Ricardo
Nêgo Tom: Carta aberta de um macaco pedindo a cassação do senador Magno Malta
Desprezado, senador Magno Malta
Venho através desta missiva manifestar o meu
silvestre constrangimento e o meu símio repúdio às falas proferidas por vossa
excelência – nem sei se deveria estar usando esse pronome de tratamento com
alguém que falou o que o senhor disse - em decorrência dos acontecimentos
envolvendo o jogador Vinícius Júnior, que vem sendo sistematicamente linchado e
submetido às mais cruéis e covardes manifestações racistas, desde que foi jogar
na Espanha. Poderia estar me sentindo feliz pela sua citação à minha espécie,
se referindo a nós como inteligentes e como seres de um grau de evolução
próxima ao homem. Porém, eu acabo me sentindo ofendido por ser considerado
alguém com o raciocínio próximo a homens como o senhor. Adendo ainda, que a
diferença entre mim e a sua pessoa, não está apenas no rabo. O meu cérebro é
capaz de produzir pensamentos e ações mais inteligentes do que as suas.
Portanto, peço que não me compare mais a gente como o senhor, que é capaz de
naturalizar e relativizar a dor e o sofrimento de um ser da sua mesma espécie.
Aqui no planeta dos macacos nós jamais faríamos isso. Se mexeu com um, mexeu
com todos. E movemos savanas e pântanos para fazer justiça a um dos nossos.
Encheu-me de vergonha, ouvi-lo pedir para que os
jogadores negros entrassem em campo com uma leitoa branca no colo, para provar
que não têm nada contra os brancos e que até os comem. A minha inteligência,
tão elogiada pelo senhor, só me permite fazer uma leitura a respeito dessa
fala. És um completo imbecil! Além de naturalizar a desumanização da espécie de
vocês, o senhor ainda sexualiza a leitoa numa piada de duplo sentido sem a
menor graça, que o senhor deve ter aprendido com o humorista Léo Lins. Que também
não é muito bem-visto por aqui. Aqui no nosso planeta, o senhor teria
sido retirado à unha do plenário e conduzido imediatamente à jaula, por não ter
condições de conviver com os demais membros do nosso grupo. Nunca que o senado
do planeta dos macacos teria um representante como o senhor. Seria a vergonha
da espécie. E ainda dizem que nós somos primatas. O senhor também comparou o
racismo com uma picada de cobra, dizendo que a cura está no próprio veneno.
Macacos me mordam, mas será que o senhor quis dizer que racismo se combate com
racismo? Como um negro pode cometer racismo contra um branco, senador? Ou o
senhor também acredita em racismo reverso?
Quando os macacos-prego são atacados pelos seus
predadores, e a cobra que o senhor citou é um deles, eles se juntam a outras
espécies de macacos, inclusive, de cores diferentes, que, juntas e trabalhando
em cooperação, agem para afugentá-los e evitar o ataque. E não pensamos em
comê-los não. Estava conversando com a minha companheira macaquinha aqui, e
tentando entender como a espécie humana é capaz de naturalizar ataques feitos
aos seus iguais. Que raça estranha a de vocês, hein? O senhor também falou que
racismo é inveja, e que os racistas atacam os pretos famosos porque não podem
ser eles. Você é burro, cara? Racistas são como predadores, eles só querem se
alimentar com a carne e com o sangue de seus alvos. Ou você acha que a cobra
queria saber trepar num galho como um macaco ou que a lagartixa gostaria de
voar como uma mosca? Eles apenas se sentem maiores, superiores, os donos da
selva toda, e tentam impor essa suposta supremacia agindo de forma covarde e
violenta para destruir a existência daqueles que julgam inferiores. Olha! Eu
que não queria habitar em um planeta onde alguém com um raciocínio tão tosco consegue
ser eleito senador. Imagino como deve raciocinar aqueles que o elegeram.
Não vou me estender mais, porque esse assunto me
deixa com as barbas de molho. Espero que a parte da sociedade do seu planeta
que não pensa como o senhor, se mobilize para cassar o seu mandato. Porque é
inadmissível que o senhor continue ocupando um galho, digo, uma cadeira, no
senado federal do seu país. Aqui no meu planeta o senhor não serviria nem para
fiscal de pântano. Sugiro também que os jogadores de futebol pretos entrem em
campo com o senhor no colo, para provar que não têm preconceitos contra os
asnos, mas que entendem que o senado não é o habitat natural desses animais. E,
para terminar, dispenso a sua preocupação com a minha espécie. Não estamos
expostos não, viu? Estamos bem e muito melhor do que aqueles que são obrigados
a conviver com o senhor. Cada macaco no seu galho e cada burro no seu estábulo.
A sociedade protetora dos animais tem atuado até melhor do que a sociedade
protetora dos humanos. Pelo menos, quando eu vejo o caso de um animal que
estava sendo maltratado, a solidariedade às vezes é maior do que quando os maus
tratos são contra um ser humano. Enfim, aguardo ansiosamente a sua cassação e o
seu banimento da vida pública após essas declarações. E nunca mais diga que eu
sou parecido com o senhor. Por favor!
Sem mais!
Ø Visitando Magno Malta na Wikipédia. Por Paulo Henrique Arantes
Magno Malta é um símbolo. Encarna o oportunismo
político de alguns pastores evangélicos que, com a Bíblia nas mãos, apregoam
seu medievalismo. Tempero do Mundo era o nome da banda gospel que integrou,
cujo repertório este colunista nunca ouviu, por graça divina. Temperar o mundo
com obscurantismo é a missão dele e de assemelhados.
A fala de Malta sobre o caso Vini Jr. foi repulsiva,
como tem sido repulsiva toda sua atuação parlamentar. Em 2016, comparou o
impeachment da presidenta Dilma Rousseff a um “enterro de indigente”.
A Wikipédia lembra hoje que o perfil de Magno Malta
na enciclopédia livre, em 2016, “foi adulterado por um computador localizado
dentro do Senado Federal, e todos os seus escândalos contidos no verbete foram
apagados”.
A capivara de Malta havia sumido da Wikipédia, mas,
ao que parece, foi restaurada. Reproduzo aqui alguns trechos biográficos do
senador, segundo a enciclopédia livre, à guisa de aculturamento:
# Acusações de denúncia falsa e tortura:
Em setembro de 2018, o ex-cobrador de ônibus Luiz
Alves de Lima acusou o político de tê-lo torturado a ponto de quase ter sido
morto, após acusá-lo de ter estuprado da própria filha. Magno Malta convocou a
imprensa acusando o cobrador de estuprador, sendo apresentado pela mídia como o
herói que denunciou o caso. Face às provas que indicavam não ter havido
violência contra a menor, Luíz Alves de Lima foi absolvido em 2016.
Praticamente cego, devido às torturas a que foi submetido, e sem condições de
voltar a trabalhar, restou-lhe buscar indenização ao Estado, ficando com um
pensão de R$ 2 mil mensais.
# Ministério dos Transportes:
O chamado "escândalo do Ministério dos Transportes"
revelou acertos entre empreiteiras com o PR, partido de Magno Malta, que
receberia propinas em troca de obras superfaturadas. O escândalo derrubou o
ministro Alfredo Nascimento (PR-AM) e Geraldo Lourenço, diretor de
Infraestrutura Ferroviária e diretor interino de Administração e Finanças do
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), indicado por
Magno Malta. Outra indicação do senador no Ministério foi seu próprio irmão,
Maurício Pereira Malta, para o cargo de chefia da assessoria parlamentar do
Dnit, que cuida dos interesses dos parlamentares ligados às obras do Orçamento.
# "Sanguessugas":
Em 2007, seu nome foi envolvido entre os políticos
que desviaram recursos públicos destinados à compra de ambulâncias no
Ministério da Saúde. A família Ventoin, dona da empresa Planam, afirmou ter
dado um Fiat Ducato para Malta como parte do pagamento de propina pela
apresentação e liberação de uma emenda parlamentar para aquisição de
ambulâncias. Chegou a ser indiciado pela CPI dos Sanguessugas, mas acabou
absolvido na Comissão de Ética do Senado, que seguiu o parecer do relator
Demóstenes Torres, que orientava arquivamento por falta de provas, em 28 de
novembro daquele ano, juntamente com os dois outros senadores acusados: Ney
Suassuna e Serys Slhessarenko.
# Atos secretos:
O nome de Magno Malta também aparece entre os
beneficiados dos atos secretos que vieram a público após uma série de denúncias
sobre a não publicação de atos administrativos, tais como de nepotismo e
medidas impopulares, por exemplo, a extensão da assistência odontológica e
psicológica vitalícia a cônjuges de ex-parlamentares, como noticiado na mídia
em junho de 2009. O então professor da Faculdade de Direito da UERJ, Gustavo
Binenbojm afirmou "A não publicação é o caminho mais usado para a prática
de improbidade administrativa. Evita o conhecimento da sociedade e dos órgãos
de controle. Provavelmente foi este o objetivo". Investigações internas do
Senado, motivadas pelas denúncias, apontaram irregularidades em todos os contratos
de prestação de mão de obra.
# Recebimento de valores não declarados:
Em agosto de 2016, a Folha de S. Paulo publica
trechos de e-mails enviados em 8 de setembro de 2014, indicando um suposto
repasse de 100 mil reais não declarados a Magno Malta. Nota fiscal referente a
uma consultoria prestada à fabricante de móveis Itatiaia com valor superior ao
que seria recebido (nota fria) seria utilizada para a operação. O senador
negou, por nota à imprensa, o recebimento de dinheiro da Itatiaia e ressaltou não
ter cometido crime algum, relacionando as acusações à exposição de sua imagem
durante o impeachment de Dilma Rousseff.
Ø Racismo coletivo e elogio ao nazismo. Por Rui Martins
Milhares de torcedores num estádio cheio repetindo a
altos brados, durante 70 minutos, xingamentos contra um jogador de futebol, por
ser negro, equivalem a um linchamento. Inacreditável não ter havido uma
suspensão definitiva do jogo com sua anulação ou a decisão de transferir a
partida para outra data sem público. As declarações ou constrições posteriores
pronunciadas e divulgadas pelo governo espanhol, diante da vergonhosa imagem
exposta do país por esse escândalo mundial de racismo coletivo num estádio de
futebol, chegam um tanto tarde.
O que esperavam a liga espanhola de futebol, as
instâncias esportivas do pais, o ministro de esportes, o governo espanhol no
seu todo para intervir, já que não foi essa a primeira vez? A FIFA e a UEFA só
interferem no caso de haver vítimas fatais, ou desconhecem ser o racismo um
crime punido pela maioria dos países e, quem sabe, mesmo pela totalidade dos
países europeus, sem se esquecer da ONU e dos órgãos internacionais de defesa
dos direitos humanos?
E os patrocinadores dos clubes espanhóis toleram
esse clima de arena, consideram normal a excitação lúdica racista para a
promoção de seus produtos comerciáveis?
Haveria essa reação mundial sem a denúncia da
imprensa? Talvez não, essa não foi a primeira vez que Vinícius Júnior foi alvo
de racistas. Mas os dirigentes do futebol espanhol preferiam fechar os olhos…
Uma mostra: o árbitro Ricardo de Burgos Bengoecheado, 37 anos, no encontro Real
Madrid com Valência, registrou apenas um caso de torcedor chamando Vinícius de
macaco, tendo interrompido o jogo por oito minutos por incidente racista. Na
sequência, Vini Jr. acabou sendo expulso e sujeito a não participar nos
próximos jogos do Real Madrid. Seria o caso da vítima ser punida?
Gianni Infantino, presidente da FIFA, diante das
repercussões da crise criada, afirmou já existir um procedimento específico para
se aplicar no caso de racismo durante o jogo. Deve ser suspensa a partida, os
jogadores se retiram e se faz um anúncio no estádio informando que, se
prosseguirem os insultos racistas, o jogo será suspenso e a vitória com seus
três pontos será atribuída ao clube do jogador ou jogadores alvos de racismo.
Infantino não disse por que esse procedimento ainda não é obrigatório, mas
afirmou que deveria ser adotado por todos os países. E por que ainda não foi?
Por sua vez, embora também tardiamente, Luis Rubiales,
presidente da Federação Real Espanhola de Futebol, reconheceu haver um problema
de comportamento, de educação e de racismo no país, confessando-se consternado
por atos que devem ser erradicados. O comitê de competição da Federação,
dirigido por Rubiales, tem poderes para fechar tribunas, estádios e convocar
uma Comissão governamental contra a violência, xenofobia e racismo nos
esportes. Não se entende por que essa comissão ainda não foi convocada.
Não se pode esquecer estar uma parte do racismo
espanhol ligada diretamente à extrema-direita fascista, vinda do antigo
movimento fascista Fuerza Nueva, dentro da qual se destaca o partido Vox,
ultraconservador ultranacionalista, militarista, racista, clerical,
pró-imperialista, antifeminista e neoliberal. Partido que conta com o apoio do
presidente de La Liga, Javier Tebas Medrano.
Essa crise do racismo espanhol no futebol lembra o
velho franquismo e sua longa existência na Europa, mais longa que o
salazarismo, como uma perniciosa doença cujas raízes permanecem vivas e, vez ou
outra, afloram.
Esse cheiro do enxofre nazista não ficou restrito,
na semana, ao episódio vergonhoso do racismo na Espanha. A pretexto de fazer um
elogio familiar citando a atual guerra da Ucrânia contra a Rússia, o deputado
federal Paulo Bilynskyj, do PL bolsonarista, citou o avô Bohdan Bilynskyj. Seu
avô teria sido um herói por ter lutado aos 20 anos contra os comunistas
soviéticos numa guerra mundial.
Ora, o deputado que era delegado, portanto deve ter
feito curso universitário em Direito, deve saber que, na época do seu avô,
havia uma guerra mundial dos aliados EUA, Inglaterra e União Soviética contra a
Alemanha nazista. E que lutar contra os comunistas soviéticos equivalia a lutar
com os nazistas de Adolf Hitler.]
E que a 14.ª Divisão de Granadeiros da Waffen-SS
Galizien, à qual pertencia seu venerado avô, era uma divisão nazista de
ucranianos comandada por oficiais alemães. E que ao fazer o elogio póstumo do
avô, emigrado ao Brasil em 1948, três anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial,
fez também o elogio da Waffen-SS e não dos ucranianos que hoje lutam contra a
Rússia. Qualquer dúvida, perguntem ao Zelenski.
Fonte: Brasil 247/Observatório da Imprensa
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