quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Fracasso dos EUA no Afeganistão fez do país um 'ninho' para o terrorismo internacional, diz analista

Sem uma estratégia inteligente, a intervenção militar dos Estados Unidos no Afeganistão fez com que o Talibã (organização sob sanções da ONU por atividade terrorista) e a Al-Qaeda (organização banida na Rússia) se tornassem poderosos após a retirada desastrosa de pessoal de Washington, de acordo com um ex-chefe do Exército afegão.

O envolvimento militar norte-americano serviu para fortalecer o terrorismo global em vez de combatê-lo, com o ressurgimento da Al-Qaeda e do Talibã no Afeganistão servindo como o exemplo mais recente.

O ex-vice-chefe do Estado-Maior do Exército Nacional Afegão, Sami Sadat, fez a afirmação durante uma entrevista à Fox News publicada no domingo (1º).

"Há 50.000 membros da Al-Qaeda e associados da Al-Qaeda no Afeganistão — a maioria deles foi treinada para operações no exterior nos últimos três anos", disse Sadat que, como muitos ex-membros da segurança afegã, treinou em uma academia militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

"Permitir que [a Al-Qaeda] retomasse o Afeganistão com o Talibã em 2021 deu a eles um novo chamado para se reunirem. Este é agora seu centro [de operações] mais importante", escreveu Sadat em um livro lançado no mês passado. "A Al-Qaeda não apenas sobreviveu, mas se adaptou às políticas de mudança das administrações norte-americanas, esperando o Ocidente sair do Iraque e do Afeganistão e observando os EUA atacarem seus rivais do Daesh [organização terrorista proibida na Rússia e em vários outros países] no Oriente Médio."

A Fox News não conseguiu verificar os números citados pelo ex-chefe militar, mas outros observadores alegaram que a notória organização terrorista está "se expandindo" e "prosperando" no país da Ásia Central, financiando-se por meio de receitas de contrabando, mineração e tráfico de drogas. A Al-Qaeda é mais conhecida por planejar e executar os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos.

Um helicóptero Chinook dos EUA sobrevoa a Embaixada dos EUA em Cabul, Afeganistão, 15 de agosto de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 18.08.2024

<><> Idealismo e ideologia selaram fracasso dos EUA no Afeganistão, diz analista

O presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou em 2021 que o grupo não estava mais presente no Afeganistão, apenas para ser corrigido logo depois por seu próprio Departamento de Defesa, que observou que os combatentes da Al-Qaeda e do Daesh permanecem no país. Os Estados Unidos gastaram mais de US$ 2,3 trilhões (cerca de R$ 12,9 trilhões) ao longo de cerca de 20 anos no Afeganistão, com Biden chamando a intervenção malfadada de "a guerra mais longa da história norte-americana".

O Exército dos EUA passou por uma reestruturação nos últimos anos em meio à queda no recrutamento, à medida que o Pentágono muda seu foco das operações de contraterrorismo no Oriente Médio para uma guerra prevista no Pacífico com a Rússia ou a China.

"A guerra [no Afeganistão] foi perdida não porque o Talibã era forte, mas porque por 20 anos não foi tratada como uma guerra, mas como uma intervenção de curto prazo", escreveu Sadat, que atualmente reside em Londres. "O Afeganistão se tornou mais uma vez um ninho de terrorismo internacional, sob a proteção do Talibã."

O Talibã foi legitimado aos olhos de muitos afegãos por seu papel na resistência à ocupação dos EUA de duas décadas. O Talibã chegou ao poder originalmente com a ajuda dos Estados Unidos, que financiaram combatentes do Talibã ao longo da década de 1980 para resistir à República Democrática do Afeganistão apoiada pelos soviéticos.

O grupo é vilipendiado por muitos por seu conservadorismo social e fundamentalismo religioso. Autoridades do Talibã indicaram recentemente que as escolas para meninas no Afeganistão permanecerão fechadas; autoridades dos EUA frequentemente justificam a intervenção norte-americana no país sob o pretexto de proteger os direitos das mulheres.

Os Estados Unidos supostamente investiram milhões de dólares para modernizar a indústria de mineração do Afeganistão durante sua ocupação, com resultados limitados. A análise do veículo investigativo ProPublica revelou pelo menos US$ 17 bilhões (cerca de R$ 95,4 bilhões) em "gastos questionáveis" durante a guerra e o esforço de reconstrução. Uma auditoria recente do Pentágono descobriu que o Departamento de Defesa dos EUA não pode contabilizar 63% de seus quase US$ 4 trilhões (aproximadamente R$ 22,4 trilhões) em ativos.

O ex-presidente dos EUA, George W. Bush, presidiu uma invasão dos EUA ao Afeganistão em 2001, mesmo quando o então Talibã governante se ofereceu para ajudar a localizar e entregar o suposto mentor do 11 de setembro, Osama bin Laden. Um estudo da Universidade Brown descobriu que pelo menos 4,5 milhões de pessoas foram mortas direta ou indiretamente pela "Guerra ao Terror" liderada pelos EUA, o que levou a um colapso na infraestrutura em várias "zonas de guerra pós-11 de setembro".

Enquanto isso, as Forças Armadas dos EUA vivenciaram uma epidemia de suicídios com o estudo descobrindo que "pelo menos quatro vezes mais militares da ativa e veteranos de guerra de conflitos pós-11 de setembro morreram de suicídio do que em combate".

O fracasso dos Estados Unidos em combater o terrorismo com sucesso levou muitos países a se voltarem para Moscou em busca de assistência, com governos em toda a região do Sahel na África se tornando os mais recentes a empregar a ajuda da empresa militar privada russa, o Grupo Wagner.

¨      Desastrosa retirada dos EUA do Afeganistão vira arma republicana, mas papel de Trump é omitido

No terceiro dia da Convenção Nacional Republicana, que oficializou Donald Trump pela terceira vez como candidato do partido à Presidência, um dos eventos mais marcantes foi protagonizado por 13 famílias de militares que morreram na catastrófica retirada americana do Afeganistão, em agosto de 2021.

Com fotos dos parentes, eles evocaram cantos de “EUA, EUA” da plateia, contaram suas histórias e, especialmente, criticaram o presidente Joe Biden.

— Olhe para nossos rostos. Veja nossa dor e nosso desgosto. E olhe para a nossa raiva. [A retirada do Afeganistão] não foi um sucesso extraordinário — disse Cheryl Juels, tia de Nicole Gee, uma das 13 vítimas militares dos EUA mortas em um atentado do lado de fora do aeroporto de Cabul, em agosto de 2021, que ainda matou 170 civis. —Joe Biden tem uma dívida de gratidão e um pedido de desculpas aos homens e mulheres que serviram no Afeganistão.

Christy Shamblin, madrasta de Gee, disse que Biden jamais disse os nomes de seus filhos, sobrinhos e enteados em público — apesar do democrata ter prestado algumas homenagens desde o ataque.

— Joe Biden se recusou a reconhecer seu sacrifício. Donald Trump sabe os nomes de todos eles. Ele conhece suas histórias — afirmou Shamblin sob aplausos.

O ataque no aeroporto de Cabul foi o capítulo mais grave de uma sequência de erros, fracassos e mortes no processo de saída dos Estados Unidos do Afeganistão, inicialmente previsto para maio daquele ano, mas adiado para o final de agosto.

Funcionários foram retirados às pressas, no momento em que as tropas do Talibã se aproximavam da capital e pareciam estar mais perto do que nunca de retomar o poder perdido após o início da guerra, em outubro de 2001. A confusão na emissão de vistos e permissões de saída para os afegãos que trabalharam para os EUA e aliados ao longo das últimas duas décadas provocou pânico generalizado: afinal, o retorno da milícia poderia significar a morte de todos que colaboraram “com as forças da invasão”.

No aeroporto da capital afegã, milhares de pessoas se acotovelavam nos portões em busca de um lugar nas aeronaves militares, mesmo sem documentos — muitos não pensaram duas vezes antes de se lançar em um canal de esgoto que corria junto aos muros, para tentar chegar mais perto dos soldados que faziam a triagem.

Neste cenário de caos, o grupo terrorista Estado Islâmico lançou um de seus ataques mais violentos no país, com um homem-bomba detonando explosivos em uma das entradas do terminal, o Portão Abbey. Ao todo, 183 pessoas morreram, incluindo 170 civis e 13 militares. Em resposta, foram lançados ataques com drones contra posições do Estado Islãmico e contra a casa de uma família que tinha vistos americanos, deixando 10 mortos, entre eles 7 crianças.

Jamais foi feito um pedido de desculpas.

— Nenhum general foi demitido no momento mais embaraçoso da história do nosso país, o Afeganistão, onde deixamos para trás bilhões de dólares em equipamentos; perdemos 13 lindos soldados. E por falar nisso, também deixamos pessoas para trás. Deixamos os cidadãos americanos para trás — disse Donald Trump, durante o debate com Biden, no final de junho.

Mas os republicanos parecem ter se esquecido, ou deliberadamente omitido, o papel de Trump. Um ano e meio antes, representantes dos EUA e do Talibã acertaram um acordo firmando um prazo para a saída das tropas americanas, estabelecendo que a segurança nacional estaria a cargo das forças afegãs, e determinando que a milícia iniciaria conversas para um cessar-fogo e a formação de um governo de união. Trump chegou a conversar por telefone com o principal negociador talibã, o mulá Abdul Ghani Baradar.

— Eles estão lidando com o Afeganistão, mas veremos o que acontece. Tivemos uma conversa muito boa com o líder do Talibã. Nós não queremos violência — disse Trump a repórteres em março de 2021.

Na prática, o Talibã deu início a uma rápida ofensiva que, em questão de meses, dominou quase todo o país, sem resistência, posicionando suas forças nos arredores de Cabul em agosto de 2021, quando os americanos estavam em meio à retirada.

Para analistas, além dos erros de planejamento de Biden, as muitas lacunas no acordo firmado por Trump permitiram o avanço da milícia e a catástrofe que se seguiu, com o país hoje de volta ao controle de um grupo fundamentalista que limita os direitos das mulheres e reprime boa parte da população, seguindo uma versão deturpada do islamismo. .

— O acordo de Doha foi muito fraco, e os EUA deveriam ter obtido mais concessões do Talibã — disse à Associated Press Lisa Curtis, especialista em Afeganistão e integrante do Conselho de Segurança Nacional no governo Trump. — E foi uma negociação injusta, porque ninguém estava protegendo os interesses do governo afegão.

Curtis acredita que houve um excesso de otimismo nas intenções do Talibã de cumprir o que foi acordado. A percepção de que o governo do então presidente Ashraf Ghani foi escanteado no processo contribuiu, segundo ela, para que muitos funcionários da administração federal, incluindo o próprio Ghani, não pensassem duas vezes antes de fugir para o exterior.

Aliados de Biden também argumentam que Trump deixou o posto em janeiro de 2021 sem um plano estabelecido para a retirada.

As citações ao Afeganistão pelos republicanos, de forma negativa, não deixam de carregar um simbolismo sobre a mudança no partido nas últimas duas décadas e meia. Em 2004, o então presidente George W. Bush, que ordenou a invasão do Afeganistão, foi aclamado na Convenção Nacional em Nova York justamente por ter iniciado o conflito que drenaria trilhões de dólares nos anos seguintes.

Bush também era celebrado pela invasão ao Iraque, iniciada em março de 2003, sob argumentos (falsos) de que o regime de Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa. Saddam caiu naquele mesmo ano, o país se afundou em uma guerra civil e serviu como berço para o surgimento de organizações terroristas, como o Estado Islâmico.

Em seu discurso na quarta-feira, J.D. Vance, vice na chapa de Trump e que já lutou no país árabe, se referiu ao conflito como “desastroso”, e ressaltou o apoio de Biden, então senador, à invasão, que na época teve o aval…do próprio Trump.

<><> Trump diz que ajuda dos EUA à Ucrânia 'esvaziou arsenais' e tornou país mais vulnerável

O ex-presidente dos EUA, Donald Trump, e candidato republicano nas eleições à Casa Branca afirmou neste domingo (1º) que a ajuda à Ucrânia esvaziou os arsenais de armas norte-americanos e tornou o país vulnerável.

"Declararam que temos muito poucas munições. Quando assumi o cargo, disseram que não tínhamos munições. Eu perguntei: 'Primeiro, quem é essa pessoa estúpida que está dizendo isso?' Pode ser dito a mim e a algumas outras pessoas, mas quem diz que os EUA não têm munições está anunciando isso para o mundo todo. Demos muito para a Ucrânia, bilhões de dólares em armas. Eu reestruturei nosso exército, reabasteci os estoques de munições, tínhamos muito, e agora não temos munições. Como você se sentiria se estivesse na pele de Xi Jinping [presidente da China], ouvindo que os norte-americanos não têm munições? Estamos muito vulneráveis", disse Trump em uma entrevista à mídia do país.

A Rússia considera que o fornecimento de armas ao regime de Kiev impede uma resolução do conflito, além de envolver diretamente os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) no conflito.

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, observou que qualquer carga que contenha armas para a Ucrânia se tornará um alvo legítimo. Segundo o chanceler, os EUA e a OTAN estão envolvidos diretamente no conflito, não apenas através do fornecimento de armas, mas também na formação de pessoal em territórios como Reino Unido, Alemanha, Itália e outros países.

O Kremlin afirmou também que o abastecimento de armas para a Ucrânia pelo Ocidente não contribui para as negociações e terá um efeito negativo.

 

Fonte: Sputnik Brasil/O Globo

 

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