Nina
Lemos: ‘Banimento do X é triste, mas também histórico’
Apesar
do sentimento de perda, todos meus amigos tuiteiros sentem orgulho pelo Brasil
ter sido o primeiro país democrático a tomar uma medida forte contra Elon Musk,
que não esconde seu apego à extrema direita.
"Estou
rindo de euforia, mas quando vocês começarem a desaparecer, eu acho que vou
chorar." Esse foi um dos últimos posts que escrevi no Twitter, na
madrugada de sexta-feira (30/08) para sábado, antes que a rede fosse banida no
Brasil. "Hahahaha. Para com isso, a vida é muito maior que isso
aqui", respondeu o ex-deputado Jean Wyllys, uma das muitas pessoas que
conheci no Twitter e se tornaram meus amigos na vida real. É, isso existe. Eu tenho muitos amigos de
verdade que conheci na rede.
Sim,
sou uma usuária hard do Twitter (que virou X quando foi comprado por Elon Musk,
mas para nós sempre será o Twitter) há cerca de 18 anos, o que prova que eu
tenho (ou tinha) com a rede um dos relacionamentos mais estáveis e duradouros
da minha vida. E também tóxico, claro, já que não é nada legal ser viciada numa
rede social. E foi nela também que sofri, em 2022, ataques de ódio em massa de
apoiadores de Jair Bolsonaro. Mas o apego que tenho à minha turma do Twitter é
enorme. E acho que só quem "é do Twitter" é capaz de entender isso.
Por isso entrei em pânico na madrugada de sexta para sábado, quando soubemos
que a rede sairia do ar no Brasil. Como moro na Alemanha, minha rede
continuaria funcionando. Mas eu perderia contato com meus amigos da rede, onde
tenho mais de 40 mil seguidores, e 99,9% deles são brasileiros.
A
expectativa do fim começou na quarta-feira passada, quando o ministro do STF
Alexandre de Moraes deu 24 horas para que o bilionário Elon Musk, o dono do
Twitter que se acha dono do mundo (como já escrevi aqui), apresentasse um
representante legal no país. Musk respondeu fazendo birra, escrevendo na
própria rede que "Alexandre de Moraes era um ditador tirano e Lula era seu
bichinho". No X, uma contagem regressiva começou. As 24 horas acabariam às
20h de quinta-feira no Brasil. Nada aconteceu. Na sexta-feira à noite, portais
publicaram que agora era verdade. A Anatel já tinha sido notificada, e as
operadoras derrubariam em breve o acesso ao X.
Imediatamente,
um grande velório começou na rede. Foi tudo muito engraçado, e os memes e
piadas foram ótimos. "Desculpa, gente, mas comprar um VPN para acessar o
Twitter é como vender a TV para comprar droga. Seria interessante ter
calma", escreveu um usuário num post que viralizou. "Queria muito
saber a hora que o meu site vai afundar para que meu último tweet seja jogando
uma maldição naquele bilionário safado", escreveu a criadora de conteúdo
Bic Muller.
É,
enquanto Elon Musk e sua rede de seguidores extremistas espalhada mundo afora
gritavam que o Brasil estava sendo alvo de "censura" e tinha virado
"uma ditadura", todas as pessoas que eu conheço e/ou sigo apoiavam a
decisão da Justiça brasileira de suspender o Twitter. "Vocês têm noção do
quanto isso é gigante? Um país democrático colocando limite numa big tech que
tentou desestabilizar a democracia", escreveu a professora de filosofia e
tuiteira Biazita Gomes. O post teve 60 mil likes e foi compartilhado por mais
de 7 mil pessoas.
"Para
todos os meus colegas internacionais. O Twitter foi bloqueado no Brasil porque
a lei brasileira determina que qualquer empresa de mídia social que opere no
país tenha um representante legal. Elon Musk decidiu, propositalmente, não
fazê-lo", avisou, em inglês, a jornalista Natalia Vianna, diretora
executiva da Agência Pública.
É
difícil abrir mão de algo que se gosta e que, para além do vício, é, também uma
rede de informação e contatos. Mas, pelo menos na minha bolha, o respeito pela
democracia brasileira é mais importante. Ninguém que eu conheça acha que o país
deva aceitar os insultos, ofensas e descumprimentos da lei praticados por Elon
Musk sem fazer nada. E, apesar do sentimento de perda, sentimos orgulho pelo
Brasil ser o primeiro país democrático a tomar uma medida tão pesada contra
Musk, que não esconde seu apego à extrema direita e seu desprezo pela
democracia e as leis.
Acho
que a maioria dos meus amigos tuiteiros querem, sim, que a rede volte. Vamos
ser sinceros, para quem gosta de notícias, como nós, jornalistas e outros,
nenhuma outra rede se compara ao X. "Debate de candidatos à prefeitura de
SP para os exilados do Twitter é a sexta-feira à noite de quem tomou pé na
bunda", escreveu minha amiga Eva Uviedo, artista plástica, no Threads, uma
rede "estilo Twitter" que pertence à Meta e é conectada ao Instagram.
Com
o banimento do Twitter, milhares de brasileiros abriram contas no Blue Sky (uma
rede similar ao Twitter, mas com menos recursos) e no Threads. Por lá, tentamos
nos encontrar. Mas vamos ser sinceros. Não é a mesma coisa. Se eu estivesse sem
acesso ao X no domingo, não sei como teria acompanhado as eleições estaduais na
Alemanha, os protestos em Tel Aviv e o que mais aconteceu de importante no fim
de semana.
Espero
que a Justiça do Brasil não faça concessões ao Elon Musk. Mas também espero que
o milionário seja pressionado por investidores a voltar atrás e que o Twitter
esteja de volta na minha próxima ida ao Brasil. Ou antes.
• Imprensa alemã
repercute "batalha épica" entre Moraes e Musk
A
decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes de
suspender a operação do X (antigo Twitter) no Brasilapós a plataforma falhar em
cumprir ordens judiciais repercutiu na imprensa alemã. Jornais do país
destacaram o que chamaram de "batalha épica" entre Moraes,
classificado por um dos veículos como "polêmico", e o dono da rede
social, o bilionário Elon Musk.
<><>
Bild - "Perdedor", 02/09
O
juiz Alexandre de Moraes (55) [...] restringiu a liberdade de expressão no país
sul-americano. [...] Isso foi precedido por uma disputa com o chefe do X, Elon
Musk, por suspeita de censura no Brasil.
O
Bild diz: banir opiniões não é uma opção!
<><>
Der Spiegel - "O juiz que bloqueou a rede de Elon Musk no Brasil",
01/09
O
juiz brasileiro Alexandre de Moraes fechou a rede do proprietário do X, Elon
Musk. O bilionário insultou o magistrado por ter feito isso. Mas ele é
experiente e está preparado para a batalha.
É
uma batalha épica que está se desenrolando atualmente entre o jurista
brasileiro de 56 anos e o bilionário sul-africano de 53 anos. Com motivações
pessoais, especialmente do lado de Musk, mas se trata também de uma questão
geral, muito fundamental: Qual é a responsabilidade dos operadores de redes
sociais pelo conteúdo de suas plataformas, até que ponto eles podem ser
responsabilizados e até onde podem ir as consequências legais?
Ambos
afirmam querer proteger a democracia: Musk, que defende contas que publicam
notícias falsas com o argumento de defesa da liberdade de expressão, e Moraes,
que afirma querer proteger a democracia da corrosiva disseminação de mentiras
na Internet.
<><>
Agência DPA - "Disputa com Musk: juiz ordena o bloqueio do X no
Brasil", 31/08
Um
polêmico juiz federal no Brasil quer impor o bloqueio de contas no X por causa
de discurso de ódio e notícias falsas. O proprietário Elon Musk se recusa.
Agora o serviço deve ser bloqueado.
Depois
de uma disputa de meses com o bilionário da tecnologia Elon Musk, um juiz no
Brasil ordenou o bloqueio de sua plataforma X.
[...]
Ele
acusa o serviço X, sucessor do Twitter, de não tomar medidas suficientes contra
a disseminação de discursos de ódio e notícias falsas. Musk, por sua vez, se
refere à liberdade de expressão e chama o juiz de "ditador maligno".
<><>
Frankfurter Allgemeine Zeitung - "O rival de Musk no Tribunal
Constitucional", 31/08
Elon
Musk tem entrado em conflito com o juiz Alexandre de Moraes no Brasil há muito
tempo. Mas agora este respondeu com um golpe duplo.
Desde
sábado, a plataforma X está bloqueada no Brasil por ordem judicial. O bloqueio
ocorreu depois que o bilionário e proprietário da X, Elon Musk , se recusar a
nomear um representante legal para o país e a pagar multas pendentes.
<><>
Tagesschau.de - "Corte brasileira bane o X", 31/08
A
disputa de meses entre o serviço on-line X e o Supremo Tribunal Federal no
Brasil aumentou: a popular plataforma de notícias agora será bloqueada. Musk,
proprietário do X, fala de censura.
• STF mantém
bloqueio ao X
A
primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade,
manter a suspensão do X no Brasil em votação realizada nesta segunda-feira
(2/9).
A
decisão foi tomada por plenário virtual — em que os ministros colocam suas
decisões em um sistema eletrônico da Corte. O prazo final para decisão sobre a
questão do X era 23h59 desta segunda-feira.
O
bloqueio do X foi determinado por Moraes na sexta-feira (30/1) e implementado
pela Anatel no dia seguinte. Jornais brasileiros noticiaram que a portas
fechadas os ministros do STF pediram a Moraes que a decisão fosse colocada em
votação na primeira turma.
O
bloqueio do X desencadeou uma briga entre o X, do bilionário Elon Musk, e a
Justiça brasileira.
Alexandre
de Moraes determinou o bloqueio do X no Brasil — o que foi realizado pela
Anatel e por provedores de internet no país no fim de semana. A decisão de
Moraes prevê multa diária de R$ 50 mil para quem usar um serviço VPN, que
permite furar o bloqueio, para acessar o serviço.
O
STF tomou a decisão depois que o X anunciou que não acataria uma decisão
anterior, que determinava o bloqueio de terminadas contas que, segundo
inquérito brasileiro, disseminavam fake news e discurso de ódio. Além disso, a
empresa fechou seu escritório e deixou de nomear um representante legal no
país. As leis brasileiras exigem que um representante legal seja indicado.
Elon
Musk acusa Moraes de ser "um juiz falso e não eleito" e afirma que a
decisão do STF fere o direito à liberdade de expressão. Ele anunciou na semana
passada que a empresa não pretende acatar a ordem judicial.
No
fim de semana, o X lançou uma conta chamada "Alexandre Files", na
qual passou a divulgar decisões do ministro do STF que diz serem contra a lei
brasileira.
<><>
'Tamanho da conta bancária'
Nos
seus votos no plenário virtual, os ministros justificaram por que concordam com
a decisão de Moraes de bloquear o X.
"A
liberdade de expressão é um direito fundamental que está umbilicalmente ligado
ao dever de responsabilidade. O primeiro não vive sem o segundo, e vice-versa,
em recíproca limitação aos contornos de um e de outro", disse Dino em seu
voto.
"Com
a imperativa moldura da soberania, não é possível a uma empresa atuar no
território de um país e pretender impor a sua visão sobre quais regras devem
ser válidas ou aplicadas."
Para
o ministro, "o poder econômico e o tamanho da conta bancária não fazem
nascer uma esdrúxula imunidade de jurisdição."
"Assim
sendo, a ordem jurídica pátria não pode ser ignorada ou atropelada por nenhuma
outra 'fonte normativa', por mais poderosa que ela imagine ou deseje ser. O
arcabouço normativo da nossa Nação exclui qualquer imposição estrangeira, e são
os Tribunais do Brasil, tendo como órgão de cúpula o Supremo Tribunal Federal,
que fixam a interpretação das leis aqui vigentes."
"A
parte que descumpre dolosamente a decisão do Poder Judiciário parece
considerar-se acima do império da lei. E assim pode se transformar em outlaw
(fora da lei)"
Alexandre
de Moraes foi o primeiro a votar, ainda nas primeiras horas do dia. Ele citou o
anúncio feito por Elon Musk de que a decisão da Justiça brasileira não seria
acatada.
"Não
houve cumprimento; mais do que isso, anunciou-se a transgressão. Ordem judicial
pode ser passível de recurso, mas não de desataviado desprezo. O acatamento de
comandos do Judiciário é um requisito essencial de civilidade e condição de
possibilidade de um Estado de Direito", disse Moraes.
O
ministro também acusou Musk de demonstrar "total desrespeito à Soberania
brasileira e, em especial, ao Poder Judiciário, colocando-se como verdadeiro
ente supranacional e imune às legislações de cada País".
Moraes
destacou em seu voto que ordens semelhantes de bloqueio de perfis emitidas ao
Google e à Meta foram cumpridas.
Ele
também afirma que reconhece a Starlink — empresa de internet para locais
remotos, que opera no Brasil — e o X como todas pertencentes a um "grupo
econômico de fato" sob o comando de Elon Musk.
<><>
Motivos do bloqueio do X, segundo Moraes
Em
sua decisão da semana passada, Moraes disse que Musk e sua plataforma
incentivam discursos extremistas.
O
ministro afirmou que a plataforma estava sendo utilizada para "incentivar
as postagens de discursos extremistas, de ódio e antidemocráticos [...] com
real perigo, inclusive, de influenciar negativamente o eleitorado em
2024".
Essa
prática, segundo a decisão, poderia desequilibrar o resultado eleitoral por
meio de campanhas de desinformação, favorecendo grupos populistas extremistas e
comprometendo a integridade do processo democrático.
Em
um trecho de sua decisão, Moraes afirma que mesmo após o X ter sido intimado no
curso das investigações, Elon Musk teria continuado a promover discursos
antidemocráticos e de ódio contra a Corte. Segundo o magistrado, Musk confunde
liberdade de expressão com liberdade de agressão.
"Novamente,
Elon Musk confunde liberdade de expressão com liberdade de agressão, confunde
deliberadamente censura com proibição constitucional ao discurso de ódio e de
incitação a atos antidemocráticos", disse o despacho assinado pelo
magistrado.
Outro
motivo que fundamentou a decisão foi a suposta prática de obstrução de justiça.
Obstrução de justiça é quando alguém ou alguma empresa deliberadamente atua
para atrapalhar investigações ou o cumprimento de decisões judiciais.
Segundo
a decisão assinada por Moraes, as investigações teriam revelado que a rede X
estaria utilizando "mecanismos ilegais" para obstruir as
investigações conduzidas pela Justiça brasileira contra pessoas investigadas no
inquérito que apura a existência de milícias digitais.
Musk
e o X teria obstruído as investigações ao se recusarem a bloquearem perfis de
pessoas sob investigação.
"A
flagrante conduta de obstrução à Justiça brasileira, a incitação ao crime, a
ameaça pública de desobediência às ordens judiciais e de futura ausência de
cooperação da plataforma são fatos que desrespeitaram a soberania do Brasil e
reforçam à conexão da dolosa instrumentalização criminosa das redes
sociais", aponta a decisão.
O
terceiro motivo para a decisão foi a falta de um representante legal da empresa
X no Brasil, algo obrigatório segundo o Código Civil brasileiro.
A
legislação determina que qualquer empresa estrangeira que opere no Brasil
precisa manter representantes legais no país.
Segundo
a decisão, a falta de um representante legal adequado dificultou a aplicação
das decisões do STF.
Moraes
afirma ainda que a decisão de não ter representantes legais no país pode ter
sido parte de uma estratégia de Musk para evitar que o "X" fosse
responsabilizado ou tivesse que cumprir determinações do judiciário brasileiro.
"As
condutas ilícitas foram reiteradas na presente investigação, tornando-se
patente o descumprimento de diversas ordens judiciais pela X Brasil, bem como a
dolosa intenção de eximir-se da responsabilidade pelo cumprimento das ordens
judiciais expedidas, com o desaparecimento de seus representantes.
O X
acusou o STF e Alexandre de Moraes de ferirem o direito à liberdade de
expressão — e Elon Musk afirmou que as contas apontadas no inquérito da Justiça
não serão excluídas.
Fonte: Deutsche Welle/BBC News Brasil
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