais.
A chama que consome a
floresta para abrir caminho ao gado contribuiu duplamente ao aquecimento
global, primeiro com o CO2 da queimada e da mudança do uso do solo, e depois
com o metano, CH4, produzido pelos estômagos bovinos. O Brasil tem o maior
rebanho de gado em todo mundo, e consequentemente suas gigantes internacionais
de carne bovina, a JBS e a a Marfrig, que nem entrou na lista Top 10 anterior
(ficando no 19o lugar no país) lideram o ranking mundial de emissão de metano,
gás que tem efeito no aquecimento global ainda mais dramático que o dióxido de
carbono. A JBS sozinha é responsável por 1,3% da emissão mundial de metano,
seguida pela Marfrig e seus 0,5%.
Um estudo recente
termina de mostrar o vínculo brutal das finanças privadas e estatais com a
destruição ambiental: “de acordo com análises da Coalizão Florestas &
Finanças, entre janeiro de 2016 e setembro de 2023, instituições financeiras
brasileiras injetaram ao menos 127 bilhões de dólares em empresas com histórico
de violações socioambientais na produção de carne bovina, soja, óleo de palma,
celulose e papel, borracha e madeira – volume que representa 41% do total
global de empréstimos (307 bilhões de dólares) levantado pelo estudo.
O rastro destrutivo do
extrativismo em que as finanças participam vai além do agro, também toca
fortemente a indústria extrativa de petróleo. Aí, neste caso, os bancos
imperialistas tomam a dianteira que o Banco do Brasil tem no agronegócio. Desde
o acordo de Paris em 2015, quando os países, liderados pelas potências
imperialistas comprometeram-se em supostamente reduzir suas emissões de CO2
ocorreu uma movimentação de US$6,9 trilhões em empréstimos, emissões de títulos
e debêntures para empresas de combustíveis fósseis, sobretudo petróleo, mas
também algum investimento no carvão. Esse himalaia de dinheiro para produzir
mais CO2 encontrou na Petrobras a sexta maior destinatária de recursos,
perdendo somente para a yankee Exxon, a estatal saudita Aramco, a inglesa BP, a
anglo-holandesa Shell e a francesa Total.
Do montante bilionário
destinado à Petrobras, há clara primazia das gigantes imperialistas, que
investem, para depois abocanharem parcelas importantes dos imensos dividendos
que a Petrobras vem produzido, às custas de duplicar, neste período sua
participação na emissão global de CO2, de aproximadamente 0,56%, para 1,03%. As
porcentagens dos investimentos na Petrobras no período compreendido de 2016 a
2022, foi de 22% pelo Citibank, 19% pelo Bank of America, 17% JP Morgan, 11%
BNP Paribas, 10% Crédit Agricole, 8% Morgan Stanley, 8% HSBC, 5% Goldman Sachs.
Dentre todas as
empresas de petróleo e gás no mundo, a Petrobras figura como a 7ª empresa que
mais fará investimentos entre 2023 e 2030 para aumentar a produção destes
combustíveis fósseis. Quando olha-se somente para o petróleo - um pouco mais
poluente que o também poluente gás natural - a empresa brasileira salta para a
4ª posição. Ou seja, ainda sem contar investimentos na Foz do Amazonas e demais
áreas da Margem Equatorial, a Petrobras está projetando aumentar, e muito, sua
participação no aquecimento global e também garantir seu status conquistado por
Bolsonaro, e mantido intocado por Lula, a ostentação do título de petroleira
que mais paga dividendos em todo o mundo, e isso destina-se prioritariamente a
seus 54% de acionistas estrangeiros de posse de ações preferenciais. Aqui, tal
como vimos no agronegócio, nota-se, mais uma vez, o vínculo inquebrantável
entre extrativismo e aumento do saque imperialista.
• Da fumaça do extrativismo ao freio de
emergência
As principais faces
contemporâneas da burguesia no Brasil se conectam com o extrativismo e sua
financeirização, seja ele de base agropecuária, de mineração ou de petróleo.
Todas estas faces desfilam em uma só procissão de penitência a Wall Street. Há
diferenças de política agrária e fundiária e, até mesmo partidária, entre uma
ABAG ou Coalizão Clima, esta representando as alas “menos motosserra” das
finanças e agronegócio, e aquela as mais brutais das superbolsonaristas UDR e
Aprosoja Brasil. Também há algum nível de diferença nas emissões de gases de
efeito estufa na produção (e não no consumo) entre uma Petrobras e o IBP,
entidade patronal que representa principalmente as petroleiras privadas. Do
mesmo jeito, há diferenças entre aqueles que querem mineração em terras
indígenas e aqueles que procuram fazer algum discurso amigável. Entregar
dividendos recordes da Petrobras via aumento da produção de petróleo usando
plataformas compradas no exterior, como fizeram Temer e Bolsonaro, ou fazer o
mesmo através de plataformas parcialmente produzidas aqui, como diz Lula (mas
ainda não implementou), isso muda algum nível de emprego nos estaleiros e nas
siderúrgicas nacionais, mas é parte material do mesmo consenso extrativista.
O estado brasileiro,
suas estatais, seus bancos estatais, estiveram em todas últimas décadas
trilhando diferentes estradas que levavam todas elas à Bovespa e Faria Lima
como paradas obrigatórias antes de Nova York.
Não há como reverter a
subordinação ao imperialismo nem enfrentar a catástrofe ambiental sem uma
política internacional que aqui se expresse na luta contra esse consenso, que
parta do agronegócio, das mineradoras e petroleiras e chegue nos seus financiadores
e principais beneficiários materiais: os bancos. As diferentes políticas
capitalistas frente às mudanças climáticas expressam uma unidade na diferença,
são ritmos e caminhos diferentes para levar à mesma catástrofe. Por isso, nós
do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), como afirmamos em nossa
declaração nacional, “sustentamos que somente a classe trabalhadora, em aliança
com os povos indígenas, quilombolas e com todos os oprimidos, pode dar uma
saída à crise em curso e puxar os freios de emergência necessários para
reverter a crise climática. A esse serviço, está nosso programa emergencial
contra as queimadas e a seca, um programa operário e popular, o que só é
possível enfrentando o Estado capitalista. Não existe sustentabilidade dentro do
capitalismo!”
Fonte: Esquerda Diário
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