quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Mais de um mês após reeleição de Maduro na Venezuela, Pacaraima registra aumento na entrada de migrantes no Brasil

Mais de um mês após Nicolás Maduro ser declarado eleito para o terceiro mandato na Venezuela, migrantes continuam fugindo para o Brasil em busca de melhores condições de vida. Em Pacaraima, cidade brasileira na fronteira, 10,8 mil venezuelanos entraram e ficaram no país no último mês - número 28% maior do que em julho e acima do registrado nos oito primeiros meses de 2024.

O g1 esteve na fronteira no dia 28 de agosto, quando completou um mês da eleição. No posto de triagem da Operação Acolhida, força-tarefa criada pelo governo federal para atender venezuelanos que entram no Brasil, havia ao menos 400 venezuelanos esperando em uma fila debaixo de tendas.

É neste cenário que muitos passam o dia organizados em fila, sentados com crianças, outros deitados enquanto aguardam pelo atendimento de regularização -- o que pode demorar até três dias. Em geral, caso tenha vagas, eles recebem apoio em abrigos públicos, do contrário, ficam nas ruas de Pacaraima. Atualmente, ao menos 370 migrantes entram no país por dia pela fronteira em Roraima.

Entre 28 de julho a 28 de agosto, a Polícia Federal recebeu 1.907 solicitações de refúgio de venezuelanos em Pacaraima, número 25% maior que o do mês que antecedeu as eleições no país vizinho. Além disso, foram 4.393 solicitações de residência no Brasil (quando o migrante pretende voltar para o país natal), um aumento de 9%.

•        👉 Maduro foi declarado reeleito para um terceiro mandato em 28 de julho. Entre os dias 28 de junho e 28 de julho de 2024, 8.477 migrantes venezuelanos entraram no Brasil por Pacaraima. Já entre o dias 29 de julho (após a eleição) e o dia 28 de agosto, foram 10.852 pessoas. Os números são da OIM, Agência da ONU para as Migrações, com base em dados da Polícia Federal.

Os até três dias para regularização migratória no Brasil são um tempo suficiente para emissão dos registros, conforme o coronel Fabrício da Silva Gonçalez, comandante da Operação Acolhida em Pacaraima.

"Na operação ele [migrante] vai ser direcionado ao posto de interiorização e triagem. Lá, ele vai passar por uma palestra, que chamamos de 'charla', que é ministrada pelas agências da ONU que atuam conosco. Nessa palestra, ele vai aprender as diferenças entre o status de refugiado e de residente temporário", explicou.

A incerteza dos migrantes

Diante da incerteza na Venezuela, os imigrantes vão chegando a Pacaraima. Um deles é o agricultor Deiiquin Delcine, de 30 anos, que morava na cidade venezuelana de San Félix, no estado de Bólivar, que se mudou para o Brasil.

Ao lado da esposa, Odalis Galdeia, de 46 anos, Delcine percorreu a pé o trajeto até Pacaraima, onde chegou na última segunda-feira (26), após uma semana de caminhada. O casal não participou das eleições por problemas com documentação - um outro reflexo da crise no país.

"O Maduro é algo que não queremos! Maduro deveria ficar no passado. Por culpa dele o país está como está. Se tivéssemos um presidente mais consciente, o país não seria assim. Teria emprego, teria alimento, como em outros países. Trocando o presidente teríamos até esperança para melhorar as coisas, mas não foi o que aconteceu", disse Delcine, sobre o porquê decidiu migrar.

Vestido com uma camisa da bandeira do Brasil, alusiva ao 7 de Setembro, que ele conseguiu em Santa Elena, cidade venezuelana na fronteira, o migrante classifica a situação no país como desesperadora.

<><> 'O povo continua sem esperança'

Como Deiiquin havia acabado de chegar ao Brasil, ele não sabia onde ele e a esposa iriam pernoitar no último dia 26. Ainda em Pacaraima, o g1 encontrou novamente com ele, dessa vez à noite, por volta das 20h.

Sem ter um local adequado para dormir, ele a esposa se sentaram na calçada de uma loja, onde passariam a noite. Os dois foram atendidos pela operação Acolhida, conseguiram o documento de permissão para ficar no Brasil, mas foram informados que ainda não tinha vaga no abrigo da Operação Acolhida.

Vestido com as mesmas roupas de quando cruzou a fronteira, Deiiquin conseguiu um lugar para deixar as malas e pagou R$ 50 para que as bagagens fossem colocadas em local seguro.

O migrante avalia que se outro presidente tivesse ganhado, poderia até ter "esperança para ficar" no país natal. Mas, como "nada mudou" após as eleições, "o clima ainda é de caos".

"Depois das eleições, nada mudou, a Venezuela segue igual. Continua sem trabalho, o povo continua sem esperança, sem comida... Vim aqui para arrumar um emprego. Quero ver se consigo me viver bem aqui, pois lá a situação está difícil", disse.

Um dos migrantes que aguardava na fila da regularização migratória era Vicencio Gonzales, de 47 anos. Ele trabalhava como taxista na cidade venezuelana de Chaguaramas e estava há dois dias no Brasil quando quando conversou com o g1. Gonzales falou que a situação econômica, que se agravava a cada dia, e a permanência de Maduro no poder o fizeram ir embora de casa.

"Nicolas Maduro ganhou as eleições? Ele não ganhou! Nós temos sentimentos de tristeza pois uma eleição é um momento de mudança, de esperança. Acredito que o que aconteceu foram eleições roubadas", disse o taxista ao g1.

<><> 'Nós queremos seguir adiante'

A ideia de Gonzales é conseguir um emprego no Brasil. Enquanto aguarda a documentação, ele fica na casa de um conhecido em Pacaraima. O taxista migrou com um filho, uma filha e a esposa. Um cunhado dele já estava no Brasil, e atualmente vive em Santa Catarina.

"O que me fez sair foi a situação econômica. A situação está precária na Venezuela. Nós estamos aqui pois não aguentamos mais. Estamos buscando oportunidade, novos horizontes. Aqui nós queremos seguir adiante. Queremos ter um futuro. Queremos viver em um país tranquilo, sem problemas sérios... queremos trabalho, muito trabalho para sustentar as necessidades que não podemos sustentar na Venezuela".

<><> 'Seria muito bom se as coisas mudassem'

Já o migrante Javier Marcano, de 39 anos, era eletricista em Puerto Ordaz, onde deixou os filhos com a mãe. Ele havia chegando ao Brasil duas semanas antes. Quando conversou com o g1, estava bem na fronteira do Brasil com a Venezuela, onde buscava sinal de celular para falar com a família.

Ao entrar no Brasil, ele conta que dormiu na fila apenas no primeiro dia e conseguiu um lugar no abrigo nas outras noites.

"Eu não entendo muito de política, mas sei que a situação está feia na Venezuela, não tem trabalho, não tem comida e a gente precisa disso pra viver. Seria muito bom se as coisas mudassem, não sei se trocando o presidente isso iria acontecer, mas todos torcemos por uma mudança no nosso país natal".

<><> 'A economia está muito ruim e isso me fez sair'

Quem também não votou nas eleições foi Veronica Tarif, de 42 anos. Ela era cozinheira em Puerto Ordaz. No dia das eleições, já estava em Pacaraima com os três filhos. Decidiu ir embora da cidade natal em razão da escassez de alimentos, falta de oportunidades de trabalho e também a busca por uma educação melhor aos filhos.

"Saímos por conta da situação econômica na Venezuela. Não tem abastecimento de nada para manter nossos filhos. A educação está também muito ruim, muitos professores já não dão mais aulas. Então, vim aqui para trabalhar e para os meninos estudarem. A economia está muito ruim e isso me fez sair da minha Venezuela".

"Vim antes das eleições. Para mim, a vitória do Maduro é algo triste. Não votei, pois não tenho meus documentos atualizados. Para mim, foram eleições fraudadas".

Um dos impactos da crise venezuelana também é relacionada ao acesso à documentos pela população do país. Com a escassez de tudo e dificuldades impostas pelo governo chavista, moradores sequer conseguem regularizar o passaporte ou atualizar a identidade.

"Historicamente, nesses últimos anos, o acesso à documentação na Venezuela tem sido bastante complexa. Não à toa, o Brasil tem como prática aceitar a documentação que essas pessoas têm em mãos, além de aceitar, em alguns casos, até documentação vencida, como é o caso de passaporte, porque a produção documental e a relação das pessoas com as autoridades tem sido bastante complexa nos últimos anos", resume o pesquisador e diretor do Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal de Roraima (UFRR), João Carlos Jarochinski Silva.

<><> Eleições na Venezuela

Maduro foi declarado reeleito para um terceiro mandato em 28 de julho. Naquele dia, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) disse que o presidente havia vencido as eleições com pouco mais de 50% dos votos.

Entretanto, a oposição garante que o candidato Edmundo González venceu com ampla vantagem, com base nas atas eleitorais impressas pelas urnas de votação.

Desde então, a Venezuela enfrenta uma onda de protestos. A comunidade internacional também está pressionando as autoridades venezuelanas a divulgar as atas das urnas, para dar transparência ao processo eleitoral.

Na segunda, (2), o Ministério Público da Venezuela pediu para que a Justiça emita um mandado de prisão contra González. Segundo o MP, o pedido foi motivado após ele ignorar três intimações para prestar depoimento. O órgão é aliado do presidente Nicolás Maduro e controlado por chavistas.

 

Fonte: g1

 

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