quinta-feira, 12 de setembro de 2024

A quarta idade da memória

“Equilíbrio termodinâmico”, assim Erwin Schrödinger, físico, ganhador do Prêmio Nobel e um dos pais da mecânica quântica, define, em suas lições sobre a vida, a morte. Segue-se que a vida é desequilíbrio termodinâmico, e que viver consiste numa questão de passagem de calor, tanto físico quanto emocional, que tanto mais passa quanto menos reinam a estagnação e a uniformidade. Schrödinger também fala em “entropia negativa”, afirmando que é exatamente disso que a vida se alimenta. Tudo, de fato, tende para o estado caótico chamado entropia, que é ausência de estrutura e ordem (a entropia máxima é a morte), mas viver significa contrariar essa tendência à desordem introduzindo dentro de si entropia negativa, ou seja, ordem.

Escreve: “Aquilo de que um organismo se nutre é a entropia negativa". Daí decorre um curioso paradoxo: morrer é um equilíbrio desordenado, viver é uma ordenada ausência de equilíbrio. Ou seja, viver, para usar a conhecida metáfora, é como andar de bicicleta: perder o equilíbrio com a pedalada direita para recuperá-lo imediatamente com a pedalada esquerda, enquanto querer estar perpetuamente em equilíbrio significaria cair. Claro que na vida nem sempre se pedala da mesma forma, mas de acordo com as fases de existência. Quantas são essas fases? Geralmente pensa-se apenas em três: infância, idade adulta, velhice. Isso é o que pensavam os antigos gregos, como fica claro no enigma que a Esfinge apresentou a Édipo às portas de Tebas: “Qual ser, com uma só voz, tem ora duas pernas, ora três, ora quatro, e fica mais fraco quanto mais tem?”.

Édipo respondeu: “O homem, que criança anda de quatro, adulto fica sozinho e velho se apoia em um pedaço de pau" (arrasada pela resposta correta, a Esfinge se jogou em um penhasco e os tebanos recompensaram Édipo proclamando-o rei, mas para ele teria sido melhor não se tornar rei). Giorgione retomou em 1501 a divisão no seu belíssimo quadro Três idades do homem, uma obra que quase certamente inspirou Ticiano que por sua vez pintou As três idades do homem em 1514. E em nossos dias aparece esta poesia de Dario Bellezza: “Passageira é a juventude / um sopro, a maturidade / avança terrível a velhice / e dura uma eternidade". Trata-se apenas de alguns exemplos da abordagem que ainda hoje é majoritária no Ocidente segundo a qual a vida humana tem um ciclo de vida dividido em primeira, segunda e terceira idades.

Segundo a espiritualidade indiana, porém, existem quatro fases da vida, as chamadas “ashramas” que, em vez de anos, são descritas pela atividade.

  • A primeira é caracterizada pela aprendizagem e tem o estudante como figura simbólica,
  • a segunda pelo trabalho e é simbolizada pelo pai de família,
  • a terceira é chamada de “retirada na floresta” e coincide com a cessação dos deveres e a dedicação ao estudo e à meditação,
  • a quarta é, por fim, marcada por total desinteresse pelo mundo e tem como figura simbólica o asceta errante que deixa de lado todo desejo de viver e de morrer e simplesmente espera que se cumpra o seu tempo.

Devido ao prolongamento da vida, a divisão em quatro fases está agora presente também entre nós, dado que distinguimos cada vez mais o período de tempo caracterizado pela aposentadoria do trabalho acrescentado à terceira também a quarta idade, fazendo com que esta última coincida com a velhice propriamente dita e seus achaques físicos e mentais. Claro que mesmo na última fase é preciso pedalar seguindo a lógica da vida que requer desequilíbrio termodinâmico. Mas qual é a pedalada que caracteriza a quarta idade?

Como ainda não cheguei lá, recorro a quem já teve experiência, reportando-me a Norberto Bobbio, que aos 87 anos publicou um ensaio intitulado, retomando Cícero, De senectute. Nele descreve a partir de dentro o mundo dos “velhos”, escolhendo chamá-los exatamente assim, "velhos", não “idosos”, termo este que em sua opinião é neutro e não tem conotação de velhos, e por isso é usado cada vez mais por pressão da economia que faz de quem vive a terceira e também a quarta idade “um cortejadíssimo usuário da sociedade de consumo, portador de novas demandas de bens”.

Pois bem, segundo Bobbio “o mundo dos velhos, de todos os velhos, é o mundo da memória”. Cada um de nós no final, quando alcança à última parte da vida, consiste nas suas ações, nos seus afetos, nos seus pensamentos, mas Bobbio acrescenta: “Você é o que você lembra”. Para ele, de fato, quando se envelhece, se vivencia o tempo à insígnia do passado, vive-se no passado e do passado. Resulta, portanto, decisiva a memória, sobre a qual escreve o filósofo: “Recordar é uma atividade saudável”. É saudável porque “na lembrança você reencontra a si mesmo, a sua identidade, apesar dos muitos anos que passaram, dos mil acontecimentos vivenciados”. E continua dirigindo-se a um “você” que pode ser o leitor, mas também o seu eu: “Você encontra os anos perdidos, as brincadeiras de quando era menino, os rostos, a voz, os gestos dos seus colegas de escola, os lugares, especialmente aqueles da infância, os mais distantes no tempo, mas mais nítidos na memória".

Cultivar a memória é para Bobbio um ato saudável, e a veracidade disso é confirmada pela nossa língua que conhece três verbos a esse respeito: recordar, rememorar e relembrar, dos quais etimologicamente o primeiro refere-se ao coração, o segundo à mente, o terceiro aos membros juntos, como se dissesse que é todo o nosso organismo, alma e corpo, que é revitalizado pelo calor das lembranças que fluem da memória.

O cultivo da memória é, portanto, essencial para a idade avançada, e é por ela que nessa fase é preciso pedalar na bicicleta da vida. Que eu saiba, as palavras mais belas sobre a memória foram escritas por Santo Agostinho no livro X das Confissões, eis aqui algumas delas: “no grande palácio da memória encontram-se aí, à minha disposição, céu, terra e mar, com aquilo tudo que neles colher com os sentidos, excetuando-se apenas o que esqueci. É aí que encontro a mim mesmo, e recordo as ações que realizei, quando, onde e sob que sentimentos as pratiquei. Aí estão também todos os conhecimentos que recordo". Ainda: “É grande realmente o poder da memória, bem grande, ó meu Deus. É um santuário imenso, ilimitado. Quem poderá atingir-lhe a profundeza? E essa força pertence ao meu espírito, faz parte de minha natureza; e na realizada não chegou a aprender tudo o que sou. Isso muito me admira e me espanta".

Pode-se crer ou não crer em Deus, ou melhor, num Deus, mas cultivar esse espanto permanente diante do milagre da vida, do milagre da mente e da sua capacidade de memória, é sem dúvida uma excelente forma de estar no mundo, ainda mais quando temos consciência de que para o nosso “ser” está chegando o fim. Nunca se deve, de fato, esquecer a advertência de Cícero: “Cada idade da vida é pesada para quem não encontra em si mesmo algo que o ajude a viver feliz”. Encontrar “em si mesmo”: o jogo é totalmente interno. Precisamente por isso existem jovens tristes e desanimados, e idosos felizes e ainda capazes de sorrir com alegria para a vida.

 

Fonte: Por Vito Mancuso, no La Stampa – tradução de Luisa Rabolini, em IHU

 

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