Mineração
avança na Bahia e leva medo e insegurança para 240 municípios com projetos
ativos
A Bahia ocupa, atualmente, a terceira
posição no ranking nacional de produção minerária, ficando atrás apenas
de Minas Gerais e do Pará. E longe de ser uma notícia que alegra
as comunidades do entorno desses empreendimentos, esse avanço da mineração tem levado medo e insegurança para os sertões
baianos.
De acordo com dados da Companhia Baiana de
Pesquisa Mineral (CBPM), entre 2017 e 2022, 240 municípios baianos
receberam projetos minerários. O Movimento pela Soberania Nacional popular
na Mineração (MAM) destaca que há três eixos principais de impactos
negativos desses projetos nos territórios, estruturais, ambientais e
econômicos, e que os retornos econômicos para o estado e para o país,
são mínimos.
Rafael Augusto Nunes, direção estadual do MAM,
explica que, para entender a mineração no Brasil de hoje, é preciso
lembrar da relação umbilical do setor com a formação do Brasil colônia.
“Sabemos que desde o início do processo
de invasão e colonização das terras que viriam a se
constituir como Brasil, o objetivo dos colonizadores sempre foi os metais
preciosos. Essa relação – de espoliação, saque dos recursos
naturais – se mantem estrutural”, ressalta.
Um outro importante problema encontrado
pelo MAM em praticamente todos os projetos minerários na
Bahia – e fora dela – é a ausência de escuta das comunidades em
que são instalados. “As comunidades não têm direito de voz dentro dos processos
de instalação das minas, os projetos vêm de cima para baixo, prontos, o que
caracteriza uma violação nos direitos das comunidades e seus
territórios”, destaca Rafael.
Dentre os impactos ambientais,
o MAM destaca o cercamento de terras, a contaminação do ar, solo, água e poluição sonora, por
utilização de dinamites e tráfego de caminhões, por exemplo. “A ampla
utilização irrestrita de água é sem dúvida um dos maiores impactos da
mineração nos territórios. Podemos incluir ainda o vasto desmatamento de
diversos hectares”, aponta Rafael Nunes.
Mineração na Bahia
De acordo com dados do CBPM levantados
pelo MAM, ao longo dos anos de 2019 e 2020, a Bahia investiu R$
600 milhões em pesquisa mineral, incluindo a fase de autorização de pesquisa e
de lavra. “A Bahia é, disparado, o estado que mais investiu em
pesquisa mineral. Se considerarmos o período de 2010 a 2020 a cifra ultrapassa
R$ 1,8 bilhão em gastos. Ou seja, a mineração é um fato consumado no
estado baiano”, aponta.
O MAM tem acompanhado diversas comunidades
impactadas pela mineração na Bahia, e aponta que sempre há profundas
alterações nas dinâmicas dessas comunidades, seja nos modos de se organizar, na
relação com o meio até nos modos de vida. Não raro, esses impactos acabam
por gerar conflitos internos nos territórios.
Um desses territórios apontados pelo movimento é o
município de Caetité e região, no Alto Sertão da Bahia. Lá, o
projeto minerário realizou um processo amplo de compra de terras, com inúmeras
denúncias de grilagem. “Decorrente disso, houve um amplo processo de
conflitos por terra e água no território, que se alastra até hoje, impactando
comunidades de outros municípios, como Pindaí e Licínio de
Almeida, por exemplo”, conta Rafael.
Serra da Chapadinha
Diante desse cenário, não é difícil entender por que
as comunidades do entorno da Serra da Chapadinha, na Chapada Diamantina, se alarmaram e criaram uma
ampla campanha contra um projeto minerário ainda em fase de pesquisa na região.
As áreas que receberam licença de estudo para a empresa Mineração Novo
Rumo ficam no município de Itaetê, sendo algumas delas interditadas
pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) em abril.
Tentamos entrar em contato com a mineradora e com a CBPM, mas não fomos
atendidos.
Em nota, o Inema reconhece que a área em
que a pesquisa minerária foi liberada é rica
em nascentes e rios, sendo um trecho conservado de Mata
Atlântica entre os municípios
de Itaetê, Mucugê e Ibicoara. Um dos rios mais próximos da
área pesquisa é o Una, afluente do Rio Paraguaçu. Segundo
levantamento do Grupo Amigos do Rio Una, a área abriga também três
comunidades quilombolas e dez assentamentos rurais e há mais de 60 processos
para a região ativos na Agência Nacional de Mineração (ANM), que
incluem pedidos de licença de pesquisa e de implantação de projetos de
mineração. Também entramos em contato com o Inema, mas até o momento, não
obtivemos respostas.
O professor Ricardo Fraga
Pereira do Instituto de Geociências (Igeo) da Universidade
Federal da Bahia (UFBA) aponta que a Serra da Chapadinha tem
grande relevância ambiental, abrangendo o alto curso da bacia do Paraguaçu e
localizado nas proximidades de três unidades de conservação: o Parque
Nacional da Chapada Diamantina, o Parque Municipal do
Espalhado (Ibicoara/BA) e o Parque Municipal das
Cachoeiras (Andaraí/BA).
“Os brejos de altitude e os corpos d'água ali
presentes abastecem o rio Paraguaçu, antes desse rio atingir a
depressão Sertaneja e a Caatinga, assegurando uma parcela
importante de água que vai lhe garantir perenidade – impedindo que ele seque –
ao longo de todo o seu trajeto no semiárido baiano”, explica o pesquisador. Ele
acrescenta ainda que a Serra da Chapadinha abriga os chamados brejos
de altitude, importantes ecossistemas para a recarga dos aquíferos do Alto
do Paraguaçu.
O rio Paraguaçu, ainda de acordo com o
pesquisador, encontra-se em situação crítica de conservação, devido
principalmente ao desmatamento em suas margens, pressão da agropecuária
extensiva e problemas na gestão das águas. E lembra que é este mesmo rio que
abastece boa parte da Região Metropolitana de Salvador. Caso o projeto de
mineração de ferro seja implementado no território, poderia afetar diretamente
a bacia do Paraguaçu justamente em um dos seus pontos mais bem
conservados, que é a bacia do seu afluente, o rio Una.
O Grupo Amigos do Rio Una, em nota enviada
ao Brasil de Fato, defende que devido aos conflitos do uso da
água em outros pontos do Alto Paraguaçu, a preservação da Serra
da Chapadinha como zona de recarga hídrica se torna muito relevante, tendo
em vista sua importância tanto para as comunidades locais e como a região
metropolitana de Salvador. Diante disso, diversos municípios ao longo do
rio Paraguaçu protocolaram moções de apoio à criação da unidade de
conservação da Serra da Chapadinha, junto à Secretaria Estadual do
Meio Ambiente (Sema).
Abraão Brito, da direção estadual do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), conta que o rio Una atravessa
diversos assentamentos nos municípios de Itaetê e Iramaia.
“Atravessa um dos assentamentos muito produtivos, o Dandara”, conta. E
prevê impactos negativos para as famílias de dez assentamentos, caso se
implante uma mina de ferro nesta bacia, inclusive nas atividades de turismo de
base comunitária exercidas por vários deles. Diversas cachoeiras com interesse
turístico que se encontram nas unidades de conversação próximas poderiam ser
afetadas pelos impactos no rio Una.
Rafael Nunes, do MAM, aponta que este tem sido
um processo recorrente nos locais onde há projetos minerários em funcionamento.
“Toda e qualquer região que recebe empreendimento minerário de grande
porte tem suas estruturas econômicas alteradas. Em geral as atividades já
existentes deixam de existir, por exemplo, a agricultura familiar e
o turismo de base comunitária”, diz.
Futuro da mineração
O militante do MAM segue explicando que,
normalmente, os empregos criados por mineradoras nas regiões de instalação são subempregos, terceirizados e temporários.
“O caldo da empregabilidade, os melhores postos, são em geral trazidos de
outras regiões. Engenheiros, encarregados, não são formados na região”,
acrescenta.
Além disso, em geral, as cidades não têm
estrutura para a ampliação da população residente, o que gera
encarecimento de aluguéis e alimentação, precarização de serviços, como saúde e
educação, e, em alguns casos, aumento da violência, tráfico de drogas, exploração e violência sexual. Tudo isso com
um retorno econômico baixo para os municípios. De acordo com dados da ANM,
as alíquotas para as mineradoras variam entre 1% (para rochas, areia etc.) a
3,5% (para ferro).
O pesquisador do Igeo/UFBA, Ricardo Fraga
Pereira, acredita que a mineração é uma atividade importante dentro da dinâmica
social atual. “Todavia, ela não deve ser praticada em qualquer lugar e exige
uma gestão atenta e eficiente em todas as partes envolvidas nesse processo,
desde a sociedade, que consome seus produtos; passando pelos operadores que
investem e auferem lucros; até o Estado, que fiscaliza e regula suas ações”,
diz.
Já Rafael Nunes, do MAM, defende que,
dentro do modo de produção e organização capitalista, é muito difícil a
existência de uma atividade exploratória da mineração de
maneira sustentável, quer seja devido ao desperdício que o sistema
capitalista imprime em suas relações produtivas, quer seja
pela exploração dos/as trabalhadores/as e dos recursos naturais.
“Porque a lógica não é de atender às necessidades humanas, ou até mesmo um
desenvolvimento amplo da sociedade. A exploração dos recursos minerários atende
a lógica do mercado”, acredita.
Por fim, ele apresenta questões que considera
importantes para pensar o futuro da mineração. “O ponto é: para quem serve essa mineração? Por
que não temos soberania na mineração? E como podemos garantir que os
territórios explorados, vão de fato, traz retorno para a população local,
regional e nacional?”, questiona.
Fonte: Brasil de Fato
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