Selic: por que Lula
não para de falar nos juros?
Desde
janeiro, o presidente Lula vem repetindo a mesma crítica à alta dos juros, que
estão em 13,75% por determinação do Banco Central (BC). A entidade anuncia
nesta quarta (3) o resultado da terceira reunião do ano para definição da Selic
(a taxa básica de juros), e o mais provável é que o valor seja mantido apesar
das críticas do governo.
Lula
criticou a taxa em evento recente em 1º de maio, falou sobre o assunto em suas
viagens internacionais, nas diversas entrevistas que deu desde que assumiu o
cargo e tem comprado uma briga pública com o
presidente do Banco Central, o economista Roberto Campos Neto. Vindo do setor
privado, Campos Neto trabalhou no Santander e foi indicado por Bolsonaro em
2019. Seu mandato vai até o final de 2024.
É
o Banco Central, através do Copom (Comitê de Política Monetária), que determina
a taxa de juros como um dos principais mecanismos para controlar a inflação. O
objetivo do BC é manter a inflação dentro da meta, que por sua vez é
determinada por um grupo formado pelo Banco Central e pelos ministérios da
Fazenda e do Planejamento.
O
presidente tem afirmado que não existe explicação para uma taxa de juros que
considera alta demais, que ela tem impedido o crescimento e afirmando que a
taxa é "parcialmente responsável" pelo desemprego no país. O líder do
Senado, Rodrigo Pacheco, já disse ser favorável a uma taxa menor e recentemente
Lula conseguiu o apoio da deputada Tabata do Amaral (PSB), que sempre defendeu
pautas mais liberais na economia.
Já
o Banco Central afirma que a taxa precisa ser mantida neste patamar senão a
inflação sairia do controle. O presidente do Banco Central também afirmou que a
aprovação de um arcabouço fiscal que garanta controle nas contas públicas é um
dos fatores que permitiria a queda dos juros sem que a inflação suba demais.
A
alta dos preços não é algo que beneficia o governo e a queda de braços com o
Banco Central gera incertezas na economia, segundo analistas ouvidos pela BBC.
Porque então Lula tem insistido tanto no tema dos juros? Porque a queda dos
juros é tão importante para o governo neste momento?
·
Onde o governo e o Banco Central discordam
Manter
a inflação dentro da meta é um dos três pilares da estabilidade econômica
brasileira desde a implantação do Plano Real nos anos 1990. E a taxa de juros é
o principal mecanismo para esse controle.
A
taxa de juros alta é um método de segurar a inflação pois desincentiva o uso do
crédito no mercado - com menos crédito, há menos investimento e menos consumo,
desaquecendo a economia e diminuindo a demanda por produtos e serviços, o que
faz os preços caírem.
A
Selic, atualmente em 13,75% ao ano, se mantém em um patamar alto desde junho de
2022. E o Brasil tem um dos maiores juros reais do mundo, segundo levantamento
do MoneYou com a Infinity Asset Management.
O
entendimento do governo, segundo o próprio presidente, é que a atual taxa de
juros definida pelo Banco Central está alta demais, freando demais o
crescimento do país. Segundo essa visão, haveria "espaço de manobra"
para diminuí-la - e aquecer a economia - sem perder a inflação de controle.
"Eu
digo todo o dia: não tem explicação para nenhum ser humano do planeta Terra a
taxa de juro no Brasil estar a 13,75%. Não existe explicação", disse Lula
durante visita a um complexo da Marinha no Rio de Janeiro.
Além
de aumentar o emprego, explica o economista Sergio Vale, da MB Associados, o
crescimento amplia a arrecadação estatal e portanto a capacidade do governo
cumprir as promessas de campanha - que no caso de Lula, incluíam a diminuição
da desigualdade e aumento do investimento em saúde e educação.
No
entanto, na visão de Vale, o risco de diminuir os juros neste momento é a
inflação se consolidar em um patamar elevado e exigir que a taxa seja ainda
maior no longo prazo para "conter uma inflação desenfreada".
"Inflação
elevada corrói a renda e quem sofre mais é a população de baixa renda",
diz ele.
O
Banco Central defende que a explicação para os juros altos mesmo em um cenário
de desaceleração econômica é o histórico brasileiro de hiperinflação, de grande
volatilidade dos preços e de alto endividamento público.
A
previsão do BC é que uma pequena variação nos juros poderia ter um efeito de
estímulo muito grande levando a uma espiral inflacionária difícil de conter.
Lula
chegou a afirmar que, se a meta de inflação de 3% para o ano que vem está
difícil de cumprir, é preciso mudar a meta - no que foi entendido como uma
sinalização de que o governo acha aceitável trabalhar com uma inflação um pouco
maior para ter um maior crescimento.
A
visão econômica do BC é que isso não é aceitável - algo com o que economistas
que seguem uma cartilha econômica mais tradicional tendem a concordar.
"Um
cenário de 4% a 6% pode parecer aceitável, mas é um perigo, porque as
expectativas de inflação sobem e todos começam a olhar para esse cenário e
reajustar os preços agora", afirma Vale.
"Por
causa da indexação da economia, você gera uma espiral explosiva, é o que a
gente chama de conteúdo inercial da inflação", explica a economista
Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências,
O
governo tem argumentado que mesmo países como os EUA, que também aumentaram os
juros para conter a inflação, não têm mantido uma taxa tão alta. Campos Neto
afirmou que, devido ao nosso histórico, o Brasil precisa se comparar com outros
países da América Latina e não com os EUA.
Sergio
Vale concorda com essa visão, que segue uma cartilha econômica mais
tradicional, de que é preciso esperar para diminuir a taxa de juros.
"Existe
espaço para uma diminuição, mas não neste momento e não desta forma que o
governo tem feito, com pressão em cima do Banco Central", diz ele.
"Minha
previsão é de que a taxa de juros caia no segundo semestre. Com a inflação
cedendo e um esforço para irmos no caminho correto, pode chegar a 10% no final
do ano que vem. Mas o governo precisa ter paciência", diz ele.
Alessandra
Ribeiro, da Tendências, diz que os juros de equilíbrio, ou seja, os juros para
manter a inflação sob controle, precisa ser mais alto no Brasil por causa de
uma série de questões estruturais.
"O
Brasil tem um alto nível de endividamento público, alto nível de risco, baixo
nível de poupança e outros elementos estruturais que elevam os juros de
equilíbrio", diz ela. "Precisamos ver as causas, ou seja, o que nos
falta em comparação com outros países que têm juros menores, não ficar
criticando o Banco Central."
·
Questão política
Analistas
têm apontado que, além da disputa sobre questões econômicas, há fatores
políticos envolvidos na atual insistência de Lula em falar sobre os juros.
Uma
pesquisa do Instituto Datafolha, feita entre 29 e 30 de março e divulgada no
dia 3 de abril, apontou que 80% dos brasileiros afirmam que Lula está certo ao
dizer abertamente que o Banco Central deve baixar a taxa básica de juros e que
71% acredita que a taxa está mais alta do que deveria ser. É uma opinião
compartilhada mesmo por eleitores que votaram em Bolsonaro - 77% desses
eleitores acham que os juros são maiores do que deveriam.
Ou
seja, é um assunto no qual Lula consegue obter apoio mesmo entre quem não é seu
apoiador político - algo valioso em um cenário de polarização.
Analistas
também afirmam que ter uma disputa pública com o Banco Central - cujo
presidente foi indicado por Bolsonaro - também é uma forma de evitar que a
insatisfação do público com o cenário de desaceleração recaia sobre o governo
que está começando.
Sergio
Vale lembra que as expectativas já eram de que 2023 fosse um ano de pouco
crescimento da economia, independentemente do presidente que fosse eleito.
"Um
cenário de desaceleração - que a gente já sabia que ia acontecer
independentemente de ser Lula ou Bolsonaro - não gera popularidade. Nesse
sentido, a briga pública com o Banco Central pode ser uma forma de apontar um
responsável e evitar que a culpa, aos olhos da população, caia sobre o atual
governo", avalia.
·
Outros fatores
A
demanda que vem com o crescimento da economia é um dos componentes da inflação,
mas não é o único. Existem outros fatores que influenciam e também estão no
cerne da disputa do governo com o Banco Central.
A
inflação também pode ser resultado de problemas na oferta, ou seja, crises ou
dificuldades na produção de bens e oferta de serviços, explica a economista
Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências.
Um
exemplo, diz ela, é quando uma quebra de safra, ou seja, um problema na
produção, faz o preço dos alimentos subirem.
"É
o que a gente chama de choque exógeno, ou seja, de fora. O Banco Central não
vai atuar nesse caso, ampliando os juros, porque não resolveria o problema",
diz. "O BC vai agir caso essa inflação comece a contaminar outros preços,
para conter um efeito secundário."
A
aposta do governo é que, com a economia em desaceleração, a atual inflação não
é resultado de excesso de demanda, mas de problemas na oferta resultantes de
questões internacionais como a guerra na Ucrânia - portanto abaixar os juros
não levaria ao descontrole - e geraria investimentos, incentivando o setor
produtivo e ampliando a oferta.
No
entanto, segundo Alessandra Ribeiro, o governo está equivocado na análise de
onde vem a inflação no momento. A inflação atual até tem componentes de um
choque de oferta, diz ela, mas também é de demanda, resultado inclusive de
políticas tomadas pelos governos para aquecer a economia após a pandemia.
"Não
podemos afrouxar (a política monetária), precisamos garantir o controle da
inflação com essa desaceleração. O cenário é desafiador, porque as metas para o
ano que vem são de 3% e as projeções estão acima de 4%", defende.
As
projeções - ou seja, as expectativas do mercado sobre a inflação futura -
também são um fator que influencia a inflação atual, explica Margarida
Gutierrez, professora de economia da UFRJ. "A inflação atual é de tudo,
demanda, oferta, de expectativas", diz.
Isso
porque o mercado ajusta preços com base nessa projeção e há diversos fatores
econômicos que estão indexados por essa expectativa.
Segundo
ela, a disputa de Lula com Campos Neto sobre os juros, inclusive, afeta
negativamente essa projeção porque aumenta as incertezas do mercado, que pode
entender a disputa com uma interferência política.
Vale
concorda. "A expectativa de inflação estava ancorada em 3% até começar
essa discussão. Depois disso, subiu um ponto e foi para 4%", diz.
As
expectativas também são afetadas pela confiança do mercado na capacidade do
governo de manter a meta fiscal, ou seja, não gastar além do limite e ampliar a
dívida pública.
Para
outros nomes que defendem a queda na Selic, como a deputada Tábata Amaral
(PSB), o esforço feito pelo Ministério da Fazenda para apresentar o arcabouço
fiscal ao Congresso seria um fator que permitiria a diminuição de juros sem
perder controle da inflação, já que arcabouço fiscal seguraria gastos
desenfreados dos governos (outro fator que causa inflação).
Vale
afirma, no entanto, que o arcabouço fiscal ainda tem muitas incertezas e ainda
não garante a responsabilidade do governo com as contas.
Ribeiro
concorda. "Para baixar a Selic é preciso uma série de certezas que o
arcabouço fiscal não foi capaz de fornecer. Então o governo precisa ter
paciência e promover reformas para resolver os problemas estruturais que fazem
com que os juros de equilíbrio precisem ser tão altos."
Ø
BC
não deve cortar juros antes do segundo semestre, diz economista
Os
últimos índices de inflação trouxeram ânimo para o mercado: vieram abaixo da
média das expectativas de muitos economistas. O IGP-M, conhecido como “inflação do aluguel”, por exemplo,
caiu 0,95% em abril e
está negativa em 0,75% no ano.
A prévia do IPCA – o IPCA-15 –
divulgada pelo IBGE, desacelerou para 0,57% em abril. Em 12 meses chegou
ao menor número desde 2020: 4,16%.
Em
semana de decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), os índices em
queda podem parecer um alívio e trazer esperança para quem aguarda a volta da
queda da taxa de juros, que está em 13,75% desde setembro do ano passado. Mas
não é bem assim, segundo o economista Samuel Pessoa, pesquisador do Ibre-FGV
(Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e chefe da
pesquisa econômica do JBFO.
“Nas
minhas contas, a inflação deve se estabilizar em torno de 5%, bem acima da
meta. E nessa toada ainda há o risco de voltar a crescer bem lentamente. É por
isso que não espero que o Banco Central corte a taxa de juros antes do segundo
semestre”, avalia Pessôa.
“Com
o aperto monetário, acho que a economia ao longo do ano deve mostrar sinais de
desaceleração. A taxa de desemprego deve subir um pouquinho. Acredito que na
reunião de junho o Conselho Monetário Nacional deve subir a meta do ano que vem
de 3% para 4%. E então, entre agosto e setembro haverá espaço para a taxa de juros
finalmente cair”, afirma.
Para
conseguir acompanhar a tendência dos preços na economia, o Banco Central olha
para os chamados núcleos de inflação, que indicam a persistência do aumento de
preço, diz Pessôa. “Gosto de olhar o que aconteceu com esses núcleos no último
trimestre anualizado porque mostra de maneira mais fiel à tendência do aumento
de preços”.
A
inflação que aconteceu por causa dos choques de oferta já está se revertendo,
avalia o economista. Bens de consumo durável, alimentos, tudo tem caído de
preço. Por isso que a inflação, que chamamos de inflação cheia, está caindo. “O
que tá acontecendo é que a inflação cai, mas a composição da inflação piora.
Por quê? Porque essa inflação que nós chamamos de inflação cheia cai, mas
serviços não”, explica o economista.
A
inflação realmente caiu, mas desde o novembro do ano passado ela voltou a
disparar por causa de serviços. Considerando o dia 15 de abril, quando o IBGE
divulgou a última prévia do IPCA, a média desses núcleos de inflação está 6,5%
comparada a abril do ano passado.
Ou
seja, bem acima da inflação “cheia”. Outro fator de pressão sobre ela é o
mercado de trabalho. Tirando os efeitos sazonais, a taxa de desemprego no país
está em 8,3%. O desemprego estrutural no Brasil é alto, é em torno de 9%. Ou
seja, estamos aquém do pleno emprego.
Por
isso que a inflação não deve continuar caindo nesse ritmo. Mas as pessoas
dizem: a inflação já caiu muito. Sim, ela caiu porque os choques de oferta
sobre os quais falamos no início se reverteram. “Agora não haverá mais
isso.”
O
economista lembra que a escalada teve início lá em 2019, quando começaram os
choques de oferta, intensificados por conta da pandemia a partir de 2020. “No
mundo só passamos por um período tão extenso, com tantos choques de oferta, há
cinquenta anos, lá na crise do petróleo na década de 1970”, diz.
“A
peste suína na China acabou com 60% do rebanho no país em 2019. Para compensar,
a China elevou as importações de carne, e isso fez o preço disparar. E o Brasil
é um importante exportador para o país asiático. Com menos carne aqui, todo
brasileiro sentiu essa alta de preços”, explica o economista.
Em
2019, o aumento do preço da carne foi o principal responsável pelo aumento da
inflação. Já em 2021, a mudança climática pesou no bolso do consumidor. A seca
que atingiu o país provocou a maior crise hídrica desde 1930, elevando – e
muito – o preço da energia elétrica.
“Simultaneamente,
no fim de 2020 e em 2021, a economia mundial voltou a crescer e em ritmo forte.
Mas ainda havia muita gente quarentenada em casa. Houve maior demanda por
notebooks por causa das aulas remotas, do trabalho remoto. Várias pessoas
decidiram trocar o celular a TV… Isso provocou um desequilíbrio na oferta,
especialmente dos semicondutores. Esse problema foi universal”, ressalta o
economista.
Enquanto
o mundo ainda enfrentava os gargalos de produção, veio a guerra entre Rússia e
Ucrânia, que elevou o preço do petróleo e do gás natural. Também aumentou o
custo do fertilizante, atingindo o agronegócio. Outra consequência: como Rússia
e Ucrânia estão entre as grandes produtoras de trigo e milho do mundo, o preço
do produto também subiu.
O
economista explica que esses sucessivos choques geram inflação. Ele lembra,
ainda, que os auxílios que os governos do mundo todo deram para a população que
passava por uma situação social vulnerável pesaram sobre as contas públicas.
Mas isso trouxe também uma demanda maior porque, bem ou mal, as pessoas estavam
com dinheiro. Ou seja, na saída da pandemia a economia cresceu.
É
quando começa um tipo diferente de inflação, já não mais causada pelos choques
de oferta. Apareceu agora uma inflação que é o resultado de excesso de demanda.
De uma taxa de desemprego baixa.
“Para
você ter uma ideia, a massa salarial real em março deste ano cresceu 10,8% em relação
a março do ano passado. Aí tem o que a gente chama de condição cíclica da
economia”, explica Pessoa. Como o mundo voltou forte e o desemprego caiu, a
inflação subiu. “Mas não por causa dos choques de oferta que a gente viu no
passado e sim por conta do excesso de demanda”, completa o economista.
Segundo
ele, um dos componentes que melhor refletem esse tipo de inflação – que é mais
persistente – são os serviços. “Serviço, por exemplo, não depende de câmbio,
não diminui ou aumenta por causa de seca, de problemas externos como a guerra.
Ou seja, serviços não sentem choques de oferta que são temporários. Serviço é
essencialmente mão de obra”.
Então,
os itens ligados aos serviços eles expressam melhor a componente de demanda da
inflação. Por exemplo, entretenimento, a parte de alimentação fora do
domicílio, dentista, toda a parte de turismo menos transporte, hotelaria por
exemplo, serviços pessoais como manicure, corte de cabelo, emprego domestico,
serviços financeiros, saúde particular, educação particular. Nada disso muda
quando há choques de oferta, quando o câmbio oscila ou quando existe.
Então
a inflação de serviços dá uma ideia de quão forte o excesso de demanda está
sobre a oferta. E é essa inflação, a de demanda, que o Banco Central quer
segurar com a taxa de juros.
Fonte:
BBC News Brasil/CNN Brasil
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